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II SÉRIE-B — NÚMERO 3«

2 — Metodologia prosseguida pela VI Comissão Parlamentar de Inquérito ao Desastre de Camarate

Ao ter sido criada, a VI Comissão de Inquérito Parlamentar ao Desastre de Camarate assumiu como seu o trabalho das anteriores comissões parlamentares de inquérito, tomando como ponto de partida as conclusões da V Comissão de Inquérito.

Assim, as diligências efectuadas foram desde o início no sentido de confirmarem e ou infirmarem as conclusões já obtidas e avançar nas áreas que, de algum modo já tendo sido abordadas anteriormente, ainda não tinham sido conclusivas. Todos os requerimentos apresentados na Comissão por Srs. Deputados e ou por representantes das famílias das vítimas mereceram a aprovação da Comissão, tendo-se diligenciado no sentido de os concretizar.

E necessário afirmar que entre o encerramento da V Comissão de Inquérito e o início da VI Comissão o Ministério Público decidiu pelo arquivamento do caso, entendendo dever ficar a aguardar melhor prova o processo relativamente ao desastre de Camarate, e as famílias das vítimas deduziram acusação particular contra quatro pessoas, a saber coronel Canto e Castro, a esposa Juanita Valderano, José António dos Santos Esteves e Sinan Lee Rodrigues, estando neste momento a decisão final quanto à pronúncia ou não pronúncia dependendo da decisão final

do Tribunal da Relação de Lisboa.

O despacho do Ministério Público que põe em causa as conclusões da V Comissão de Inquérito mereceu por parte do Prof. Diogo Freitas do Amaral uma «crítica severa ao modo como a investigação foi conduzida e as autoridades que a efectuaram: Procuradoria-Geral da República, Polícia Judiciária e Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa».

Transcreve-se do depoimento do Prof. Freitas do Amaral a parte em que são apontadas as deficiências metodológicas do despacho final do Ministério Público:

Em primeiro lugar, a quem ler desapaixonada, serena e friamente esse despacho final, desde logo ressalta uma conclusão: o despacho não é feito por quem tenha a atitude mental de procurar descobrir a verdade, mas por quem está convencido de que tem uma tese a defender, a tese de que não houve atentado, e que ajusta e acomoda as várias considerações que vai fazendo à necessidade que sente de defender essa tese, admitida a priori.

Em segundo lugar, e na decorrência desta atitude de base que encontro na leitura do despacho final, importa mencionar que, em vários passos, o despacho cita numerosos peritos nacionais e estrangeiros, mas nem todos são tratados da mesma maneira. Daqueles que emitem opiniões contrárias à tese do atentado, o despacho faz o elogio e evidencia as respectivas qualificações técnicas, experiência e respeitabilidade; dos outros, dos que emitem uma opinião favorável à tese do atentado ou que, pelo menos, admitem como possível essa tese, o despacho ou nada diz ou afirma que são pessoas sem qualificação técnica ou a competência profissional suficiente.

A maior parte dos peritos não são identificados. Não sabemos quem eles são, mas o despacho final diz-nos, de alguns, que as suas opiniões têm credibilidade e, de outros, que a não têm, sem justificar porquê. É o que sucede a p. 128, quando se consideram da maior credibilidade os peritos da Direcção-Geral da Aeronáutica Civil e se diz que não

têm qualquer credibilidade os professores do Instituto Superior Técnico que emitiram parecer sobre a mesma matéria.

Por outro lado, distingue-se, no despacho final, entre os peritos que observaram directamente os destroços do avião e os peritos que não observaram os destroços e só leram relatórios referentes a esses destroços. Curiosamente, destes peritos — os que observaram directamente os destroços —, os que emitem uma opinião contrária à lese do atentado são considerados credíveis, os outros não; dos peritos que só leram relatórios e que não viram directamente os destroços, aqueles que emitem uma opinião contrária à tese do atentado são considerados credíveis, mas os que emitem uma opinião favorável à tese do atentado são considerados sem qualquer credibilidade. E não se explica porquê.

Mas, o despacho final resume relatórios de peritos e respectivas conclusões, nunca reproduzindo os respectivos argumentos ou razões, nunca reproduzindo o encadeamento do raciocínio. De modo que o leitor não pode controlar as razões pelas quais o despacho final adere às conclusões desses peritos ou as rejeita.

Quanto ao tratamento das testemunhas, o critério

é ainda mais estranho — e refiro-me, nomeadamente, às testemunhas sobre o momento da deflagração do incêndio do avião (pp. 47 e seguintes). Não se faz, nunca, a menor avaliação sobre a credibilidade das testemunhas. A grande maioria das testemunhas são referidas pelo seu nome, sem se indicar a idade, nem a profissão, nem as habilitações literárias, nem qualquer elemento que nos permita avaliar da maior ou menor credibilidade de cada testemunho.

Confere-se credibilidade à tese da explosão no solo, com base numa convicção a priori e não uma avaliação ponderada e judiciosa das diversas testemunhas, que são bastante contraditórias. Aparecem testemunhas que dizem ter visto o avião explodir no ar e aparecem testemunhas que dizem ter visto o avião incendiar-se depois de bater no solo. O relatório nunca admite a hipótese de ter havido duas explosões: uma no ar e outra ao bater no solo. Esta hipótese, a meu ver, seria a única que permitiria compatibilizar os depoimentos de todas as testemunhas, porque a primeira explosão, a explosão no ar, teria sido vista por aquelas que afirmam ter visto uma explosão no ar; e a segunda, a explosão no solo, leria sido vista por aquelas que dizem só ter visto uma explosão no solo. A verdade é que não há nenhuma testemunha que diga — nem podia dizê-lo — que viu que não houve nenhuma explosão no ar. Parece-me que o relatório sobre as testemunhas é francamente deficiente.

Mas há mais. Existem, como é natural, várias contradições das declarações feitas no processo — contradições de um perito consigo próprio, contradições de testemunhas consigo próprias. Estas contradições são sempre tratadas de maneira diferente conforme avalizem ou não a tese oficial do despacho do Ministério Público. Se avalizam essa tese, a contradição é explicada como natural e desculpada pelo autor do relatório; se não avalizam e se, pelo contrário, entram em contradição, passando a sustentar que houve atentado, a contradição é sempre verberada e por vezes dá lugar à acusação de perjú-