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II SÉRIE-A — NÚMERO 7

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Dados da DGS de 2018 dizem-nos que o tempo mediano de espera para realizar uma IG foi de 5 dias.20 Este

prazo pode impossibilitar a intervenção, na medida em que se a mulher se dirigir ao médico na nona semana,

apesar de estar dentro do limite legal, pode não lhe ser possível avançar com o procedimento por razões

burocráticas.

Assim, vimos propor o fim do período de reflexão, de acordo com o que são as orientações da OMS. É

fundamental fazer cumprir o direito à interrupção voluntária da gravidez, eliminando os atuais entraves patentes

na lei.

Além do período de reflexão, no relatório infra referido a OMS alerta também para a existência de

regulamentos e práticas que restringem o acesso ao aborto. São exemplos a limitação dos profissionais de

saúde autorizados a realizar IVG, a obrigatoriedade de realização do procedimento em hospitais, a necessidade

de validação da idade gestacional por dois profissionais e ainda falhas no encaminhamento para outros postos

de saúde no caso de objeção de consciência.

Apesar da objeção de consciência ser feita de forma individual, são várias as regiões do país onde os

hospitais não têm na sua equipa profissionais de saúde que realizem IVG, ou tampouco validem a idade

gestacional do nascituro, de modo a encaminhar a mulher para outra unidade de saúde. É fundamental que o

Sistema Nacional de Saúde assegure às mulheres o direito ao aborto em todo o território nacional, colmatando

as tremendas desigualdades no acesso à IVG consoante as zonas geográficas.

Um artigo sociológico de 2021 aponta que em vários hospitais nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo, Açores,

Alentejo e nos distritos de Castelo Branco e Guarda, a generalidade dos profissionais de saúde declara objeção

de consciência. «Nestes casos, o procedimento passa pelo encaminhamento para serviços privados, o que, na

grande maioria das situações acontece para o centro da cidade de Lisboa, independentemente da zona de

residência da mulher, numa manifesta iniquidade na garantia plena do direito à saúde em situações de aborto.»21

Assim, propõe-se que quando as unidades de saúde na área da mulher não consigam assegurar o acesso à

IVG em tempo útil, as mesmas unidades assegurem o transporte das mulheres para outros estabelecimentos.

Esta medida é imprescindível para garantir que a idade gestacional legalmente estabelecida não é ultrapassada

e que os direitos reprodutivos das mulheres são protegidos.

Previsto na Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, encontramos ainda a obrigatoriedade de a mulher ser

acompanhada por um psicólogo e técnico social durante o período de reflexão. Esta previsão não procura nada

mais que dissuadir a mulher de avançar com a interrupção voluntária da gravidez. Ainda que o apoio psicológico

seja importante, este deve ser facultativo e não se deve restringir, naturalmente, ao período que antecede a IVG.

Deste modo, propõe-se que o apoio técnico e psicológico seja prestado, por escolha da mulher, durante o

procedimento e após a IVG, garantindo à mulher a assistência que esta considere necessária.

A propósito do direito comparado, Costa Andrade faz duas distinções no que toca às soluções

descriminalizatórias do aborto. O autor distingue entre «legislações que assentam no princípio básico do direito

ao aborto» e entre as legislações que partem do princípio de que o aborto deve «ser considerado como um

crime, apenas se admitindo a existência de um leque maior ou menor de situações que devem impedir a punição

do aborto.».22 Na primeira conceção encontramos o posicionamento do Supremo Tribunal dos Estados Unidos,

que aufere que deve vigorar uma liberalização praticamente total quando o nascituro não apresenta ainda

condições de viabilidade separado do seio materno, ou seja, durante os primeiros seis meses.

De acordo com o mesmo autor, o aborto constitui um crime sem vítima, ou victimless crime, dado que, falta

em absoluto quem se represente como vítima de um crime e assuma o respetivo papel. Uma segunda

característica dos chamados crimes sem vítima é a sua tendencial deslocação para a ilegalidade, dada a

inelasticidade da procura.

Mara Carvalho, médica de medicina geral e familiar, que pertenceu à organização Médicos pela Escolha,

afirmava em 2015 que o aborto clandestino persiste e é feito sobretudo com recurso a medicamentos. «Chegam

às consultas e nem sabem muito bem o nome do medicamento que tomaram, nem quem o arranjou, referindo

ter sido um namorado ou uma amiga que o conseguiu», reporta a notícia do Público.23 «Há também casos de

20 DGS (2019). «Relatório dos Registos das Interrupções da Gravidez» 21 Miguel Areosa Feio, «Lei do aborto em Portugal: barreiras atuais e desafios futuros», Sociologia, Problemas e Práticas, 97 | 2021, 129-158. 22 COSTA, Manuel Andrade. «O aborto como problema de política criminal» 23 Público (2015), «Aborto clandestino ainda existe e é feito sobretudo com medicamentos» Disponível em: «https://www.publico.pt/2015/09/24/sociedade/noticia/aborto-clandestino-em-portugal-e-feito-sobretudo-com-medicamentos-ilegais-1708908