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II SÉRIE-A — NÚMERO 67

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No entanto é neste contexto que território e a agricultura no país têm sido transformados para um modelo

intensivo ou superintensivo com grande necessidade de consumo de água, com contaminação de recursos

hídricos, com erosão dos solos e com o aumento da suscetibilidade das culturas e espaços rurais a fatores

bióticos e abióticos. É uma transformação que não só não adapta o território aos riscos das alterações climáticas,

mas que vai precisamente no sentido contrário, aumentando as vulnerabilidades e potenciando esses riscos

climáticos. Uma transformação que terá marcas profundas nas próximas décadas.

A esta transformação foi também associada a uma intensa exploração laboral e mesmo a tráfico de seres

humanos. Muita desta produção intensiva só foi possível graças à violação de direitos humanos que ficaram

mais visíveis durante a pandemia, com trabalhadores em condições habitacionais e de salubridade, com salários

baixíssimos, com condições de trabalho muito duras e jornadas diárias muito longas. Este modelo, baseado na

exploração, obviamente não serve o País.

A situação atual está reconhecidamente a provocar grandes perdas de produção dada a situação de seca, o

que mostra que é necessário um modelo mais robusto que resista aos efeitos das alterações climáticas e que

as contrarie. A segurança alimentar está também em causa, tanto mais que vários países estão a sofre os feitos

climáticos, mas há também uma disrupção das cadeias globais de abastecimento e ainda os efeitos da invasão

da Ucrânia. Note-se ainda que o Comissário Europeu Frans Timmermans recentemente considerou que «sem

redução de pesticidas teremos uma crise alimentar na Europa» e que a UE está a preparar medidas para essa

redução.

A uniformização da paisagem com monoculturas quebra a resiliência do território e abre espaço para estragos

e prejuízos gerados por pragas e doenças, secas e outros eventos extremos que se agravam com as alterações

climáticas. Acresce também uma consequente perda de resiliência económica, colocando as explorações

agrícolas dependentes de receitas geradas por poucos produtos, ou mesmo por um único produto colocado no

mercado.

Trata-se de um problema comum a várias culturas e a muitos territórios. Desde os pomares de pereiras e

macieiras, às vinhas e olivais intensivos, são vários os exemplos de uniformização paisagística e de instalação

de culturas segundo o maior declive, com mobilizações de solos profundas e com grandes níveis de erosão que

se acumulam, danificando linhas de água e comprometendo ecossistemas e a fertilidade dos solos para as

gerações futuras.

O exemplo mais mediático e com maior e mais acelerada expressão territorial trata-se do olival intensivo e

superintensivo do Alentejo, agora acompanhado do amendoal, com traços em tudo semelhantes.

Oliveiras e amendoeiras estão plantadas formando sebes com densidade superior a 1500 pés por hectare

quando no método tradicional este valor é inferior a 300. Esta nova forma de produção permite a mecanização

total, nomeadamente do processo de colheita, que frequentemente ocorre de dia e de noite.

De acordo com o Anuário Agrícola de Alqueva de 2021, nos 120 000 hectares possíveis foram inscritos 113

978 ha para rega, o que corresponde a uma taxa de 95% de adesão ao regadio. A área de olival ocupa agora

70 233 ha quando ocupava 13 mil há em 2015. O amendoal está implantado em 19 466 ha quando em 2015 se

situava nos 975 ha. Assim, o olival ocupa 61% da área de regadio e o amendoal 17%, num total de 78%,

dominando assim a paisagem. Tratou-se de uma transformação abrupta, impulsionada maioritariamente por

capitais estrangeiros e por apoios públicos nacionais: água abaixo dos custos reais e elevado nível de

financiamento ao investimento por via do PDR. Os beneficiários desta transformação limitam-se a um reduzido

número de explorações agrícolas e agricultores, cujo núcleo duro se reduz a meia dúzia de sociedades anónimas

que dominam o agronegócio a nível global.

Já em março de 2018, várias ONG alertavam para a ameaça dos recursos naturais do Sul do País que os

sistemas intensivos e superintensivos representam. O Centro de Estudos da Avifauna Ibérica (CEAI), a Liga

para a Proteção da Natureza (LPN), a Associação Nacional de Conservação da Natureza (Quercus) e a

Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) difundiram uma tomada de posição conjunta para

denunciar os projetos de cultura intensiva em extensas propriedades agrícolas, por grandes grupos económicos,

adquiridas a preços inflacionados que inviabilizam a sua rentabilização com base na agricultura convencional.

Um relatório da Junta da Andaluzia do Estado espanhol concluiu que entre 2017 e 2018 morreram mais de

2,5 milhões de aves em resultado dessa atividade nos olivais intensivos e superintensivos. Em Portugal, já várias

organizações apelaram à proibição das colheitas noturnas mecanizadas. A Sociedade Portuguesa para o Estudo

das Aves (SPEA) solicitou ao Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) que seja avaliada com