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Terça-feira, 15 de Dezembro de 1992

II Série -C — Número 10

DIÁRIO

da Assembleia da República

VI LEGISLATURA

2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

5.° SUPLEMENTO

COMISSÃO DE ECONOMIA, FINANÇAS E PLANO Acta da reunião de 2 de Dezembro de 1992

SUMÁRIO

O Sr. Presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano (Manuel dos Santos) declarou aberta a reunião às 10 horas e 45 minutos, tendo continuado o debate, na especialidade, das propôs-tas de lei n." 36/V1 (Grandes Opções do Plano para 1993) e 37/V1 (Orçamento do Estado para 1993).

Sobre o orçamento tio Ministério da Comércio e Turismo usaram da palavra, além do Sr. Ministro (Faria de Oliveira) e dos Srs. Secretários de Estado da Distribuição e Concorrência (Luís Palha da Silva), Adjunto e do Comércio Externo (António de Sousa) e do Turismo (Alexandre Relvas), os Srs. Deputados Guilherme Oliveira Martins (PS), Lima Amorim (PSD). António Campos (PS), João Corregedor da Fonseca (Indep.). Lino de Carvalho (PCP). Helena Torres Marques (PS) e Castro Atmeiaa (PSD).

Sobre o orçamento do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, intervieram, além do Sr. Ministro (Carlos Borrego), os Srs. Deputados António Murteira (PCP), José Sócrates (PS), André Martins (Os Verdes), Manuel Castro Almeitla (PSD). José Manuel

Maia (PCP). Gameiro dos Santos (PS), Ribau Esteves (PSD). Anastácio Fialho (PS). Mário Maciel (PSD), Lino de Carvalho (PCP) e António Vairinhos (PSD).

Sobre o orçamento do Ministério da Justiça fizeram intervenções, além do Sr. Ministro (Laborinho Lúcio), os Srs. Deputados José Vera Jardim (PS), Odete Santos (PCP), Manuel Silva Azevedo (PSD), Alberto Costa (PS), Luís Nobre (PSD) e José Magalhães (PS).

Sohre o orçamento da Secretaria de Estado da Juventude usaram da palavra, além da Sr.° Secretária de Estado (Maria do Céu Ramos), os Srs. Deputados José Reis (PS), Luís Nobre (PSD). António Filipe (PCP), Maria Julieta Sampaio (PS), Pedro Passos Coelho (PSD). António Martinho (PS). Fernando Pereira (PSD) e António José Seguro (PS).

O Sr. Presidente encerrou a reunião era 1 hora e 50 minutas do dia seguinte.

COMISSÃO DE ECONOMIA, FINANÇAS E PLANO Acta da reunião de 2 de Dezembro de 1992

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O Sr. Presidente (Manuel dos Santos): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10. horas e 45 minutos.

Srs. Deputados, vamos prosseguir esta maratona de reuniões que têm por objectivo apreciar e discutir as propostas de lei relativas as Grandes Opções do Plano e ao Orçamento do Estado para 1993.

Hoje, vamos apreciar, na especialidade, o orçamento do Ministério do Comércio e Turismo.

Encontra-se presente o Sr. Ministro do Comércio e Turismo, que já tinha vindo à Comissão de Economia, Finanças e Plano, pelo que poderá haver uma certa repetição das questões e também das respostas que o Sr. Ministro eventualmente queira dar. Isto não é surpreendente, na medida em que esta reunião está a ser gravada e dará origem às respectivas actas. É natural que os Srs. Deputados repitam conscientemente algumas questões para, assim, terem oportunidade de as ver registadas.

Ao contrário do que tem sucedido — o que não quer dizer que, sucedendo, suceda mal —, esta reunião não é propriamente uma sessão de perguntas ao Govemo mas, sim, um debate em que o Govemo também intervém, o que significa que os Srs. Deputados podem formular os vossos juízos independentemente da figura do perguntante, e que, se for caso disso (e nós sabemos que não será), o Sr. Ministro do Comércio e Turismo e a sua equipa se assim o entenderem, poderão não responder às questões. E isto pode ocorrer porque, repito, não se trata de uma sessão de perguntas ao Govemo mas, sim, de um debate, que vai permitir aos Srs. Deputados fazerem um juízo final sobre as propostas em apreço e obter uma certa orientação quer para os debates que depois se realizarão quer para a respectiva votação.

Se o Sr. Ministro estiver de acordo, seguimos a metodologia habitual, que é a de V. Ex.' fazer uma introdução inicial, abordando os temas que entender, à qual se segue um período de esclarecimentos por parte dos Srs. Deputados.

Tem a palavra o Sr. Ministro do Comércio e Turismo.

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo (Faria de Oliveira): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de fazer uma breve introdução sobre o orçamento do Ministério do Comércio e Turismo para 1993 e o seu respectivo enquadramento.

Creio que todos concordaremos que o ano de 1993 vai ser marcado, principalmente, por dois factores: por um lado, pelo clima recessivo em que se encontra a economia mundial e, por outro, pelo arranque do mercado único europeu, sobretudo no que respeita às áreas da responsabilidade do Ministério do Comércio e Turismo.

Quanto ao clima recessivo em que se encontra a economia mundial, a que acresce um ambiente políüco marcado por incertezas, pela imprevisibilidade e instabilidade, verificamos que as revisões para baixo das projecções de crescimento económico nas principais economias do mundo têm sido praticamente constantes. Como economia aberta que somos e com o crescimento que temos, e que se baseia em grande parte na procura externa não vamos f\CM, seguramente, inpermeáveis ao que se passa no exterior.

Creio que os números demonstram bem o abrandamento que a economia mundial tem registado no passado mais recente. Basta recordar, por exemplo, a situação da Repú-

blica Federal da Alemanha, que, em 1990, tinha um crescimento de 4,8 %, o qual, em 1992, não deve chegar a

1.5 %; a do Japão, outra grande economia mundial, que, em 1990, tinha um crescimento de 5,2 %, e que, em 1992, não deve atingir os 2 %; a da Espanha que, em 1990, tinha

3.6 % e que em 1992 não deve ficar acima de 1,3 % ou 1,5 %; a do Reino Unido, que, em 1990, tinha um crescimento positivo e que este ano é negativo; a da média comunitária tinha em 1990, um crescimento da ordem dos 3 %, mas em 1992 não atingirá 1,2 % (a nível da OCDE estes números corresponderão a 2,9 % em 1990 contra 1 % em 1992). Como é óbvio, estes números relativos a 1992 são estimativas baseadas em dados da OCDE e da Comunidade.

O segundo factor tem a ver com a criação do mercado único europeu, que vai acentuar, de forma muito rigorosa, o jogo da concorrência internacional. Como todos sabemos, a Comunidade é líder do comércio mundial e é a região do mundo onde o comércio livre conhece a sua mais alta expressão.

Merece também a pena fazer uma breve referência à importância que a Europa tem no conjunto dos fluxos comerciais entre as diferentes regiões do mundo. Em 1991, o comércio intra-Europa Ocidental, que abrange fundamentalmente o espaço económico europeu, atingiu 1160 biliões de dólares, um pouco mais do que o dobro registado em 1980. Isto significa que na década de 1980 o comércio intra-Europa Ocidental duplicou! E este comércio intra--europeu é superior à soma dos fluxos comerciais entre várias regiões do mundo: entre a Europa e a Ásia (286 biliões de dólares), entre a Europa e a América do Norte (260 biliões do dólares), a América do Norte e a Ásia (340 biliões de dólares), a Europa e a América Latína (72 biliões de dólares), a América do Norte e a América Latina (133 biliões de dólares) e a Ásia e a América Latina (13 biliões de dólares). Todos estes fluxos totalizam 1104 biliões de dólares, abaixo dos 1160 do comércio intracomunitário. É indiscutível que a dinâmica do mercado único vai fazer-se sentir, ainda que intluenciada pelo clima geral de arrefecimento das economias. Mas, na verdade, isso cria condições para um desenvolvimento acrescido em relação aos fluxos comerciais dentro da Comunidade.

Importa também salientar que, na última década os fluxos comerciais tiveram um crescimento vertiginoso. O comércio triplicou entre a Europa e a Ásia a América do Norte e a Ásia, enquanto nas regiões separadas pelo Aüân-tico ele só duplicou, o que demonstra bem a pujança e o crescimento que se tem vindo a verificar em relação ao Extremo Oriente.

Por todas estas razões, creio que, no ano de 1993, vamos ter previsivelmente algum abrandamento no ritmo de crescimento das exportações.

Relativamente aos fluxos turísticos (número de visitantes/número de turistas), prevemos que haja uma certa manutenção.

Quanto ao investimento directo estrangeiro, iremos ter uma situação não tão favorável quanto a que ocorreu nos dois últimos anos.

Face a esta situação, e de acordo com aquilo que o Sr. Ministro das Finanças disse à Comissão, as exportações deverão crescer à volta de 4 %.

O número de turistas no ano de 1993 andará perto dos 10 milhões e o de visitantes perto dos 20 milhões.

O investimento directo estrangeiro deve atingir este ano números semelhantes ao ano anterior. No entanto, durante os primeiros nove meses deste ano registou-se um cresci-

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mento de 15 % em relação ao ano anterior. De qualquer forma, há algum abrandamento na concretização de investimentos, pelo que devemos chegar ao fim do ano com a mesma ordem de grandeza do ano anterior (muito provavelmente ligeiramente acima).

As prioridades de acção do Ministério do Comércio e Turismo para 1993 podem ser sintetizadas em cinco grandes grupos.

Em primeiro lugar, consolidar as estratégias e as políticas relacionadas fundamentalmente com a internacionalização das empresas portuguesas, com a afirmação do produto português, bens e serviços no exterior, com a nova política de desenvolvimento do sector do turismo e, complementarmente, com um conjunto de acções e medidas que podem concretizar e acelerar a execução das políticas.

A segunda prioridade tem a ver com o apoio à actividade empresarial, fundamentalmente em dês grandes áreas: nos domínios das acções estruturantes, da diminuição das desvantagens comparativas e da formação. Em relação às acções estruturantes, importa referir que o grande objectivo é o de aumentar a competitividade da economia portuguesa, fazendo incidir as nossas acções principais nas alterações estruturais profundas, que têm a ver com o fortalecimento do tecido empresarial, com a melhoria qualitativa do produto português e com a internacionalização da economia. No que respeita às acções estruturais a nível micro-económico, visam-se três grandes sectores. Em primeiro lugar, a melhoria das estratégias empresariais, tomando em consideração uma orientação clara do e para o mercado; em segundo lugar, a melhoria da eficácia empresarial, que tem fundamentalmente a ver com as questões relacionadas com as estruturas organizativas, com os métodos de gestão, com a melhoria da eficiência empresarial e com os problemas de natureza tecnológica, de inovação; em terceiro lugar, questões de natureza comercial, incidindo sore as políticas de marketing, de comercialização e de distribuição.

A diminuição das desvantagens comparativas está relacionada com um quadro mais rigoroso que a economia portuguesa tem de continuar a seguir e que está intimamente ligado à necessidade de prosseguir a política de desinflação e o programa de convergência. Em relação à política económica do nosso país, temos de continuar a prosseguir no rumo certo, que corresponde ao quadro macro-económico mais conveniente, e procurar apoiar a iniciativa empresarial à actividade empresarial através de modalidades de apoio, quer através de fundos estruturais quer através de sistemas de incentivo de vária ordem.

Assim, a grande acção a desencadear nesse domínio tem a ver, por um lado, com uma acção de informação e de sensibilização e, por outro, com os tais instrumentos, como seja o caso do Programa de Apoio à Internacionalização das Empresas Portuguesas, o Sistema de Incentivos à Modernização do Comércio e o Quadro de Apoio Financeiro ao Investimento no Turismo.

As acções de formação incidirão fundamentalmente numa maior especialização no domínio do comércio internacional e também numa intensificação das acções no domínio do turismo, de forma a poder prestar-se serviço de maior qualidade e valor acrescentado.

O terceiro grupo de prioridades de acção do Ministério está relacionado com as acções de promoção, que se referem à imagem geral do País, ao apoio aos bens e serviços exportados pelas empresas portuguesas, à atracção do in-

vestimento directo estrangeiro e, por último, ao domínio do turismo.

Importa ligar a promoção no turismo à nova estratégia de desenvolvimento do sector, o que significa uma mutação no sentido de privilegiar a qualidade em relação à quantidade, um grande profissionalismo e rigor no serviço que se presta ao turista-consumidor, capacidade e criatividade na gestão das unidades hoteleiras ligadas ao turismo em geral numa visão clara na definição das estratégias empresariais, de uma verdadeira capacidade de detecção e aproveitamento de oportunidades, de inicitivas e de inovação por parte dos empresários. Tudo isto a par de uma oferta de alojamento, de animação, marcados pela exigência no enquadramento ambiental, cultural e estético dos acampamentos e, no que diz respeito a outro tipo de oferta como a gastronomia na qualidade dos produtos.

Importa ter presente as grandes linhas da nova política de promoção, já em curso de aplicação. Elas relacionam--se, em primeiro lugar, no que respeita a produtos e mercados, com as seguintes prioridades: diversificação dos produtos, dinamização do turismo interno, que será uma grande prioridade para 1993, onde se procurará que os turistas portugueses tenham acesso a produtos turísticos tanto quanto possível semelhantes aos que são desenvolvidos no estrangeiro, um reforço muito claro da nossa presença no mercado espanhol, que tem de ser tratado quase como que um mercado interno nacional, e também alguma diversificação de mercados, acentuando acções naqueles que são mais promissores, que têm tido um crescimento maior nos últimos anos, com relevo para Itália, França países nórdicos, sem esquecer o mercado dos Estados Unidos, onde houve algum decréscimo nos últimos cinco anos.

Também em relação à actividade promocional, teremos de planear, por produtos, as acções de promoção, sistematizar e uniformizar a mensagem promocional, dinamizar os programas de promoção conjunta interempresariais em cooperação com o ICEP (Instituto do Comércio Externo de Portugal) e as regiões de turismo, assegurando uma coordenação na acção promocional entre todos os intervenientes, e apoiar programas de promoção por parte de empresas que, não sendo do sector, beneficiam do fenómeno turístico.

O quarto conjunto de prioridades de acção do Ministério tem a ver com a actualização do quadro legislativo. Será dada uma particular incidência à revisão da lei da concorrência— diploma que julgamos poder entregar na Assembleia da República ainda durante o mês de Dezembro —, bem como, no domínio do turismo, à revisão da lei da hotelaria à lei das agências de viagens e do time-sharing.

A quinta prioridade tem a ver com a reestruturação de alguns departamentos do Ministério do Comércio e Turismo, designadamente o reforço da actuação da Inspecção--Geral das Actividades Económicas e a extinção da Di-recção-Geral do Comércio Extemo e da Direcção-Geral do Comércio Interno, criando uma Direcção-Geral do Comércio que esteja, de facto, bem mais apetrechada para satisfazer à mudança qualitativa, extremamente importante, que é considerar que o mercado interno é o mercado da Comunidade e não o simples mercado doméstico, em que a perspectiva dos agentes económicos se fazia fundamentalmente incidir.

Em sexto lugar, vamos desenvolver acções no domínio da melhoria dos circuitos de comercialização e de distribuição.

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Tudo isto está consubstanciado no Orçamento do Estado para 1993 nos capítulos 01, 02. 03, 50 (PIDDAC) e 80 (contas de ordem), que soma 50 302 716 contos, o que corresponde a uma diminuição de 8,33 % em relação a 1992. No que respeita aos gabinetes dos membros do Governo e serviços de apoio, há uma diminuição de 6,7 %; em relação aos serviços operativos, há um acréscimo de 2 %; no que diz respeito à Inspecção-Geral de Jogos, há um aumento de 9,4 %; em relação ao PIDDAC, há um aumento de 25 %, e quanto às contas de ordem, há uma diminuição de 12 %.

Destaco os seguintes aspectos: a integração do Instituto de Promoção Turística no ICEP permitiu uma poupança de 340 000 contos em gastos de funcionamento, sem prejuízo do orçamento promocional conjunto, que soma aproximadamente 7,2 milhões de contos; para promoção da exportação de bens e serviços, 2,5 milhões de contos; para promoção do turismo, 3,5 milhões de contos; para promoção da imagem global do País, 1 milhão de contos e para promoção do investimento directo estrangeiro, 200 000 contos.

As fontes de financiamento são: do Orçamento do Estado, 800 000 contos; do Fundo de Turismo, 2,5 milhões de contos; do PLDDAC, 2 milhões de contos; de receitas próprias do ICEP, 1,2 milhões de contos, e de Fundos da Comunidade, 700 000 contos.

O orçamento de funcionamento do ICEP corresponde a mais 6,1 milhões de contos, provenientes do Orçamento do Estado.

Uma segunda menção é para o orçamento do Instituto Nacional de Formação Turística, que este ano atingirá 2 677 000 contos, com as seguintes fontes de financiamento: 300 000 contos do Orçamento do Estado, 350 000 contos do Fundo de Turismo, 1 287 000 contos do Fundo Social Europeu e 740 000 contos de transferência de receitas do jogo.

Outras menções importantes são: a criação da Direcção--Geral do Comércio, que permitirá uma poupança de 110000 contos; a reestruturação da DGT, que permitirá uma poupança de 40 000 contos; o orçamento da Inspecção-Geral de Jogos, que vai ter um acréscimo em relação ao ano anterior, como já referi, e a redução em relação ao Fundo de Turismo, da ordem dos 14 %, tem fundamentalmente a ver com o facto de algumas das prestações relacionadas com as contrapartidas do jogo não terem execução no ano de 1993.

Em termos globais, resta-me acrescentar a importância da aplicação do programa de apoio à internacionalização das empresas no ano de 1993. Pensamos que ele vai ser um elemento essencial para a melhoria da competitividade das empresas portuguesas e também para o quadro de apoio financeiro ao investimento no turismo, essencial para passarmos a esta nova fase do desenvolvimento do turismo nacional, em que se aposta, fundamentalmente, na qualidade.

O Sr. Presidente::— Estão inscritos, para formularem perguntas ao Sr. Ministro, os Srs. Deputados Guilherme Oliveira Martins e Lima Amorim.

Entretanto, gostaria de colocar, de forma telegráfica, duas questões ao Sr. Ministro.

O Sr. Ministro disse que o investimento directo estrangeiro vai, seguramente, diminuir em 1993. Gostaria que nos explicasse quais as razões essenciais que o levam a fazer essa afirmação, isto é, se tal se deve a razões normais de maturação dos investimentos ou a razões que te-

nham a ver, por exemplo, com políticas cambiais, com a confiança na economia portuguesa, etc.

Em segundo lugar, como sabe, em Setembro deste ano, as exportações voltaram a registar, surpreendentemente, um «pico». Desde Maio que elas vinham a decrescer— üníiam

subido nos primeiros meses do ano —, mas em Setembro voltou a verificar-se uma alteração. Gostaria também — embora tenha algumas ideias sobre isso — que nos explicasse exactamente o que é que se passou, uma vez que se trata de uma situação anormal, sobretudo qual a natureza das exportações que deram origem a esse fluxo.

Finalmente, uma questão valorativa: o Sr. Ministro terminou a sua exposição dizendo que o orçamento do seu Ministério baixou 8,33 % — presumo que em termos nominais, o que significa que em termos reais foi bastante mais.

