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17 DE AGOSTO DE 2023

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internacional.

O referendo em causa sustenta-se no pensamento fundacional do Estado de Direito, do Contrato Social e

da Democracia representado em autores como Thomas Hobbes, John Locke ou Jean-Jacques Rousseau2. É

fundamental garantir a existência de relações objetivas, explícitas e mutuamente consentidas como legítimas

entre governantes e governados, entre o Estado e a sociedade que consensualizem os pressupostos de uma

ideia de escola, o que nunca aconteceu em Portugal com o rigor necessário.

Nas democracias, o contrato social depende de referentes explícitos – como os revertidos, por excelência,

na Constituição da República Portuguesa que, por essa razão, só é passível de ser alterada mediante

compromissos largamente consensuais –, mas não menos depende de referentes tácitos, no caso hábitos ou

tradições consensuais que instituem a vida coletiva. Dado o lastro social e histórico hoje transversal a várias

gerações, é nesse âmbito que, no ensino, a avaliação dos resultados escolares com consequências na

transição ou retenção dos alunos – na componente (1) da escala de classificação e (2) dos exames nacionais

– constitui a âncora do contrato social entre governantes e governados.

Estando em causa o princípio semelhante aplicável à Constituição da República Portuguesa, não é legítimo

alterar qualquer dos referentes estruturais que sustentam as relações entre governantes e governados, ou

entre o Estado e a sociedade no ensino por decisões circunscritas a gabinetes ministeriais, a vontades

circunstanciais de ministros ou governos, por impulsos revolucionários, à revelia dos cidadãos. Decisões em

matérias estruturais sem uma auscultação manifesta da sociedade permitem que indivíduos ou grupos

restritos sequestrem o destino da maioria da população atropelando a defesa dos interesses de diversas

sensibilidades sociais que gravitam em torno do ensino, da sua liberdade na matéria.

Tal é sinónimo de atentar contra os fundamentos do Estado de direito, do contrato social e da democracia.

O referendo nacional significa, por isso, enfrentar estruturalmente a crise e a instabilidade no ensino através

do reforço inédito da maturidade e legitimidade da democracia portuguesa. É a via mais eficaz para travar a

falência do sistema de ensino enquanto elevador social dos mais carenciados e das classes médias.

1. Razões para referendar os exames nacionais

As provas de exame nacional serviam para aferir a transição ou retenção dos alunos no final de cada ciclo

do ensino – primeiro ciclo, quarto ano; segundo ciclo, sexto ano; terceiro ciclo, nono ano; e secundário, décimo

primeiro e décimo segundo anos. Os exames nacionais também funcionavam como referentes por excelência

do contrato social do ensino, isto é, asseguravam a existência de relações de confiança mútua, transparentes

e honestas entre a sociedade e a escola.

À revelia de qualquer consulta pública, os exames nacionais de final de ciclo têm sido progressivamente

suprimidos num atropelo aos fundamentos do Estado de direito, do contrato social e da democracia.

Desapareceram do quarto e do sexto ano. Os exames nacionais do nono ano estão em risco e os do décimo

primeiro e décimo segundo anos estão a ser fragilizados. Consolida-se uma tendência de «examocídio» que

tem de ficar transparente e inequívoca no senso comum por via do referendo: os portugueses querem manter

essa tendência ou não se reveem nela?

Se se constata a melhoria inequívoca no sucesso escolar estatístico, a inexistência de exames nacionais

também gera consequências negativas que se agravam continuadamente com o correr do tempo: degradação

da qualidade da formação escolar, fragilização da aferição da aquisição de pré-requisitos da aprendizagem

que, depois, prejudicam o restante percurso escolar dos alunos, desincentivo ao cumprimento de programas e

ao estudo, diminuição das possibilidades de controlo do sistema de ensino pela sociedade no seu conjunto.

As vantagens e desvantagens da existência de exames nacionais são muito claras. Na matéria, os

portugueses têm sido manipulados por meias-verdades. Compete, por isso, à sociedade portuguesa

expressar-se de forma manifesta por via do referendo aos exames nacionais em final de ciclo de estudos se

prefere manter o rumo da supressão dessas provas ou se, pelo contrário, defende a sua existência.

De acordo com a tradição recente, os portugueses devem ser auscultados sobre a realização de um

mínimo de duas provas nacionais no final de cada ciclo de estudos, o que assegura o princípio do contrato

2 Cf. Thomas Hobbes (1999) [1651], Leviatã ou Matéria, Palavra e Poder de um Governo Eclesiástico e Civil, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda; John Locke (2007) [1689], Segundo Tratado do Governo. Ensaio Sobre a Verdadeira Origem, Alcance e Finalidade do Governo Civil, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian; Jean-Jacques Rousseau (1973) [1762], Do Contrato Social ou Princípios do Direito Público, Lisboa, Editorial Presença.