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17 DE FEVEREIRO DE 2021

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principal e é precedida de uma breve exposição de motivos, cumprindo os requisitos formais previstos no n.º 1

do artigo 124.º do RAR.

São também respeitados os limites à admissão da iniciativa estabelecidos no n.º 1 do artigo 120.º do RAR,

uma vez que parece não infringir a Constituição ou os princípios nela consignados e define concretamente o

sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.

A iniciativa, ao prever a dedução de despesas com a aquisição ou reparação de computadores em sede de

IRS, parece poder traduzir uma diminuição das receitas fiscais do Estado. No entanto, uma vez que, a liquidação

do IRS apenas terá lugar no ano seguinte ao ano económico em curso com a entrega da respetiva declaração,

parece-nos estar acautelado o limite à apresentação de iniciativas previsto no n.º 2 do artigo 120.º do RAR e,

igualmente, no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição, designado como «lei-travão».

Em caso de aprovação, e para efeitos de apreciação na especialidade do projeto de lei, cumpre assinalar o

artigo 3.º da iniciativa, estabelece que o disposto na presente lei «prevalece sobre normas legais, gerais e

especiais que disponham em sentido contrário, designadamente as constantes do Orçamento do Estado».

Sendo a Lei do Orçamento do Estado uma lei de valor reforçado, a norma acima referida parece poder ofender

o n.º 3 do artigo 112.º da Constituição, concretizador do princípio da tipicidade das leis e da hierarquia das

fontes, segundo o qual «têm valor reforçado (…) as leis que, por força da Constituição, sejam pressuposto

normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas».

Refere Carlos Blanco de Morais16, que «as leis que se assumem pura e simplesmente como detentoras de

uma proeminência funcional sobre outras (leis-quadro, leis de bases e leis de autorização) não são portadoras

de qualquer força passiva, mas sim de uma força jurídica igual à das demais leis ordinárias. Como tal, em

contraste com uma lei reforçada procedimentalizada (como a lei do Orçamento) a sua potência será quebrada

pela maior rigidez da segunda». Mais: A lei do Orçamento do Estado é uma lei que «assume a qualidade de lei

duplamente reforçada pelo procedimento e pela proeminência material».

Também Jorge Miranda e Rui Medeiros17 identificam a Lei do Orçamento do Estado (LOE) como lei de valor

reforçado, «porque, durante o ano económico, nenhuma lei que não seja de alteração do próprio orçamento o

pode afetar». Acrescentam que, «na medida em que a força específica de uma lei de valor reforçado decorre de

normas constitucionais, a sua infração envolve inconstitucionalidade. Mas trata-se de inconstitucionalidade

indireta (…) porque agride uma norma interposta constitucionalmente garantida». E ainda: «As leis de valor

reforçado são, umas (a maioria) de vinculação específica – apenas adstringem certas leis, com que se

encontram em relação necessária; e outras (os estatutos político-administrativos regionais e as leis

orçamentais), de vinculação genérica – impõem-se a quaisquer outras leis».

Alexandre Sousa Pinheiro e Pedro Lomba18 também identificam a LOE como lei de valor reforçado e referem

que «A natureza reforçada de uma lei não depende de fenómenos de auto-qualificação (…) assenta na

Constituição, não na declaração constitutiva do legislador ordinário». Rui Guerra da Fonseca e Paulo Otero19

também afirmam o valor reforçado da LOE.

Já Gomes Canotilho e Vital Moreira20 notam que a lei do Orçamento é uma lei à qual a própria Constituição

confere «“um poder materialmente vinculante», sendo possível falar «numa reserva de órgão». A lei do

Orçamento é, nos termos da Constituição, exclusivamente atribuída a aprovação da Assembleia da República,

sob proposta do governo. «Durante a sua vigência o Orçamento pode ser alterado pela AR, desde que tal lhe

seja proposto pelo Governo (…) Tal como a AR não pode aprovar inicialmente o orçamento sem iniciativa

governamental, também não pode alterá-lo por iniciativa própria».

Tiago Duarte, em «A lei por detrás do orçamento» 21, sustenta que «A doutrina do Tribunal Constitucional

demonstra que a natureza normativa da Lei do Orçamento lhe permite, em geral, alterar as leis com as quais

não se pretenda conformar». «A lei do Orçamento tem hoje em dia uma legítima pretensão de se impor ao

restante ordenamento jurídico». “«A aceitação da natureza materialmente legislativa da lei do Orçamento do

Estado decorre do facto de esta beneficiar da forma e da força de lei, pelo que terá, no contexto do artigo 112.º

da Constituição, uma natureza reforçada, incompatível com a sua subordinação à generalidade dos atos

contratuais ou legais». A natureza material da lei do Orçamento foi reafirmada várias vezes pela jurisprudência

16 MORAIS, Carlos Blanco de – As leis reforçadas, Coimbra, Coimbra Editora, 1998. 17 MEDEIRO, Rui e MIRANDA, Jorge, Comentário à Constituição Portuguesa, II volume, Coimbra, Coimbra Editora, 2005. 18 PINHEIRO, Alexandre Sousa e LOMBA, Pedro, Comentário à Constituição Portuguesa, III Volume, Coimbra, Almedina, 2008. 19 FONSECA, Rui Guerra da e OTERO, Paulo, Comentário à Constituição Portuguesa, II volume, Coimbra, Almedina, 2008. 20 CANOTILHO, José Joaquim Gomes e MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, Coimbra Editora, 3.ª edição, 1993. 21 DUARTE, Tiago, A Lei Por Detrás do Orçamento – A Questão Constitucional da Lei do Orçamento, Coimbra, Almedina, 2007.