O conjunto de objectivos que traçou e de considerações que fez relativamente aos seus projectos para 1993 espraiaram-se por seis capítulos, muitos dos quais subdivididos em quatro ou cinco considerações, que são, aliás, objectivos ambiciosos.

Assim sendo, até que ponto o orçamento, reduzido em 8,33 % em termos nominais, é compatível com esses objectivos, que, de facto, não merecem discussão, são até aceitáveis e defensáveis? Isto é, até que ponto existe uma coerência entre a alocação dos meios financeiros e os objectivos que o Ministério do Comércio e Turismo se propôs?

Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS): — Sr. Ministro, a primeira questão que quero colocar-lhe tem a ver com o Programa de Apoio à Internacionalização das Empresas Portuguesas. Gostaria de saber, face ao ambiente recessivo internacional em que nos encontramos, quais são as perspectivas de aplicação do Programa no ano de 1993 e se estão ou não pensadas adaptações a este mesmo Programa tendo em conta a modificação das circunstâncias em termos internacionais.

A segunda questão tem a ver com os aspectos legislativos, a lei da concorrência, por exemplo.

Devo dizer, aliás, que esta questão é apenas para efeitos de registo, uma vez que já tivemos ocasião de conversar sobre isso aquando da discussão na generalidade. De qualquer modo, gostaria de ouvir, ou da parte do Sr. Ministro ou da parte do Sr. Secretário de Estado, algumas das linhas fundamentais a que obedecerá esta proposta de lei de concorrência, que está anunciada para o mês de Dezembro de 1992, proposta essa que saudamos e aguardamos com alguma expectativa.

A terceira e última questão tem a ver com a aplicação, no Ministério do Comércio e Turismo, da chamada «Lei dos Disponíveis». É uma questão que também já tive ocasião de expor aquando da discussão na generalidade, mas que tem toda a pertinência em sede de especialidade. Pergunto, pois: quais as consequências previsíveis da reforma institucional que nos anunciou no tocante a meios humanos?

Por fim, Sr. Presidente —e peço desculpa pelo facto—, gostaria de pedir ao Sr. Ministro para responder desde já às minhas questões, uma vez que tenho de me ausentar a fim de estar presente na reunião da Comissão de Reforma do Parlamento, que já está a decorrer, onde sou o coordenador do meu partido.

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O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, por parte da Mesa não há qualquer inconveniente, desde que o Sr. Ministro esteja disposto a responder já as suas questões. Aliás, esse comportamento é habitual em circunstancias extraordinárias.

Tem, pois, a palavra o Sr. Ministro do Comércio e Turismo.

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: — Sr. Deputado, em relação à execução do Programa de Apoio à Internacionalização das Empresas Portuguesas, quero dizer que foi um Programa lançado há relativamente pouco tempo mas que está a merecer da parte dos empresários portugueses uma enorme receptividade.

Consideramos que este Programa corresponde a uma das principais necessidades do sector empresarial português, que tem a ver com um desenvolvimento qualitativo acentuado de tudo o que está relacionado com a área comercial das empresas.

Em termos de actuação no exterior, verificamos que a grande maioria das nossas empresas não tem estratégias claras de internacionalização, respondem mais a consultas que recebem do que actuam em termos de uma política comercial agressiva que pretenda vender os seus produtos no exterior e, designadamente, aproximar as suas vendas dos consumidores finais.

Este Programa de Apoio à Internacionalização das Empresas Portuguesas visa aumentar a cadeia de valor dos produtos, actuando sobre factores intangíveis e melhorando o valor da produção nacional, designadamente através da retenção, pelas próprias empresas, de margens de comercialização que são essenciais para assegurar a sua capacidade de modernização permanente.

O Programa tem quatro grandes vertentes. A primeira está ligada à parte comercial, da qual se destaca o fomento do associativismo empresarial, através da criação de empresas de distribuição de traciings, de agrupamentos complementares de empresa ou outras formas quaisquer de associação, que assegurem, por um lado, uma melhoria, através da computação da oferta, da capacidade de venda e, por outro lado, a possibilidade de utilização de práticas comerciais mais activas, agressivas e modernas.

A segunda vertente tem a ver com o apoio de natureza financeira, tanto em termos de capital próprio como de capital alheio, e utiliza, como instrumentos essenciais no que respeita ao capital próprio, os fundos de capital de risco, uma participação mais activa do IPE no apoio à internacionalização de empresas portuguesas e as sociedades de capital de risco existentes. Nos fundos de capital de risco em constituição há uma parte que se destina exclusivamente à internacionalização das empresas que têm melhores condições para encetar este processo; há outra parte em que, na própria restruturação das empresas, haverá uma linha ligada à internacionalização. No que respeita ao apoio ao capital alheio, também uma menção especial deve ser feita em relação à utilização de verbas do NIDE para permitir a criação de condições mais favoráveis de linhas de crédito protocoladas com instituições de crédito nacionais.

A terceira vertente tem a ver com os apoios de natureza fiscal. O Orçamento do Estado para 1993 consagra já a possibilidade de deduzir à matéria colectável, em sede de IRC, uma percentagem significativa dos investimentos realizados no exterior, designadamente com a abertura de lojas, de sucursais, de filiais ou de investimentos na área produtiva nos casos em que eles venham a reaJizar-se. Não

está ainda contemplada a possibilidade de proceder à consolidação de contas com as filiais no estrangeiro— esta é uma matéria que poderá vir a ser, eventualmente, contemplada ainda no Orçamento de 1993 ou ser objecto de uma proposta específica a apresentar à Assembleia da República de maneira a poder utilizar este instrumento que, no caso de outros países, como seja a Espanha, é de particular relevo para uma verdadeira mobilização da classe empresarial.

A quarta vertente é a que se relaciona com o apoio à especialização em comércio internacional através de acções de formação específicas ou da concessão de determinado tipo de apoios para as empresas se especializarem neste domínio. O clima internacional requer que, na aplicação do Programa de Apoio, sejamos extremamente ambiciosos porque pensamos que, num clima recessivo, ainda é mais necessário aumentar a competitividade; e, do ponto de vista do Ministério do Comércio e Turismo, a primeira grande acção a desenvolver para esse efeito está, de facto, no domínio da internacionalização das empresas portuguesas, pelo que temos de concentrar aqui grande parte dos nossos esforços.

Penso que poderá vir a ser necessário criar fundos de capital de risco específicos para a internacionalização. Trata-se de matéria que está a ser devidamente analisada com o Ministério das Finanças, e se o conjunto de iniciativas empresariais mantiver o ritmo de interesse que, neste momento, está a revelar, admitimos a necessidade de virmos, ao longo do ano, a criar novos fundos para este efeito. Também nesta matéria contamos com a participação activa e a colaboração de várias instituições do sector financeiro, com relevo para alguns bancos, em especial para o Banco de Fomento Exterior.

Em relação à proposta de lei da concorrência uma referência breve, uma vez que será apresentada a esta Câmara penso que ainda este ano. Creio que todos concordaremos em que a concorrência é o elemento chave da economia de mercado e que a defesa e a promoção da concorrência são as verdadeiras prioridades da actuação do Estado, que visam fundamentalmente garantir a liberdade de formação da oferta e da procura e de acesso ao mercado, assegurar a transparência do mercado e o equilíbrio das relações entre agentes económicos e favorecer a realização dos objectivos gerais de desenvolvimento económico e social. Além disso, devem reforçar a competitividade dos agentes económicos no contexto da globalização dos mercados e da internacionalização das economias e o seu objectivo último consiste em salvaguardar os interesses dos consumidores. Uma concorrência sã e leal vai ainda conduzir à optimização da afectação de recursos e facilitar a estabilidade dos preços e a diminuição da inflação.

Por isso, a legislação sobre concorrência aplica-se a todas as actividades económicas exercidas com carácter permanente ou ocasional nos sectores público, privado e cooperativo. Quer a nível nacional quer comunitário, os mecanismos de defesa e promoção da concorrência estão a ser objecto da maior atenção, que se manifesta tanto no aperfeiçoamento e actualização da legislação como na intensificação das medidas e acções que visam combater as práticas restritivas da concorrência, bem como as práticas de concorrência desleal. Para isso, a par de um quadro normativo coerente, claro, transparente e rigoroso, a penalização mais forte dos comportamentos anti-concorrenciais e a intensificação do trabalho de prevenção, formando e informando consumidores, empresários e o público em ge-

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ral, constituem objectivos básicos da política de concorrência.

A integração na Comunidade a partir de 1 de Janeiro, o arranque do Mercado Único e a liberalização que se pretende no comércio mundial, consubstanciada na revisão do GATT, aceleram a concorrência que vai ser mais agressiva e intensa. Também por isso tem de ser assegurado

um enquadramento que garanta que esta é sâ e leal, aprofundando regras e disciplinas, garantindo uma vigilância eficiente e medidas de prevenção e penalização eficazes. Creio que, a nível do Ministério do Comércio e Turismo, ao ser criado o cargo de Secretário de Estado da Distribuição e Concorrência se visou, desde logo, dar um sinal político claro da importância do tema e da necessidade de prestigiar e fomentar a concorrência e fazê-la fluir natural e correctamente.

No que diz respeito à nova lei que pretendemos apresentar à Assembleia da República — que não está ainda aprovada em Conselho de Ministros, está em discussão —, em termos muito sumários podemos dizer desde logo que ela não se aplica às relações entre agentes económicos e consumidores. O diploma que se aplica às práticas restritivas da concorrência tende a proibir ou a definir condições em relação a várias práticas, designadamente acordos e práticas concertadas entre empresas, decisões de associações que tenham como efeito impedir, falsear ou restringir a concorrência e contempla ainda a figura da posição dominante no mercado nacional e a exploração do estado de dependência económica. A lei estabelece ainda a necessidade de notificação prévia das operações de concentração — vai ser incluída neste diploma — e o acompanhamento dos auxílios de Estado. Em relação às práticas individuais restritivas da concorrência vamos procurar aprofundar vários aspectos, como, por exemplo, o caso da imposição de preços mínimos, que será praticamente proibida, ou de condições de venda discriminatórias relativamente a prestações equivalentes, bem como definir as condições em que é possível por excepção, como seja o caso das vendas com prejuízo, designadamente no que tem a ver com campanhas de promoção, e pouco mais do que isto.

Em termos muito globais, penso que estão indicadas as linhas mestras da nova lei da concorrência. Talvez o Sr. Secretário de Estado da Distribuição e Concorrência possa acrescentar ainda alguma coisa sobre esta matéria.

Finalmente, em relação à última questão, sobre a aplicação da Lei dos Disponíveis, quero dizer que ela vai, fundamentalmente, utilizar-se no caso da extinção da Direc-ção-Geral do Comércio Externo e da Direcção-Geral do Comércio Interno, que vão dar origem a uma única Direcção-Geral do Comércio. Prevê-se que esta acção venha a ter como consequência uma redução dos efectivos em termos globais na ordem dos 30 %.

Penso que talvez os Srs. Secretários de Estado tenham algo a acrescentar em relação a estas questões.

O Sr. Presidente: — Para prosseguir os esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Distribuição e Concorrência.

O Sr. Secretário de Estado da Distribuição e Concorrência (Luís Palha da Silva): — Penso que, para completar as palavras do Sr. Ministro relativamente à lei da concorrência, pouco poderá ser dito. Em todo o caso, gostava de salientar as principais linhas que nos orientaram na elaboração do projecto, e que são quatro, funda-

mentalmente: em primeiro lugar, um carácter universal e sistemático da aplicação da legislação da concorrência; segundo, integrar num único documento os principais instrumentos de defesa da concorrência do direito comunitário e da legislação nacional; em terceiro lugar, passar a impugnação judicial das decisões do Conselho da Concorrência de tribunais de polícia para o Tribunal da Relação de Lisboa e, posteriormente, para o Supremo Tribunal; em quarto lugar, o agravamento das coimas.

Relativamente ao segundo ponto de que falei, sobre integrar os principais instrumentos de defesa da concorrência comunitários e nacionais, gostaria de dizer que há três capítulos principais: o primeiro, que decorre do Decreto--Lei n.° 422/83, onde são previstas as figuras de práticas restritivas da concorrência tal como existem neste momento, abusos de posição dominante, práticas concertadas, decisões de associação; um segundo ponto dentro destes instrumentos de defesa da concorrência é a actualização da legislação sobre a concentração de empresas, o Decre-to-Lei n.° 428/88; um terceiro ponto, inovador, é o da consideração das ajudas de Estado que, evidentemente, tem um trabalho enunciativo mais completo do que em relação aos outros capítulos. São estas, fundamentalmente, as principais direcções.

O Sr. Presidente: — Tem ainda a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Comércio Externo.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Comércio Externo (António de Sousa): — Quero apenas fazer um brevíssimo comentário sobre a extinção das duas Direc-ções-Gerais do Comércio Extemo e do Comércio Interno e a criação da nova Direcção-Geral do Comércio. A reestruturação dessas Direcções-Gerais é um assunto que veio a ser estudado durante 1992 e que se tomou, em grande parte, imperioso porque uma parte considerável das suas actividades deixa de ter razão de ser com a criação do Mercado Único, nomeadamente, como todos nos lembramos de há uns anos atrás, o imenso trabalho administrativo que havia na Direcção-Geral do Comércio Externo com os chamados BRI (boletins de registo de importação), que é algo que, praticamente, desaparece neste momento, ficando reduzidíssimo a alguns produtos agrícolas. Portanto, há todo um conjunto de trabalhos administrativos que vieram a deixar de existir e que, neste momento, terminam. Daí a necessidade de fazer essa reestruturação administrativa profunda, diminuindo o número de quadros e aumentando, nalguns casos de forma relativamente substancial em relação ao que se passa neste momento, a qualidade técnica das pessoas nestas Direcções-Gerais, dado que o tipo de problemas que vão ter de defrontar deixam de ser fundamentalmente administrativos e passam a ter que ver com a capacidade da Direcção-Geral, junto e em conjunto com as instâncias comunitárias, de definição da política comercial da Comunidade.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Lima Amorim.

O Sr. Lima Amorim (PSD): — Depois da resposta do Sr. Ministro e dos Srs. Secretários de Estado e da pergunta do Sr. Presidente da Comissão de Economia Finanças e Plano, eu pouco teria a acrescentar. Mas, em primeiro lugar, gostaria de saudar o Sr. Ministro e os Srs. Secretários de Estado pela explicação que nos deram, bem como pelo enquadramento que fizeram das duas Direcções-Ge-

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rais, do Comércio Interno e do Comércio Extemo, que considero fundamentais. Uma vez que queremos melhor Estado e menos Estado, para mim, que andei a defender isto há muitos anos, é com grande satisfação que aqui manifesto o meu apreço por tal medida, porque penso que não tem razão de ser a existência das duas Direcções--Gerais, muito menos agora, como o Sr. Secretário de Estado já explicou.

De qualquer forma, gostaria de saber do Sr. Ministro, no que respeita ao comércio interno, mais alguma coisa que haja sobre o reforço dos apoios do Sistema de Incentivo à Modernização do Comércio (SLMC), uma vez que se ultrapassou totalmente o que estava previsto. Como dirigente associativo durante 17 anos, nunca pensei que o pequeno comércio aderisse tão bem a este sistema. Já se nota, nesta altura, uma substancial modernização, sobretudo naqueles que recorreram ao apoio. Gostaria assim, de saber quais os reforços que efectivamente resultam desses apoios e se há possibilidade de, em anos subsequentes, poderem ser concedidos mais apoios.

Em relação ao turismo, estou quase totalmente de acordo com o que o Sr. Ministro acabou de dizer. Uma das coisas que me sensibilizou foi a questão da hotelaria. Tal como a lei da concorrência é fundamental, também a lei relativa à hotelaria, ás agências de viagem e ao time-sharing é fundamental e urgente, até para darmos uma imagem do país que somos e do turismo que temos.

Um outro grande diploma que teria igualmente de ser modificado — embora julgue tratar-se de matéria mais do pelouro do Ministério da Administração Interna do que do Ministério do Comércio e Turismo — é a lei sobre a identificação de estrangeiros, tarefa que, na minha opinião, terá de ser simplificada. Esta melhoria impõe-se não pelo custo — que é de 30$ — da ficha a preencher e remeter à Direcção-Geral do Turismo, mas sobretudo pela burocracia que existe nas vinte e quatro horas subsequentes à apresentação do estrangeiro. Hoje, no estado em que a informática se encontra, julgo que um simples fax seria o suficiente para o proprietário do empreendimento hoteleiro identificar o estrangeiro. Bem sei que cada vez mais há necessidade de identificar quem ultrapassa as fronteiras nacionais, devido, designadamente, aos problemas relacionados com o tráfico de droga e com as organizações terroristas. De qualquer modo, face ao avanço da informática, há hoje uma maneira mais simples de o fazer.

Por último, gostaria de demonstrar aqui o meu desagrado pela falta de animação, ao nível do turismo, em Lisboa e no Porto, as duas grandes cidades para onde 70 % a 80 % dos turistas convergem. De facto, a animação não é contemplada nesses dois grandes centros urbanos. Penso que haverá alguma coisa a rever neste domínio, porque efectivamente a grande animação deve fazer-se nas duas grandes cidades deste país.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Antônio Campos.

O Sr. António Campos (PS): — Sr. Ministro do Comércio e Turismo, compreendi, pelas suas palavras, que o Sr. Ministro iria reestruturar a Direcção-Geral de Inspecção Económica. Passou ontem na televisão — não sei se o Sr. Ministro a viu — uma reportagem sobre o problema das hormonas nas carnes e o fantástico impacte que esse facto tem na saúde pública e nos cidadãos. Alguns países da Europa estão a actuar em força contra esse fenómeno, a adoptar forte legislação e a intensificar a inspecção so-

bre esses produtos. Todos sabemos que eles são superuti-lizados em Portugal e que existem hoje estruturas clandestinas a produzir tipos de carne com hormonas. Como saberá, grande parte da carne é importada já nesse estado e outra produzida a nível nacional. Por outro lado, a Direcção-Geral da Pecuária não tem estrutura vocacionada para esse feito.

Pergunto, assim, ao Sr. Ministro o que está a pensar fazer neste domínio. Qualquer português que ontem tenha assistido à mencionada reportagem terá ficado altamente impressionado e com a noção do volume de carne a circular nessas condições em Portugal, mas também com a noção de que o Estado não existe, porque, se é verdade que em Espanha foram levadas a cabo acções para combater o problema, já em Portugal nem um único caso de julgamento é conhecido, sabendo-se, todavia, que há centenas de casos que estão a pôr em risco os produtores que trabalham normalmente. Esse problema atinge, aliás, não só as carnes como também os leites. Gostaria, em suma, que nos desse uma ideia do que irá fazer e de como como vai reestruturar a Direcção-Geral de Inspecção Económica de modo a cumprir o dever do Estado de defender a saúde pública.

A segunda questão que lhe coloco reside na velha história dos mercados abastecedores, em relação aos quais o Govemo desde há vários anos vem dizendo que está tudo resolvido. Vi há dias escrito nos jornais que a Administração Geral do Açúcar e do Álcool (AGA) iria ser o motor de arranque desses mercados, mas não sei se estão confirmados os capitais a que aludiam os jornais, nem tão-pouco onde os mercados os vão buscar. Gostaria em todo o caso, que nos explicasse em pormenor se, após a terceira ou quarta declaração do Governo, é efectivamente desta vez que arrancam os mercados abastecedores, quais os que vão mesmo arrancar e onde vão eles buscar os respectivos capitais.

