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16 DE JULHO DE 2020

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desde logo a forma de aprovação por resolução.

De forma muito clara Jorge Miranda e Jorge Pereira da Silva sublinham precisamente que as resoluções

«não são atos legislativos», mas antes «atos políticos», que se projetam «com relevância imediata no âmbito

do Estado-poder; contendem com a sua dinâmica organizativa e funcional; vinculam-se, sobretudo, ao

principio da interdependência dos órgãos de soberania», não deixando, todavia, de poder adquirir eficácia

externa, especialmente os que afetam de modo direto os cidadãos, entre estas pontuando, como referem, «de

certa maneira, as de aprovação de convenções internacionais».

Se dúvidas subsistissem, compaginada com as disposições que encontramos e já referimos sobre as

competências legislativas do Governo, a questão torna-se ainda mais clara, visto que aí, na alínea c) do n.º 1

do artigo 197.º, fica inequivocamente claro que o ato de aprovação de uma convenção internacional (no caso,

os acordos cuja aprovação não seja da competência da Assembleia da República ou que a esta não tenham

sido submetidos) corresponde ao exercício de competências políticas do Governo, e não de competências

legislativas.

Em conclusão, o exercício das competências parlamentares no que respeita à aprovação de convenções

internacionais, ainda que possa implicar a adoção de um texto normativo, tem natureza claramente distinta do

exercício das competências legislativas da Assembleia e sujeita-se sempre a uma forma distinta de aprovação,

a de resolução.

c. O objeto das iniciativas legislativas admitidas pela Lei n.º 17/2003

Perante a conclusão do ponto anterior, haverá, pois que interpretar em conformidade o disposto na Lei n.º

17/2003, de 4 de junho, aferindo se o objeto de uma iniciativa legislativa pode versar a desvinculação (ou

vinculação) a uma convenção internacional. A resposta parece-nos ser inequivocamente negativa, por leitura

do disposto quer no artigo 1.º quer no proémio da referida lei, em articulação com o texto constitucional.

Em primeiro lugar, o artigo 1.º determina que a lei «regula os termos e condições em que grupos de

cidadãos eleitores exercem o direito de iniciativa legislativa junto da Assembleia da República, nos termos do

artigo 167.º da Constituição, bem como a sua participação no procedimento legislativo a que derem origem.»

Conforme referido, o artigo 167.º da Constituição tem por objeto a iniciativa legislativa em sentido rigoroso e

estrito, ou seja, a iniciativa dirigida à produção de um ato legislativo ordinário da Assembleia da República, o

que desde logo precludiria o recurso a este mecanismo de participação cidadã.

Em segundo lugar, o proémio do artigo 3.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, é igualmente explícito ao

elencar quais as matérias que podem ser objeto de uma iniciativa legislativa popular: «a iniciativa legislativa de

cidadãos pode ter por objeto todas as matérias incluídas na competência legislativa da Assembleia da

República, salvo» as que de seguida enuncia. Não se trata, pois, de enquadrar numa das exceções constantes

das alíneas a exclusão desta matéria da iniciativa legislativa, mas logo a partir da delimitação do objeto

concluir que a vinculação ou desvinculação de uma convenção internacional não se enquadra de todo no

conceito de competência legislativa da Assembleia da República5.

Neste quadro, deve concluir-se que o conteúdo do Projeto de Lei n.º 1195/XIII não cumpre os requisitos

Coimbra, 2010, p. 308-309 e 315 ss. 5 Um dos pareceres remetidos pelos subscritores da iniciativa legislativa de cidadãos, de autoria do Prof. Doutor José Lucas Cardoso,

oferece um argumento distinto no sentido da admissibilidade da iniciativa, assente na existência de inúmeras inconstitucionalidades na Resolução República n.º 35/2008, de 29 de julho (Aprova o Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa), nos termos que se transcrevem: «Ora, considerando as inconstitucionalidades em apreço, no caso da Assembleia da República considerar, pela maioria constitucionalmente definida para as deliberações em plenário, corresponder ao interesse público a revogação da Resolução n.º 35/2008 não estará a agir no exercício de uma competência política activa strictu-sensu de vinculação internacional do Estado português (cfr. artigo 161.º, i), CRP) mas, ao invés, no exercício da competência de fiscalização que a habilita a vigiar pelo cumprimento da Constituição (cfr. artigo 162.º, a), CRP).»(Grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, nos termos da opção do autor do referido parecer).Sendo, por um lado, questionável, que a forma de controlo da constitucionalidade por parte da Assembleia da República deva assentar numa revogação do ato alegadamente inconstitucional, quando quer o seu Presidente, quer um décimo dos Deputados dispõem de legitimidade ativa para requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstrata sucessiva, nos termos do n.º 2 do artigo 281.º, o parecer admite que o fundamento a invocar seria um exercício «da competência de fiscalização que a habilita a vigiar pelo cumprimento da Constituição». Ora, como referido, também esse é um objeto vedado a uma iniciativa legislativa de cidadãos, que se circunscreve às competências legislativas da Assembleia. Por outro lado, mesmo admitindo que uma eventual declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral poderia habilitar uma desvinculação, o que a doutrina admite como possível nesses casos é que possa ser o Governo sozinho a fazê-lo, invocando esse elemento objetivo, nunca a Assembleia – assim Eduardo CORREIA BAPTISTA, Direito Internacional Público, Lisboa, 2015 (Reimpressão 2019), pp. 508-509 e Maria Luísa DUARTE, Direito Internacional Público e ordem jurídica global do século XXI, Lisboa, 2019, pp. 272-273.

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