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II SÉRIE-A — NÚMERO 96

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PROJETO DE LEI N.º 268/XVI/1.ª

PROMOVE OS DIREITOS NA GRAVIDEZ E NO PARTO

Exposição de motivos

A falta de humanização dos cuidados na gravidez e parto, podem levar a situações de violência obstétrica,

realidades hoje já salientadas, sendo, contudo, a sua expressão desconhecida, uma vez que muitas unidades

de saúde não registam episódios que podem configurar este tipo de violência, muitos utentes não os reportam

e alguns profissionais não os reconhecem. Há, para além de tudo isso, um contexto geral de degradação dos

serviços de saúde, nomeadamente de serviços obstétricos, que pode potenciar práticas sem evidência

reconhecida e colocar em causa os direitos das mulheres.

Na última década a discussão deste problema tem conhecido avanços. Em 2014, a Organização Mundial de

Saúde (OMS) alertou para o drama de «muitas mulheres [que] sofrem abusos, desrespeito e maus-tratos durante

o parto nas instituições de saúde», afirmando que esse tratamento viola os «direitos das mulheres ao cuidado

respeitoso, mas também ameaça o direito à vida, à saúde, à integridade física e à não discriminação»

(Declaração WHO/RHR/14.23).

Efetivamente, a violência obstétrica é uma realidade pela qual muitas mulheres passam sem sequer a

identificar como uma violação dos seus direitos. No entanto, continuam a ser comum a prática de atos médicos

sem consentimento informado, os abusos físicos, psicológicos e verbais, a negação de acompanhamento ou de

respeito pelas escolhas da mulher no momento do parto.

Em 2015, a Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto (APDMGP) publicou um

relatório sobre as Experiências de Parto em Portugal no qual 1468 mulheres (43,5 % da amostra) afirmam não

ter tido o parto que queriam. Estando em causa não a ocorrência de situações inesperadas, mas a «perda de

controlo sobre o processo do parto». Tudo devia começar com a prestação de todas as informações necessárias

a uma decisão sobre o próprio parto, no entanto, 43,3 % declaram que não receberam «informação sobre

algumas das suas opções possíveis no trabalho de parto e parto» e 43,8 % não foram consultadas sobre as

intervenções às quais foram sujeitas. Na segunda edição deste estudo, com dados relativos a 2015-2019, 68 %

das 7555 inquiridas não tinham plano de parto e 14 % não tiveram o seu plano de parto respeitado.

A violência obstétrica é frequentemente agravada pela discriminação etnorracial. A ausência de dados sobre

esta matéria no nosso País, levou a SaMaNe – Associação Saúde das Mães Negras e Racializadas em Portugal

a realizar um estudo entre março de 2021 e junho de 2023. Desta investigação intitulada Experiências de

gravidez, parto e pós-parto de mulheres negras e afrodescendentes em Portugal resultou um primeiro relatório

técnico publicado em setembro de 2023. Das 158 mulheres inquiridas, 10,6 % disseram que não se sentiram

respeitadas por causa da sua identidade étnico-racial, 33,5 % disseram que sentiram alguma humilhação em

algum momento (normalmente por um profissional de medicina, 53,4 %), 41,1 % alegaram ter sido

negligenciadas. A identidade étnico-racial, a idade, o número de filhos, a condição social e o cruzamento destes

fatores são apontados como estando na base dos casos de violência obstétrica relatados. Este documento inclui

dados relatos de violência obstétrica por motivos étnico-raciais, de que é exemplo a desvalorização da dor das

gestantes negras.

A aprovação da Lei n.º 110/2019, de 9 de setembro, representou um progresso nesta matéria. A nova lei

operou uma revisão da legislação em matéria de direitos e deveres do utente dos serviços de saúde (Lei

n.º 15/2014, de 21 de março) estabelecendo os princípios, direitos e deveres aplicáveis em matéria de proteção

na preconceção, na procriação medicamente assistida, na gravidez, no parto, no nascimento e no puerpério. No

entanto, a lei está longe de se traduzir numa mudança efetiva no combate à violência obstétrica. De tal modo

que, em maio de 2021, uma ampla maioria na Assembleia da República aprovou uma recomendação ao

Governo para a eliminação de práticas de violência obstétrica como a manobra de Kristeller, a episiotomia de

rotina e o estreitamento vaginal no contexto da episiotomia (Resolução da Assembleia da República

n.º 181/2021).

Impõe-se uma chamada de atenção particular para a episiotomia (corte no períneo, área muscular entre a

vagina e o ânus, para ampliar o canal), que tem sido desaconselhada pela OMS como prática de rotina. Dados

do Euro-Peristat e do Observatório Português dos Sistemas de Saúde, apontam para uma taxa de episiotomia