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28 DE SETEMBRO DE 2021

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mulheres que continuam a recorrer às clínicas espanholas quando ultrapassam o limite das 10 semanas de

gestação, como confirmou no encontro uma responsável da Clínica dos Arcos em Portugal.»

Conforme avançado por Costa Andrade no artigo infra referido, «o aborto ilegal, por exemplo, é praticado

entre as camadas mais desfavorecidas em moldes e circunstâncias mais degradantes e mais irreversivelmente

traumatizantes que entre os estratos superiores», referindo que estes últimos terão ainda os meios necessários

para recorrer ao «turismo abortivo».

Assim, limitar a interrupção voluntária da gravidez por opção da mulher à idade gestacional de 10 semanas

não reduz o número de abortos, nem impede as mulheres de abortar. Na verdade, este limite ao livre

desenvolvimento e à maternidade consciente, atira mulheres pobres para os perigos do aborto clandestino,

sujeitando a mulher, como refere Costa Andrade, a «condições de isolamento emocional, de bloqueamento das

suas relações mais pessoais (…) compelida a uma retórica de encobrimento em relação à sociedade». Sendo

de mencionar que as «condições em que o aborto ilegal se realiza agravam expressivamente tudo o que de

trauma e perigo se associa com uma interrupção da gravidez».

De acordo com o Diário de Notícias, a Associação de Clínicas Acreditadas para a Interrupção da Gravidez

(ACAIVE) estima que «500 portuguesas vão abortar em Espanha todos os anos».24 Inúmeras mulheres na

europa, incluindo de países com leis de aborto relativamente liberais, viajam para outros Estados-Membros de

modo a aceder à IVG. Segundo o Departamento de Saúde da Inglaterra e País de Gales25, em 2017, 4810

abortos foram realizados em mulheres não residentes no Reino Unido, sendo a maioria destas mulheres italianas

e francesas. Será de considerar que a Itália e França estipulam como prazo legal para aceder à Interrupção

Voluntária da Gravidez, 90 dias (12 ou 13 semanas) e 12 semanas, respetivamente.

O acesso ao aborto seguro não pode estar limitado às mulheres com possibilidades económicas para viajar

até Espanha, ao Reino Unido ou à Holanda. É fundamental que o Estado Português assegure o direito

constitucionalmente protegido das mulheres à maternidade consciente, à escolha do pai dos filhos e ao livre

desenvolvimento da personalidade.

Segundo dados da DGS26, Portugal tem-se situado sempre abaixo da média europeia, no que respeita ao

número de IG por 1000 nados vivos. Em 2013, Portugal registou 220 interrupções da gravidez por 1000 nados

vivos. Estes dados são referentes à interrupção da gravidez ao abrigo de qualquer uma das circunstâncias

previstas no artigo 142.º do Código Penal e não apenas à IG por escolha da mulher. No mesmo ano, o Reino

Unido – que estabelece como prazo legal para IVG as 24 semanas, conforme defendido pelo Supremo Tribunal

Americano, sem qualquer período de reflexão ou outra limitação – registou 253 IG por 1000 nados vivos.

Apesar da abismal diferença na legislação dos dois países, o Reino Unido não regista números díspares dos

dados portugueses. Ademais, 87% dos abortos são realizados às 12 semanas ou menos.27 Podemos concluir,

assim, que o aumento do prazo legal para a interrupção voluntária da gravidez não aumenta quer o número de

IVG realizadas, quer o número de abortos tardios, servindo este argumento apenas para legitimar e justificar o

controlo reprodutivo das mulheres em Portugal. Assim, alargar o prazo de acesso à Interrupção voluntária da

gravidez significa dar às mulheres liberdade de escolha sobre os seus corpos, acautelar situações de

necessidade e impedir a proliferação de um mercado escondido e perigoso.

Também é falso que a interrupção voluntária da gravidez seja de alguma forma usada como método

contracetivo pelas mulheres, como se a experiência de abortar no nosso sistema nacional de saúde não fosse

profundamente violenta e frequentemente acompanhada por abuso psicológico e até físico. De acordo com o

Relatório dos Registos das Interrupções da Gravidez, elaborado pela DGS em 2018, «em 56,7% dos casos, a

mulher tinha pelo menos um filho e em 69,8% estavam a realizar a primeira IG». Será ainda de realçar a sua

situação de vulnerabilidade social «sendo a maioria destas mulheres trabalhadoras não qualificadas (27,0%) ou

desempregadas (20,8%)».

A interrupção voluntária da gravidez está prevista na Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, com as alterações da

Lei n.º 136/2015, de 7 de setembro. A exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez foi

feita através de uma alteração do artigo 142.º do Código Penal, não sendo claro por que motivo decidiu o

legislador português manter a regulamentação da IVG neste código. A redação do artigo 142.º aproxima-se

24 Diário de Notícias (2017), «500 portuguesas vão abortar em Espanha todos os anos», Disponível em: https://www.dn.pt/sociedade/privacidade-e-prazo-mais-alargado-levam-500-portuguesas-a-abortar-em-espanha-todos-os-anos-8636371.html 25 Department of Health (2017), «Abortion Statistics, England and Wales: 2016», Disponível em: https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/679028/Abortions_stats_England_Wales_2016.pdf 26 DGS (2019). «Relatório dos Registos das Interrupções da Gravidez» 27 UK Government: «Abortion statistics, England and Wales: 2020». Disponível em: https://www.gov.uk/government/statistics/abortion-statistics-for-england-and-wales-2020/abortion-statistics-england-and-wales-2020