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II SÉRIE-A — NÚMERO 7

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áquilo que são os ordenamentos jurídicos que na sua génese interpretam o aborto como um crime, permitindo

apenas que um conjunto de situações exclua a ilicitude.

Assim, porque procuramos aproximar a legislação portuguesa do primeiro modelo de descriminalização do

aborto, conforme formulado por Costa Andrade, propomos assim que a interrupção voluntária da gravidez seja

retirada do Código Penal e que esta passe a ser regulada exclusivamente pela Lei n.º 16/2007, fazendo

referência à IVG como um direito da mulher.

A par desta alteração legislativa, propõe-se ainda a reformulação das várias causas justificadoras para a não

punição da interrupção da gravidez. Ora, o elenco do número 1 do artigo 142.º, prevê um conjunto de situações,

nas quais se incluem a IVG por opção da mulher, em casos de crime contra a liberdade e autodeterminação

sexual e ainda em caso de malformação do nascituro ou perigo para a saúde da mulher grávida.

Não é compreensível que quando a IVG constitua «o único meio de remover perigo de morte ou de grave e

irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida» a lei estabeleça como

prazo legal para este procedimento as 24 semanas. Contudo, caso a IVG «se mostrar indicada para evitar perigo

de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida», o

legislador estabeleça já o limite de 12 semanas. Esta formulação deixa à total discricionariedade dos médicos o

acesso à IVG, mesmo quando esteja em causa perigos para a saúde da mulher. Na verdade, o que distingue

grave e duradoura lesão de uma lesão irreversível? Por que motivo permite o ordenamento jurídico português o

acesso à IVG até às 24 semanas, no caso do nascituro sofrer de doença grave, mas não permite o mesmo

quando se tratar da saúde da mulher grávida? Será a saúde do nascituro um bem jurídico superior à saúde da

mulher?

Por estes motivos, propomos na nova redação da Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez que não haja

limites para o aborto quando este constitua meio de remover perigo de morte ou de grave lesão para o corpo ou

para a saúde física ou psíquica da mulher grávida.

Ademais, são suscitadas ainda questões quanto à diferenciação na lei em relação às mulheres vítimas de

crime contra a liberdade e autodeterminação sexual. Estabelecer um prazo mais alargado para vítimas de

violência sexual foi justificado com a necessidade destas mulheres terem mais tempo para refletir sobre a

possibilidade de proceder a IVG devido à circunstância de terem passado por uma situação traumática. No

entanto, podemos concluir também que este prazo continua a ser tão legítimo para tomar a referida decisão

como um prazo inferior. Ou seja, o legislador português diz-nos que é aceitável que uma mulher aceda ao aborto

seguro até às 16 semanas se em causa estiver um crime sexual. Aquilo que consideramos é que não há

justificação para que qualquer mulher, independentemente da razão, não possa tomar a decisão de abortar no

mesmo prazo.

Será ainda de mencionar a inquestionável vitimação secundária que as vítimas de crimes contra a liberdade

e autodeterminação sexual estão sujeitas. É de extrema violência obrigar uma mulher grávida por consequência

de uma violação revelar aos profissionais de saúde o crime de que foi vítima. Aliás, nas regiões menos povoadas

do país, esta pode ser uma medida verdadeiramente dissuasora e violadora da privacidade e intimidade da

mulher.

Ademais, é de relembrar o estigma e preconceito a que ficam sujeitas as mulheres que acedem à IVG ao

abrigo do número 1, alínea e), do artigo 142.º. Quando uma mulher se dirige a uma unidade de saúde para

iniciar a interrupção da gravidez é frequentemente questionada, maltratada e desconsiderada. É mais aceitável

abortar por qualquer outro motivo do que por opção da mulher.

Por todos estes motivos, propõem-se que haja fim à distinção entre a IVG por opção da mulher e a IVG

quando a gravidez for resultado de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual, estabelecendo as 16

semanas como prazo legal para a interrupção da gravidez para todas as mulheres.

No Acórdão n.º 85/85 do Tribunal Constitucional, este conclui que apesar da vida intrauterina compartilhar

da proteção que a Lei Fundamental confere à vida humana, esta não pode gozar da proteção constitucional do

direito à vida propriamente dito, que só cabe a pessoas, podendo este bem ceder quando entre em conflito com

outros direitos fundamentais. O Tribunal Constitucional vai mais longe afirmando ainda que «nada, porém, impõe

constitucionalmente que essa proteção tenha de ser efetivada, sempre e em todas as circunstâncias, mediante

meios penais (…)». Assim, é lícito admitir a possibilidade do sacrifício da vida intrauterina, em favor do direito

da mulher ao livre desenvolvimento, à autodeterminação e à maternidade consciente.

Em sede de Direito Comparado, ao nível da União Europeia, encontramos legislação díspar no que toca à

Interrupção voluntária da gravidez. Sendo as 10 semanas o prazo mais baixo previsto e as 24 semanas no Reino