O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

II SÉRIE-A — NÚMERO 253

2

PROJETO DE LEI N.º 853/XV/1.ª

PROCEDE À CRIAÇÃO DO INSTITUTO DA ÁGUA, IP, E À REATIVAÇÃO DAS ADMINISTRAÇÕES

DAS REGIÕES HIDROGRÁFICAS E DOS CONSELHOS DA REGIÃO HIDROGRÁFICA

Exposição de motivos

A situação de seca verifica-se em todo o território de Portugal continental e está a agravar-se. Em maio, as

regiões Norte e Centro encontravam-se em seca moderada e a região Sul em seca severa ou extrema. Todas

as bacias hidrográficas estão em estado de seca; no último ano, as bacias a sul nunca deixaram de o estar.

Nas últimas décadas, em Portugal e Espanha, a precipitação diminuiu cerca de 15 %, prevendo-se que essa

diminuição se acelere até ao final do século. Os estudos são claros: tanto a pluviosidade como os caudais vindos

de Espanha continuarão a diminuir. Nos cenários traçados pelos atuais Planos de Gestão dos Recursos Hídricos

do Mira, Sado, Guadiana e Ribeiras do Algarve, a futura redução de disponibilidade nestas bacias é estimada

acima de 50 %.

Perante este quadro, há erros fundamentais a evitar na tomada de decisões: desvalorizar a diminuição da

disponibilidade de água como um fenómeno episódico; adotar políticas que visem proporcionar o aumento do

consumo de água em setores não essenciais ou em que alternativas com uso eficiente da água existem, como

o caso do regadio na agricultura, sem corrigir assimetrias territoriais; secundarizar as políticas de gestão da

procura a nível setorial.

A agricultura consome mais de 75 % da água captada em Portugal, sendo que apenas 15 % da área agrícola

é irrigada. Esta pequena fração, em que domina a agricultura intensiva e superintensiva – de elevado valor

económico, mas com pouco contributo para emprego local de qualidade, alimentação saudável e

desenvolvimento rural – consome (e contamina) larga parte dos recursos hídricos disponíveis. Salvo medidas

pontuais de contenção do consumo de água em períodos de maior escassez, como a recente moratória a novas

culturas de abacate no Algarve ou de frutos vermelhos no Alentejo, o que está previsto é a expansão da área

de regadio em 127 mil hectares e a manutenção dos subsídios públicos, com a cobrança da água muito abaixo

do seu custo. Tudo em nome de um modelo agrícola sem futuro, por mais eficiente ou verde que se apresente.

A expansão do regadio serve os lucros de uns poucos empresários (à custa dos milhões da PAC), mas não

serve objetivos de assegurar uma alimentação acessível, saudável e sustentável e a democratização dos

sistemas alimentares, ou seja, a soberania alimentar de Portugal: 90 % das áreas regadas com água do Alqueva

são de produção intensiva de azeite e amêndoa para exportação.

Estes interesses definem o debate público sobre a questão da água, centrando-o nas grandes obras impostas

pelo aumento do regadio: mais barragens, transvases das bacias de Norte para Sul, dessalinização. Ora, a

artificialização dos cursos de água está legalmente condicionada à inexistência de alternativas viáveis e os rios

e restantes massas de água devem ter boa qualidade química e ecológica, independentemente das utilizações

humanas, com caudais ecológicos e a continuidade fluvial. Além disso, há outras atividades económicas, como

a pesca, o turismo, entre outras valências, que dependem da manutenção das condições naturais dos cursos

de água e das bacias hidrográficas.

Note-se que Portugal não está a cumprir a Diretiva Quadro da Água que obriga que todas as massas de água

atinjam o bom estado ecológico em 2027. Verifica-se que 45 % das águas superficiais não atingem este objetivo,

nem tem havido uma melhoria entre ciclos de planeamento. Nas águas subterrâneas, descem os níveis freáticos

nos principais aquíferos do País e, em casos como o do Algarve, há intrusão salina. O aumento das áreas

regadas irá agravar esta situação.

O debate necessário é, pois, sobre a diminuição do consumo global de água, uma melhor distribuição do

acesso para consumos fundamentais e a recuperação de práticas que permitam regenerar e reter água,

designadamente na agricultura. Com esse objetivo, o Bloco de Esquerda propõe políticas responsáveis para

combater a escassez da água em torno de três áreas fundamentais: gestão dos recursos hídricos, investimento

na alteração dos modos de produção e redução das perdas de água. A urgência desta intervenção é acentuada

pela oportunidade do recurso combinado aos fundos da PAC e do PRR.

Com o presente projeto de lei, o Bloco de Esquerda repõe a existência do instituto da água, como autoridade

nacional, e recupera a autonomia das administrações de região hidrográfica.