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25 DE JANEIRO DE 2020

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e/ou potencial) que com eles mantém.

Em causa está uma responsabilidade do humano, como indivíduo em relação com um concreto animal, e

também como Homem, i.e., enquanto membro de uma espécie, cujas superiores capacidades cognitivas e de

adaptação estratégica o investem numa especial responsabilidade para com os seres vivos que podem ser (e

são) afetados pelas suas decisões e ações».

A douta posição supramencionada é subscrita em elementos jurisprudenciais como são exemplos o Acórdão

do Tribunal da Relação de Évora de 18/06/2019 (Processo n.º 90/16.4GFSTB.E1) e o Acórdão do Tribunal da

Relação de Évora de 11/04/2019 (Processo n.º 1938/15.6T9STB.E1).

Mais, o Acórdão da Relação do Porto de 19.02.2015 (Processo n.º 1813/12.6TBPNF.P1) é bastante

elucidativo ao estabelecer que «constitui um dado civilizacional adquirido nas sociedades europeias modernas

o respeito pelos direitos dos animais. A aceitação de que os animais são seres vivos carecidos de atenção,

cuidados e proteção do homem, e não coisas de que o homem possa dispor a seu bel-prazer, designadamente

sujeitando-os a maus tratos ou a atos cruéis, tem implícito o reconhecimento das vantagens da relação do

homem com os animais de companhia, tanto para o homem como para os animais, e subjacente a necessidade

de um mínimo de tutela jurídica dessa relação, de que são exemplo a punição criminal dos maus tratos a animais

e controle administrativo das condições em que esses animais são detidos».

Como a própria jurisprudência mais atual considera, o paulatino reconhecimento de direitos aos animais

consubstancia um verdadeiro avanço civilizacional, implicando a sua consideração enquanto indivíduos dotados

de valor intrínseco que representam fins em si mesmo.

Esta ideia é sustentada, outrossim, na doutrina, como é exemplo o Professor José Luís Bonifácio Ramos que

tece a seguinte consideração: «o nível jurídico de proteção do animal revela, atualmente e de alguma maneira,

o nível civilizacional de uma determinada sociedade».

Ainda a este respeito, Luís Greco defende que «a proteção dos animais é individualista; ela se ocupa do

animal individualmente considerado», sendo que em contrapartida, «a proteção do meio ambiente é holística»

(…) «trata-se do equilíbrio de um sistema como um todo». Assim, «a proteção de animais não é proteção do

meio ambiente», apresentando tutela penal «não em função do ser humano, mas em si mesmos» pelo que os

animais «têm de possuir valor intrínseco».

Ainda a opinião do excelso Professor Menezes Cordeiro que considera existir um fundo ético-humanista,

«que se estende a toda forma de vida, particularmente à sensível. O ser humano sabe que o animal pode sofrer;

sabe fazê-lo sofrer; sabe evitar fazê-lo. A sabedoria dá-lhe responsabilidade. Nada disso o deixará indiferente –

ou teremos uma anomalia, em termos sociais e culturais, dado o paralelismo com todos os valores humanos»3.

Torna-se fácil depreender que o alargamento da tutela penal aos animais sencientes vertebrados começa a

tornar-se como relativamente pacífico – como bem salienta Alexandra Reis Moreira4, e atendendo à tutela dos

animais enquanto seres sensíveis à luz do critério da capacidade de exteriorização do sentimento percetível

pelo homem, afigura-se como incompreensível a limitação desta tutela penal aos animais de companhia –

«resulta clamorosamente incongruente que, por não se destinar a entreter e fazer companhia, um animal da

mesma espécie, mas utilizado para outras finalidades (…), fique excluído da tutela penal».

A mencionada autora revela a perplexidade pela inexplicada restrição da tutela penal aos animais de

companhia, uma vez que esta contradiz os preâmbulos dos projetos de lei que estão na base da Lei n.º 69/2014,

designadamente do Projeto de Lei n.º 474/XII que se referia precisamente à «natureza própria dos animais

enquanto seres vivos sensíveis» e à necessidade de «criação de um quadro jurídico adaptado às suas

especificidades», defendendo inequivocamente o alargamento da tutela penal aos animais sencientes

vertebrados, como de resto acontece no §17 da lei alemã de proteção dos animais, o que irá ser abordado infra.

Neste sentido, refere também Marisa Quaresma dos Reis5 que «os grandes passos dados na área da

neurociência muito contribuíram para a desmistificação das posições cartesianas aplicadas aos animais, que

não mais poderão vingar. É cada vez mais evidente que muitos animais são dotados de uma vida mental

consciente, com capacidade de sentir prazer e dor, têm diversos tipos de experiências sensoriais, sentem medo,

stress ou alegria, produzem memórias, têm desejos e agem de acordo com intenções próprias. O português

3 Em «Tratado de Direito Civil Português», v. I, t. II, p. 214, ed. Livraria Almedina. 4 Moreira, Alexandra Reis, «Perspectivas quanto à aplicação da nova legislação» in Animais: deveres e direitos, textos organizados por Maria Luísa Duarte e Carla Amado Gomes, ICPJ, 2015, Lisboa, p. 159. 5 «Direito Animal – Origens e desenvolvimentos sob uma perspetiva comparatista», in Animais: Deveres e Direitos – Conferência promovida pelo ICJP em 11 de dezembro de 2014, Maria Luísa Duarte e Carla Amado Gomes (coordenadoras), maio 2015, p. 7274.