A terceira questão que pretendo colocar-lhe refere-se à afirmação do Sr. Ministro do aumento da concorrência por influência do Mercado Único. Gostaria que o Sr. Ministro nos desse uma ideia da avaliação do impacte da entrada em vigor do Mercado Único, que o Govemo certamente já terá feito. Não irei perguntar-lhe qual é o impacte em todos os sectores económicos, mas gostaria de saber qual é, nesta fase de aumento de concorrência em resultado dos acordos do GATT, o impacte, pelo menos, em três sectores: o das frutas, o das carnes e o do calçado.

Poderia alargar o âmbito da questão, mas já ficaria satisfeito se nos informasse com rigor e exactidão sobre qual o aumento de concorrência nos referidos sectores, cujos dossiers estão praticamente encerrados (as disputas incidem noutros sectores), para que os Portugueses possam saber com o que podem contar, depois dos acordos do GATT, pelo menos nestes três sectores. Poderia escolher outros sectores, mas fico-me por estes três, sobre os quais desejaria ouvir o Sr. Ministro. É que sou defensor da tese expendida pelo Sr. Deputado Lima Amorim de que é necessário melhor Estado, mas também um Estado que informe os cidadãos.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): — Sr. Ministro do Comércio e Turismo, cheguei um pouco atrasado a esta reunião, pelo que lhe peço o favor de me remeter para a leitura da acta se porventura algumas das questões

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que lhe irei colocar já tiverem sido objecto de qualquer referência por parte de V. Ex."

Por outro lado, também eu terei de me ausentar, para, tal como o Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins, me integrar na reunião da Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento a decorrer neste momento. Serei, por isso, muito breve no meu pedido de esclarecimento.

Referiu o Sr. Ministro, segundo creio, que se estimava para as exportações um aumento de cerca de 4 %. Gostaria de saber se porventura dispõe no seu Ministério de previsões sobre as importações.

Em relação ao investimento estrangeiro, questão já suscitada pelo Sr. Deputado Manuel dos Santos, prevê V. Ex.' um aumento ligeiro, mas as notícias que correm não vão nesse sentido. Desejaria, pois, ser esclarecido sobre este assunto.

No que respeita à estratégia e prioridade do Governo em concertar a internacionalização das empresas portuguesas e, como diz o Sr. Ministro, concentrar grande parte dos nossos esforços, nomeadamente em empresas com melhores condições, o que, aliás, já aqui foi referido pelo Sr. Ministro da Indústria e Energia quando lhe coloquei questões sobre as pequenas e médias empresas. Fala V. Ex.* nessa concentração. Ora, sabemos que o tecido empresarial no sector do comércio (também na indústria, mas acima de tudo no comércio) é um tecido muito fraco, constituído por milhares e milhares de empresas familiares, de pequenas empresas. Pergunto se o tipo de apoios que o Governo parece ir desenvolver na modernização — como classificou, há momentos, o Sr. Ministro — da classe empresarial irá ser selecüvo e qual o critério a ser adoptado ou se, pelo contrário, às empresas que segundo o Governo sejam mais fracas nada mais resta senão encerrar as suas portas. O que irá ser feito, em termos orçamentais, neste domínio?

Aproveito a ocasião para lhe perguntar, ainda, se nos pode informar sobre quantas pequenas empresas faliram em Portugal, neste sector, durante os primeiros meses deste ano.

O Sr. Castro Almeida (PSD): — Poucas!

O Orador: — Parece-me que visar apenas o apoio a grandes empresários acaba por prejudicar fortemente dezenas de milhares, se não mais, de empresas em Portugal.

Uma outra questão, já abordada pelo Sr. Deputado António Campos, respeita aos reajustamentos nas estruturas de distribuição que o Sr. Ministro diz ter havido. Diz--se que se irá constituir a sociedade de mercados abastecedores e registar o arranque do mercado abastecedor de Lisboa. Gostaria de obter informações sobre estas iniciativas, no senüdo de saber o que irá ser feito neste domínio e que tipo de verbas serão inscritas. Acima de tudo, desejaria saber se, finalmente, nos pode prestar informações sobre o mercado abastecedor de Lisboa, o que visa com a constituição da sociedade de mercados abastecedores e quais as suas prioridades.

Gostaria também, que o Sr. Ministro me dissesse algo sobre a desregulamentação nos sectores de actividade onde ainda existem condicionantes institucionais à prática da livre concorrência, nomeadamente a liberalização do regime de preços. Pretenderia saber, designadamente, o que é que quer dizer a «liberalização do regime de preços». E que as pessoas, quando confrontadas com notícias desta natureza tendem a especular e a recear o que pode vir a acontecer com este tipo de liberalização.

Em relação, finalmente, ao Instituto do Comércio Externo de Portugal (ICEP), nomeadamente na perspectiva do turismo —que é um pau de dois bicos, como todos sabemos — e porque sabemos que há necessidade premente de fomentar o comércio externo, pergunto-lhe se irá haver nova política de abertura de delegações no estrangeiro e que tipo de política quanto ao Instituto será conduzida pelo Governo ao abrigo deste Orçamento do Estado.

(O orador reviu.)

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Sr. Ministro do Comércio e Turismo, a primeira questão que lhe coloco tem a ver com a área turística, sobretudo com os efeitos da extinção do Instituto de Promoção Turística (IPT) e da transferência das suas funções para o ICEP. Os operadores turísticos e as regiões de turismo têm-nos feito chegar algumas preocupações relacionadas com o facto de a extinção do IPT e consequente transferência de funções para o ICEP se poder traduzir, na prática não direi numa extinção mas, pelo menos, numa menorizaçâo da área da promoção turística no exterior do País, tendo em conta, como o próprio Ministério considera, que essa é hoje uma das áreas estratégicas para a a economia nacional. A questão que coloco é a de saber se a referida transferência de funções do IPT para o ICEP não prejudica a área específica da promoção turística no estrangeiro e, em caso negativo, que medidas serão adoptadas para que tal não suceda.

Outra questão refere-se ao novo SIF1T, que atribui como última das prioridades para financiamento a criação de alojamento novo. Dito assim, o atirar o alojamento novo para a última das prioridades dos itens a financiar pelo SIFIT pode constituir nalgumas regiões, como, por exemplo, o Algarve, um elemento adequado às condições de oferta da região, mas já pode prejudicar a oferta turística noutras regiões em que o principal problema seja o défice na oferta de alojamento, ou seja em regiões carenciadas de alojamento novo. Gostaria de ouvir a opinião do Governo sobre esta preocupação e estas reflexões e de saber, se não houver lugar a preocupação, porquê.

Quero, por último, fazer minhas as preocupações do Sr. Deputado António Campos em relação à introdução em Portugal, nela via das importações, de gado com hormonas. De facto, a opinião pública foi alertada para a dimensão do problema com a reportagem que o Sr. Deputado referiu.

Gostaria de cruzar esta questão com uma outra, que tem a ver com a extinção que se deu, logo no início deste governo, da Comissão contra o Contrabando de Gado. Nunca nos apareceram, com contornos claros, as razões dessa extinção...

O Sr. António Campos (PS): — Agora percebe-se!

O Orador: — Sabíamos que havia vários dossiers em curso para intervir nesta área pelo que a sua extinção, cruzando com estas importações, aparentemente efectuadas pela via normal e legal, de gado com hormonas, pode desarmar o Estado de intervir no controlo das condições sanitárias do gado importado e das condições para a higiene

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pública, com todas as repercussões que isso tem ao nível da saúde pública.

Trata-se de uma questão que nos preocupa, pelo que gostaríamos de ouvir o Governo sobre esta matéria, designadamente sobre quais as medidas complementares ou de contrapartida que entretanto tomou para obviar a estes problemas.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr." Deputada Helena Torres Marques.

A Sr." Helena Torres Marques (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Vou fazer incidir as minhas questões fundamentalmente sobre o sector do turismo. Desde logo, gostaria de saber se me poderiam dar uma percepção sobre a execução orçamental de 1992. De facto, temos muito poucos dados sobre ela e, por isso, pretendia obter elementos mais concretos.

Aliás, o PIDDAC do Ministério do Comércio e Turismo não pode ser mais sucinto: reduz-se a uma frase que refere que são aumentadas em 500 000 contos as verbas previstas. Gostava, pois, de saber o que é que isto representa, o que foi feito em 1992, o que vai ser feito em 1993 e que significado tem.

Em relação às escolas hoteleiras, também pretendia obter uma informação mais completa. Com efeito, verificamos que a Escola Hoteleira do Algarve não teve qualquer invesümento em 1992 e que as verbas previstas são, como é normal nos PIDDAC que nos têm sido apresentados por todos os ministérios, para terminar em 1995. Ou seja, 1995 passou a ser o ano mágico —pelas razões óbvias que todos conhecemos —, pois será neste ano que acabam todos os investimentos previstos para este sector.

Na Escola Hoteleira do Algarve estão previstas verbas no valor de 900 000 contos. Ora, gostava que o Sr. Ministro nos dissesse que escola é esta e, afinal, qual o montante do investimento que ficou parado, sem ser utilizado, em Vilamoura. De facto, no ano passado o Sr. Ministro tinha falado em soluções alternativas, mas o que se verifica é que está tudo parado, pelo menos no que diz respeito ao investimento de Vilamoura — estive lá este fim--de-semana e vi que continua tudo na mesma. Qual é a solução para este caso? O Estado vai recuperar o dinheiro investido, uma vez que o terreno foi cedido para aquele fim? Como vai ser resolvido este problema e que solução vai ser dada à Escola Hoteleira do Algarve?

Em relação à Escola do Estoril, as verbas previstas são também muito reduzidas, pelo que agradecia que me explicasse para que servem.

Sr. Ministro, os programas previstos têm indicações extremamente vagas, como é o caso, por exemplo, do Programa de Desenvolvimento Turístico. Ora, como toda a acção do Ministério é nesse sentido, gostaria de saber o que este programa quer dizer especificamente. Além do mais, todas as verbas deste programa estão destinadas à região norte do País, sem que se saiba porquê.

Em contrapartida foi criado um novo programa, ao qual foram atribuídas verbas extremamente elevadas: o Programa de Promoção Sectorial em Mercados Externos. Provavelmente, o Sr. Ministro já se referiu a ele, uma vez que as verbas previstas são, todas elas, do Orçamento do Estado e apresentam montantes muito avultados— comparando com as dos outros capítulos—, cerca de 1 milhão de contos para 1993. Gostaria, pois, de saber a que se destinam as acções deste Programa, pois também exis-

te outro programa com a designação «Acções Promocionais».

Sr. Ministro, penso que concordará comigo, pelo menos num aspecto: a leitura do PIDDAC do Ministério, no que diz respeito ao sector do turismo, é absolutamente ilegível e inentendlvel, porque nada do que está aqui explicado leva a entender que programas são estes.

Assim, Sr. Ministro, gostaria que me dissesse a que se referem estas «Acções Promocionais», isto é, se dizem respeito ao mercado interno, em contrapartida com as outras — constantes do Programa de Promoção Sectorial em Mercados Externos.

Está também previsto um programa, que acaba no próximo ano, que se chama «Inventário dos Recursos Turísticos», sobre o qual gostaria de obter informações, nomeadamente o que já foi feito, uma vez que para este projecto está prevista — em 1993 — uma verba igual à do ano passado, ou seja 220000 contos.

Relativamente à INATUR, e uma vez que já não temos elementos sobre esta empresa — já no último ano pedi para me serem fornecidas informações sobre o conjunto de acções que a INATUR tinha em curso —, gostaria que nos desse algumas informações sobre a evolução que teve, de forma a podermos acompanhar as acções de uma empresa de capitais públicos, apesar de ter sido parcialmente privatizada durante o ano de 1992. No fundo, queria saber o que aconteceu, que alterações foram introduzidas, como está a funcionar, pois, de qualquer forma, trata-se de uma empresa maioritariamente com capitais públicos, pelo que deveríamos ter informações, quer sobre o seu programa de actividades e sua execução quer sobre a situação e alterações daí decorrentes.

Sr. Ministro, gostaria que me esclarecesse ainda acerca do IVA turístico, pois no artigo 26° do projecto de lei do Orçamento do Estado diz-se que as verbas não podem ser inferiores às efectivamente pagas. Ora, nada disto tem a ver com a lógica que presidiu à criação desta receita, destinada a ser transferida para as autarquias. Era uma receita que devia ser crescente e, portanto, não chega dizer que não pode ser inferior à do ano passado. Com efeito, se o movimento turístico está a crescer, ela deve acompanhá-lo.

Deste modo, Sr. Ministro, esta parece-me ser uma receita perfeitamente artificial, pelo que gostaria de saber como é calculada que valores atinge e como é distribuída, pois não temos quaisquer elementos sobre esta matéria.

Finalmente, Sr. Ministro, gostava de dizer-lhe que quando o ouço — o que é extremamente curioso — parece que. em relação ao turismo, nascemos sempre hoje. Aliás, há pouco o Sr. Deputado Lima Amorim releria a necessidade da nova lei hoteleira e da nova lei do titne-sharmg... Na realidade, há quantos anos ouvimos dizer que é necessário fazer tal! Mas o que é certo é que não se avança nesta matéria.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Castro Almeida tem a palavra.

O Sr. Castro Almeida (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, já tive oportunidade de referir, numa reunião anterior, que considero que um grande número de empresas começa a perceber, de facto, a importância da internacionalização. Creio que o Governo, designadamente o seu Ministério, tem feito passar a mensagem da importância estratégica da internacionalização das empresas.

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Nos meus contactos com o mundo real — e cada um de nós tem a sua avaliação — tenho sentido que já se começam a ouvir críticas ao processo que está em curso, nomeadamente aos apoios do Governo à internacionalização, o que significa que o tema começa a estar na boca dos empresários, o que é um bom sinal.

A questão que me preocupa é, basicamente, a seguinte: tenho ouvido dizer, da parte de alguns empresários, que o programa de apoio tem incentivos débeis, o que os leva a esperar mais um ano pelo novo quadro comunitário de apoio, pois terão incentivos muito maiores. Aliás, poderia citar-lhe casos concretos de empresas que estão a pensar retardar processos de internacionalização na perspectiva de vir a ter incentivos mais vultosos.

É evidente que se esta situação se generalizasse pelo País seria complicado, como é complicado encontrar solução para este problema. Não sei se o programa que está estabelecido tem ou não alguma elasticidade no sentido de, face à procura, poder haver algum ajustamento das percentagens de apoio, de comparticipação ou se o Ministério está apostado em esgotar as verbas disponíveis com o quadro legal vigente.

Por outro lado, Sr. Ministro, tenho ouvido referir que o ICEP está vocacionado para apoiar as empresas no processo de exportação, para encontrar novos mercados, organizar feiras, salões e exposições, mas que ainda não está preparado para dar apoio técnico à internacionalização, designadamente apoio jurídico ou fornecimento de pistas para o encontrar de parceiros da internacionalização.

É evidente que estas críticas são normais e, a serem fundadas, seriam razoáveis, pois trata-se do início de um novo processo e, ao fim e ao cabo, é uma nova postura para a economia portuguesa. Portanto, considero que é natural que assim aconteça.

De facto, o que me preocupa — bem como, com certeza ao Sr. Ministro — é que o ICEP passe a estar dotado de uma outra perspectiva e de uma outra capacidade de apoio técnico às empresas. Posto isto, gostava de ouvir um esclarecimento do Sr. Ministro sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, não há mais incrições, pelo que tem a palavra o Sr. Ministro do Comércio e Turismo, se assim o entender, para dar as respostas às questões formuladas ou, como referi inicialmente, para participar no debate que se gerou.

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: — Sr. Presidente, começo por pedir aos Srs. Secretários de Estado Adjunto e do Comércio de Externo, do Turismo e da Distribuição e Concorrência que façam os seus primeiros comentários, pois reservarei para o fim a minha intervenção.

O Sr. Presidente: — Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Comércio Externo, tem a palavra.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Comércio Externo: — Vou tentar responder às várias questões que foram levantadas, começando pelas colocadas pelo Sr. Presidente, nomeadamente pelas exportações efectuadas em Setembro deste ano.

Tanto quanto percebi, dizia-me que em Setembro houve um aumento substancial das exportações e, portanto, queria saber por que razão tal aconteceu. A este propósito, penso que a prática que tem sido muito habitual entre os analistas, no sentido de considerar que entre Janeiro e Maio houve uma situação e, a partir de Maio, a situação

foi muito diferente, é parcialmente verdade mas, efectivamente, tem de se ter em conta o período entre Junho e Setembro como uma única unidade.

Aliás, esse aspecto já foi discutido noutras ocasiões porque, como sabemos, os números de Junho, Julho e, ainda

parcialmente, AgOStO — pois só em Setembro se atingiu a normalidade — foram extremamente afectados pela situação de dificuldade de recolher elementos estatísticos, devido ao que se passou a nível das alfandegas nos meses de Junho e Julho. Portanto, esses números são extremamente pouco significativos.

De facto, temos de atender ao bloco, que entretanto chegou, de documentos alfandegários, porque se olharmos mês a mês vemos números perfeitamente anómalos, como seja uma enorme diminuição em Junho, seguida de um enorme crescimento em Julho. Tal teve a ver, precisamente, com o facto de os documentos não terem sido recebidos na altura apropriada e todos conhecemos as condições em que isso aconteceu.

Por outro lado, também se tem comentado que — e não iludindo a questão — em Setembro as exportações estão inflacionadas por causa de um caso concreto, que, aliás, é bem visível nas estatísticas — um navio avaliado em cerca de 11 milhões de contos.

É óbvio que ele afecta as estatísticas relativas ao mês de Setembro; no entanto o que temos de ter presente é que, no total das nossas exportações, isso representa qualquer coisa como 0,6 %. Além disso, também há a considerar que esse valor já tinha entrado nas importações. Portanto essa situação é anormal, pois não há, com certeza exportação de navios. Isso, certamente, tem a ver com uma operação de gestão de uma empresa de transportes marítimos, que resolveu colocar numa sua subsidiária esse mesmo navio.

O que se verifica independentemente destes aspectos meramente estatísticos, é que tem havido, de uma forma sustentada, um aumento das exportações em volume e em valor, provavelmente mais em volume do que em valor, dado que não temos ainda números para o mês de Setembro. No entanto, aqueles de que dispomos apontam para um ligeiro decréscimo de preço, que deve situar-se em menos de 1 %. Assim, se olharmos para os números concretos do mês de Setembro verificaremos que continua a tendência ocorrida durante todo o ano, ou seja que há duas categorias — material de transporte e máquinas eléctricas— que explicam uma boa parte do crescimento, as quais, como também temos vindo a dizer, têm fundamentalmente a ver, por um lado, com a continuação e a entrada em funcionamento — mas, sobretudo, a expansão — de alguns investimentos estrangeiros que estão a aüngir a sua maturidade — embora tal maturidade, na maior parte deles, só seja atingida nos próximos dois anos — e, por outro lado, com uma situação com que, apesar de tudo, nos podemos congratular e que é o facto de, nos chamados sectores tradicionais, quer nos têxteis quer no calçado, as exportações não terem diminuído e antes terem registado um aumento da ordem dos 2 % a 4 %, conforme os sectores. Ora isso significa que não estamos a perder quotas de mercado em termos internacionais e que, ao contrário do que aconteceu em 1991, ano em que tivemos um ligeiro decréscimo destas quotas, devemos este ano ter um acréscimo.

