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2 DE JULHO DE 2022

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Para os progenitores entre si casados vigora a regra da presunção de paternidade prevista no artigo 1826.º

do Código Civil, pois «presume-se que o filho nascido ou concebido na constância do matrimónio tem como pai

o marido da mãe».

Assim, para os filhos concebidos fora do casamento, ou seja, filhos de progenitores não unidos pelo vínculo

matrimonial, somente através de ato voluntário de perfilhação ou de ação especial de investigação de

paternidade (artigo 1869.º) é que poderá ser estabelecida a filiação (artigos 1849.º, 1857.º e 1869.º, todos do

Código Civil).

Seja qual for a forma pela qual se estabelece a filiação, o Código Civil determina que seus efeitos são

retroativos: «os poderes e deveres emergentes da filiação ou do parentesco nela fundado só são atendíveis se

a filiação se encontrar legalmente estabelecida. O estabelecimento da filiação tem, todavia, eficácia retroactiva»

(artigo 1797.º)

O artigo 21.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia afirma que «é proibida a discriminação

em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua,

religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento,

deficiência, idade ou orientação sexual».

Por sua vez a Constituição da República Portuguesa consagra o princípio da igualdade no contexto familiar

(artigo 36.º, n.º 4) e proíbe que filhos nascidos fora do casamento, ou seja, ausente a presunção de paternidade,

sejam discriminados pela lei:

«Os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objeto de qualquer discriminação e

a lei ou as repartições oficiais não podem usar designações discriminatórias relativas à filiação».

Após a entrada em vigor da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, veio a primeira Revisão Constitucional, pela Lei

Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro.

A partir de então a Constituição da República passou a prever que «a lei só pode restringir os direitos,

liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao

necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos» (artigo 18.º, n.º 2).

Com isto verificamos que até o presente momento a redação do artigo 14.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro,

não foi confrontada com a do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República, cuja entrada em vigor lhe é

posterior.

Embora o artigo 14.º não faça menção expressa aos filhos nascidos fora do casamento, claro está que, à luz

do Código Civil, são estes os afetados pela sua norma, pois para os filhos havidos na constância do matrimónio,

por definição, a presunção da filiação sempre será fará com que esta seja estabelecida na menoridade.

Não há dúvidas quanto ao caráter dado ao direito à nacionalidade enquanto um direito fundamental cujo

tratamento deve estar distante de discriminações e respeitar a vida familiar, como bem diz o preâmbulo da

Convenção Europeia sobre Nacionalidade de 1997, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia

da República n.º 19/2000, de 6 de março e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 7/2000, de 6

de março.

Não há na Constituição da República Portuguesa, à luz do seu artigo 18.º, n.º 2, interesses nacionais

superiores aos primados da dignidade e da igualdade entre filhos que mereçam proteção e que tenham tal

proteção adequadamente conferida pela restrição imposta pelo artigo 14.º da Lei da Nacionalidade.

Se bem observada a jurisprudência sobre este dispositivo legal e se considerarmos que o bem jurídico a ser

tutelado é a mantença do sistema jurídico e político de concessão da nacionalidade portuguesa na perspetiva

da pertença à comunidade nacional (conclusão que se extrai da menção à integração psicológica constante do

Acórdão do TCAS no Processo n.º 07640/11), não há razoabilidade e proporcionalidade para considerar justo

que ela existe para o indivíduo que vê declarada pelos Tribunais a paternidade de seu progenitor português aos

17 anos, e que já não existe para aquele que completou o seu aniversário de 18 anos.

Comparadas as duas situações, não há base para afirmar que numa estão salvaguardados direitos e

interesses constitucionalmente protegidos, e noutra não.

Mesmo que se insista na tese de que os filhos nascidos na constância do matrimónio estão igualmente

sujeitos à regra, sabemos com toda a certeza que esta lhes é materialmente inaplicável à luz das presunções

de filiação constantes do Código Civil.