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137. Uma análise conjunta aos desvios da receita e da despesa permite concluir o seguinte:

(i) Ao longo de todo o horizonte de análise verificam-se erros de previsão significativos, indiciando uma sobreorçamentação persistente da receita e, sobretudo, da despesa. No decurso da execu-ção, os desvios da despesa são superiores em nível aos da receita, contribuindo para melhorar continuamente o saldo e alcançar uma consolidação orçamental de 6557 M€ no período 2014–2019 (evidenciada no Gráfico 13);

(ii) Os desvios em contabilidade pública são qualitativamente iguais aos desvios em contabilidade nacional. Os perfis identificados em 2019 nesta secção replicam os mostrados na Secção 2.3. O Relatório UTAO n.º 2/2020, de 22 de janeiro, analisou os desvios entre execução e previsão dos orçamentos nas duas perspetivas contabilísticas no período de 2014 a 2019 e concluiu que ambas revelavam os mesmos perfis de comportamento intertemporal — compare-se o Capítulo 11 com a Secção 12.3);

(iii) Os desvios, por serem recorrentes, conferem à política orçamental seguida desde 2015 determi-nadas características: (1) deficiente previsão da receita nas suas diversas componentes; (2) a so-breorçamentação recorrente da receita não fiscal nem contributiva está concentrada nas trans-ferências de capital da UE e nas vendas de bens e serviços,14 o que determina expetativas infun-dadas de execução em categorias específicas da despesa mais dependentes daquelas receitas, nomeadamente o investimento; (3) a suborçamentação da receita fiscal e contributiva, por ocor-rer na componente mais volumosa da receita efetiva, é um sintoma de prudência na elaboração dos orçamentos, se não for exagerada, mas tem também um efeito deliberado na comunicação política sobre as novidades orçamentais para o ano seguinte;

(iv) Este padrão do previsor tem efeitos benéficos sobre a consolidação orçamental, mas implicações negativas na implementação das políticas públicas cujo planeamento se tenha baseado numa

restrição orçamental mais folgada do que a realidade ao longo do ano acaba determinando. A título exemplificativo, o investimento constitui a rubrica da despesa com uma subexecução mais pronunciada face ao previsto e o maior contributo para o desvio do saldo, o que poderá resultar em níveis cronicamente baixos de investimento público e degradação a médio prazo de infraes-truturas necessárias à economia e a uma adequada provisão de serviços públicos. A aprovação parlamentar de tetos de despesa numa conjuntura económica favorável, como foi o período até 2019, não dá aos gestores públicos e aos ministros sectoriais o horizonte de previsibilidade desejá-vel para a judiciosa aplicação dos recursos coletivos. A incerteza sobre as restrições orçamentais anuais é agravada pela dimensão intrusiva dos instrumentos de controlo da liquidez apreciados na próxima secção;

(v) Os desvios são compatíveis com argumentos da economia política segundo os quais os eleitores gostam de despesa pública, mas não apreciam pagar impostos. Existem diferentes explicações teóricas, e empiricamente validadas, segundo as quais os eleitores remuneram os governos em funções pelo contributo que certas despesas, como investimento e prestações sociais, têm para a sua utilidade e os penalizam pela retirada de rendimento disponível. São comuns nas linhas de investigação sobre os ciclos político-económicos, mesmo em enquadramentos de extrema racio-nalidade na formulação de expectativas.15 Anúncios que sobre-estimam o investimento e as en-tradas de fundos europeus e adiam a revelação de sobre-execuções de carga fiscal para mo-mentos em que também é possível surpreender os eleitores com consolidações orçamentais mais favoráveis do que as antecipadas e, portanto, induzir expectativas de menos impostos futuros, são compatíveis com estes modelos económicos. Para esta assimetria entre previsão e resultados tam-bém não será estranho o facto de as propostas de orçamento terem muito mais palco mediático do que os fechos de contas.

14 A evolução detalhada da receita não fiscal e não contributiva é analisada pela UTAO na coleção de acompanhamento da execu-ção orçamental em contabilidade pública. A análise com dados provisórios relativamente a todo o ano de 2019 pode ser consultada no Relatório UTAO n.º 3/2020, de 13 de fevereiro (Secção 3.4) e a do ano de 2020 no Relatório UTAO n.º 3/2021, de 18 de fevereiro (Secção 3.5). 15 Já vêm de longe os modelos económicos em que os eleitores decidem com base na sua função utilidade, para a qual contribuem os bens coletivos providos por iniciativa dos governos, e na sua restrição orçamental, que é negativamente impactada pelos impostos e outros fluxos a favor do Estado. Existem boas apresentações desta literatura em MUELLER, Dennis C. (2003), Public Choice III, Nova Iorque: Cambridge University Press, CULLIS, John e JONES, Philip (2009), Public Finance & Public Choice: Analytical Perspectives, Nova Iorque: Oxford University Press e ALESINA, Alberto, ROUBINI, Nouriel e COHEN, Gerald D. (1997), Political Cycles and the Macroeconomy, Cambridge (EUA); The MIT Press.

II SÉRIE-A — NÚMERO 152 _____________________________________________________________________________________________________

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