Portanto, penso que a explicação em relação ao mês de Setembro é fundamentalmente esta: nota-se que estamos a ter uma consolidação da nassa capacidade exportadora e a ter também alguma diversificação em termos dos pro-

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dutos que exportamos, ou seja, verifica-se uma modificação do nosso perfil de oferta mas não de uma forma dramática, visto que isso tem a ver, fundamentalmente, com o crescimento de algumas das categorias de produtos e não com o decréscimo de outras categorias, o que tomaria mais complicada a situação.

Em relação ao investimento directo estrangeiro foi-me perguntado qual era a razão da sua eventual diminuição. Bom, depois dos comentários iniciais do Sr. Ministro, que foram consubstanciados nas perspectivas, nomeadamente, da OCDE, todos sabemos que há uma retracção a nível económico internacional, sobretudo dos países que, tradicionalmente, são grandes exportadores de capitais, como é o caso do Japão, que poderia ser — e eslava a começar a ser— uma potencial fonte de novos investimentos em Portugal. Todos nós sabemos que há, neste momento, uma retracção muito grande — ou, pelo menos, um adiamento muito grande — dos investimentos no estrangeiro por parte dessas grandes empresas e, apesar de isso não ter tido reflexos em Portugal durante o ano corrente, por se tratar de decisões que já vinham a ser trabalhadas e que têm a ver também com toda uma situação de aumento do interesse por Portugal no domínio industrial— e, já agora, queria aqui referir que o investimento em Portugal, no ano de 1992, foi mais industrial do que nos últimos anos, dado que diminuíram, substancialmente, os investimentos orientados para as áreas financeira e imobiliária os quais tinham sido bastante representativos nos anos anteriores —, um tipo de investimento que, sob o ponto de vista produtivo, pode ser considerado mais interessante, mais saudável.

Porém, é natural que, mantendo os sectores imobiliário e financeiro uma tendência para não aumentar em 1993 — pelo menos não há perspectivas nesse sentido — e havendo, na área industrial, algum adiamento sobre a tomada de decisões por parte de muitas empresas, face à retracção mundial, não seja de esperar que o investimento directo estrangeiro se mantenha em níveis tão elevados como os que se verificaram até agora. Aliás, isso já é notório, na medida em que, provavelmente, temos uma situação de manutenção desses números, com um 1.° semestre que foi francamente bom, mas que tende para uma certa diminuição ou, quando muito, para uma manutenção.

Penso que, com esta explicação, respondi às questões que foram colocadas pelo Sr. Deputado Manuel dos Santos.

Em relação à pergunta feita pelo Sr. Deputado Lima Amorim sobre o Sistema de Incentivos à Modernização do Comércio, posso dar alguns números sobre a situação do SIMC. Começarei por dizer que estão previstos investimentos num total de 29 milhões de contos e que, neste momento, estão aprovados incentivos da ordem dos 7,8 milhões de contos, que correspondem, exactamente, a 1320 processos. Isto significaria que, com o montante da dotação inicial, o dinheiro estaria esgotado. Na realidade, como todos sabemos, o montante que estava disponibilizado era da ordem dos 6 milhões de contos. Porém — e também o sabemos — estes 7,8 milhões de contos deverão traduzir--se em incentivos efectivos da ordem de pouco mais de 6 milhões de contos, pois, como acontece em todos os sistemas de incentivos — e neste momento começamos a ter alguma experiência de como eles funcionam quando atingem o estado de normalização — verificam-se algumas quebras, quer por desistência dos promotores quer por o incentivo atribuído ser ligeiramente menor dado o investimento ter sido sobrestimado, o que é normal quando .se

fazem previsões a dois ou três anos, como é o caso. Isso levou a que o total dos montantes atribuídos ao Sistema de Incentivos à Modernização do Comércio fosse reconsiderado e, neste momento, prevê-se um reforço para o ano de 1993 — e parte dele irá já para 1994, dado haver o período de maturação dos próprios projectos — da ordem dos 3 milhões de contos, ou seja, de 50 % em relação ao montante inicial. Esse montante irá permitir-nos não só assumir, na íntegra, os compromissos que temos com os montantes já afectados, mas continuar também com o Sistema de Incentivos à Modernização do Comércio durante mais alguns meses. Como se lembram, o Sistema estava programado até ao final de 1992, como acontece com a maioria dos sistemas de incentivos, mas é quase certo que ele continue ainda em 1993, durante algum tempo.

Essa continuidade depende da forma como irá evoluir a entrada das candidaturas, embora o grau de selectividade vá sendo aumentado progressivamente, como tem sido habitual nos sistemas de incentivos, dado que já se consolidou o acorrer dos empresários da área comercial a este mesmo sistema. Isto significa que vamos ter, pelo menos, este montante de 9 milhões de contos, no total, que conseguirá cobrir as necessidades previsíveis do Sistema de Incentivos à Modernização do Comércio, tendo em conta o número médio de entrada de pedidos, cuja alteração não prevemos, uma vez que, como disse, o sistema entrou numa certa normalidade.

Por outro lado, quero dizer que estamos em vias de iniciar os trabalhos de análise dos resultados do Sistema de Incentivos à Modernização do Comércio. No entanto, embora tenhamos uma necessidade imperiosa de proceder a essa análise, talvez seja ainda cedo para começá-la pois, como sabem, a maior parte dos incentivos foi paga nos últimos seis meses — alias, a grande maioria deles foi paga nos últimos três meses — e, portanto, o período de maturação e de verificação dos seus resultados efectivos nas empresas ainda é recente. No entanto, como disse, essa análise é indispensável, sobretudo porque está neste momento em discussão — o grupo de trabalho começará a funcionar já no princípio de Janeiro — a análise do que foi o Sistema de Incentivos à Modernização do Comércio durante este período — e isto apesar de o sistema ainda não estar terminado —, para podermos começar a preparar o segundo Sistema de Incentivos à Modernização do Comércio.

Este aspecto é particularmente relevante por neste momento nos parecer ser possível que, no âmbito do novo Quadro Comunitário de Apoio, o que entrará em vigor no dia 1 de Janeiro de 1994, exista uma autonomização para o comércio, ou seja que o comércio nele apareça como uma das linhas do Quadro Comunitário de Apoio. Ora, isso implica consubstanciar as razões que existem para esta alteração, até por que este Sistema de Incentivos à Modernização do Comércio é único entre os 12 estados membros. Trata-se, efectivamente, de algo que foi criado especificamente para Portugal e que, de forma progressiva tem vindo a conquistar o seu lugar nos quadros comunitários de apoio. Por isso, espero bem que seja possível tomá-lo autónomo, com um grau de maioridade dentro dos sistemas de incentivos, no âmbito do próximo Quadro Comunitário de Apoio.

Era, pois, isto o que tinha a dizer sobre o Sistema de Incentivos à Modernização do Comércio.

Quanto à pergunta do Sr. Deputado António Campos sobre o GATT posso dizer que, no quadro dos sectores que referiu, quanto as frutas e à carne, impera fundamen-

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talmente, o que está acordado no âmbito da política agrícola comum e que não há um impacte do GATT muito grande sobre o que acontece na política agrícola comum, onde isso já está definido.

Em relação ao calçado, quero assinalar que ele não tem

especificidade no âmbito do GATT. Embora para os têxteis haja, efectivamente, um dossier específico, para o calçado não prevejo que o acordo no âmbito do Uruguay Round tenha um impacte grande a nível do GATT, antes pelo contrário. Como sabe, no caso do calçado põe-se uma grande questão: as práticas comerciais menos justas, o tal problema, que tem vindo a ser discutido, do free Irade e do fair trade. Ora, se no âmbito do GATT ficarem mais consignadas essas práticas comerciais e, portanto, a possibilidade de, no âmbito dos próprios instrumentos do GATT, essas práticas comerciais serem analisadas com maior eficácia...

O Sr. António Campos (PS): — Posso interrompê-lo, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Campos (PS): — Sr. Secretário de Estado, quero lembrar-lhe que a questão do preço para as frutas e para as carnes não ficou definida na Política Agrícola Comum. Na realidade, esse preço não foi definido e, tendo em conta, por exemplo, a concorrência da Nova Zelândia ou da Austrália, não há qualquer definição a não ser sobre os apoios laterais à produção!... Portanto, como não há qualquer definição em relação aos preços da produção, há que proceder-se a um estudo do impacte que esses dois sectores terão em Portugal, porque os preços irão para os níveis da Nova Zelândia ou da Austrália.

O Orador: — Sr. Deputado, tudo o que, relativamente

à agricultura, tenha um tratamento muito específico, como o Sr. Ministro acabou de dizer, vai ser alvo de um relatório. Como sabe, tudo o que se refere ao aspecto agrícola tem, na Comunidade Europeia, um tratamento muito específico. Daí eu estar a pronunciar-me mais sobre o calçado, dado que se trata de uma indústria cuja situação é conhecida e relativamente à qual, penso eu, haverá vantagens substanciais do ponto de vista de podermos controlar os subsídios, que têm muitas formas, de outros países.

Aliás, como sabe, neste momento há, por parte da Comunidade Europeia, uma grande liberalização — praticamente não há restrições — relativamente à importação do calçado. O único caso que a Comunidade está a restringir tem a ver com um dossier de dumping, que está a ser analisado e que levou a medidas preventivas para evitar essa mesma importação.

Em relação às perguntas que foram feitas pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca quanto à abertura de delegações do ICEP, não há, neste momento, qualquer previsão de abertura de novas delegações. O que aconteceu, a este respeito, foi o encerramento de duas delegações, por razões que não têm a ver sequer com uma decisão do ICEP mas sim com as alterações de circunstâncias nos dois países onde isso aconteceu e que foram os casos da Jugoslávia e do Iraque, por razões que são óbvias.

No entanto, está a fazer-se, actualmente, uma reflexão sobre a hipótese de abertura de algumas delegações, para cobrir áreas específicas que, neste momento, estão relativamente pouco cobertas. Assim, na América Latina, estamos a ver quais são as delegações existentes para ver se,

eventualmente, iremos proceder à abertura de alguma outra— ou, pelo menos, um pequeno escritório junto às nossas embaixadas — para permitir uma melhor cobertura, dado que, efectivamente, a América Latina tem alguns mercados com algum potencial, embora a nossa tradição seja muito pequena nesses países em termos de exportações. Estamos a fazer esse mesmo tipo de reflexão relativamente à Europa Oriental e a analisar como é que as delegações ou os escritórios já existentes poderão articular--se para uma melhor cobertura do território. Para esta região, não bá perspectivas de haver qualquer abertura em 1993. A haver será, provavelmente, em 1994, mas essa reflexão está a ser iniciada no âmbito do ICEP.

Queria ainda dar um pequeno esclarecimento em relação à pergunta feita pela Sr." Deputada Helena Torres Marques sobre a execução do PIDDAC em 1992: verificou-se uma execução a 100 %, dado que praticamente todo o dinheiro foi já levantado e utilizado, pois o seu saldo previsível é inferior a uma dezena de milhar de contos. Isto quer dizer que a sua utilização foi praticamente total e teve a ver com um aspecto específico que talvez o Sr. Secretário de Estado do Turismo possa referir depois. De qualquer forma o saldo é residual e não tem qualquer significado.

A Sr." Helena Torres Marques (PS): — Dá-me licença que o interrompa, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: — Faça favor, Sr." Deputada.

A Sr.' Helena Torres Marques (PS): — Sr. Secretário de Estado, havia uma verba que tinha ficado cativa em todos os ministérios. O Ministério do Comércio e Turismo não foi abrangido por essa medida?

O Orador: — É claro que foi! Sem contar com essa verba!...

A Sr." Hetena Torres Marques (PS): — Ficou, então, cumprido todo o PIDDAC, menos a verba que estava inicialmente prevista que é apenas para ficção.

O Orador: — Sr." Deputada, estava a referir-me ao cumprimento do PIDDAC, depois de retirada essa verba que ficou cativa.

Em relação às linhas do PIDDAC para 1993, que somam 2,5 milhões de contos no total, 2 milhões de contos são afectados à promoção externa de uma forma genérica, ou seja o que acontece é que, cada vez mais, estamos a considerar que uma boa parte das campanhas de promoção feitas no exterior são, efectivamente, um investimento plurianual. Daí que não haja uma especificação — e já iria entrar nesse aspecto —, ponto por ponto, da forma como irão ser utilizadas essas verbas, até porque toda a forma de funcionamento do ICEP e do seu próprio orçamento tem de ser feita cada vez mais, de uma forma flexível e em termos de contigência. E isto porquê? Porque o ICEP está, progressivamente, a ter outras fontes de financiamento, que têm, sobretudo, a ver com a possibilidade de acesso a fundos comunitários, que era algo que, praticamente, não existia e, neste momento, para o ano de 1993, já está assegurada uma dotação da Comunidade de, pelo menos, 700 000 contos, mas o montante poderá vir a ser maior.

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A Sr.' Helena Torres Marques (PS): — Só para o turismo ou também para o comércio?

O Orador: — Para ambos.

Aliás, até posso dizer-lhe que o programa que está aprovado pela Comunidade — a que o Sr. Ministro do Comércio e Turismo se referiu há pouco —, de 1 milhão de contos, sobre a imagem genérica do País, que será fundamentalmente orientado para países terceiros, portanto fora da Comunidade, concretamente os Estados Unidos e o Japão, tem claramente as duas componentes. No que se refere ao Japão insere-se em tudo o que tem a ver com a comemoração dos 450 anos da chegada dos Portugueses a essa zona do globo.

Trata-se, portanto, de uma campanha genérica, que não é directamente de turismo ou de comércio, mas que tem a ver com a promoção genérica de Portugal.

Mas esta possibilidade de recurso a verbas comunitárias — este ano, e pela primeira vez, o ICEP já recebeu directamente verbas provenientes de programas comunitários — obriga a que haja a contrapartida portuguesa desses mesmos investimentos e, por isso mesmo, uma boa parte do PIDDAC destina-se a este tipo de promoção genérica.

Ora, estarmos a afectar essas verbas, rubrica a rubrica, antes de sabermos quais irão ser os programas participados criava uma rigidez de actuação do ICEP que, no limite, o podia levar a não poder cumprir essas mesmas funções.

Já agora, refiro, muito rapidamente, um outro aspecto, que já vai existir em 1993, que tem a ver com determinadas rubricas e acções que irão ser feitas no âmbito do RETEX. Estas acções impõem que o ICEP tenha a comparticipação portuguesa, que é dada pelo seu PIDDAC, só que, neste momento — como sabe o programa está em discussão — não é possível especificar exactamente qual é a acção a desenvolver, porque se trata de um programa comunitário que está em início de discussão.

No que se refere ao que disse o Sr. Deputado Castro Almeida de que os incentivos no âmbito do PAIEP são débeis, mas que poderão aumentar no âmbito de um novo Quadro Comunitário de Apoio, devo acrescentar que, eventualmente, poderá haver mais incentivos no âmbito desse novo quadro, o que não quer dizer que a percentagem aumente, mas, sim, que haja é uma maior dotação orçamental para esses mesmos incentivos.

Penso, inclusivamente, que será muito difícil, na maior parte dos incentivos do PAIEP, haver grandes ajustamentos nas percentagens, porque, como sabem, isso implica uma derrogação, que tem de ser autorizada a nível comunitário. Pelo que conhecemos da prática dos diversos países, será difícil haver alterações nestas percentagens, podendo, no entanto, verificar-se um reforço orçamental dos montantes que são disponibilizados para esse fim.

Quanto à questão levantada de o ICEP não estar preparado para a internacionalização, penso que se tratou de um comentário, pois o ICEP está, desde há alguns meses a esta parte, a apetrechar-se nesta área, mas com certeza que precisará de uma mudança na sua forma de actuar e, inclusivamente, de algum reforço de quadros em áreas específicas. Claro que se houver, como esperamos que venha a haver, o que parece já estar a acontecer, uma muito maior sintonização dos nossos empresários para a área da internacionalização, o ICEP terá de apetrechar-se para responder cabalmente a essas necessidades.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Turismo.

O Sr. Secretário de Estado do Turismo (Alexandre Relvas): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou tentar responder, de uma forma sistemática, às questões que foram levantadas pelos Srs. Deputados Lima Amorim, Lino de Carvalho e Helena Torres Marques.

O Sr. Deputado Lima Amorim fez referência, em especial, à legislação sobre time-sharing, à lei hoteleira e à legislação sobre a actividade dos agentes de viagens.

O diploma sobre a actividade dos agentes de viagens tem sobretudo a ver com a transposição de uma directiva comunitária sobre as viagens organizadas, e neste momento está já agendado para Conselho de Ministros, pelo que, será publicado até ao fim do ano.

Se tiver interesse, posso apresentá-lo depois, em pormenor, dado o adiantado da hora. Todavia, posso adiantar que ele tem, sobretudo, a ver com a transposição da directiva comunitária e ainda com uma flexibilização da actividade dos agentes de viagens.

Por outro lado, nesse diploma, tentámos também salvaguardar um conjunto de situações relativas a transportes por parte dos agentes de viagens e esse terá sido um dos factores que levou a um atraso na apresentação a Conselho de Ministros.

Devo dizer-lhe ainda que se trata de um diploma que tem sido profundamente discutido com a Associação Portuguesa das Agências de Viagem e Turismo (APAVT) e que merece o total acordo dos parceiros sociais.

Em relação à legislação sobre time-sharing, concordo com o comentário que foi feito pela Sr.' Deputada Helena Torres Marques de que se trata de um diploma que vem atrasado, pois já o ano passado falámos nele. Esse diploma já se encontra pronto pelo Ministério desde meados deste ano, só que, como esteve em discusssão, em Bruxelas, como V. Ex." sabe e tem, com certeza, acompanhado, uma eventual directiva sobre o direito real de habitação periódica fomos protelando, por forma a termos mais informação relativamente a essa directiva e até, eventualmente, por forma a salvaguardarmos uma eventual publicação dessa directiva.

Neste momento, a presidência inglesa, que era uma das principais interessadas em aprovar essa directiva, não vai, com certeza conseguir fazê-la aprovar, e, portanto, como temos o diploma pronto, em Janeiro vai ser apresentado à Assembleia, pois há um domínio em relação ao qual é necessária autorização legislativa, que é o das contra-orde-nações, porque elas até 6000 contos não fazem sentido neste domínio.

Neste diploma há também alterações fundamentais em relação ao passado — e já tive até oportunidade de apresentá-las publicamente e aos Srs. Deputados —; no entanto, gostava de chamar a atenção de que nos preocupámos essencialmente com a defesa do consumidor em dois domínios: no campo da aquisição dos títulos, quer em termos de informação quer em termos de garantias e de cauções, que devem ser concedidas aos adquirentes, nomeadamente para restituição de sinais e para finalização do empreendimento, e na manutenção a prazo dos empreendimentos vendidos como time-sharing. Neste último caso, pensamos que a melhor solução é a que vamos propor, ou seja, a vinculação do promotor e do empresário ao empreendimento a prazo, obrigando-os a ficarem com, pelo menos, 40 % das unidades de alojamento.

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Transformamos, assim, o íime-sharing, que é um produto meramente financeiro ou imobiliário, num produto turístico. Penso que há um certo consenso em relação a estas medidas.

