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28 DE SETEMBRO DE 2021

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PROJETO DE LEI N.º 954/XIV/3.ª

ALTERA A LEI N.º 16/2007, DE 17 DE ABRIL, QUE CONSAGRA O DIREITO DA MULHER À

INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ, AUMENTANDO PARA 16 SEMANAS O PRAZO LEGAL

PARA A REALIZAÇÃO DE IVG

Exposição de motivos

Falar do direito à interrupção voluntária da gravidez é falar do direito das mulheres à liberdade e à

autorrealização. O direito ao livre desenvolvimento da personalidade pressupõe a decisão própria sobre a

gravidez e a maternidade, exigindo assim, que as mulheres disponham de meios para prevenir e terminar a

gravidez indesejada. O controlo total das mulheres sobre a sua capacidade reprodutiva é essencial para a

emancipação da classe feminina e para assegurar os seus direitos constitucionalmente protegidos.

O Direito é um campo onde as transformações se dão lentamente, permanecendo entre nós vários resquícios

da institucionalização da dominação masculina sobre as mulheres e crianças, na família e na sociedade em

geral. Assim, é possível afirmar que existem ainda no ordenamento jurídico português normas que tratam de

forma diferente homens e mulheres. De acordo com a jurista e professora norueguesa Tove Dahl, a

discriminação sexual juridicamente relevante, ou seja, a discriminação sexual no Direito, tem frequentemente

por base a função reprodutiva das mulheres. De acordo com a formulação da mesma autora, um dos tipos de

leis que descriminam mulheres são as normas cuja própria natureza determina a aplicação em função do sexo,

como é o caso do aborto.

O controlo da capacidade reprodutiva e autonomia das mulheres foi historicamente motivado por interesses

nacionais. Tutelar o nascituro é uma decisão do Estado por razões eminentemente políticas, tendo o crescimento

demográfico sido entendido como uma condição ao desenvolvimento económico nacional.

Apesar da despenalização do aborto em 2007, a lei portuguesa mantém-se uma das mais restritivas entre os

países europeus que permitem a interrupção voluntária da gravidez. Lado a lado com a República Sérvia e a

Eslovénia, o limite estabelecido pelo legislador português é profundamente insuficiente. A maioria das mulheres

descobre que está grávida entre as 6 e as 8 semanas de gestação, deixando pouco tempo para proceder à

marcação da consulta prévia, seguida de um período de reflexão mínimo de 3 dias e do agendamento de uma

segunda consulta onde ocorre a primeira toma de medicamento, no caso do aborto farmacológico.

O período de reflexão obrigatório exige que as mulheres que pretendem aceder à interrupção voluntária da

gravidez aguardem pelo menos 3 dias entre a consulta prévia, exigida legalmente, e a segunda consulta, onde

se inicia o procedimento médico conducente ao aborto. Contudo, a experiência prática das mulheres e meninas

que recorrem à IVG em Portugal diz-nos que este período de espera raramente se restringe a 3 dias. Diversas

organizações de mulheres têm vindo a denunciar que a obrigatoriedade do tempo de reflexão é usada como

uma forma de limitar o acesso ao aborto seguro, fazendo as mulheres esperar longos períodos de tempo e assim

ultrapassar o número de semanas em que a interrupção voluntária da gravidez não é punível. «Não só este

período representa uma infantilização e uma subordinação da autonomia das mulheres pelo Estado, como se

materializa ainda num período de espera acrescido num contexto legal que é já altamente limitado e que funciona

como uma poderosa arma burocrática que permite a criação de atrasos artificiais.»18

Esta problemática é reconhecida pela Organização Mundial de Saúde, que desaconselha o chamado período

de reflexão e aponta que esta medida «rejeita as mulheres enquanto decisoras competentes».19 No período de

reflexão encontramos uma clara manifestação da discriminação sexual no direito. Não há qualquer outro

procedimento médico para o qual o Direito Penal exija que o utente reflita sobre a sua decisão. Torna-se claro

que o que está a ser tutelado aqui é a moralidade. Nenhuma mulher toma a decisão de abortar com leviandade

– sendo a IVG frequentemente traumática e dolorosa. Resta questionar por que motivo o Estado português

considera que as mulheres que acedem à interrupção voluntária da gravidez são incapazes de tomar uma

decisão sobre o seu próprio corpo sem que o Estado lhes imponha um período de espera, cuja intenção é nada

mais que criar entraves à intervenção.

18 Liga Feminista do Porto (2021), «Manifesto da Campanha Nacional pelo Aborto» Disponível em: https://bit.ly/3odW9lU 19 OMS (2012), «Safe abortion: technical and policy guidance for health systems» Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/70914/9789241548434_eng.pdf;jsessionid=2C85177EE026474080BEB4CC0C5639CE?sequence=1