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II SÉRIE-A — NÚMERO 60

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Por último, o Relatório Anual de Estatísticas da APAV de 2019 revela que a maioria dos crimes atendidos diz

respeito aos crimes contra as pessoas (95,9%), com especial relevo para os crimes de violência doméstica, que

representaram 79% do total, ou seja, 23.586 atendimentos.

Assim, apesar dos esforços que têm sido desenvolvidos, particularmente nos últimos anos, no combate à

violência doméstica, estes dados demonstram que ainda temos um longo caminho a percorrer para garantir a

efetiva proteção das vítimas deste crime. Neste âmbito, consideramos fundamental que seja efetuada uma

correta avaliação do risco em que estas vítimas se encontram, garantindo-se, desta forma, a implementação de

medidas de proteção eficazes na fase inicial do processo.

O artigo 29.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção

da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas, prevê que a denúncia de natureza criminal

é de imediato elaborada pela entidade que a receber e, quando feita a entidade diversa do Ministério Público, é

a este imediatamente transmitida, acompanhada de avaliação de risco da vítima efetuada pelos órgãos de polícia

criminal.

Assim, no momento da denúncia do crime de violência doméstica e da elaboração do respetivo Auto, é

igualmente preenchida a Ficha de Avaliação de Risco, que tem como função auxiliar os elementos das Forças

de Segurança na análise do nível de risco existente. Estas fichas, que existem desde novembro de 2014, são

compostas por diversas perguntas de «sim» ou «não», devendo, no final do questionário, o avaliador, com base

nas respostas dadas e na sua experiência profissional, avaliar o nível de risco em «baixo», «médio» ou

«elevado», definindo-se posteriormente as medidas a adotar para proteção das vítimas.

Por isso, é essencial que as questões colocadas às vítimas constantes da ficha sejam claras e objetivas,

garantindo que esta consegue compreendê-las e perceber o seu alcance e que o elemento da Força de

Segurança consegue entender completamente a situação, assegurando-se desta forma que o nível de risco

aplicado é o adequado ao caso concreto.

Contudo, apesar desta exigência, temos sido alertados para o facto de as questões colocadas na Ficha de

Avaliação de Risco serem suscetíveis de criar dúvidas tanto na vítima como no avaliador relativamente ao seu

alcance. Esta situação é preocupante na medida em que esta ficha é preenchida no início do processo, aquando

da denúncia, pelo que um errado preenchimento da mesma comprometerá o resto do processo e a segurança

da vítima, na medida em que esta é uma ferramenta para determinar qual o grau de risco daquela denúncia.

De facto, recentemente foi publicada uma investigação sobre esta matéria com o título «Análise linguística

forense das Fichas de Avaliação de Risco em situações de violência doméstica» de Ana Sofia Ferreira, que

resulta da dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Linguística, da Faculdade de Letras da Universidade

do Porto. A investigação de Ana Sofia Ferreira, vencedora da sexta edição do Prémio APAV para a Investigação

2020, demonstra a ambiguidade das questões colocadas nas Fichas de Avaliação de Risco da PSP e GNR às

vítimas de violência doméstica.

Esta investigação pretendia analisar linguisticamente as questões das «Fichas de Avaliação de Risco» com

as quais as vítimas são confrontadas, após denúncia de situação de violência doméstica para perceber se a

formulação das perguntas tem em conta o registo no qual serão aplicadas (oral) e a condição de fragilidade

emocional da vítima que, perante perguntas complexas, poderá ter dificuldades a entendê-las e a responder.

Em suma, destaca a investigação que as perguntas são estruturalmente complexas, desde logo porque

muitas delas incluem perguntas alternativas, como se pode ver pelo uso das conjunções copulativa e disjuntiva

«e/ou» (pergunta 5), assim como pelo uso de vários verbos auxiliares (pergunta 6), pelas orações gerundivas

inseridas na frase matriz (pergunta 10), pelo uso da negação em interrogativas (pergunta 11) e, ainda, pelas

estruturas de coordenação e de subordinação (pergunta 8).

A investigação elenca diversos problemas nas perguntas que são colocadas. Deixamos alguns exemplos.

A pergunta 3 «O/A ofensor/a já tentou estrangular (apertar o pescoço), sufocar, afogar a vítima ou outro

familiar?» pode ser desdobrada em múltiplas questões: O/A ofensor/a já tentou estrangular a vítima?; O/A

ofensor/a já tentou sufocar a vítima?; O/A ofensor/a já tentou afogar a vítima?; O/A ofensor/a já tentou

estrangular outro familiar?; O/A ofensor/a já tentou sufocar outro familiar? e O/A ofensor/a já tentou afogar outro

familiar?.

Na pergunta 8 «Acredita que o/a ofensor/a seja capaz de a/o matar ou mandar matar (está convicta de que

ele/a seja mesmo capaz)?», o advérbio «mesmo» poderá exercer alguma influência no impacto que a pergunta

terá na vítima, uma vez que, quando utilizado juntamente com a palavra «seja» promove, de certa forma, a