Devo dizer-lhe também que, no que diz respeito à legislação sobre agências de viagens, temos o total apoio dos parceiros sociais; no entanto, na legislação sobre time-sharing, já não podemos dizer a mesma coisa.

No que se refere à lei hoteleira, que é também um diploma urgente e que tem de ser visto com o maior cuidado, devo dizer que a sua feitura se encontra praticamente pronta e, por isso, julgo que em princípios do próximo ano poderá ser apresentado à Assembleia.

Também em relação a este diploma gostava de referir três ou quatro aspectos. Primeiro que tudo — e esta foi também uma preocupação que as pessoas que têm acompanhado o sector conhecem —, há uma grande diversidade de enquadramento legislativo em relação aos diversos tipos de empreendimentos; no entanto, o diploma pretende ser abrangente, isto é, tenta ter em linha de conta todo o tipo de empreendimentos turísticos.

Por outro lado, nos últimos anos, houve mudanças fundamentais em termos de ordenamento e, por isso, temos de as ter em linha de conta, nomeadamente no que se refere à aprovação dos planos directores municipais. Isto vai permitir desburocratizar significativamente o processo de autorização de empreendimentos turísticos, pois eles passam a ser apresentados nas câmaras, em vez de o serem na Direcção-Geral do Turismo, que afunila necessariamente, tendo em conta o volume de empreendimentos que hoje são realizados anualmente. Mas essa Direcção--Geral fica com a responsabilidade de emitir um parecer vinculativo relativamente aos empreendimentos.

Procuramos também flexibilizar as exigências, pois éramos demasiado exigentes em questões de pormenor. Nesse domínio, estamos também a estudar as soluções com as associações empresariais.

Depois, há problemas gravíssimos no sector do turismo, que se pretende que esta lei venha a perspectivar, que se prendem, sobretudo, com os aldeamentos turísticos e com o problema das estruturas a eles associadas. Esta é também uma área que está a ser trabalhada.

Portanto, trata-se de um diploma que, a meu ver, poderá ser apresentado à Assembleia em princípios do próximo ano. Terá de ser ouvida a Associação Nacional de Municípios Portugueses, mas estamos a trabalhar juntamente com as associações empresariais.

No domínio legislativo, uma outra preocupação que tivemos, ao longo deste ano refere-se aos estatutos das regiões de turismo, que foram negociados com todas elas. Neste momento, estão aprovados sete ou oito— não sei o número preciso —, mas pensamos, até ao fim do ano, aprovar os restantes em Conselho de Ministros.

O segundo domínio em relação ao qual gostava de responder tem a ver com o novo Sistema de Incentivos Financeiros ao Investimento no Turismo (SIFIT) e com o alojamento novo.

Julgo ser inquestionável, na situação actual que se vive no sector, que a prioridade não foi o alojamento novo, pois essa foi a prioridade dos úlümos quatro anos, e esteve correcto, quer em termos da evolução que ocorria em termos internacionais, quer em termos do alojamento que havia no nosso país.

Neste momento, temos recursos limitados e, por isso, as duas grandes prioridades que se nos colocam são a modernização e o reequipamento das unidades hoteleiras e o

desenvolvimento de estruturas de animação. Estas foram prioridades consensuais em termos dos parceiros sociais.

De qualquer forma, gostava de dizer que o novo SIFIT prevê 20 % das verbas para alojamento novo, ou seja nos próximos dois anos prevê quatro milhões de contos de apoio, o que significa apoiar, nesse período dè tempo, um total de investimento em alojamento'novo da ordem dos 16 milhões de contos.

Para além desse aspecto, penso também que o sistema de incentivos não deve ser visto de forma isolada, pois insere-se no que chamamos o quadro de apoio financeiro ao investimento no sector do turismo, e desviámos uma parcela significativa dos apoios para alojamento novo para os financiamentos bancários, ou seja os financiamentos comparticipados pelo Fundo de Turismo, mas a realizar pela banca. Nesse domínio continua-se a apoiar também o alojamento novo.

Quero ainda referir — e esta é uma preocupação fundamental que temos — que, em termos de alojamento novo, o apoio oficial — e cada vez pensamos que é necessário acentuar mais este ponto — deve ser dado a novo alojamento que tenha a ver com a recuperação do património, seja ele histórico, cultural ou arquitectónico. Essa já foi uma prioridade. No novo SIFIT apoiamos este aspecto, e fazemo-lo através desta parcela de 20 %, damos um prémio quando ele tenha a ver com a recuperação do património e, cada vez mais, queremos reforçar essa vertente. Penso que, neste momento, com a excepção de Beja, existem múltiplos hotéis em todas as capitais de distrito, pelo que o País está, na generalidade, coberto. Neste momento, quem quer fazer alojamento novo que não tenha a ver com recuperação de património no sentido em que referi deverá fazê-lo em termos normais, em termos de funcionamento do mercado.

Relativamente à questão sobre a promoção turística, colocada pelos Srs. Deputados Helena Torres Marques e Lino de Carvalho, devo dizer que, depois da integração do IPT no ICEP, houve profundas conversas com as associações empresariais e com os representantes das regiões de turismo e o ponto central dessas discussões foi o de saber se o sector do turismo mantém ou não uma especialidade e uma individualidade. Apesar da necessidade de racionalizar estruturas, de coordenar as acções de promoção, sempre foi por nós referido, e é essa a nossa intenção, que deve haver uma especificidade, uma individualidade do sector do turismo, deve-se reconhecer a sua própria natureza.

Nesse sentido, o ICEP tem um vice-presidente específico e um departamento próprio para o sector do turismo e, no âmbito do seu plano de actividades e do seu orçamento, tem um plano de actividades e um orçamento para o sector do turismo.

Tive oportunidade de responder, quando falámos na primeira reunião, sobre a política de promoção e as alterações a essa política pelo que não iria agora falar sobre esse assunto. De qualquer modo, gostava de dar alguns pormenores sobre as verbas que a Sr.' Deputada pediu.

O orçamento global de promoção do sector do turismo é de 3,5 milhões de contos e é superior ao do ano passado em cerca de 10 %. Este orçamento tem duas origens de fundos, embora como já foi referido, seja hoje difícil, relativamente ao ICEP, definir essas origens: por um lado, as transferências para promoção do Fundo de Turismo, que já vêm sendo realizadas há alguns anos e que este ano ascenderão a 2,5 milhões de contos, que é sensivelmente o mesmo valor do ano passado e, por outro lado, 1 mi-

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lhão de contos de verbas do PIDDAC, a verba a que fez referência.

Em termos genéricos, dir-lhe-ia quais são as principais acções que vão ser levadas a cabo. Há 1,55 milhões de contos destinados à promoção internacional. Mais tarde, posso dar-lhe, se quiser, a repartição deste 1,55 milhões de contos por mercado ou por tipo de acções.

A Sr." Helena Torres Marques (PS): — Quando diz «internacional» quer dizer fora da Comunidade?

O Orador: — Quero dizer dentro e fora da Comunidade. Estes 1,55 milhões de contos englobam os 250 000 contos que constituem a comparticipação portuguesa a juntar às verbas comunitárias para as campanhas no Japão e nos Estados Unidos, bem como toda a promoção feita na Alemanha e na Inglaterra. Este é um aspecto que me parece importante, pois a distribuição destas verbas tem a ver com a nossa preocupação, a dois ou três níveis, de diversificação de mercado: em primeiro lugar, pretendemos reforçar o mercado de Espanha, tendo em conta a necessidade de este país ser crescentemente tratado como mercado interno; a preocupação de reforçar o mercado que a Alemanha representa porque, apesar de recebermos 1 milhão de turistas, é um mercado que tem um enorme potencial; finalmente, temos a preocupação de começarmos a tirar partido de dois outros mercados — o da França e o da Itália. Também já tivemos oportunidade de trocar impressões sobre este domínio.

Em termos do mercado interno, reforçamos significativamente a verba em relação ao ano anterior. Esta é uma das grandes prioridades no próximo ano, por razões que têm a ver até com a necessidade de compensar a situação internacional. A verba prevista para promoção do mercado interno, para as feiras internas, para eventos de animação fora de Lisboa e do Porto — nós participamos em alguns eventos de animação em Lisboa e Porto, mas temos uma campanha com as regiões de turismo que, pela primeira vez, está a ser preparada pela Secretaria de Estado da Cultura, pelas regiões de turismo e pela Secretaria de Estado do Turismo — é de 850 000 contos.

Estamos também a renovar todo o material, a sistematizar, e a verba para isso é de 350 000 contos. Esta era também uma das nossas prioridades e é um grande esforço que se vai fazer.

Uma das vertentes em termos de promoção, para a qual tive oportunidade de chamar a vossa atenção na última reunião, e que representa o caminho que devemos seguir futuramente, porque no passado estivemos demasiado centrados na promoção genérica é uma promoção feita em termos de produtos, feita pelo sector empresarial. Para isso, lançámos uma figura, que está a ter algum sucesso em termos empresariais, que são os programas de promoção conjunta. Não são programas feitos pelo ICEP nem promovidos pelo Estado, mas, sim, promovidos pelo sector empresarial, por empresas do sector, por exemplo, por hoteleiros, por grupos de hoteleiros homogéneos, em função da natureza do produto oferecido, da sua localização, da qualidade do serviço que é prestado, por agentes de viagens, pela TAP, por empresas de aluguer de automóveis. Aparecem agora os primeiros programas, em que nós comparticipamos desde que sejam programas a prazo e que mereçam o nosso total acordo. Este ano prevemos uma verba inicial de 200 000 contos no nosso orçamento para começar a apoiar estes programas, embora pense que nos

próximos anos essa verba vai ter uma evolução significativa.

Outro domínio em que estamos a apostar é nos grandes congressos de agências de viagens em Portugal. Este ano já temos investimentos nesse domínio, quer do congresso da ASTA, que será o maior evento de sempre de promoção de Portugal nos Estados Unidos— vêm 6000 agentes de viagens norte-americanos a Portugal em 1994 — quer do congresso da SNAV, dos agentes de viagens franceses e brasileiros. O conjunto de investimentos neste domínio, que vamos realizar este ano, ronda os 160 000 contos, que tem a ver, sobretudo, com a ASTA e com os investimentos no seu domínio.

Depois temos uma verba, que é táctica nos termos da qual já começámos a trabalhar em 1992, que fica disponível e que não é afecta de imediato, que vai ser afecta conforme a evolução dos mercados, pelo que permite fazer campanhas de última hora em alguns mercados, de acordo com o que os grandes operadores e os nossos centros de turismo nos indicam. Nós estimámos essa verba com um valor de 400 000 contos.

Julgo que respondi, pelo menos genericamente, à sua questão.

Quanto às escolas hoteleiras, e em relação à Escola do Estoril, a verba que estava prevista no PIDDAC foi, como disse o Sr. Secretário de Estado, utilizada em pleno e estava relacionada com a biblioteca e não com a construção da escola. Quanto à Escola Hoteleira do Algarve, abandonámos o projecto de Vilamoura, em relação ao qual estão investidos 600 000 contos e cujo custo global era da ordem dos 4 milhões de contos, e em alternativa procedemos à compra do Convento de São Francisco, em Faro, o antigo Quartel de Infantaria. O valor global desta compra ao Ministério da Defesa foi de 900 000 contos, e o investimento total não ultrapassará 1,5 milhões de contos. O terreno da escola de Vilamoura foi cedido pela LUSOTUR — Sociedade Financeira de Turismo, S. A., para a realização de uma escola. Estamos em contacto com a LUSOTUR, para nos permitir a venda das infra-estruturas do projecto inicial da escola de Vilamoura a uma outra entidade, e com várias entidades dentro do Estado, mas uma das nossas preocupações é vender aquela infra-estrutura. O investimento global, como lhe disse, foi de 600 000 contos, dos quais cerca de 300 000 foram comparticipados pela Comunidade.

Em relação a outra das questões que colocou, sobre o inventário de recursos turísticos, os trabalhos já estão em curso: foi lançado o concurso público, foi feita a adjudicação, também já foram lançados os trabalhos em relação ao software, e é um trabalho que vai prosseguir e acabar no próximo ano. O investimento global, em termos do PIDDAC, foi de 55 000 contos este ano e será da mesma ordem no próximo ano.

Há ainda mais dois pontos que quero abordar: a questão do IVA turístico e a da ENATUR.

Em relação ao IVA turístico, mantemos a mesma fórmula que se manteve no ano passado: assegurar às regiões de turismo a manutenção de um mínimo de receitas. Quero apenas fornecer alguns números, Sr." Deputada — que têm a ver com o requerimento que foi apresentado, não sei se tem conhecimento, pelo Sr. Deputado Miranda Calha, ao qual respondi —, só para lhe chamar a atenção de um aspecto: as regiões de turismo, em 1985, no último ano em que foi cobrado o imposto de turismo, receberam 600 000 contos desse imposto; em 1991, receberam 1,751 milhões de contos; este ano vão receber 1,85 milhões de

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contos. Ou seja, as regiões de turismo tiveram um acréscimo das suas receitas, em termos reais, depois de descontada a inflação, da ordem dos 6,5 % ao ano, ao longo destes últimos seis anos. Julgo que a formula encontrada, apesar de se discutirem as relações que foram analisadas no passado, não prejudicou, de forma nenhuma, as regiões de turismo.

Em relação à ENATUR, quero corrigir um aspecto: a ENATUR foi transformada em sociedade anônima, mas ainda não foi privatizada. Há dois aspectos essenciais da actividade da empresa a que eu gostava de fazer referência e que estão relacionados com o plano de investimentos. Este ano avançou-se com um conjunto de projectos que estavam parados, e que vinham de anos anteriores, e salientava sobretudo dois: o Convento de São Francisco, sobre o qual já falámos, em Beja, e o Mosteiro da Flor da Rosa, no Crato. Está em curso o projecto do Castelo do Alvito e uma série de obras de remodelação. Este plano de investimentos, que, como sabem, é ambicioso, tem em vista tirar partido do PRODIATEC, da possibilidade de comparticipação das obras em 50 % pela Comunidade, o que implica da nossa parte um plano de investimentos, que está também em curso, embora, reconheça, atrasado. Temos por objectivo a venda das instalações da ENATUR que são postos de fronteira, a venda das Termas de Monchique e a venda do Hotel Eva. O concurso dos postos de fronteira está em curso. Quanto às termas de Monchique, já foi feita a avaliação, pelo que estamos em condições de vender, só que este não é o melhor momento para proceder à sua alienação, embora seja uma das nossas preocupações. Em relação ao Hotel Eva estamos a trabalhar com a RNIP — Rodoviária Nacional, Investimentos e Participações, S. A., que é proprietária dos restantes 50 %, para também procedermos à sua alienação, visto que é um hotel que não tem nada a ver com o serviço que a ENATUR tem para prestar.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Distribuição e Concorrência.

O Sr. Secretário de Estado da Distribuição e Concorrência: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, desejo, quase telegraficamente, fazer alguns apontamentos sobre algumas questões que foram levantadas.

A primeira, sobre a comissão do controlo do contrabando de gado e da Inspecção Económica e a forma como tem evoluído a reestruturação que está a ser feita na Ins-pecção-Geral das Actividades Económicas. Com a emergência do Mercado Único e com a abolição dos controlos alfandegários, é evidente que a própria palavra «contrabando» perde algum sentido, sobretudo, como é evidente, no âmbito do comércio comunitário. A actividade da Inspecção Económica tem sido — e o ano de 1993 vai ser um período de salto claro nesse sentido— a de intervir muito mais preventivamente do que a posteriori e julgando casos concretos de delitos económicos. A actividade da Inspecção Económica que, em 1992, fez cerca de...

O Sr. António Campos (PS): — A questão do contrabando é sempre a questão da sanidade.

O Orador: — E refiro ainda algumas estatísticas, nomeadamente o facto de o crescimento das inspecções feitas pela Inspecção Económica de 1992 para 1993 ir atingir cerca de 4,7 % e de as inspecções ligadas ao sector da carne —e dentro deste sector, quase exclusivamente ao

sector da sanidade — ocuparem 20 % do total dessas visitas. Esta é uma das nossas prioridades, mas há várias, todas situadas no campo da saúde e sempre o mais possível a montante para que possamos intervir da forma mais genérica possível neste sector das carnes.

A Inspecçao-Geral das Actividades Económicas está atenta a este problema, e dentro das suas prioridades, ocupando 20 % das inspecções, está o sector das carnes, nomeadamente o dos alimentos compostos para animais. Poderei depois dar-lhe informações precisas...

O Sr. António Campos (PS): — Não há um único cidadão que tenha sido preso por causa das hormonas, e há milhares de produtores a produzirem gado de carne com hormonas! Como é que pode ser?

O Orador: — Sr. Deputado, posso informá-lo das visitas que estão programadas. Evidentemente que a maior ou menor eficácia da Inspecção Económica depende deste trabalho que está a ser realizado e, embora não queira alongar-me muito, sempre lhe digo que no sector das carnes as visitas vão ser realizadas trimestralmente. Esperamos que com este tipo de operações previamente planeadas poderá tomar-se eficaz a acção da Inspecção Económica.

Para além disto, devo dizer-lhe que noutros sectores também ligados à saúde, como é o campo da restauração, neste ano, durante o Verão, porque se tratou de uma actividade planeada em conjunto com o Ministério da Saúde, conseguiram-se efeitos práticos muito interessantes. Por isso mesmo, para o próximo ano, já temos programada toda a actividade da Inspecção Económica onde, como primeira prioridade, avulta a sanidade e, nomeadamente, o sector das carnes.

Quanto ao problema levantado sobre os mercados abastecedores, confirmo ao Sr. Deputado que, de facto, a Sociedade Instaladora dos Mercados Abastecedores, criada por decisão da AGA (Administração Geral do Açúcar e do Álcool), tem o capital cujo montante é o que leu e que, na verdade, é relativamente elevado. No entanto, não quero deixar de dizer-lhe que o referido capital não é suficiente para fazer face a todo o investimento necessário que queremos realizar, pelo que teremos a participação de outros parceiros. Assim, já temos o acordo da Câmara Municipal de Lisboa no que diz respeito ao projecto em que estamos mais empenhados e, provavelmente, também teremos o apoio das outras autarquias que poderão ser servidas pelo mercado abastecedor.

O Sr. Deputado perguntou igualmente quais serão, para além do de Lisboa, os outros mercados abastecedores. Respondo-lhe que a Comissão Interministerial dos Mercados Abastecedores já se debruçou sobre o problema, tendo indicado diferentes localizações que merecem o nosso apoio, a saber: Braga Porto — este com apoios muito inferiores aos que estão previstos para os outros mercados, dado já estar em funcionamento —, Coimbra e Faro. Portanto, a médio prazo, a referida Sociedade Instaladora dos Mercados Abastecedores intervirá nestas localizações que apontei.

Por último, houve uma questão sobre os regimes de preços, levantada pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca. Muito rapidamente, respondo-lhe que liberalização dos regimes de preços significa acabar com os últimos regimes de preços não livres que ainda existem, embora já sejam muito poucos.

Neste domínio, a filosofia do Ministério do Comércio e Turismo tem sido no sentido de reservar regimes tíe

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preços diferentes dos regimes livres para situações de não concorrencialidade. Isto quer dizer que em sectores onde exista um monopólio ou um grande grau de dominação por parte de um número de empresas relativamente restrito, o cuidado que tomamos com os preços é, evidentemente, muito superior, também porque, nestes casos, a concorrência se estabelece muito menos no sentido de baixar os preços.

