O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2 DE JULHO DE 2022

9

«II – A nova norma inserida no artigo 1.º, n.º 4 da Lei na Nacionalidade, que indexa a prova da residência

legal do progenitor ao momento do registo do nascimento, é de cariz meramente adjetivo ou procedimental, não

sendo, por isso, de molde a afastar a base legal para a atribuição da nacionalidade originária a quem reúna os

requisitos substantivos ínsitos no artigo 1.º, n.º 1, alínea f) da Lei da Nacionalidade, ainda que o respetivo

nascimento já se encontre inscrito no registo civil à data da entrada em vigor da dita norma.»

Com isto os estrangeiros que residem irregularmente em Portugal, ou seja, sem um título de residência válido,

por pelo menos um ano, terão filhos portugueses de origem se estes nascerem no território português.

Perante o atual quadro normativo, as discussões acerca da (in)constitucionalidade do artigo 14.º da Lei da

Nacionalidade, já antes levantadas, apresentaram-se como inevitáveis, sendo incontornável concluir que há

evidente desequilíbrio e uma clara e injustificada discriminação contra os filhos havidos fora do casamento: netos

de portugueses com laços de ligação à comunidade portuguesa limitados ao conhecimento da língua portuguesa

e ao não envolvimento com atividades ilícitas graves (jus sanguinis), e filhos de estrangeiros, nascidos em

Portugal, cujos progenitores são indocumentados mas residem no país por um ano (jus soli), têm acesso ao

direito fundamental à nacionalidade portuguesa originária, ao passo que os filhos sanguíneos, descendentes de

primeira geração de cidadãos portugueses, como tal reconhecidos por exames médicos de ADN, não têm direito

pelo simples fato de terem sido documentalmente reconhecidos como filhos na maioridade.

Todavia a discussão acerca dos vícios de constitucionalidade e legalidade do artigo 14.º da Lei da

Nacionalidade não se fundamenta nas alterações introduzidas Lei Orgânica n.º 2/2020, de 10 de outubro, senão

pela sua flagrante violação à Constituição da República e à legislação civil em vigor.

Inconstitucionalidade e ilegalidade do artigo 14.º da Lei da Nacionalidade

O artigo 14.º da Lei da Nacionalidade não apenas encontra-se esvaziado de justeza como há muito tempo

deixou de ser compatível com a Constituição da República.

Em tempos passados, quando não tínhamos à disposição meios efetivos para averiguar a paternidade

sanguínea, a nacionalidade portuguesa era reconhecida ao filho de pai português que viesse a residir no então

reino; a menção aos filhos legítimos constava apenas para o caso dos descendentes de mãe portuguesa.

Era esta a redação do artigo 21.º da Constituição política da Monarquia Portuguesa, de 1822:

«Todos os Portugueses são cidadãos, e gozam desta qualidade: I — Os filhos de pai português nascidos no

Reino Unido; ou que, havendo nascido em país estrangeiro, vieram estabelecer domicílio no mesmo Reino;

cessa, porém, a necessidade deste domicílio, se o pai estava no país estrangeiro em serviço da Nação. II — Os

filhos legítimos de mãe portuguesa nascidos no Reino Unido; ou que, havendo nascido em país estrangeiro,

vieram estabelecer domicílio no mesmo Reino. Porém se forem reconhecidos ou legitimados por pai estrangeiro,

e houverem nascido no Reino Unido, terá lugar a respeito deles o que abaixo vai disposto em o n.º V; e havendo

nascido em país estrangeiro, o que vai disposto em o n.º VI; (…) VI— Os estrangeiros, que obtiverem carta de

naturalização».

Previsão semelhante se encontra no artigo 7.º, parágrafo 2.º, da Carta Constitucional de 1826.

Seria impossível elencar na presente petição todas as transformações sociais e culturais que ocorreram

nestes quase dois séculos, e nem seria preciso dizer o óbvio aos Il. Srs. Deputados, mas podemos elencar os

elementos do atual cenário normativo-constitucional que impedem que o artigo 14.º da Lei da Nacionalidade

permaneça em vigor.

O direito fundamental à nacionalidade está consagrado no artigo 15.º da Declaração Universal dos Direitos

Humanos de 1948:

«Todo indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade. Ninguém será arbitrariamente privado de sua

nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade».

Este é um dentre os muitos direitos fundamentais que vincula o indivíduo a um Estado, sujeitando-o à

titularidade de deveres e direitos, podendo ser resumido à noção de vínculo jurídico-político entre o Estado e o