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II SÉRIE-A — NÚMERO 32

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III. Direito Comparado – adequação de legislação à Convenção de Istambul

Um recente2 relatório da Amnistia Internacional, denominado «Right to be free from rape», concluiu que a

legislação concernente ao crime de violação permanece «inadequada e ineficaz na maioria dos Países

europeus», uma vez que a formulação do crime de violação assenta ainda na violência física, ameaça ou coação,

contrariando desta forma o que se encontra vertido na Convenção de Istambul.

Destarte, de um total de 31 Estados europeus, apenas 83 apresentam uma definição de violação baseada no

consentimento, considerando a Amnistia Internacional que esta conjuntura representa uma miríade de

incongruências legislativas e políticas, que conduzem à promoção da culpabilização da vítima de violação

conjugada com a perpetuação da impunidade dos agressores.

Portugal faz parte do lote de Países em que a definição do crime de violação assenta na violência, ameaça

e coerção e não na falta de consentimento.

Sublinha-se a este propósito, que o Comité das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação contra

as Mulheres aconselhou diversos Países europeus, nos últimos anos, a adaptarem os respetivos ordenamentos

jurídicos de forma a integrar plenamente as recomendações vertidas na Convenção de Istambul.

A título de exemplo, traz-se à colação os casos da Islândia e da Suécia4 onde as legislações foram adaptadas,

em março e maio deste ano, respetivamente, de forma a integrar as premissas patentes na Convenção de

Istambul – onde sobressai a modificação do tipo objetivo concernente ao crime de violação.

No caso alemão, a definição legal de violação apresenta como base o consentimento, havendo sido em 2016

eliminado o requisito de necessidade de prova da existência de resistência física ao autor do crime por parte da

vítima – elemento que continua a ser valorizado pela Jurisprudência portuguesa em diversos casos.

Face ao exposto, o PAN entende que o Código Penal deve ser alterado no sentido de considerar como

violação todo e qualquer ato sexual sem consentimento assente na cópula, coito anal, coito oral ou introdução

vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos, alterando desta forma a formulação do crime de violação.

O PAN considera ainda que devem ser revogados os artigos 165.º e 166.º CP concernentes aos crimes de

abuso sexual de pessoa incapaz de resistência e abuso sexual de pessoa internada, dado que estes devem ser

integrados nos crimes de coação sexual e violação, mas funcionando como circunstâncias agravantes, uma vez

que, se reportam a situações de pessoas com especial vulnerabilidade, onde a reprovação social e legislativa

deve revestir maior intensidade.

IV. Endurecimento das molduras penais nos crimes contra a liberdade sexual

A Jurisprudência portuguesa evidencia uma conjuntura em que descortinamos uma constante diminuição da

importância atribuída aos crimes de âmbito sexual.

Cumpre sublinhar que, e considerando os dados emanados pelo Ministério da Justiça, relativos às decisões

tomadas pelos Tribunais de primeira instância em 2016, a pena de prisão suspensa foi aplicada em 58% das

404 condenações por crimes sexuais em que são conhecidas as sanções decretadas.

Neste universo, apenas 37% dos agressores foram condenados a penas de prisão efetiva e 5% a penas mais

leves, como prisão substituída por multa ou trabalho comunitário.

A título de exemplo, nos casos de coação sexual, as condenações a prisão efetiva são tão residuais, que

estão protegidas pelo segredo estatístico, existindo, porém, a certeza que das 32 condenações por este crime

em 2016 (incluindo as tentativas e os casos agravados) 23 terminaram em penas de prisão suspensas.

Já nos casos de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, a percentagem de condenações a prisão

efetiva fica nos 53% e a penas suspensas nos 47%.

Apesar de em 2014 e 2015 o número absoluto de condenações por estes quatro crimes sexuais ter descido

(de 465 para 341), em termos percentuais a proporção de penas de prisão efetiva e suspensas quase não se

2 De 24 de Novembro do presente ano. 3 Irlanda, Reino Unido, Bélgica, Chipre, Alemanha, Islândia, Luxemburgo e Suécia, sendo que os dois primeiros cumprem este requisito, apesar de não terem ainda ratificado a convenção. 4 A reforma na legislação sueca surgiu como resposta a vários anos de ativismo incessante por parte de grupos de defesa dos direitos da mulher.