Aliás, nos últimos seis meses, foram dados alguns passos quanto à liberalização de alguns regimes de preços que ainda vigoravam, nomeadamente dos cimentos, das margens de comercialização dos leites dietéücos, dos ovos, dos frangos, etc. E se quiserem traçar uma relação de causa/ efeito entre regimes de preços e inflação, penso que verificarão que não existe, nem no curto prazo, a não ser em casos muito especiais, relativamente aos quais ainda não houve qualquer excepção.

A Sr.' Helena Torres Marques (PS): — Sr. Secretário de Estado, desculpe interrompê-lo, mas quero pedir-lhe um esclarecimento.

Relativamente à questão de monopólios e de controlos de preços, gostaria de saber o que o Govemo está a pensar fazer quanto à EDP e aos TLP, em que existe um regime de monopólio, não há controlo e, ainda por cima, sabemos que os valores dos consumos a facturar são estabelecidos por estimativa.

O Orador: — Sr.' Deputada, a generalidade dos regimes de preços de monopólios estatais é negociada com convenções. Por exemplo, no caso da Marconi, embora não seja um monopólio estatal, existe uma convenção celebrada com a Direcção-Geral de Concorrência e Preços que atende às argumentações da empresa e, depois, admite ou não os preços. Neste momento, também se encontra em estudo e negociação a convenção da EPAL. Portanto, trata-se de situações normais para tentar dirimir interesses que, às vezes, são divergentes.

A Sr.° Helena Torres Marques (PS): — Sr. Secretário de Estado, isso quer dizer que, por exemplo, continuamos a pagar os consumos de electricidade elaborados por estimativa?

O Orador: — Sr.* Deputada, esse tipo de relação que se estabelece entre a empresa e o consumidor é algo em que não intervêm os regimes de preços. Assim, não existe uma intervenção directa da nossa parte e, quando muito, cairá no âmbito do Instituto Nacional da Defesa do Consumidor. Aliás, é este Instituto que tem intervindo de cada vez que há necessidade de esclarecer algumas formas de apresentação dos preços.

A Sr." Helena Torres Marques (PS): — Continua tudo na mesma!

O Sr. Presidente: — Sr. Secretário de Estado, muito obrigado pelos seus esclarecimentos.

Para terminar, tem a palavra o Sr. Ministro do Comércio e Turismo.

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, em primeiro lugar, quero agradecer a possibilidade de, nesta reunião, ter aprofundado o orçamento do Ministério do Comércio e Turismo e as respectivas linhas principais de actuação para o ano de 1993.

O Sr. Presidente perguntou — e creio ser uma pergunta muito pertinente — se o orçamento para 1993 é suficiente, face às expectativas de evolução da economia, quer internacional quer nacional.

Esta é uma pergunta sempre difícil de responder. Fechar um orçamento é um exercício de opções e de compromissos e, simultaneamente, é um misto de arte e de arbitragem. Sem dúvida que vivemos um momento em que a contenção da despesa pública não pode deixar de constituir uma prioridade da política económica do Govemo e

a sua consequência imediata tem a ver com a reduçáo do défice orçamental.

Se o orçamento de um ministério é o desejável, creio que é uma pergunta a que nenhum ministério daria uma resposta 100% posiüva. Seguramente, todos nós desejaríamos ter mais meios e recursos para desenvolver mais acções ou, pelo menos, desenvolvê-las com maior rapidez. Mas este é, de facto, o orçamento possível e creio que é razoável.

Face às limitações dos dinheiros públicos, temos tido a preocupação de encontrar fontes alternativas de financiamento de todo um conjunto de acções de apoio à actividade empresarial, quer no que diz respeito a apoio promocional quer, designadamente, quanto a acções estruturantes em programas de incentivo.

Creio que, desde há alguns anos, o Ministério do Comércio e Turismo vem desenvolvendo a tese de que importa inovar no que diz respeito aos instrumentos de apoio à acüvidade empresarial, por um lado, alargando o universo através da participação das instituições vocacionadas para certo tipo de acções, designadamente as instituições financeiras, por outro lado, incentivando o capital de risco, promovendo alguma alteração cultural na actividade empresarial em Portugal e, principalmente, estimulando o associativismo. Trata-se de três tipos de acções que julgamos determinantes.

No que toca ao alargamento do universo, procuramos utilizar os dinheiros do Estado, designadamente através da criação de sistemas de apoio financeiro protocolados com as tais instituições vocacionadas, onde os dinheiros públicos são utilizados para criar condições mais favoráveis aos empresários e, com isso, simultaneamente, diminuir as tais desvantagens comparativas que referi no início da minha intervenção. Creio que esta é uma acção extremamente inovadora e que, de facto, tem tido resultados que podemos considerar positivos.

Por exemplo, o Programa de Apoio à Internacionalização das Empresas Portuguesas foi praticamente todo concebido na óptica que tenho estado a referir. Não há, propriamente, verbas retiradas do Orçamento do Estado para apoiar aquele Programa e o seu financiamento é feito através da criação de fundos específicos de capital de risco, obtidos junto de entidades para tal particularmente apetrechadas, é feito através da aplicação de verbas resultantes da extinção de certos organismos de coordenação económica que permitem adoptar condições mais favoráveis nas linhas de crédito protocoladas com as instituições bancárias e, simultaneamente, utilizando como instrumento de fomento certas instituições do sector público, como é o caso do IPE, que, sem dúvida terá uma acção muito especial a desenvolver nesta matéria.

Como já aqui foi dito pelo Sr. Deputado Castro Almeida, hoje em dia, o Programa de Apoio à Internacionalização das Empresas Portuguesas está a merecer uma receptividade bastante grande por parte da classe empresaria] e os membros do Governo já receberam bastantes

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propostas de projectos, quer no domínio da comercialização e distribuição quer no do investimento português no exterior e, designadamente, no espaço ibérico. Isto pode vir a requerer algum reforço destes instrumentos em termos da utilização dos fundos de capital de risco, que, eventualmente, serão exíguos se todas estas manifestações de interesse Yierem a verificar-se.

Passo agora à Sr." Deputada Helena Torres Marques,

que criticou o facto de haver alguma legislação já anunciada há algum tempo e ainda não concretizada. Respondo que os dois principais diplomas que temos entre mãos neste momento— a lei da concorrência e a lei da hotelaria — são diplomas cuja aplicação vai fazer-se sentir a um prazo que se deseja o mais longo possível, já que, por princípio, a legislação deve ser estável e o mais clara e transparente possível.

Com efeito, o processo de elaboração destas leis tem levado muito tempo, devido aos pareceres que temos procurado colher junto de especialistas e dos parceiros sociais, pelo que têm vindo a ser sucessivamente aperfeiçoadas. Neste momento, a lei da concorrência está pronta vai ser discutida numa das próximas reuniões do Conselho de Ministros e será apresentada a esta Assembleia ainda neste ano.

Por sua vez, a lei da hotelaria sofreu uma alteração significativa, em função de alguns elementos que recolhemos e eu próprio pensava apresentá-la à Assembleia da República igualmente no mês de Dezembro. No entanto, uma vez que ainda tem de ser submetida a Conselho de Ministros, já não é muito provável que dê entrada na Assembleia no final deste ano, mas sim, seguramente, no princípio do próximo.

Passo às questões levantadas pelo Sr. Deputado António Campos e que têm a ver com a eventual concretização das negociações do GATT.

Nesta matéria, importa clarificar duas questões de base. Em primeiro lugar, as negociações entre a Comissão e o Governo dos Estados Unidos, recentemente concluídas em Nova Iorque, ainda necessitam de ser ratificadas pelo Conselho de Ministros da Comunidade. A Comissão, que é o organismo negociador por parte da Comunidade, tinha um mandato, realizou as negociações e chegou a um acordo. Agora tem de provar, junto dos Estados membros, que essas negociações foram concluídas no âmbito do mandato que tinha. Portanto, na próxima segunda-feira em sede de Conselho de Ministros da Comunidade, a Comissão vai apresentar o seu relatório sobre o estado das negociações do Uruguay Round.

Ainda em relação ao dossier da agricultura falta dizer que se forem aceites pela Comunidade as conversações com os Estados Unidos, levadas a efeito e concluídas pela Comissão, ainda têm de ser apresentadas a nível de discussão multilateral, em Geneva, porque correspondem a uma alteração ao que era a proposta do director-geral do GATT, pelo que têm de ser aprovadas por todas as outras 106 Partes Contratantes. Portanto, ainda falta um processo que não é fácil, que é complexo. Aliás, o Sr. Deputado sabe muito bem que há o grupo carnes tem interesses específicos neste domínio e, obviamente, tem de manifestar a sua posição em relação ao desbloqueamento previsto entre a Comunidade e os Estados Unidos.

Para além disto, há outros aspectos cruciais das negociações que ainda não estão concluídos, dos quais o mais importante é o acesso aos mercados. Aqui o problema do calçado tem, de facto, as suas implicações e é particularmente relevante para a indústria europeia.

Por exemplo, uma das questões principais das conversações, não só com os Estados Unidos mas também com os países do Extremo Oriente, é a da redução significativa de direitos que incidem sobre o calçado nesses países, o que poderá beneficiar fortemente a indústria europeia de calçado.

Por outro lado, a defesa, dentro da Comunidade, da penetração de indústrias de calçado de outros países tem muito a ver com outros dois dossiers que também não estão ainda fechados: o dossier regras e disciplinas e o dossier subvenções, de maneira a poder assegurar, por formas expeditas e eficazes de actuação, que são capazes de evitar a aplicação não apenas de medidas anti-dumping, mas evitar todas as formas de cópia de marcas, de estilos, etc., que são utilizadas indevidamente, sem pagamento das respectivas royalties ou das respectivas tecnologias.

A acrescer a estes dois factores, um terceiro elemento novo foi sugerido na última reunião informal do Conselho de Ministros do Comércio da Comunidade, em particular pela França e por Portugal. Pensamos que a políüca comercial europeia tem de ser reforçada no domínio dos mecanismos de vigilância e defesa próprios contra práticas encobertas de concorrência, a acrescer aos mecanismos do GATT. E em consequência dessa proposta da França e de Portugal, também nesta sessão de segunda--feira do Conselho de Ministros dos Assuntos Gerais, a Comissão vai apresentar um dossier sobre esse domínio com uma proposta de actuação.

No que diz respeito ao problema da promoção turística o Sr. Secretário de Estado do Turismo desenvolveu e até apresentou uma divisão, por acções, das verbas previstas para o próximo ano. Devo dizer que na menção referida às verbas de acções específicas, estas cobrem exclusivamente aquelas que são realizadas pelo ICEP, mas convém não deixar de tomar em consideração todo o conjunto integrado e global de meios postos à disposição conjuntamente pelas regiões de turismo, pelos próprios agentes do sector, pelos operadores e pelo ICEP.

Uma palavra adicional para a utilização das contrapartidas de jogo, parte das quais também têm aplicação directa no domínio da promoção do turismo, que não é nada irrelevante.

Uma última menção ao problema dos circuitos de distribuição, visto que, segundo creio, os Srs. Secretários de Estado responderam praücamente a todas as questões, pelo menos de acordo com as notas que fui tomando. E na realidade uma das matérias onde mais necessitamos de uma acção de desenvolvimento acelerada e que é extremamente penalizadora para o sector da agricultura. Vivemos em Portugal com enormes dificuldades no que respeita a circuitos de distribuição eficazes que não causem desperdícios exagerados que conduzam a margens de comercialização que muitas vezes não têm justificação.

Da parte do Ministério do Comércio e Turismo, uma vez que os mercados de origem são fundamentalmente da competência do Ministério da Agricultura importa por um lado uma acção de sensibilização dos agentes económicos na necessidade de investir nestes domínios e, por outro lado, a criação dos mercados abastecedores. Em complemento ao que o Sr. Secretário de Estado da Distribuição e Concorrência afirmou, apenas gostaria de referir que no processo de privatização da Administração Geral do Açúcar e do Álcool (AGA) foi feito o destaque de todo o seu património imobiliário superior a 3 milhões de contos. E é exactamente o valor correspondente a essa cisão que

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vai ser aplicado no financiamento da constituição dos mercados abastecedores.

Nos mercados abastecedores é necesssário, e do maior interesse, o envolvimento das autarquias, bem como o envolvimento dos empresários privados. Estamos neste momento a trabalhar intensamente na aceleração do processo com toda a área metropolitana de Lisboa, com particular relevância para as Câmaras Municipais de Lisboa e Loures. E penso que, finalmente, estamos em condições, depois de muitas discussões, de muitas conversações e de muito de-mí&Tessz da parle de outras entidades que deveriam ser as primeiras a desencadear o processo, para finalmente podermos ter o mercado abastecedor em Lisboa, embora, obviamente num prazo que não poderá ser imediato, visto que o arranque do mercado abastecedor, mesmo com o imediato desenvolvimento destas acções, não vai ser seguramente realizado antes de 1995.

O Sr. António Campos (PS): — Sr. Presidente, coloquei uma pergunta ao Sr. Ministro e, não estando satisfeito com a resposta, pretendia ficar a saber algo mais sobre o assunto.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Campos (PS): — Sr. Ministro do Comércio e Turismo, relativamente à questão dos acordos do GATT, agradeço-lhe a descrição pormenorizada que nos deu do que vai acontecer, mas a pergunta que coloquei era se existia uma avaliação do impacte no sector da fruta das carnes e do calçado. Porque o Governo tem de estar preparado para dizer sim ou não. E com certeza que, antes de dizer sim ou não, fará uma avaliação rigorosa do impacte directo dos acordos do GATT nas carnes, nas frutas e no calçado, e é essa avaliação que pretendo conhecer.

O Sr. Presidente: — Para acrescentar mais alguma coisa se o considerar necessário, tem a palavra o Sr. Ministro do Comércio e Turismo.

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: — Sr. Presidente, apenas gostaria de dizer ao Sr. Deputado António Campos que, em primeiro lugar, para fazer esse estudo e apresentá-lo, é necessário, como referi, que a Comissão apresente o relatório sobre as condições em que considera que a Comunidade deve concluir o acordo do Uruguay Round. A Comissão vai apresentar, pelo menos, a primeira parte desse relatório na próxima semana. Ainda não é possível tirar todas as conclusões daquilo que se pensa ser o quadro global da negociação. Apenas direi ao Sr. Deputado, neste momento, que para os interesses portugueses, a avaliação detalhada que fizemos das condições que a Comissão terá acordado com os Estados Unidos, mas que não conhecemos em detalhe e que neste momento ainda não são definitivas em termos de Uruguay Round, é no sentido de que tais condições são particularmente positivas para o caso concreto do nosso país.

O Sr. Presidente: — Sr. Ministro e Srs. Secretários de Estado, agradeço a presença de VV. Ex." e os esclarecimentos que prestaram e também o empenho colocado pelos Srs. Deputados nesta útil discussão.

Srs. Deputados, iremos continuar às 15 horas com a audição do Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais, a que presidirá o Sr. Vice-Presidente.

Está interrompida a reunião. Eram 13 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Srs. Deputados, vamos reiniciar os nosso trabalhos.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados, quero chamar a vossa atenção para o facto de que, para além desta audição com o Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais, que estava marcada para as 15 horas, ainda teremos mais duas, uma às 17 horas, com o Sr. Ministro da Justiça e outra às 18 horas e 30 minutos, com a Sr." Secretária de Estado da Juventude. O nosso timing não é muito apertado, mas obriga-nos a sermos suficientemente concisos para que possamos efectuar estas três reuniões conjuntas da Comissão de Economia, Finanças e Plano com outras comissões aqui presentes.

Como é hábito, vou dar a palavra ao Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais para uma explanação inicial, posteriormente os Srs. Deputados colocarão as questões que entenderem e no fim o Sr. Ministro dará as suas respostas.

Tem, pois, a palavra o Sr. Ministro do Ambiente e dos Recursos Naturais.

O Sr. Ministro do Ambiente e dos Recursos Naturais (Carlos Borrego): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, hoje não vou, com certeza repetir aquilo que já no outro dia tive oportunidade de dizer no Plenário acerca das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1993 no que respeita ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, particularmente na área do ambiente, dos recursos naturais e da defesa do consumidor. De qualquer maneira, vou-me permitir recordar duas ou três ideias fundamentais para as enquadrar precisamente em relação ao detalhe de alguns números do Orçamento que referirei ao longo da minha intervenção.

Daí que, perante aquilo que foi, de facto, o grande objectivo da política de ambiente do actual governo — integrar a componente ambiental no desenvolvimento global do País e, de algum modo, considerando também as condicionantes do enquadramento nacional e internacional —, vamos manter a linha que temos vindo a definir ao longo deste ano através das três palavras chave do lema de intervenção deste Ministério, que são exactamente o prevenir, preservar e recuperar. O prevenir, na linha de impedir a degradação; o preservar, para potenciar a boa qualidade ambiental que ainda temos em Portugal; o recuperar, porque infelizmente há que reparar situações degradadas.

E neste contexto, que pretendemos moderno e realista, por um lado, antecipativo e compatível com a situação do País, por outro, identificamos três vectores estratégicos que consideramos como complementares e que são determinantes do saldo qualitativo da política de ambiente do XII Governo.

Primeiro vector: institucionalizar a economia do ambiente, com o que pretendemos dizer, criar novos instrumentos económicos e financeiros que substituirão o conceito de política de ambiente financiada pelo contribuinte.

Segundo vector: integrar o ambiente nas políticas sectoriais, com o que pretendemos reforçar a articulação entre a política de ambiente e as políticas sectoriais, não ignorando, no entanto, a lógica sectorial de actuação na área do ambiente.

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Terceiro vector: menos Estado, melhor Estado, em que pretendemos reservar para o Estado um papel essencialmente incentivador, regulador e arbitral, transferindo progressivamente para a sociedade civil tarefas para as quais se encontra mais vocacionada.

Dentro desta linha estabelecem-se prioridades e instrumentos de intervenção que, necessariamente, são aquelas ttês grandes áreas que já tenho vindo a definir e que na última intervenção em Plenário tive a oportunidade de detalhar. São elas as áreas de intervenção da política, a política da água, a política de valorização e conservação dos espaços naturais e a política de informação e educação ambiental.

Ao nível dos instrumentos merecem, para nós, prioridade absoluta três instrumentos fundamentais, que são, aliás, utilizados na linha destas prioridades políticas que referi e que concretizam, também, o lema do prevenir, preservar e recuperar. São eles o pacto ambiental, os instrumentos económico -financeiros e a empresarial ização e modernização do Ministério. Ou seja, estamos a gerir o ambiente pensando no futuro. É esta a lógica que tem presidido à intervenção na área do ambiente e dos recursos naturais neste govemo, e que, aliás, corresponde às justas expectativas dos Portugueses.

Não vou entrar em detalhes. Sabemos bem que cada uma das áreas que foram aqui referidas necessita de uma intervenção importante. Temos tido algumas dificuldades, como sabemos, na área ambiental, particularmente nos nossos cursos de água. Isto resulta da necessidade de melhorar a qualidade da água que fornecemos aos Portugueses e, inclusive, de garantir cada vez mais rios e praias limpos. Na última intervenção tive oportunidade de dizer que 25 % das águas do comprimento total dos rios portugueses estão classificadas de mediana a muito poluídas. 25 % das praias portuguesas apresentam águas de má qualidade. Apenas 75 % da população portuguesa está abrangida pela distribuição de água ao domicílio, enquanto na Comunidade, sabemo-lo, esta percentagem é de 95 %. 55 %

dos portugueses são servidos por redes de esgotos quando essa percentagem é, em média de 86 % nos países da CEE, o que mostra bem como é necessário intervir na área da política da água.

