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18 DE JANEIRO DE 2021

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dúvida na vítima sobre se o agressor será realmente capaz de a matar. A informação entre parêntesis, para

além de ser supérflua, uma vez que se questiona a vítima duas vezes sobre o mesmo tema, pode levar esta a

questionar a sua convicção.

Por exemplo, um relatório da Equipa de Análise Retrospectiva de Homicídio em Violência Doméstica (dossiê

n.º 1/2018-AC) mostra que a vítima do caso em análise respondeu afirmativamente à pergunta 3, mas não à

pergunta 9 e à pergunta 8, ou seja, a vítima respondeu sim à questão «O/A ofensor/a já tentou estrangular

(apertar o pescoço), sufocar, afogar a vítima ou outro familiar?», mas respondeu que não às questões «Acredita

que o/a ofensor/a seja capaz de a/o matar ou mandar matar (está convicta de que ele/a seja mesmo capaz?» e

«O/A ofensor/a já tentou ou ameaçou matar a vítima ou outro familiar?».

Por último, a pergunta 10 «O/A ofensor/a persegue a vítima, intimidando-a intencionalmente, demonstra

ciúmes excessivos e tenta controlar tudo o que a vítima faz?» utiliza-se um advérbio de modo

(«intencionalmente») e um adjetivo («excessivos») que podem levar, também, a diferentes interpretações pela

vítima e, até, pelo avaliador. Como bem destaca a investigação, o uso do advérbio «intencionalmente» não se

adequa nem é necessário tendo em conta o verbo usado: «intimidar». Intimidar pressupõe, desde logo, um ato

voluntário com o objetivo de provocar medo. Depois, a expressão «ciúmes excessivos» é subjetiva, prejudicando

desta forma a objetividade das avaliações de risco.

Ora, percebemos a necessidade de introduzir questões de resposta «sim» ou «não», em vez de perguntas

abertas, dado que as primeiras facilitam a interpretação e garantem uma maior objetividade na sua avaliação.

Contudo, seguindo-se esta opção, deve-se garantir que as questões não levantam dúvidas de interpretação, o

que acontece nos casos acima identificados. Não podemos esquecer que a vítima se encontra numa situação

de grande stresse e particular vulnerabilidade quando responde a este questionário, pelo que este deve ser

simples e claro pois, se não o for, as respostas dadas poderão não corresponder exatamente à realidade, o que

vai comprometer todo o processo.

Depois, estas fichas devem ser preenchidas duas vezes: a primeira1 aquando da elaboração do Auto de

violência doméstica e a segunda2 aquando de uma reavaliação do nível de risco, no âmbito do policiamento de

proximidade ou investigação criminal. Ora, as questões colocadas na reavaliação são as mesmas que as

colocadas aquando da denúncia, mas com mais espaço para as respostas, permitindo que a vítima as detalhe,

identificando para cada item aspetos atenuantes/agravantes do risco.

Consideramos fundamental que seja efetuada a reavaliação do nível de risco. Contudo, não compreendemos

porque é que as questões colocadas nesta fase são exatamente as mesmas que as colocadas aquando da

denúncia. Tratando-se de uma reavaliação, era fundamental que as questões colocadas incidissem sobre o que

aconteceu desde o momento da denúncia, ou seja, se a situação se agravou ou não, por forma a perceber se o

risco se mantém, baixou ou aumentou.

A vítima encontra-se numa situação particularmente fragilizada pelo que é importante que ela sinta que existe

um verdadeiro acompanhamento do seu processo. Acreditamos que repetir simplesmente as questões, não

criará esta sensação na vítima que pode, inclusive, não perceber o porquê de tal estar a acontecer e responder

de forma diferente, o que poderá por sua vez levar, erradamente, à redução do nível de risco.

Adicionalmente, gostaríamos de destacar a quase omissão da violência cometida contra crianças nas Fichas

de Avaliação de Risco, que se resume a duas perguntas: a pergunta 2 questiona se «O/A ofensor/a alguma vez

usou violência física contra outros do agregado doméstico? Contra quem?» incluindo-se nas respostas possíveis

«crianças» e a pergunta 17 questiona se «Existe algum conflito relacionado com a guarda/contacto dos filhos?».

Muito se tem reclamado o reforço da proteção das crianças em contexto de violência doméstica, com a

atribuição de estatuto de vítima, sendo esta uma exigência dos compromissos e obrigações legais que vinculam

o Estado Português, nomeadamente da Convenção de Istambul. Contudo, embora a produção legislativa em

matéria de violência doméstica demonstre o aumento da consciencialização para esta problemática, o seu

enfoque nas crianças é mais lento e recente, não obstante as crianças terem, desde sempre, testemunhado ou

sido envolvidas em contextos de violência doméstica.3

De acordo com o Relatório Anual de Avaliação da Actividade das CPCJ de 2019, naquele ano foram

comunicadas às CPCJ 43 796 situações de perigo, um aumento de 4 743 quando comparado com o ano anterior.

1 Pode ser consultada em https://www.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/ficha_rvd_1l.pdf 2 Pode ser consultada em https://www.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/ficha_rvd_2l.pdf 3 Cfr. TOMÁS, Catarina; FERNANDES, Natália; SANI, Ana Isabel; MARTINS, Paula Cristina, «A (In)visibilidade das crianças na violência doméstica em Portugal», Ser Social – Evolução e lutas sociais no Brasil, Brasília, V. 20, n.º 43, julho a dezembro de 2018