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II SÉRIE-A — NÚMERO 47

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artigo 250.º, a necessidade de realização de um estudo sobre o impacto do trabalho por turnos, tendo em vista

o reforço da proteção social destes trabalhadores, o facto é que até hoje esse estudo não existe e os

trabalhadores por turnos não viram nenhuma melhoria concreta acontecer.

Quase três anos depois, as debilidades já existentes do ponto vista social e laboral são evidentes e, no

entanto, nunca foi dado a conhecer qualquer resultado e a proteção social dos trabalhadores por turnos e em

regime noturno não foi reforçada.

Investigações de âmbito académico têm demonstrado que o horário de trabalho por turnos, especialmente

quando envolve a realização de trabalho noturno e/ou períodos muito valorizados familiar e socialmente, pode

representar para o/a trabalhador/a dificuldades acrescidas do ponto de vista biológico, psicológico e/ou familiar

e social. Boa parte das dificuldades experienciadas resulta, por um lado, da necessidade de inversão do ciclo

sono-vigília (i.e., ter de dormir de dia e de trabalhar à noite) e, por outro, do desfasamento entre a estruturação

do tempo social e certos horários de trabalho, donde se salienta os períodos ao final do dia e aos fins de semana.

Embora os diferentes efeitos tendam a interrelacionar-se, podem ser agrupados em três grandes dimensões:

saúde (perturbações na saúde física e psicológica, incluindo perturbações nos ritmos circadianos); efeitos

sociais (interferência na vida familiar e social) e ocupacionais (em especial, as perturbações circadianas do

desempenho e a sua relação com a segurança ocupacional).

Diversos estudos científicos sobre a realidade do trabalho por turnos e o trabalho noturno têm dado um

contributo inestimável para um mais profundo conhecimento deste fenómeno e das suas consequências

humanas (designadamente, perturbações do sono, gastrointestinais, cardiovasculares, do humor, fadiga

crónica, problemas metabólicos, sociais e familiares, acidentes de trabalho por vezes mortais e catastróficos,

absentismo, diminuição da capacidade laboral e envelhecimento precoce). Por isso mesmo, esses estudos têm

vindo a interpelar os poderes públicos sobre a necessidade de uma maior regulação desta modalidade de

organização do trabalho. Apesar de as empresas garantirem que cumprem a lei, verifica-se, por exemplo, que

aspetos básicos da regulação do trabalho por turnos, como o intervalo de pelo menos 11 horas nas mudanças

entre os turnos, como recomendado na Diretiva Europeia 93/104/CE, não são, de facto, respeitados.

No dia 1 de maio de 2023, entrou em vigor a «Agenda do Trabalho Digno» que, apesar de ter sido

apresentada pelo Governo como uma importante reforma laboral, manteve inalteradas matérias essenciais,

como é o caso do trabalho por turnos e noturno. O Partido Socialista uniu-se à direita para rejeitar as propostas

apresentadas pela esquerda que incidiam exatamente sobre estas matérias. O Partido Socialista optou por

manter o quadro de desequilíbrio nas relações de trabalho que vem do Código do Trabalho de 2003, da versão

do Código de 2009 e das alterações feitas na sequência da intervenção da troica em 2012 e 2013.

A negociação e a contratação coletiva são um espaço privilegiado para regular estas matérias. Mais uma

vez, as sucessivas revisões do Código do Trabalho em matéria de negociação e contratação coletiva tiveram

como efeito desequilibrar, a favor do patronato, a legislação laboral, diminuir a capacidade de negociação dos

sindicatos, reduzir a abrangência das convenções e individualizar as relações laborais. No campo da

organização do trabalho por turnos, noturno e em folgas rotativas, este processo de individualização e

precarização tem feito da entidade empregadora o único determinante na relação laboral, proliferando situações

de desfavorecimento do trabalhador. Por isso mesmo, sem prejuízo da regulação de aspetos específicos que

deve ser feita em cada setor e atendendo às suas particularidades por instrumentos de regulação coletiva de

trabalho, a lei geral tem o dever de definir patamares mínimos para todos os trabalhadores.

O Bloco de Esquerda tem sistematicamente apresentado iniciativas legislativas sobre o tema e foi criado na

anterior Legislatura um grupo de trabalho, junto da Comissão de Trabalho e Segurança Social, para apreciar

essas iniciativas. Foram realizadas, nesse âmbito, dezenas de audições a diversas entidades, das quais

resultaram o reconhecimento geral da necessidade de melhorar o enquadramento normativo desta forma de

organização do trabalho. Contudo, contrariamente aos sinais dados publicamente pelo PS, às necessidades

reconhecidas em várias das audições, nem a chamada «Agenda do Trabalho Digno», nem as propostas de

alteração apresentadas posteriormente pelo Partido Socialista incluíram estas matérias e as propostas da

Esquerda foram reprovadas.

O contexto mundial, e particularmente o europeu, alterou-se substancialmente com a invasão da Ucrânia

pela Rússia e com consequências imediatas que são já preocupantes: os preços aumentam, mas os salários

não, ou muito menos. Desde o início da invasão da Ucrânia, o custo de vida aumentou três vezes mais do que

os salários. Quem trabalha está, de novo, a empobrecer. É urgente conferir dignidade ao trabalho desenvolvido