Fizeram-se grandes esforços nos últimos anos e, felizmente, a situação tem vindo a melhorar, pois conseguimos inverter a tendência de agravamento desta situação. Todavia, reconhecemos que ainda não foi atingido o nível desejado num sector de tão grande importância, principalmente, para a protecção da saúde e do bem-estar dos Portugueses. Queremos ir mais longe, é esse o objectivo desta política da água e impõe-se, por isso, a continuação e até mesmo o acréscimo de esforços.

Em relação à valorização e conservação dos espaços naturais, tive a oportunidade de referir que entendemos que as áreas protegidas têm um papel fundamental na preservação do nosso sistema biológico e até da nossa biodiversidade. Portugal é um dos países da Europa com maior biodiversidade, queremos mantê-la e guardá-la, mas também entendemos que as áreas protegidas não estão apenas e exclusivamente associadas à conservação das espécies. Elas são um instrumento de gestão e de ordenamento fundamental e podem ser associadas à gestão da água, como tive a oportunidade de exemplificar no Plenário quando me referi às origens da água que, na grande maioria das vezes, estão associadas a zonas protegidas.

No âmbito da política de informação e de educação ambiental, vamos continuar a apoiar as associações de de-

fesa do ambiente e a incentivar a participação do público, principalmente nos processos de tomada de decisão. Para isso é sem dúvida alguma necessário avançar com várias acções — que já referi — e que, necessariamente também, vão alterar os padrões de comportamento do público, porque serão essencialmente de educação e de sensibilização

dos cidadãos.

A outra vertente da política deste Ministério é a do consumidor. A grande aposta da nova estrutura do Ministério é precisamente a ligação mais estreita entre o consumidor e o ambiente tendo em conta que um consumidor avisado e conhecedor é um bom defensor do ambiente. Esta tem sido a lógica que preside precisamente a esta ligação entre o consumidor e o ambiente.

No que diz respeito à política de investimentos, gostava de dar algumas informações mais detalhadas. O Orçamento do Estado para 1993 é, no caso deste Ministério, de investimento e de reestruturação: de investimento, porque as despesas de capital continuam a crescer significativamente em termos reais; de reestruturação, porque assenta num esforço intenso de racionalização dos gastos de funcionamento e de luta contra o desperdício que — esperamos — conduza a uma forte contenção das despesas. Pretende-se consolidar o desenvolvimento económico, apostan to, portanto, na qualidade de vida, razão pela qual vamos continuar o esforço de investimento em infra-estruturas.

A estrutura do Orçamento global — e com certeza que os Srs. Deputados tiveram a oportunidade de analisar os números — mostra-nos que a relação do orçamento de funcionamento do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais relativamente ao Orçamento do Estado é de 19 %, enquanto o investimento no ambiente, também relativamente ao Orçamento do Estado, representa 81 %.

Daqui pode concluir-se que o MARN é um Ministério de capital intensivo, em que os custos de funcionamento representam apenas 19 % e os investimentos ascendem a 81 % do Orçamento do Estado total, facto que explica o peso particularmente expressivo — 9 % — do investimento do ambiente na globalidade dos investimentos do Estado em comparação com o peso relativamente pequeno das despesas de funcionamento, que é apenas de 0,3 % do Orçamento do Estado. É, portanto, um Ministério que, com pequenos meios, que representam 0,3 % do total, consegue gerir um investimento vultoso da ordem dos 9 %.

É esta, aliás, a linha que está a ser seguida pela reestruturação da Administração Pública e que o Ministério já tem vindo a concretizar ao longo destes últimos meses, o que mostra, alils, que o Orçamento para 1993 encaminha--se precisamente nessa direcção, ou seja já estamos no caminho da modernização e da reestruturação actual da Administração Pública.

No que diz respeito ao crescimento de cada uma das componentes do orçamento, funcionamento e PLDDAC, o PIDDAC cresceu 10 % desde o ano passado à semelhança do que sucedeu com o PIDDAC do Estado enquanto o funcionamento diminuiu cerca de 1,2 %. Isto mostra que o carácter de capital intensivo a que há pouco fiz referência tem razão de ser e, de alguma maneira, dá-nos uma ideia sobre as aplicações de dinheiro e o modo como são feitas pelo Ministério.

Terei a oportunidade, se os Srs. Deputados estiverem interessados, de analisar mais em detalhe alguns destes números que referi. No entanto, gostava, desde já, de avançar com a análise global do orçamento de investimento

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para clarificar eventuais dúvidas que possam resultar de uma leitura apressada de alguns números.

O PIDDAC do orçamento do Ministério é de 17,3 milhões de contos; no entanto, o investimento na área do ambiente vai ser de 31,2 milhões de contos, porque devemos ter em consideração outras fontes de financiamento, a saber, as comunitárias, as nacionais e internacionais e as receitas próprias do Ministério. Portanto, num investimento de 31,2 milhões de contos, 55 % são, de facto, relativos ao PIDDAC e 45 % dizem respeito a outras fontes que representam parte do financiamento recebido da Comunidade.

Apesar de um investimento significativo— 81 % do orçamento global do Ministério no âmbito do PIDDAC é para investimento —, entendemos, no entanto, que é necessário encontrar alternativas, que são fundamentais para que a convergência comunitária, que todos desejamos, tenha lugar, e para que consigamos atingir os níveis de atendimento da Comunidade. Contudo, essa convergência baseia-se igualmente na capacidade que tivermos para manter um crescimento controlado — que é o mais importante — sem que se verifiquem derrapagens nos grandes indicadores macroeconómicos.

O orçamento do Ministério está enquadrado na perspectiva global de desenvolvimento do Orçamento do Estado para 1993. Por essa razão, defendemos que o necessário crescimento do investimento no ambiente seja sobretudo feito com base no reforço dos financiamentos externos, conforme esperamos que aconteça não só em relação ao Fundo de Coesão, às contrapartidas do Quadro Comunitário de Apoio, bem como às receitas próprias geradas pelos utilizadores do ambiente. Assim, com certeza que conseguiremos um melhor usufruto dos recursos naturais e, simultaneamente, que sejam geradas receitas para, eu diria mesmo, as infelizmente necessárias acções de recuperação.

Para terminar, gostava de deixar duas ou três notas sobre a distribuição sectorial do orçamento face às prioridades que há pouco referi. Como disse, são três os domínios prioritários da política do Ministério: a política da água, em que o investimento total em curso é, até agora, de cerca de 152 milhões de contos, se bem que, para 1993, o orçamento da política da água seja de 23 milhões de contos; a protecção e valorização dos espaços naturais, na qual tivemos, até agora um investimento global em curso de 38 milhões de contos e em que o investimento para 1993 vai ser de 9 milhões de contos; quanto à informação, educação e sensibilização da população, o investimento em curso é da ordem dos 154 milhões de contos e, para 1993, vai ser da ordem dos 3 milhões de contos.

As três prioridades do Ministério representam globalmente 98 % do orçamento de investimento no Ministério, dos quais 75 % estão dedicados à primeira prioridade, a política da água, 16 %, à segunda, protecção e valorização dos espaços naturais, e 7 % à informação e educação dos cidadãos. O total dos investimentos, como referi, no PIDDAC, vai ser de 31,5 milhões de contos.

Este é o modo como pensamos ser correcto conseguir aproximar o orçamento das prioridades, que reflectem, aliás, as necessidades que o País tem face ao conhecimento real da situação existente e que, felizmente, nos últimos dois anos tem vindo a ser melhorada com um maior número de dados cada vez mais fiáveis que nos permitem, rapidamente, ajustar as intervenções em função da real necessidade do País. Srs. Deputados, estas são, pois, as

nossas prioridades e, desde já, agradeço a atenção que me dispensaram.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.

O Sr. António Murteira (PCP): — Sr. Ministro, Srs. Membros do Govemo, Srs. Deputados, começo por fazer algumas considerações que servirão de suporte a algumas perguntas que colocarei de seguida aos membros

do Governo aqui presentes e nâo apenas aos Deputados da maioria.

Consideramos como duas importantes componentes da questão do ambiente e do desenvolvimento na situação concreta do País o aproveitamento dos recursos hídricos, o problema da água e a recuperação, protecção e conservação dos solos e ecossistemas, particularmente a questão das florestas no âmbito dos ecossistemas.

Consideramos que Portugal precisa de uma política de ambiente harmoniosamente inserida na componente de desenvolvimento e noutras componentes sectoriais que possibilite, de facto, recuperar as situações graves e impeça outras de degradação ambiental. Se é verdade que o País não está à beira de uma catástrofe ambiental, também é verdade que há situações e tendências preocupantes — algumas da maior gravidade— nalgumas regiões do País, que, ao longo dos anos, os governos do PSD não têm resolvido.

No relatório sobre o estado do ambiente e ordenamento do território, da responsabilidade conjunta do Ministério hoje aqui representado e do Planeamento e da Administração do Território, podemos constatar que há regiões do País nas quais os recursos hídricos estão praticamente desaproveitados, situação que convive com um enorme défice na garantia de resposta às necessidades de consumo de cerca de um terço delas.

Há importantes ecossistemas a sofrer danos enormes, alguns poderão levar mesmo uma ou várias gerações a recuperar se não houver uma rápida, efectiva e eficaz intervenção. É o caso, por exemplo, dos solos nalgumas regiões do País, mas talvez o mais flagrante seja o da floresta portuguesa e das suas componentes principais. No que diz respeito à parte composta sobretudo por resinosas, que creio andar à volta de 45 % da floresta portuguesa, sabemos que, nos últimos anos, 18 % foram dizimadas pelos fogos.

Em relação à outra grande componente, o sobreiro e o azinho, que representa 40 % do total da floresta nacional, crê-se, segundo dados fornecidos por alguns laboratórios, que cerca de 10 % a 15 % estarão a ser atingidos por uma doença, o que ocorre perante a impassividade e inoperância total do Govemo, do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais e de outros, nomeadamente do da Agricultura, que têm a ver com esta questão.

De acordo com o mesmo relatório que referi, ficamos ainda a saber, em termos gerais — aliás, o Sr. Ministro acabou de referir alguns destes dados também — que 25 % do comprimento total dos rios portugueses correspondem a águas classificadas de medianamente a muito poluídas, que 25 % das praias portuguesas apresentam água de má qualidade, que o valor das emissões provenientes dos efluentes urbanos é cerca de 10 vezes superior ao valor admissível pela legislação em vigor e que o valor das emissões provenientes dos efluentes industriais é cerca de 13 vezes superior ao valor admissível pela legislação em vigor.

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Pouco ficámos a saber sobre a problemática e, sobretudo, sobre os meios de combate e de prevenção ao derrame de hidrocarbonetos nas costas portuguesas. Por outro lado, ficámos também a saber que, em Portugal — aliás, o Sr. Ministro já o referiu, a percentagem de atendimento no domínio do saneamento básico é a mais baixa da Europa comunitária, não só em quantidade mas também em

qualidade. O próprio relatório, que já mencionei, diz mesmo que é deficiente. Ora, para atingirmos os níveis médios da Comunidade, o Ministério calcula que é necessário um investimento de 300 milhões de contos em novas obras e de 125 milhões de contos na reabilitação das infra--estruturas já existentes.

Presumindo que a análise destes dois Ministérios sobre a situação do ambiente e do ordenamento do País se aproxima da realidade, temos a opinião de que nem as GOP nem o Orçamento do Estado para 1993 respondem, em termos de orientação, projectos e financiamento, às realidades apontadas e constatadas.

Para melhor percebermos e fundamentarmos esta opinião do PCP, vejamos mais de peno o que se passa na região do Alentejo, que, como já é sabido, representa cerca de um terço do território nacional e, neste momento, tem condicionalismos bastante graves nesta área.

Em relação à questão da água e dos recursos hídricos, este Ministério reconhece que a região do Alentejo — e isto lê-se no relatório— «é a única onde se regista um saldo negativo das disponibilidades da água face às utilizações, numa proporção da ordem dos 158 %». E o relatório diz ainda: «Toma-se, assim, imperatíva a realização de novos investimentos em infra-estruturas hidráulicas que assegurem o armazenamento da água que permita uma regularização dos cursos de água.»

Estamos perfeitamente de acordo, mas gostaria de saber onde estão previstos, no Orçamento do Estado, esses imperiosos novos investimentos, no Alentejo, em infra-estruturas hidráulicas. Ou será que estão lá referidos e nós não os vemos? Será que está lá a barragem do Enchoé? E a dos Minutos, a da Gama, a da Água Branca e a do Alqueva que já há vários anos temos vindo a propor que sejam consideradas, até para ir de encontro à solução deste problema levantado pelo próprio Ministério?

No que respeita à qualidade da água o relatório deste Ministério também considera que é preocupante a situação do rio Guadiana bem como de outros. Neste senüdo, perguntamos também ao Sr. Ministro e à sua equipa ministerial onde estão considerados, no Orçamento do Estado, o projecto e as verbas para a despoluição do rio Guadiana, que, aliás, já no ano passado, o Grupo Parlamentar do PCP propôs?

O relatório considera ainda que as principais fontes de poluição dos meios hidrícos são duas: os efluentes domésticos e as actividades económicas. E reconhece que os serviços de saneamento básico estão muito aquém da média comunitária. Por exemplo, e só para falar num dos casos, o dos esgostos, verifica-se que, em Portugal, o tratamento dos esgotos atinge os 19 %, enquanto na Comunidade Europeia atinge os 77,5 %. Perguntamos: que medidas concretas vão ser adoptadas? Será que a grande medida para resolver este problema, no âmbito deste Orçamento do Estado, foi a de se ter limitado a capacidade financeira e a autonomia do poder local, que é, evidentemente, umas das componentes fundamentais para a sua resolução?

Quanto à questão dos efluentes industriais, muitas vezes superiores ao que a lei permite, também não conhece-

mos medidas concretas para resolver este problema pelo que perguntamos: que medidas concretas vão ser tomadas?

Quanto à conservação da natureza, e na perspectiva do que já referimos em matéria de solos e de ecossistemas, gostaria também de colocar duas questões concretas sobre o Alentejo.

Com efeito, refere o relatório da responsabilidade dos Ministérios do Ambiente e Recursos Naturais e do Planeamento e da Administração do Território o seguinte: «O Alentejo é, sem dúvida, a região portuguesa mais afectada pela degradação dos solos e dos ecossistemas, embora não a única.» E depois cita ainda, por exemplo, a região leste do Valdouro, a região sudoeste do distrito de Castelo Branco, a região do noroeste algarvio, etc. Perguntamos: que medidas vão ser tomadas, que sejam eficazes e que tenham em conta a gravidade da situação, aliás, reconhecida por estes dois Ministérios? Na verdade, também não encontramos projectos nem medidas concretas nesse sentido.

No que respeita à floresta portuguesa já referi que a situação nos parece ser extremamente grave. Cerca de 18 % das resinosas já arderam e a percentagem de azinho que sofre de doença atinge entre os 10 % e os 15 %. Ora, quanto a estas duas componentes principais da floresta portuguesa, não vislumbramos, concretamente em relação ao Alentejo, qualquer orientação nas GOP ou quaisquer projectos ou financiamentos concretos no Orçamento do Estado para se fazer frente, de vez, a tal situação. Assim, perguntamos se o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais pensa rever, nesse domínio, estes dois instrumentos que estão em apreciação ou se mantém as posições já assumidas. Creio ser evidente a incoerência das GOP e do Orçamento do Estado face às realidades existentes no País e nas regiões.

Por outro lado, sendo reconhecida a grave situação que existe no Alentejo — como, aliás, acabamos de exemplificar através do relatório dos Ministérios do Ambiente e Recursos Naturais e do Planeamento e da Administração do Território —, nos domínios demográfico, do emprego, do desenvolvimento e do ambiente, como se pode compreender que dos 345 milhões de contos do PIDDAC apenas cerca de 11 milhões, ou seja, 3,5 % sejam destinados ao Alentejo? E como se pode compreender que dos 17 milhões de contos do orçamento do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais apenas cerca de 400 000 contos — verba perfeitamente irrisória —, ou seja, 2,4 %, sejam destinados ao Alentejo? Creio até que esta verba compreende seis projectos, alguns já em fase de acabamento, e nem sequer está previsto o lançamento de outros novos projectos em 1993, quanto mais não fosse para abrir alguma perspectiva de esperança e de metas de trabalho.

Para terminar, gostaria apenas de salientar que não peço respostas formais — até porque já é a segunda ou a terceira vez que os Deputados questionam este Ministério — nem precipitadas aos Srs. Membros do Govemo e aos Deputados do partido que o apoia. Peço, isso sim, uma reflexão serena sobre as situações que referi e sobre outras que existem, mas é impossível estar aqui a descrevê-las com algum rigor. E peço também que tenham a coragem de, ainda no debate destas GOP e do Orçamento do Estado, considerarem a inserção das orientações, projectos e meios financeiros capazes de começar a inverter as situações de degradação ambiental, económico e demográfico referidas.

Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do PCP irá apresentar um conjunto de propostas e, desde já, nos coloca-

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mos à disposição quer do Governo quer dos outros Srs. Deputados para se encontrar as soluções mais adequadas.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Srs. Deputados, apelo de novo a VV. Ex." no sentido da maior concisão possível na colocação das questões, sem prejuízo, evidentemente, da apresentação das diversas matérias.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado losé Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): — Sr. Ministro, penso que a grande questão que se coloca neste debate, na especialidade, do Orçamento do Estado para 1993, é um pouco repetitiva em relação aos anos anteriores. Na verdade, em nossa opinião, há sempre uma enorme diferença entre o que se diz e o que está consagrado no Orçamento. Este é, de facto, um drama da política de ambiente, onde é, particularmente, evidente que o discurso não condiz com o Orçamento. Há muitas palavras e poucas obras! Isto é um facto que não é de hoje, nem de ontem, já dura há mais de sete anos, pois tem vindo a verificar-se desde 1985.

Ora em termos de política de ambiente, esta situação é ainda mais grave, uma vez que estamos no domínio de uma política que deveria ser de verdade, pois entendo que não há política de ambiente sem informação verdadeira entre o Governo e os diferentes povos. Portanto, a inexistência de um discurso de verdade na política de ambiente ainda é mais grave do que em qualquer outra política.

Com efeito, o discurso político do Governo tem, simplesmente, servido para enroupar aquilo que é uma enorme debilidade ao nível do Orçamento, que é fraco, chocho, e, desde sempre, pequeno, pobre e enroupado em discursos sobre orientações políticas e sobre doutrina. Mas a verdade é que as orientações políticas definidas no discurso não têm qualquer cabimento no Orçamento.

Por outro lado, o discurso também não é grande coisa, uma vez que nem sequer consegue esconder as deficiências do Orçamento e, portanto, também não o posso aplaudir.

