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20 DE JANEIRO DE 2022

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A prestação do serviço universal assenta num contrato de concessão que foi outorgado entre o Estado

português e a concessionária CTT, com o prazo de 7 anos e que regista o seu terminus no final de 20286. Nele

se consagra que as estações de correio são os «estabelecimentos da concessionária onde são prestados

serviços postais concessionados e onde podem também ser comercializados outros serviços e produtos da

concessionária e de terceiros, de acordo com os objetivos da concessionária.» [cfr. Cláusula 1.ª, n.º 1, alínea e)]

e que os postos de correio são os «estabelecimentos de entidades públicas ou particulares onde, conjuntamente

com outras atividades, são prestados serviços postais concessionados, mediante contrato ou outro instrumento

jurídico celebrado com a concessionária» [cfr. Cláusula 1.ª, n.º 1, alínea f)].

Também determina que a concessionária possa, além dos serviços concessionados, prestar outros serviços

postais em Portugal e no estrangeiro, «bem como exercer quaisquer outras atividades, designadamente as que

permitam a rentabilização da rede do serviço universal, diretamente ou através da constituição ou participação

em sociedades ou em outras formas jurídicas de cooperação entre empresas» e que tais atividades, além de

não poderem afetar o cumprimento das obrigações de serviço público que compõem a concessão, «abrangem

a prestação de serviços de interesse público ou de interesse geral mediante condições a acordar com o

Concedente, podendo igualmente abranger a prestação de serviços bancários e financeiros.» (Cláusula 6.ª, n.os

1 e 2)

Verifica-se que nas estações e postos de correio, cuja rede capilar de resto, sublinha o Conselho de Ministros

na sua resolução, se presta um conjunto vasto de serviços que incluem, por exemplo, o levantamento de vales

postais7 ou o pagamento de serviços essenciais, como a luz ou a água, o que exponencia o público utilizador.

Mas também se vendem lotarias e lotarias instantâneas (as célebres raspadinhas), cuja compra, a todos diz a

experiência, costuma ser eficientemente sugerida por quem atende. Pior que isso: é sabido o sucesso que tais

jogos têm na população portuguesa e os gravíssimos problemas que lhes estão associados, do comportamento

aditivo às implicações financeiras e psicossociofamiliares.

Ora: «As raspadinhas são um vício negligenciado? A resposta está nos dados – que indicam que sim, são.

O gasto médio por pessoa nestes jogos é de 160 € por ano em Portugal, um valor extremamente elevado quando

comparado com os 14 € médios em Espanha.»8 Mas, mais, segundo um dos investigadores do estudo a que se

vem aludir, publicado na prestigiada revista científica The Lancet Psychiatry, entre as razões para o consumo

de raspadinhas está: «em primeiro lugar, a facilidade de acesso e o grande número de pontos de distribuição;

em segundo, a aceitação social e o baixo estigma associado a este tipo de vício; em terceiro, a grande

publicidade que alguns órgãos de comunicação social fazem aos prémios atribuídos, com muitas histórias na

primeira pessoa que fazem acreditar que ganhar muito é mais fácil do que efetivamente é. O facto de o resultado

da aposta ser imediato é outro dos fatores que torna mais fácil as pessoas ficarem viciadas»9. (sublinhado nosso)

Não se vê, assim, como pode um prestador de um serviço público ser autorizado a ter, em paralelo coma

este, uma atividade que acaba a permitir a difusão do fenómeno do jogo. Sendo os interesses públicos os

interesses gerais de uma coletividade, verifica-se aqui uma contradição insanável: o mesmo operador

prossegue, por um lado, um inegável interesse público – o serviço postal universal – e, por outro, ofende o

interesse geral de proteção da comunidade contra o empobrecimento e contra o jogo patológico, a que o

interesse privado da concessionária deve sucumbir.

Nota-se, a acrescer, que a dimensão do problema motiva a recente iniciativa, do Conselho Económico e

Social, de estudar «Quem Paga a Raspadinha», trabalho que «passa por identificar os efeitos da lotaria

instantânea, que pode estar na origem de graves perturbações na estabilidade socioeconómica das famílias, a

par de problemas de saúde pública, na população portuguesa».10 Não deixa de ser representativo de uma certa

contradição.

Conclui-se, pelo percurso que se vem a fazer, que a cláusula 6.ª do contrato de concessão, que determina a

natureza das atividades que a concessionária pode ser autorizada a prestar – abrangendo «a prestação de

serviços de interesse público ou de interesse geral» –, encontra-se, nesta parte, inequivocamente inverificada.

6 https://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=1722624 7 Solução adotada para pagamento de pensões: https://www.ctt.pt/ajuda/particulares/transferencias-de-dinheiro/vale-postal/autorizar-outra-pessoa-a-levantar-um-vale-postal, e até do recente apoio extraordinário a titulares de prestações sociais: Não recebeu cheque da Seg. Social pelo IBAN? É enviado por vale postal (noticiasaominuto.com) 8 Dados apresentados por Daniela Vilaverde e Pedro Morgado, investigadores da Escola de Medicina da Universidade do Minho e do ICVS: http://icvs.uminho.pt/science-society/news/fbea32e1461f440e9a18d70e75933737-4446 9 Vide nota supra. 10 https://ces.pt/2022/05/20/conselho-economico-e-social-assinala-arranque-do-estudo-quem-paga-a-raspadinha/