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II SÉRIE-A — NÚMERO 122

14

como veremos, objeto de controvérsia.

Em primeiro lugar, a reserva de iniciativa do Governo é precisamente a solução que está expressamente

acolhida no Regimento da Assembleia da República no Capítulo relativo à aprovação de tratados e acordos.

Nos termos do n.º 1 do artigo 198.º14

«os tratados e acordos sujeitos à aprovação da Assembleia da República

nos termos da alínea i) do artigo 161.º da Constituição, são enviados pelo Governo à Assembleia da

República.»

Ademais, a reserva de iniciativa do Governo em matéria de convenções internacionais da competência da

Assembleia da República é um traço do procedimento de vinculação parlamentar que não tem sido merecedor

de dúvidas junto da doutrina e que encontra claro respaldo na competência exclusiva do Governo para a

condução da política externa (decorrente do artigo 182.º da CRP) e para a negociação e ajuste de convenções

internacionais [alínea b) do n.º 1 do artigo 197.º da CRP]. Senão, vejamos:

 Ao elencar as fases do procedimento de aprovação parlamentar de tratados e acordos, Jorge Miranda

identifica a primeira fase, da iniciativa, apontando desde logo que se encontra «reservada, pela natureza das

coisas, ao Governo15

». Em anotação ao artigo 161.º da Constituição, escrevendo com Jorge Pereira da Silva,

a posição de Jorge Miranda é ainda mais clara na identificação da fonte desta reserva de iniciativa: ela resulta

do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 197.º da CRP, onde se prevê a competência exclusiva do Governo

para negociar e ajustas convenções internacionais16

.

 Por seu turno, Eduardo Correia Baptista, reportando-se ao Regimento da Assembleia e à solução aí

preconizada, afirma perentoriamente que «a iniciativa cabe sempre ao Governo, mas esta reserva de iniciativa

tem igualmente apoio constitucional. Decorre da reserva de negociação e autenticação e de condução da

política externa que cabe ao Governo. Não deve existir uma vinculação do Estado português sem o concurso

da vontade do Governo, mesmo nas situações em que, tratando-se de um adesão, é dispensada a negociação

e assinatura deste».

 Jorge Bacelar Gouveia, também tendo presente o desenvolvimento da matéria no Regimento da

Assembleia da República, reitera o referido entendimento, sublinhando quanto à iniciativa que esta «cabe ao

constitui um acto da Assembleia da República. Ora, fazer depender o exercício do poder revogatório da AR – relativamente a um acto da sua competência – de uma solicitação do Governo, significaria um cerceamento das competências do órgão parlamentar que, além de juridicamente insólito em termos gerais, não encontra (não poderia encontrar…) qualquer respaldo na Constituição da República Portuguesa; 2 – Acresce, no que respeita aos tratados internacionais, que a competência do Governo é meramente residual, cingindo-se, como é sabido, à respectiva negociação e à subsequente aprovação, em Conselho de Ministros, de uma proposta de resolução a submeter à AR. Compete a esta (e apenas a esta), ex vi do art. 161.º, i), da CRP, proceder à aprovação desses tratados solenes, pelo que, aceitar-se como válida a tese de que a revogação da supracitada Resolução n.º 35/2008 carece de uma prévia proposta do Governo nesse sentido, redundaria numa autêntica subversão (essa sim) do sistema de repartição de competências entre ambos os órgãos de soberania, na matéria em apreço.» (Grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, nos termos da opção do autor do referido parecer). 13

O Parecer do Prof. Doutor José Lucas Cardoso, por seu turno, refere, entre outros aspetos que «embora a Constituição da República Portuguesa estabeleça como competência política do Governo, entre outras as de ‘negociar e ajustar convenções internacionais’ [artigo 197.º, n.º 1, b)] e exista uma praxis em sede de cooperação institucional de propulsão pelo Governo da aprovação parlamentar dos tratados e ainda dos acordos internacionais mencionados no artigo 161.º, i) da CRP, nada obsta, em termos do texto e do espírito da Constituição, a que a Assembleia da República possa vincular, sponte sua, o Estado português a convenções internacionais que estejam abertas, a nível internacional, a adesão pelos Estados e que, portanto, o Governo português não haja participado na respectiva negociação. Cai assim por terra, salvo o devido respeito, o argumento invocado pelo Sr. Deputado Pedro Cegonho quanto à necessidade de observar no procedimento de desvinculação a tramitação devida para o procedimento de vinculação. Além disso, o princípio do Estado de Direito impõe aos órgãos de soberania o dever de ‘observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição’ (artigo 111.º, n.º 1). Ora, se a mesma Constituição confere à Assembleia da República a competência para aprovar tratados e acordos internacionais [artigo 161.º, i)], nada obsta a que este órgão de soberania exerça as suas competências por iniciativa dos deputados, ou como acontece no presente caso, dos cidadãos. Apesar do preceito mencionar a possibilidade do Governo propor à Assembleia da República a aprovação de tratados e acordos internacionais, não o menciona em termos de reserva de iniciativa, como acontece v.g. no que concerne à legitimidade para desencadear a aprovação dos Estatutos da Regiões Autónomas e das leis relativas à eleição dos deputados às respectivas Assembleias Legislativas (cfr. artigo 226.º) ou das propostas de legislação ou de referendo que ‘envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento ’ (cfr. artigo 167.º, n.º 2). Assim sendo, o Governo deve circunscrever-se neste contexto aos mecanismos de interdependência expressamente previstos na própria Constituição, sob pena de estar a subverter o princípio da separação de poderes, enquanto sub-princípio concretizador do princípio do Estado de Direito. Ainda neste contexto, o princípio democrático impõe não apenas que aos órgãos de soberania seja reconhecida a possibilidade de exercerem as competências que a Lei Fundamental lhes confere como também a possibilidade de o fazerem sem interferências externas, isto é, por iniciativa dos seus próprios membros, pelo que arrepia também ao princípio democrático que a lei ou os regimentos consagrarem reservas de iniciativa externas, bloqueantes da decisão dos órgãos de soberania, para além dos casos e dos termos expressamente previstos na própria Constituição.»(Grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, nos termos da opção do autor do referido parecer).14

Até ao novo Regimento da Assembleia da República, aprovado em 2007, a matéria constava do artigo 210.º do Regimento. 15

MIRANDA, Curso…, p. 106. 16

Jorge MIRANDA e Jorge PEREIRA DA SILVA, in Constituição Portuguesa Anotada, Lisboa, 2018, volume II, anotação ao artigo 161.º, p. 514.

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