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27 DE OUTUBRO DE 2021

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de viver ao ar livre. Aliás, é a própria lei que dispõe como princípio básico para o bem-estar dos animais que

nenhum animal deve ser detido como animal de companhia se não se adaptar ao cativeiro (cfr. n.º 2 do artigo

7.º do Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro).

E o mesmo se diga, aliás, de cães em estado de errância, muitas vezes vítimas de abandono, que encontram

acolhimento responsável numa comunidade de moradores e se habituam, de forma benigna, integrada e

controlada, a coabitar o espaço público, contribuindo também para a socialização, qualidade de vida das

pessoas, sentimento de pertença à comunidade e partilha de responsabilidades.

Encaminhar esses animais inseridos estavelmente em comunidades, doutrinariamente designados por

animais comunitários, para o cativeiro nos CRO e condená-los a um futuro incerto, com provável confinamento

permanente nesses alojamentos municipais, é claramente inadequado e até perverso, bem se sabendo que

muitos dos animais alojados nos CRO infelizmente não chegam a ser adotados.

Por outro lado, é um facto preocupante que, mercê da inoperância de décadas por parte dos poderes públicos

focados na prática continuada do abate como pretenso remédio para o controlo da população de cães e de gatos

e ausência de campanhas de esterilização animais expressivas por todo o território nacional, ainda enfrentamos

um grave problema de sobrepopulação destes animais relativamente ao número de lares que se disponibilizam

ou que reúnem condições para os acolher.

O fenómeno dos animais comunitários representa uma realidade sociológica relevante e respeitável, que se

pratica informalmente há décadas, e que, como tal, é justo que se reconheça juridicamente e regule, tanto mais

que alguns regulamentos municipais sobre o bem-estar animal, designadamente, o de Sintra, preveem já essa

figura, registando-se também casos de municípios que não avançam nos mesmos termos por dúvidas quanto à

margem de competência legal para o efeito.

Existem hoje evidências científicas de que o reconhecimento e a regulação dos animais comunitários

promove a responsabilidade social e o espírito de comunidade.

Designadamente, a prestigiada organização International Companion Animal Management Coalition (ICAM)

elaborou, em 2007, um manual de procedimentos operacionais que, para além de incluir estratégias de cuidados

dos animais comunitários, versa sobre a sustentabilidade dos programas de maneio desses animais através do

desenvolvimento da responsabilidade social local, do monitoramento e da avaliação constantes.

No mesmo sentido, segundo o Relatório Técnico n.º 931, de 2005, proferido pela Organização Mundial de

Saúde, quando as ações para o maneio das populações animais são controladas pelo sistema de participação

social, aumenta a consciência e o sentimento de guarda responsável na comunidade, o que contribui para a

construção de uma comunidade mais estruturada para prover cuidados de saúde aos animais e evitar o

abandono.

Ou seja, o reconhecimento jurídico do animal comunitário, obviamente sob requisitos legais adequados,

constitui uma resposta social complementar contra o abandono animal, promovendo igualmente a guarda

responsável dos animais, sob a ótica holística do bem-estar humano e animal e da qualidade de vida

comunitária.

Por outro lado, a imposição da identificação e vacinação desses animais representa uma forma eficaz de

prevenir e controlar zoonoses, que são também mais habituais em locais de intenso confinamento e grande

stresse como é inevitável nos canis e gatis, quer municipais, quer de associações de proteção animal.

Ainda, a presença de cães comunitários, obviamente dentro de certos limites e condicionalismos (que não

ponham em causa o bem-estar do próprio animal ou da população), é suscetível de proteger os moradores,

singulares e coletivos, da comunidade de atos ilícitos de terceiros e, bem assim, de evitar a formação de matilhas

com origem no agrupamento desregrado de animais abandonados. E a presença de gatos comunitários resulta

sempre numa forma natural de dissuasão de pequenos animais sinantrópicos nos meios urbanos tais como

roedores. Essa solução tem vindo a ser implementada, com grande êxito, nos países onde a sobrepopulação

de gatos e cães constitui um problema, nomeadamente, em vários estados brasileiros (São Paulo, Rio de

Janeiro, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná, Espírito Santo), Chile, Argentina e Equador.

O próprio Decreto-Lei n.º 314/2003, de 17 de dezembro, prevê, no n.º 4 do artigo 7.º, que as câmaras

municipais, no âmbito das suas competências, possam criar zonas ou locais próprios para a permanência e

circulação de cães e gatos, estabelecendo as condições em que esta se possa fazer sem meios de contenção,

quadro jurídico que acomoda, em traços gerais, a figura do animal comunitário.