O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

4 DE OUTUBRO DE 2024

3

PROJETO DE LEI N.º 308/XVI/1.ª

ALTERA A LEI PENAL NO SENTIDO DE ATRIBUIR MAIOR PROTEÇÃO ÀS VÍTIMAS DE CRIMES

SEXUAIS E PREVENIR SITUAÇÕES DE REVITIMIZAÇÃO EM CONTEXTO JUDICIAL E DE ACESSO À

SAÚDE

Exposição de motivos

O crime de violação, consagrado no artigo 164.º, Título I, do Código Penal «Dos crimes contra as

pessoas», inserido no Capítulo V, onde se encontram regulados os «Crimes contra a liberdade e a

autodeterminação sexual» tem apresentado, no decorrer das diversas revisões legislativas, um alargamento

do respetivo escopo normativo, evoluindo, v.g., com a revisão de 1998, no sentido de abandonar a conceção

nos termos da qual a vítima do tipo incriminador em questão seria impreterivelmente do sexo feminino,

protegendo, não obstante o sexo, a autodeterminação sexual de todos os indivíduos.

A reforma de 2007, por sua vez, preconizou a ampliação ao conceito de violação, equiparando à cópula, ao

coito anal e ao coito oral a introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos1.

No que respeita ao «assédio», conforme previsto no n.º 2 do suprarreferido preceito, sublinhe-se,

procedeu-se ainda a uma extensão do conceito, abrangendo assim as relações familiares, de tutela e curatela,

bastando-se as mesmas com a criação de uma situação de temor e, consequentemente, eliminando-se a

exigência de uma «ordem ou ameaça», evoluindo, mais tarde, para o agravamento da moldura penal, que

passou a fixar-se entre 1 e 6 anos, abandonando os anteriores 3 anos.

Finalmente, em 2019, por imposição do disposto na Convenção de Istambul, concretamente no que

concerne ao artigo 36.º do diploma, instituiu o legislador uma garantia de proteção adequada da vítima,

completando a previsão do tipo incriminador do crime de violação com a introdução da falta de consentimento

como elemento-chave do preenchimento do tipo.

Sucede, todavia, como vem sendo deslindado pela Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, que

mantém o Código Penal, na sua redação atual, a configuração do crime de violação como uma coação sexual

agravada pela forma e não já, como deveria suceder, como tipo geral2.

Sendo certo que, de igual modo, se revela patentemente deficiente a estruturação do elenco de condutas

subsumíveis à norma relativa ao crime de violação tal como ela se encontra redigida porquanto o mesmo não

esclarece, desde logo, e v.g., expressamente na previsão normativa a penetração oral com partes ou objetos,

deixando assim por tipificar condutas, entenda-se, manifestamente atentatórias, também elas, do bem jurídico

protegido pelo preceito.

Com efeito, perfilhando do entendimento da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, sempre se

imporá, atendendo à natureza do bem jurídico tutelado pelo tipo legal do crime de violação – a liberdade

sexual – a natureza pública de tal incriminação.

Em boa verdade, segundo o Relatório Anual de Segurança Interna3, nos anos a que se reporta o relatório

de 2023, apresentam os casos de violação em Portugal uma das tipologias de crimes que registaram a maior

percentagem no período em epígrafe, espelhando um índice de 20,2 %.

Ora, já em 2021, situava-se o número total de violações em 397, número acima da média anual nos últimos

7 anos, nomeadamente, 383.

Sendo certo que, em tal período, demonstravam os mesmos números divulgados que 94 % das vítimas de

violação seriam mulheres e que em 77 % dos casos a vítima e o agressor já se conheciam previamente,

significando assim que existira uma proximidade prévia, num contexto familiar, laboral ou relacional, fatores

esses que se vêm mantendo, conforme esclarecido no RASI 2023.

Por outro lado, atualmente, i.e., atendendo ao período a que se reporta o Relatório Anual de Segurança

Interna de 2023, mantém-se a percentagem de vítimas indivíduos do sexo feminino nos 90,7 %, escalando

também as situações em que as vítimas são indivíduos do sexo masculino para os 9,3 %, aumento este

1 ALBUQUERQUE, Paulo Pinto, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pág. 696: «Consagrou-se o modelo do artigo 222-23 do CP Francês de 1994, que inclui no conceito legal de violação toda a penetração sexual, de qualquer natureza que seja, cometido sobre a pessoa de outrem por violência, coação, ameaça ou surpresa». 2 Parecer Associação Portuguesa das Mulheres Juristas Pelos Direitos Humanos, de 27 de maio de 2019. 3 Cfr. Relatório Anual de Segurança Interna, de 2023, disponível em www.portugal.gov.pt.