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II SÉRIE-A — NÚMERO 7

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a Lei n.º 16/2007, de 17 de abril8, que despenaliza a interrupção voluntária da gravidez, estabelecendo que esta

não seria punível desde que fosse «realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas de gravidez»

[cfr. alínea e) do artigo 142.º do Código Penal]. Todavia, este diploma estabeleceu, de igual forma, a

obrigatoriedade de um período mínimo de reflexão de três dias, a garantia à mulher de «disponibilidade de

acompanhamento psicológico durante o período de reflexão» e de «disponibilidade de acompanhamento por

técnico de serviço social, durante o período de reflexão», bem como o direito do pessoal médico à objeção de

consciência, razões pelas quais foi considerada, por várias ativistas, um diploma significativamente insuficiente,

moralista e com falhas.

Ademais, o limite de 10 semanas que se encontra em vigor na lei portuguesa como prazo máximo em que

mulher pode aceder à IVG é, comparativamente aos demais ordenamentos jurídicos nos quais a IVG foi

despenalizada, profundamente restritivo. Este enquadramento justifica que tenha sido reportado que, em 2017,

ou seja, 10 anos após a despenalização do aborto, cerca de 500 mulheres se deslocam, anualmente, a Espanha

para interromper a sua gravidez. Este valor equivale a cerca de 3% do total de abortos feitos em 2015 em

Portugal. De acordo com Associação de Clínicas Acreditadas para a Interrupção da Gravidez (ACAIVE), a

maioria das mulheres que opta por realizar um aborto no país vizinho fá-lo por estar grávida há mais de dez

semanas, uma vez que o prazo legal em vigor em Espanha equivale a 14 semanas9.

Em 2016, o diretor executivo da Associação para o Planeamento da Família (APF), Duarte Vilar, demonstrou-

se favorável a uma alteração da lei em Portugal, permitindo o recurso à interrupção voluntária da gravidez até

às 14 semanas, afirmando que o limite em vigor, atualmente, em Portugal corresponde a «um período curto»10.

Procedendo a uma análise do panorama legal europeu, no que respeita ao aborto, é importante verificar que

é possível recorrer à interrupção da gravidez por vontade da mulher nos seguintes países: Áustria, Bélgica,

Bulgária, Croácia, Chipre, República Checa, Dinamarca, Eslováquia, Espanha, Estónia, França, Alemanha,

Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal, Roménia e Suécia11.

Portugal e a Croácia (que prevê, de igual forma, um limite máximo de 10 semanas para aceder à IVG) são os

países com uma legislação mais restritiva. Contrariamente, Espanha (14 semanas), Roménia (14 semanas),

Suécia (18 semanas) e os Países Baixos (22 semanas) são os países que apresentam um enquadramento legal

mais aberto e uma orientação mais marcadamente progressista. Nos Países Baixos, em particular, verifica-se

uma das menores taxas de aborto a nível mundial, o que comprova que a extensão do prazo legal não aumenta

o número real de abortos que ocorrem, ou o número de abortos em fases tardias da gravidez.

Urge considerar, ainda, a crise sanitária que (ainda) enfrentamos e o impacto que a pandemia causada pelo

vírus SARS-CoV-2 teve na disponibilização de cuidados de saúde sexual e reprodutiva de todas as mulheres, a

nível global. Por um lado, a situação pandémica criou restrições de circulação, limitou indubitavelmente o acesso

a métodos contracetivos, encerrou ou limitou o recurso a clínicas e serviços de saúde e atrasou, em

consequência, os procedimentos de interrupção voluntária da gravidez12. Em França, a título ilustrativo, vários

profissionais de saúde apelaram à extensão do limite máximo para recorrer à IVG de 12 para 14 semanas13 para

acautelar estas dificuldades. Na sequência deste apelo, Membros do Parlamento Francês introduziram uma

proposta de lei que visava, precisamente, reforçar o direito ao aborto, através do alargamento do prazo em que

é possível recorrer à IVG até às 14 semanas, num esforço para eliminar disparidades no acesso a este direito

fundamental, como afirmou a Deputada proponente, Albane Gaillot14.

Uma outra característica que reflete o caráter paternalista da legislação portuguesa é a exigência de um

período de reflexão, isto é, o requisito de que o consentimento da mulher para este procedimento deva ser

prestado «em documento assinado pela mulher grávida ou a seu rogo, o qual deve ser entregue no

estabelecimento de saúde até ao momento da intervenção e sempre após um período de reflexão não inferior a

três dias a contar da data da realização da primeira consulta destinada a facultar à mulher grávida o acesso à

informação relevante para a formação da sua decisão livre, consciente e responsável». Esta condição prévia

consiste numa opção política da qual nos demarcamos, pois consideramos que contribui para a estigmatização

8 Em: Lei 16/2007, 2007-04-17 – DRE. 9 Em: 500 portuguesas vão abortar em Espanha todos os anos (dn.pt). 10 Em: Dez semanas para a interrupção voluntária da gravidez «é um período curto» – SIC Notícias (sicnoticias.pt). 11 Em: European Abortion Law: A Comparative Overview – Center for Reproductive Rights. 12 Em: EU countries should ensure universal access to sexual and reproductive health – Nyheter – Europaparlamentet. 13 Em: Coronavirus: In France, professionals look to extend legal abortion time limit (france24.com). 14 Em: France lawmakers to look at legalising abortion up to 14 weeks (rfi.fr).