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6 DE MARÇO DE 1999

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4 — A acessibilidade dos doentes mentais aos cuidados de saúde no plano dos medicamentos

A referência ao n.° 2 do artigo 64.° da Constituição (cf. transcrição supra) remete também, em abstracto, para o problema da acessibilidade aos cuidados de saúde, como condição da protecção da saúde, que o preceito constitucional impõe ao Estado. O abaixo assinado referido toma também posição em relação a tal tópico. Compreende-se: a Portaria n.° 743/93, do Ministério da Saúde, impondo aos doentes mentais uma comparticipação menos favorável do que aquela que, objectivamente, lhes deveria reconhecer, tem como consequência prática comprometer ou diminuir a acessibilidade destes doentes ao tratamento. Esta consequência merece devida consideração. Ela ameaça pôr em causa a qualidade do acto médico, colocando o médico em situação delicada e embaraçosa. Como receitar a prescrição indicada, que se sabe antecipadamente que não poderá ser adquirida? E, se é esta a condição económica do paciente, como garantir, após alta hospitalar, a continuidade de um tratamento adequado, testado no internamento? E o perigo de a pressão da condição económica vir a interferir na quantidade adequada que deve ser assegurada pelas tomadas diárias do medicamento?

Se todos os medicamentos psiquiátricos tivessem um custo baixo ou bem compatível com o nível económico da generalidade das famílias portuguesas, subsistiria a inaceitável violência da discriminação mas as suas consequências práticas, no dia-a-dia das famílias, poderiam não ser tão opressivas. Acontece, porém, que a situação clínica pode levar a uma prescrição relativamente cara. Esta situação ocorre, particularmente, no que se refere à esquizofrenia, devido ao aparecimento recente de antipsicóticos atípicos, cujo custo é muito ou muitíssimo elevado em relação aos neurolépticos convencionais, que caracterizaram o mercado por cerca de 30 anos, desde o aparecimento da cloropromazina. Estes novos produtos, além de eficazes em casos clínicos resistentes aos antipsicóticos convencionais, apresentam maior eficácia no que se refere à sintomatologia descrita como negativa e melhor perfil no que se refere a efeitos secundários adversos.

A questão da-incomodidade derivada de indesejáveis efeitos secundários não é nada irrelevante, muito pelo contrário. Ela tem a ver, imediatamente, com a relativa qualidade de vida do dia-a-dia do paciente e, por arrastamento, dos seus familiares, mas os seus efeitos perversos são mais vastos. O grau de desconforto pode levar ao não cumprimento da devida medicamentação, mesmo ao seu abandono total (saliente-se que o perigo de abandono da medicamentação é maior em doentes psiquiátricos devido à íaita de consciência patológica que os caracteriza e à extrema gravidade que a doença pode assumir.), com o inexorável e previsível cortejo de consequências: rápida perda de estabilidade, crise psicótica, internamento hospitalar, (possivelmente mais longo que o anterior), pior prognóstico. Certos tipos de efeitos adversos, nomeadamente os que podem ocorrer a nível de movimentos, os efeitos extrapiramidais, concorrem para o estigma que acompanha a doença e aumentam o risco de isolamento social, que mesmo sem tais efeitos secundários é já uma fortíssima debilidade que a doença provoca. Há, portanto, razões de eficácia terapêutica, de segurança e conforto para o paciente que podem impor ou aconselhar a prescrição destes novos fármacos na prevenção e tratamento. Pergunta-se: não deve o doente esquizofrénico poder beneficiar dos progressos da farmacologia como qualquer doente de qual-

quer outra especialidade médica? Também aqui o doente mental não pode ser vítima de exclusão, segregação ou diferença de tratamento no que deve ser um padrão normal e universal de cuidados de saúde.

Ao lado do inestimável benefício experimentado por muitas famílias que, graças a tais avanços farmacológicos, assistiram à estabilização dos seus doentes e a uma recíproca (de pacientes e familiares) substancial melhoria de nível de qualidade de vida, o problema da comparticipação adquiriu para as mesmas famílias uma acuidade acrescida, que se mantém. Importa, contudo, salientar que os beneficies não são apenas os de natureza clínica, imediatos, e sociais, directos e indirectos.

Em conclusão, há também sérias razões económicas a favor destes novos fármacos, pelo que o interesse imediato dos utentes e das famílias vem a coincidir com o da entidade que tem a obrigação de financiar ou subsidiar o sistema de saúde. Acaba por ser do interesse deste sistema promover o acesso a tais medicamentos (um estudo económico publicado no ano em curso, em revista estrangeira, incidindo sobre o mais recente dos dois antipsicóticos atípicos que integram a lista oficial dos medicamentos comparticipados pelo Serviço Nacional de Saúde (INFARMED, Lisboa, 1998), salienta o impacte da sua utilização clínica na área dos custos: com especial relevo para a diminuição sensível do número de hospitalizações e diminuição da duração destas; os maiores gastos da prescrição corrente do fármaco traduzem-se, assim, em muito apreciável economia em relação ao uso de neuroléptico convencional; o estudo reúne dados de experiências e estudos parciais levados a efeito na Europa, Estados Unidos da América e Canadá (cf. R. F. Cookson e K.F. Huybre-chts, «Risperidone: an assessment of its economic bene-fits in the treatment of schrizophrenia», Journal of Medicai Economics, Brookwood Medicai Publications, Richmond/Surrey, vol. 1, 1998, pp. 103-134)].

Quanto aos medicamentos antidepressivos, indispensáveis para o tratamento e prevenção da doença depressiva, é também importante o acesso a novas terapêuticas, pois registam-se progressos, tanto em eficácia como em termos de tolerância. Sendo as novas moléculas mais dispendiosas, são também, em alguns parâmetros, mais seguras e com menos efeitos adversos.

5 — Racionalidade económica e outra

Compreende-se, sem dificuldade, que a comparticipação tem para o Estado uma impositiva dimensão económica, que tem sido uma condicionante da evolução do sistema.(«Desde então [1984], esta base escalonar vai sendo 'corrigida' sempre que razões de natureza financeira pressionam as autoridades a conter os encargos ou, também, critérios de natureza técnico-científica permitem excluir produtos 'franja' dos escalões de comparticipação ou mesmo descomparticipar grupos completa ou parcialmente» e «Entre 1988 e a actualidade pretende-se conter uma despesa cada vez maior e com maiores dificuldades de controlo e de cobertura, assegurando benefícios essenciais» — cf. Maria Armanda Miranda, «A comparticipação do Estado nos medicamentos: evolução do sistema», l."5 Jornadas Infarmed. Medicamento. As políticas nacionais face à internacionalização, Lisboa, sem data, pp. 59 e seguintes). Como se evidenciou na revisão da legislação a que se procedeu, outros factores, que não são de natureza económica ou não são exclusivamente de natureza económica, íêm sido apresentados como objectivos programáti-