O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

316

II SÉRIE-B — NÚMERO 36

Todos esses telegramas dizem mais ou menos a mesma coisa, mas a verdade é que nenhum deles é o telegrama que recebi. O que eu recebi não era do consulado para uma direcção-geral, era do embaixador Freitas Cruz para mim, que despachei, pessoalmente, e nenhum dos que constam do processo contém esse despacho.

Tenho, pois, de concluir que houve um telegrama do embaixador para o Ministro e outro, ou vários, do Consulado para a direcção-geral respectiva. Aliás, o objecto não era o mesmo, porque, no meu telegrama, do que se tratava era da diligência da Scotland Yard junto do embaixador para alertar das suspeitas que recaíam sobre o Sr. Sinan Lee Rodrigues, por ter sido visto no Aeroporto na altura do acidente. O primeiro telegrama do Consulado de Portugal em Londres para a direcção-geral respectiva era sobre um problema de passaportes, para saber se o passaporte português de Sinan Lee Rodrigues era verdadeiro ou falso.

Não posso duvidar, dada a categoria, o prestígio, a respeitabilidade e o comportamento, sempre zeloso e cumpridor, do embaixador Caldeira Coelho — infelizmente já falecido —, dc que ele cumpriu a minha ordem de entrega do telegrama à Polícia Judiciária. De resto, eu despachava com ele todos os dias no Ministério e se tivesse surgido alguma dificuldade no cumprimento da minha ordem, ele ter--me-ia posto ao corrente, nos dias seguintes, o que nunca fez.

Portanto, não tenho dúvidas de que o telegrama existiu, não tenho dúvidas de que foi entregue à Polícia Judiciária. O que parecia lógico era que, perante um telegrama daqueles, imediatamente a Polícia Judiciária se tivesse posto em contacto com a Scotland Yard para tentar esclarecer o assunto. Isso não aconteceu durante meses, o que, a meu ver, é um dos factos mais graves de má condução do processo de investigação sobre Camarate, que se regista em todo este caso.

Pior ainda, por três vezes, a Scotland Yard manifestou interesse em esclarecer a questão. Posso referir a VV. Ex.os que isto vem no despacho final do Ministério Público (a fls. 4858, 4861 e 4364). Por três vezes, insistem em contactar com a polícia portuguesa e, da última vez, em querer deslocar um agente a Lisboa, a fim de se ocupar do assunto directamente com as autoridades policiais portuguesas (fl. 4864). Da parte das autoridades portuguesas, não só não houve um interesse imediato em que esse contacto se fizesse mas houve uma resposta, que eu considero, no mínimo, reprovável, que foi a de se ter dito à Scotland Yard que contactassem as relações públicas da Polícia Judiciária para se tratar do assunto (fl. 4864).

Um outro aspecto, que me parece interessante sublinhar aqui, é que está provado, nos autos, que o Sr. Sinan Lee Rodrigues viajou de Londres para Lisboa no dia 3 dc Dezembro; ora, o desastre de Camarate foi no dia 4 de Dezembro. Se a polícia britânica comunica às autoridades portuguesas que tem fortes suspeitas sobre esta pessoa e se está provado que ela vem para Lisboa no dia 3 e foi vista no Aeroporto na altura do acidente, isto significa que só pode ter sido visto no Aeroporto ainda no próprio

dia 3 ou no dia 4. É evidente que se tivesse sido visto depois do dia 4 não levantaria qualquer suspeita, o acidente já se tinha dado.

Mais, tanto no relatório do inspector-chefe de Heathrow (fl. 4883) como no telegrama do nosso Consulado, de 7 de Janeiro de 1981 (fl. 4861), refere--se que Sinan Lee Rodrigues era considerado pela polícia britânica como um «indivíduo perigoso, que lidava com armas e explosivos». No entanto, esta referência é omitida no despacho final do Ministério Público, que o considera um criminoso vulgar, dedicado apenas a falsificação de passaportes e a outras actividades do tipo criminalidade não violenta. Não entendo como é que, na apreciação que se faz deste suspeito, se deixa cair a identificação mais importante que dele era dada pela polícia britânica e que era a de ser um «indivíduo perigo» que «lidava com armas e explosivos», e ainda que falava «em fazer contrabando de minas linfet», do tipo das que se ligam ao objecto a explodir (fl. 2067). As referências anteriores que fiz ao carácter perigoso e ao facto de Sinan Lee Rodrigues lidar com armas e explosivos encontram-se no despacho final do Ministério Público (a fis. 4883 e 4861).

Portanto, devo dizer a VV. Ex." que, para'mim, há aqui vários factos que me causam a maior estranheza e perplexidade.

Primeiro: como é que o telegrama desaparece — e desaparece tanto da Polícia Judiciária como dos arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros?

Segundo: Como é que, perante telegramas mais ou menos semelhantes (que esses não desapareceram, constam do processo) que foram enviados pelo Consulado à direcção-geral respectiva do Ministério, a Polícia Judiciária não manifesta imediato interesse em se pôr em contacto com a Scotland Yard?

Terceiro: Como é que no despacho final do Ministério Público o carácter perigoso de indivíduo que lida com armas e explosivos desaparece da caracterização de Sinan Lee Rodrigues e só aparece um homem que lida com passaportes falsos e com droga? Este o problema do telegrama.

No mesmo depoimento o Prof. Diogo Freitas do Amaral, considera «totalmente destituída de fundamento ou de qualquer consistência» a tese do Ministério Público na qual teria sido uma funcionária do Consulado de Portugal em Londres quem elaborou o referido telegrama. Afirma ainda o Prof. Freitas do Amaral que «não é concebível que um funcionário de uma embaixada envie telegramas, sejam eles quais forem, especialmente telegramas oficiais do Consulado para a direcção-geral do Ministério, assinados pelo cônsul-geral, sem este saber e sem ter sido ele a fazê-los óu a mandá-los fazer. Não é concebível».

Estamos pois perante um facto de inegável importância que carece e já deveria ter merecido atenção e investigação das autoridades competentes.

d) Comprovação da existência de substâncias explosivas cm zonas do cockpit do avião sinistrado

A V Comissão de Inquérito considerou provada com base no depoimento de peritos a existência de substâncias explosivas nas amostras I e 2 do fragmento 7, nomeadamente nitroglicerina, dinitrotolueno e trinitrotolueno.