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2 DE JULHO DE 2022

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para ser discutido e votado, seu teor não levou em consideração a incompatibilidade entre o artigo 14.º da Lei

da Nacionalidade e a Constituição da República e o Código Civil.

Nada se disse, também, quanto ao facto de que aquando da publicação do Código Civil e da Lei da

Nacionalidade, não existiam instrumentos médico-periciais como o exame de ADN que garante um elevado grau

de certeza quanto à paternidade biológica, factualidade que possibilitava à época as fraudes no que ao

reconhecimento da filiação diz respeito.

A invocada impossibilidade de confirmar a veracidade de documentos que atestam as filiações estabelecidas

no estrangeiro não se sustenta, na medida em que o artigo 978.º do Código de Processo Civil exige que uma

decisão sobre direitos civis proferida por juízo estrangeiro seja revista e homologada em Portugal, mediante

processo judicial que tem por finalidade, precisamente, certificar para que «não haja dúvidas sobre a

autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão» [artigo 980.º, alínea

a), do Código de Processo Civil].

A pretensa dificuldade para confirmar a veracidade de documentos estrangeiros sobre estabelecimento da

filiação é a mesma dificuldade para se confirmar a veracidade de quaisquer outros documentos estrangeiros:

em concreto, o respeitável parecer não identificou elemento que justifique a seletividade quanto à alegada

dificuldade.

A questão que se coloca, contudo, é: deve o Estado Português violar sua Constituição ao discriminar os filhos

nascidos fora do casamento, negando-lhes um direito fundamental, ao suposto argumento de que ele, o Estado

Português, alegadamente não tem condições de examinar documentos?

Ao afirmar que «a simples revogação permitirá atribuir a nacionalidade portuguesa a um número

indeterminado de pessoas sem qualquer ligação materialmente relevante com o país», o respeitável parecer

busca manter distância do argumento constitucional e prende-se ao princípio da nacionalidade efetiva.

Porém como já mencionado, o princípio da não discriminação dos filhos nascidos fora do casamento é um

princípio constitucional expresso.

Se o princípio da nacionalidade efetiva inspirado no artigo 4.º da Constituição determina que é a lei que

estabelecerá quem são os nacionais portugueses, evidente que não poderá a lei violar a norma constitucional

que lhe dá vida e lhe é superior.

Ainda que se pudesse admitir tal argumento, se o artigo 14.º da Lei da Nacionalidade se justifica pela redação

do artigo 18,º, n.º 2, da Constituição – por salvaguardar interesse constitucionalmente protegido, como é o caso

do primado da nacionalidade efetiva – como admitir que no caso da alteração introduzida pela Lei Orgânica n.º

2/2020 este mesmo interesse está a ser protegido, uma vez que netos de portugueses e filhos de estrangeiros

indocumentados com um ano de residência em Portugal pouco ou nada precisam provar no que diz respeito aos

laços de ligação à comunidade portuguesa?

Se nestas situações o interesse nacional está salvaguardado, por qual motivo não estará nos casos de

indivíduos comprovadamente tidos como filhos biológicos, descendentes diretos de 1.º grau de nacionais

portugueses, cujas datas de nascimentos estão separadas, quase sempre, por apenas duas ou três décadas?

A inconstitucionalidade e a ilegalidade do artigo 14.º da Lei da Nacionalidade se inserem, portanto, num

contexto jurídico-normativo português, e apresenta-se como necessário o debate acerca desta questão segundo

este prisma, pois não é a legislação de outros países que torna o artigo 14.º inconstitucional e contrário à lei,

senão puramente a Constituição da República e o Código Civil português.

É dizer, não se pode admitir que as discussões sobre o projeto de lei se resumam a quaisquer outros

argumentos que antes não tenham ultrapassado a verificação de legalidade e constitucionalidade da norma do

artigo 14.º

A nota técnica anexa ao parecer, aliás, apenas torna mais claro que frentes aos seus vizinhos europeus o

legislador português é o único que está a ignorar a sua própria Constituição, ao manter em vigor a norma do

artigo 14.º que não traz qualquer hipótese para os filhos nascidos fora do casamento. Vejamos:

Em Itália o artigo 2.º da Lei n.º 91/92, de 5 de fevereiro prevê que «se o filho reconhecido ou declarado for

maior de idade, mantém a nacionalidade, mas pode declarar, no prazo de um ano a partir do reconhecimento

ou da declaração judicial, ou da declaração de eficácia da disposição estrangeira, escolher a nacionalidade

determinada pela filiação».

Em Espanha o artigo 17.º, n.º 2, do Código Civil, diz que a filiação estabelecida na maioridade permite que o