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5 DE JULHO DE 1999

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rio. Não encontrei um único caso, porém, em que se apontasse a acusação de perjúrio a uma testemunha que tivesse dito, primeiro, que tinha havido atentado e que, depois, tivesse mudado de opinião para não ler havido atentado.

Há, portanto, um preconceito permanente no tratamento das contradições dos peritos das testemunhas.

Finalmente, uma última observação, neste primeiro capitulo da minha exposição, diz respeito ao modo, a meu ver, desprimoroso como o despacho final do Ministério Público trata as comissões parlamentares de inquérito. Também aqui o preconceito é evidente. Se algumas passagens dos relatórios das comissões parlamentares de inquérito confirmam a tese do Ministério Público, ou são ignoradas ou são objecto de considerações sarcásticas, que não deviam ser toleradas por um Parlamento relativamente a meros órgãos da Administração Pública, tal como são a Procuradoria-Geral da República, o Ministério Público ou a Polícia Judiciária.

CAPÍTULO III Matéria probatória 1 — Factualidade a) Antecedentes ao desastre

Já antes do dia 4 de Dezembro o general Soares Carneiro afirma ter sido alertado por pessoas amigas que se «preparava um atentado contra mim».

Neste sentido, vai também a declaração do mesmo depoente, de que a um piloto teria sido dito para não tripular um avião em que ele seguisse, e as informações de que no Hospital da Cruz Vermelha foram recebidos telefonemas a perguntar se já tinha entrado o corpo do general Soares Carneiro, antes das 20 horas.

Nesse mesmo sentido, vão as declarações a' esta comissão do Dr. Roberto Carneiro e da Sr.° Maria Alice Pinto Machado, funcionária do Hospital da Cruz Vermelha.

Relevante é ainda a afirmação do Dr. Roberto Carneiro que eram várias as ameaças de morte que pendiam sobre o engenheiro Amaro da Costa.

b) Fundo de Defesa Militar do Ultramar

Por vários depoentes o Fundo de Defesa Militar do Ultramar é apontado como podendo ser uma das causas que provocou o eventual atentado.

O Prof. Diogo Freitas do Amaral confirmou que o engenheiro Amaro da Costa o informou que andava a «investigar esse Fundo e a procurar saber porque é que ele ainda não tinha sido extinto, apesar de já terem decorrido seis anos sobre o fim da guerra e de já não haver ultramar, bem como a procurar, saber que verbas movimentava, se tinha contas aprovadas ou não, se alguma entidade o fiscalizava, etc, porque suspeitava que houvesse irregularidade e alguns mistérios em redor desse Fundo», afirmando posteriormente o Prof. Freitas do Amaral:

Por mim, considero que o facto de o engenheiro Amaro da Costa estar pessoalmente envolvido nessas investigações pode estar ligado

a qualquer eventual tentativa de atentado que tivesse sido dirigida contra ele.

Um grupo de trabalho da VI Comissão desloca-se ao Ministério da Defesa Nacional para investigar o arquivo do Fundo de Defesa Militar do Ultramar, Fundo que, é bom frisar, movimentava dinheiro sem controlo do Tribunal de Contas ou do poder político, o que pode estar na base de atritos com o Ministro da Defesa da altura.

Da visita resultou desde logo a verificação que o Fundo funcionava à margem da lei, sendo os próprios funcionários que lá trabalhavam que o afirmam, em informações de despesas, as quais dizem saber não se encontrarem inscritas nas competências do Fundo, constatando-se ainda que eram realizadas operações suspeitas, pouco claras e sem controlo. Concluiu ainda o grupo de trabalho que, contendo o arquivo deste Fundo uma documentação considerável, mereceria .uma cuidadosa investigação.

c) Telegrama recebido pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros

No seu depoimento o Prof. Diogo Freitas do Amaral, Ministro dos Negócios Estrangeiros à altura do desastre, declara:

[...'] poucos dias depois do acidente de Camarate — era eu ainda Ministro dos Negócios Estrangeiros, além de Vice-Primeiro-Ministro, no exercício das funções de Primeiro-Ministro interino —, recebi, no meu Gabinete, nas Necessidades, das mãos do então secretário-geral do Ministério, embaixador Caldeira Coelho, um telegrama confidencial ou secreto do Sr. Embaixador de Portugal em Londres, embaixador Freitas Cruz, no qual me era referido que tinha sido procurado nesse dia por dois representantes da Scotland Yard, que tinha fortes suspeitas do Sr. Sinan Lee Rodrigues, relacionadas com Camarate, por ele ter sido visto no local da manutenção técnica dos aviões do Aeroporto de Lisboa, na altura do acidente de Camarate.

Dada a gravidade da informação e a credibilidade da fonte, imediatamente despachei, pelo meu punho, no canto superior direito desse telegrama, com «Muito urgente», «À Polícia Judiciária», tendo datado e assinado. Entreguei, cm mão, o telegrama ao secretário-geral do Ministério, incumbindo-o de, imediatamente, se deslocar à Polícia Judiciária para o entregar ao director da Polícia Judiciária.

Posso garantir à Comissão que estes factos ficaram presentes na minha memória e tenho-os presentes hoje como se se tivessem passado ontem, o que, aliás, não é de estranhar, dada a importância dos mesmos e dado que, ao longo deste anos, fui contando este episódio, várias vezes, a muitas pessoas com quem falei do caso de Camarate.

Estranhamente, o telegrama não aparece no processo. Não aparece nenhum telegrama do embaixador de Portugal em Londres para o Ministro dos Negócios Estrangeiros, não aparece nenhum telegrama despachado por mim para a Polícia Judiciária, como aquele foi; aparecem, sim, vários telegramas do Consulado de Portugal em Londres para a Dirccção-Gcral, gue se ocupava nessa altura dos consulados no Ministério dos Negócios Estrangeiros.