Vejamos o que é dito nesse discurso. Em primeiro lugar, arranja-se uma frase de gosto duvidoso, que, em minha opinião, é mesmo uma adaptação grosseira, e diz-se: «Aproximar o país real do país legal.» Esta é a grande orientação política do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, mas o que é que significa? Que S. Ex." o Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais vem aqui reconhecer que existem dois países, um real, que, presumo, diz respeito à actividade económica, e um legal, onde existem leis que não são cumpridas. Portanto, o Sr. Ministro apresenta-se aqui perante os Srs. Deputados dizendo: não sou capaz de aplicar a lei! Há que tempos que não sou capaz de aplicar a lei e o grande objectivo do meu governo é fazê-la aplicar!

Recordo, entretanto, que o Sr. Ministro não está, propriamente, há três ou há quatro meses no Govemo, mas já está há tempo suficiente para fazer aplicar a lei. Faz, por isso, aqui a confissão de culpa de que não consegue aplicar a lei. Ora a única vantagem disto está em reconhecer, de facto, que é muito difícil fazer aplicar a lei e que um dos grandes dramas da políüca de ambiente é a incapacidade para fazer cumprir a lei. Em face disto, fazemos todos um esforço no sentido de que venha a fazer cumprir a lei.

Mas o pensamento de que é preciso aproximar o país real do país legal pode dar a ideia falsa, menfiro.sa e mistificadora de que o País tem o seu problema resolvido

ao nível da legislação, pelo que o único problema que subsiste é o de concretizar a legislação. Isto é, temos todas as leis feitas, pelo que agora temos só de as aplicar. Ora isto não é verdade, é uma pura mistificação. Querem exemplos? Eu dou-vos exemplos!

Assim, no que respeita à estratégia de conservação da natureza há mais de cinco anos que esta matéria é discutida e que se promete (não só o Sr. Ministro Carlos Borrego, mas também os ministros anteriores): vem já aí, esperem mais um bocadinho, tenho a lei no bolso, daqui a três dias vem a lei!... Mas a estratégia de conservação

da natureza nunca aparece.

E a lei quadro das áreas protegidas? Dizem que foi aprovada no Conselho de Ministros, mas ainda não está publicada. No entanto, repare-se, esses argumentos serviram para chumbar a lei do PS já por duas vezes e estamos, há mais de cinco anos, à espera da lei quadro das áreas protegidas, que já foi prometida em dois programas de Governo. E, mais, trata-se de uma imposição criada pela Lei de Bases do Ambiente.

E o que é que se passa com a lei dos impactes ambientais, que só o facto de o Govemo estar a preparar nova legislação sobre a matéria também já serviu para chumbar uma proposta do Partido Socialista? Onde é que está a nova lei sobre os impactes ambientais? Não existe, porque o Sr. Ministro, tendo-a prometido há mais de um ano, não foi capaz de a apresentar aqui. E continuamos com as consultas públicas, que, como sabemos, são verdadeiras monstruosidades do ponto de vista da participação tão desejada dos cidadãos na decisão política que diz respeito ao ambiente, e continuamos sem parecer vinculativo e a analisar os projectos apenas numa fase terminal, o que quer dizer apenas uma coisa: é que os estudos de impacte ambiental não têm sido mais do que meros expedientes para justificar, ambientalmente, decisões técnicas já tomadas. Limitei-me a citar estes exemplos, mas há mais.

Na verdade, penso que devemos ser um dos poucos países da Comunidade Europeia que tem um vazio legal total relativamente à poluição atmosférica. Ora, o Sr. Ministro não pode invocar que desconhece este facto, uma vez que se trata de uma matéria da sua especialidade, enquanto professor universitário. De facto, há dois anos atrás, num comentário que anotei, dizia o Sr. Ministro que o facto de se ter feito um decreto-lei sem especificar nele os limites máximos, os valores admissíveis e os valores guia para os diversos poluentes atmosféricos tinha sido um mau serviço que se prestou ao ambiente. Ora isto dizia o Sr. Ministro há cerca de dois anos! Mas e as portarias, Sr. Ministro? Conseguiu concretizá-las? Não foi capaz! E, agora, vivemos ainda sem portarias, num vazio legal total relativamente à poluição atmosférica.

Creio que basta para ilustrar a inverdade do que foi aqui dito. É que não temos país legal, em termos ambientais, porque há muito a fazer no que respeita à legislação ambiental, que o Govemo não foi capaz de fazer ao longo dos últimos sete anos. Isto já para não recordar a lista extensa de regulamentação que é preciso fazer da Lei de Bases do Ambiente, pois, como sabe, há muito trabalho a fazer principalmente no que diz respeito à abertura de espaços de participação dos cidadãos na reinvindicação do seu direito ambiental. Portanto, a frase «aproximar o país real do país legal» é infeliz e mistificadora — uma vez que não temos ainda país legal, é preciso criá-lo — e apenas serve para, com alguma razoabilidade, diga-se, reconhecer que o Sr. Ministro não foi capaz de fazer aplicar a lei.

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No que respeita aos vectores estratégicos, diz que é preciso institucionalizar a economia do ambiente e criar novos instrumentos económicos e financeiros. Bom, estive a ler as actas das últimas discussões orçamentais e chego à conclusão de que caímos sempre no mesmo. Primeiro, não há instrumentos económicos e financeiros no domínio do ambiente. Há que tempos que os reclamamos e que dizemos ao Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais: faça

favor de trazer aqui instrumentos económicos e financeiros que permitam ao Estado assumir um papel incentivador, principalmente no domínio industrial, para a reconversão ambiental da nossa indústria. Mas a verdade é que o Sr. Ministro nunca trouxe! E agora diz: «Criar novos instrumentos!» O único instrumento que conheço é o PEDIP-Ambiente. Há que tempos que nós, todos os anos, pedimos ao Sr. Ministro: faça favor de nos dizer se o instrumento PEDIP-Ambiente foi bem utilizado, se cumpriu os objectivos que estavam inicialmente previstos e, no global da sua utilização, em que medida. E toda a gente sabe que não cumpriu. Logo, não pode vir aqui dizer que quer criar novos instrumentos económicos e financeiros que substituirão o conceito de política do ambiente financiada pelo contribuinte.

A verdade é que isto nunca existiu, não existe, e se alguma coisa vier a existir vai ser por intervenção do PS.

Para já, vamos propor — o seu Ministério já deve ter conhecimento — um novo programa paia o ambiente e vamos enriquecer o seu PIDDAC com mais 5 milhões destinados, fundamentalmente, a criíir este tipo de instrumentos económico-financeiros.

Com efeito, vamos propor 5 milhões para fazer um programa de reconversão ambiental da nossa indústria que, como sabe, é a grande prioridade do País, porque mais de dois terços da nossa poluição hídrica provêm da indústria e se queremos ter uma verdadeira política da água, então, comecemos por fazer um programa que permita a reconversão da indústria.

Depois, diz: «Integrar o ambiente nas políticas sectoriais.» Pois muito bem, aos anos que estamos a reivindicá--lo!... Mas será que isso tem acontecido? Bem, vamos ver onde é que há integração das preocupações ambientais nas políücas sectoriais.

Terá sido na floresta? Na floresta, com certeza, não foi. A floresta foi eucaliptizada como nunca tinha sido, numa lógica meramente produtiva, nos últimos anos.

Terá sido nos fogos florestais? Naturalmente, também aí nada foi feito que tivesse grande relevância ambiental.

A única políüca florestal de que ouvi falar todos os membros do Govemo foi a velha frase do Ministro da Agricultura que dizia que «o eucalipto era o nosso petróleo verde».

E assim se vê a forma como foi encarada a política florestal deste govemo, isto é, sem nenhuma perspectiva ambiental, sem nunca considerar a floresta na visão moderna de uso múltiplo, como é vulgar dizer.

Terá sido nas obras públicas? Há preocupação ambiental nas obras públicas? Basta dizer que todas as obras públicas, neste país se fizeram em profundos conflitos com o ambiente— repito, em profundos conflitos com o ambiente. E, para não dar outros exemplos, refiro, apenas, o caso da ponte sobre o Tejo, cuja decisão acabou de ser tomada com base no sacrifício de todos os valores ambientais e numa base puramente económica mas de duvidosa economicidade.

Terá sido na indústria? Haverá preocupações ambientais na indústria? Bom, quero que me digam onde é que o

Sr. Ministro da Indústria, algum dia fez um discurso ambiental, coisa rara na Europa porque todos os Ministros da Indústria têm, de onde em onde, feito discursos sobre a questão ambiental, que é hoje um sector determinante na concorrência industrial e, digamos até, na competitividade industrial. Só aqui, em Portugal, é que o Sr. Ministro da Indústria acha que não é nada com ele.

Terá sido na agricultura? Teremos tido também alguma preocupação na agricultura? Não, não conheço. De facto, na utilização de fertilizantes e pesticidas, a única legislação que existe sobre o controlo de pesticidas foi feita pelo Partido Socialista, que, pelo menos, impôs algumas limitações no que diz respeito à sua pulverização aérea. O Govemo nunca tomou uma iniciativa legislativa nessa matéria e o único partido que a tomou foi o Partido Socialista.

Portanto, preocupações ambientais na nossa agricultura não existem. A única política ambiental que o Governo está a levar a cabo é destruir toda a nossa agricultura, sector onde poderemos ter alguma melhoria ambiental mas por más razões.

Terá sido no ordenamento do território? O ordenamento do território continua à margem do ambiente, não há uma única definição de critérios ambientais na aprovação dos planos de ordenamento e, portanto, não estou a ver que aí possa existir uma preocupação ambiental.

Mas o mais grave destes três vectores estratégicos da política de ambiente é este último que encerra uma opção doutrinária. Tenho presente um apontamento sobre o discurso que o Sr. Ministro fez na discussão geral do Orçamento do Estado e que aqui repetiu: «Menos Estado, melhor Estado! Reservar para o Estado um papel incentivador, regulador e arbitral, transferindo progressivamente para a sociedade civil tarefas para as quais se encontra mais vocacionada.

Ora acho isto gravíssimo porque temos um Ministro do Ambiente que deve ser único na Europa e talvez do mundo, a querer menos Estado e menos intervenção do Estado. E isto é gravíssimo porquê? Porque, se toda a gente reconhece que, em todas as doutrinas dc todas as famílias políticas da Europa, com excepção de algumas mais radicais, tanto à esquerda como à direita, há hoje espaço para as funções tradicionais do Estado serem exercidas por outros no domínio da habitação, no domínio da saúde, isto é, há espaços para a iniciativa privada e para a sociedade civil, a verdade é que no capítulo do ambiente toda a gente reconhece que o Estado tem de dar um passo em frente, um passo em frente para regulamentar, um passo em frente para incentivar, um passo em frente para legislar e um passo em frente para investir.

Sendo assim, como é que o Sr. Ministro quer entregar tudo isto ao mercado? O mercado tem uma visão curta, uma visão de lucro fácil e imediato. Como é possível termos um Ministro cuja concepção, é dizer que quer «menos Estado»? Isto não é possível!

Ainda há pouco passava os olhos aqui pelo relatório sobre o desenvolvimento mundial, da autoria de uma organização que ninguém pode acusar de ter algum preconceito estatista ou ideológico, que é o Banco Mundial, e li o que passo a citar. «É essencial dispor de sólidas instituições públicas e políticas de protecção ambiental. Ao longo das últimas duas décadas, o mundo aprendeu a confiar mais nos mercados e menos nos governos para promover o desenvolvimento. A verdade é que agora a protecção do meio ambiente é uma área em que o Govemo deve manter um papel central. Os mercados privados — oiça bem,

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Sr. Ministro— oferecem pouco ou nenhum incentivo ao combate da poluição. Isto é o que diz o Banco Mundial.

Portanto, estranho muito que o Ministro do Ambiente de Portugal venha aqui defender que devemos ter menos Estado! Como é que podemos ter menos Estado? E vou dar-vos apenas estes números, Srs. Deputados: em termos de inspectores do ambiente, que servirão, em princípio, para fiscalizar o comportamento da actividade económica e para fazer aplicar a lei, temos apenas oito. E o Sr. Ministro que me desminta, pois é possível que tenha contratado nos últimos tempos mais um ou dois. A verdade é que, há uns meses atrás, tínhamos cinco e agora temos oito. E o Sr. Ministro ainda quer menos Estado, quer menos funcionários! É que, no domínio do ambiente, há coisas que só o Estado pode fazer.

Não temos, ainda, uma administração ambiental que, em primeiro lugar, faça tudo aquilo que diz respeito à recolha de dados nem temos, também, uma Administração que possa facilmente informar o público sobre os diversos tipos de poluição ou sobre os indicadores do ambiente. Não temos e o Sr. Ministro ainda vem para aqui dizer que quer menos Estado! Ora, acho isto gravíssimo e creio que, aí, estamos em total discordância porque acho que, em matéria ambiental, temos de pôr o Estado em primeiro lugar. E assim é porque a política do ambiente tem fundamentalmente a ver com a solidariedade, não apenas para com as gerações actuais, mas também para as gerações futuras. E como é que o Sr. Ministro quer ter uma solidariedade com as gerações futuras se entrega tudo ao mercado? Como sabe, o mercado não pensa nas gerações futuras, porque estas não estão presentes no mercado.

Portanto, há que haver uma política do Estado, obviamente. Esta concepção entra pelos olhos dentro e impõe--se com clareza a qualquer espírito, só é pena que o Sr. Ministro não partilhe da mesma opinião.

Temos aqui, portanto, uma divergência de fundo.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr. Deputado, agradeço-lhe o favor de terminar. É que nós estamos na discussão da especialidade e às 17 horas temos uma reunião com o Sr. Ministro da Justiça.

O Orador: — Sr. Presidente, peço desculpa mas a verdade é que gostaria de analisar isto em profundidade, como nos é pedido em discussão da especialidade.

Lamento muito que a Comissão de Economia Finanças e Plano reserve apenas duas horas para isto. Se calhar...

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Mas, infelizmente, é esse o nosso programa e são as nossas limitações, Sr. Deputado. Procurarei não aplicar o Regimento e, portanto, tentar funcionar dentro da forma normal mas, se efecüvamente continuarmos limitados no tempo, terei de o aplicar.

O Orador: — Posso continuar, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Faça favor, Sr. Deputado. Pedia-lhe, contudo, que acabasse.

O Orador: — Sr. Presidente, deixo a observação apenas para o futuro!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Orador: — Bom, mas vamos, então, ao Orçamento, uma vez que, primeiramente, me referi ao discurso. Ora, no Orçamento, a mistificação ainda é maior. Vamos ver o Orçamento e o que é que encontramos? Em primeiro lugar, o investimento de 17,3 milhões de contos do PIDDAC. O que representa isto em termos de PLDDAC? Representa 5 %. Contrariamente ao que o Sr. Ministro diz, e que não é verdade, a percentagem de PLDDAC no Ministério do Ambiente sobre o PIDDAC total declinou este ano, isto é, passou de 5,1 % em 1992 (15,8 sobre 310,1) para 5 % este ano (17,3 % sobre 345 milhões). Presumo que não há outras contas, portanto, declinou, aliás, como vem sucedendo desde há alguns anos, como o Sr. Ministro bem sabe. E numa publicação do Ministério do Ambiente, antes de V. Ex.' ser Ministro, dizia-se que os investimentos ambientais, no total dos investimentos do Estado, têm vindo a declinar lentamente desde há anos e a estabilizar nos 5 %. Agora, estamos reduzidos aos 5 %.

E o que é espantoso é que o Sr. Ministro — já agora aproveito para fazer este comentário— diga: «atenção, são 17,3 milhões, mas isso não corresponde ao investimento ambiental». Ora, nós estamos aqui a tratar do Orçamento de Estado, é isso que vamos votar e, portanto, o que devíamos discutir.

Mas, diz, ainda, o Sr. Ministro para se defender: «não são só 17,3 milhões, vai haver 34 milhões de contos porque temos de somar a isso a participação comunitária.

Sr. Ministro, fiz aqui umas contas e conclui que quanto mais fala nisso mais se enterra pela simples razão de que se são 34 milhões de contos, então isso quer dizer que há 17,3 que virão de comparticipações comunitárias. Ora tendo nós presente que as comparticipações comunitárias, para este ano, são de 470 milhões de contos, pergunto como é que o Sr. Minisuo se resigna a ter só 17 milhões dessas comparticipações para o ambiente, o que, em percentagem, significa apenas 3,7 %? É este, de facto, o dinheiro da Comunidade que é investido em Portugal na área do ambiente, o que constitui uma vergonha para o seu Ministério e para si, Sr. Minisuo. Não constitui, de facto, motivo para se envaidecer, bem pelo contrário.

Mas, a grande mistificação deste Orçamento, repito, é o facto de o Sr. Ministro nos apresentar um plano de investimentos que diz assim: «Temos aqui 17,3 milhões de contos, dos quais mais de metade ou sensivelmente metade— um pouco mais de metade porque se toma difícil dizer o que se passa nas diversas obras — deste Orçamento é para consumir barragens, é para construir betão armado, é para construir obra pública». E, do orçamento do Ministério do Ambiente, vê-se que 62,4 % se destinam a obras públicas.

Ora vamos lá esclarecer esta questão. O Sr. Ministro vai dizer-me, como disse na discussão no Plenário, «então, se a grande prioridade é água por que não investir em barragens?». Quanto a isto, digo-lhe que não é verdadeiro dizer-se que estes investimentos em barragens são investimentos cuja razão de ser seja ambiental. Poderão ter uma valência ambiental, que não nego relativamente a alguns deles. Porém, outros não terão, como, por exemplo, aquele espelho de água que quer construir em Mirandela e que V. Ex.* considerou investimento ambiental quando, na verdade, se trata, apenas, de um projecto com outras finalidades e que nada tem a ver com ambiente, muito pelo contrário, pois trata-se apenas de um jeito que quis fazer ao presidente da Câmara de lá, quando ele se passou para o vosso partido.

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Portanto, posso dizer-lhe que, desses 17,3 milhões, mais de metade destina-se a obras públicas, barragens da Direcção-Geral dos Recursos Naturais, o que desvirtua tudo isto porque a razão de ser das diversas barragens será mais energética do que propriamente ambiental.

Ora, o Sr. Ministro, para defender-se, dirá, com certeza, que tais verbas se destinam ao investimento na água. Porém, eu contesto essa afirmação, em absoluto, acho-a uma mistificação e considero que já devíamos ter acabado com isto há muitos anos. É que, com efeito, trata-se de investimentos cuja razão de ser, cuja natureza cujo motivo não é de natureza ambiental mas puramente económico.

Mas, vamos analisar outros aspectos. Por exemplo, que programas tem o seu Ministério na área da defesa do consumidor? Para já, temos uma Secretária de Estado do Ambiente, que, como já me foi explicado, também é da Defesa do Consumidor, Secretária de Estado que, aliás, temos visto muito pouco ultimamente. Mas, se formos ver qual o orçamento dessa Secretaria de Estado para a área da defesa do consumidor, verificamos que é de, apenas, 105 000 contos.

Gostaria que me explicassem que orçamento é este para a área da defesa do consumidor. Quer dizer, o Sr. Ministro, no seu discurso, dedica-lhe umas páginas, poucas, é certo, mas ainda assim dedica-lhe um capítulo, que é como quem diz: «defesa do consumidor, aqui está!» Enfim, são só umas linhas, mas diz: «Uma relação estreita entre o consumidor e o ambiente!», «Um consumidor avisado!»

Sr. Ministro, deixe-se de brincadeiras! São 105 000 contos! Isto é nitidamente considerar a defesa do consumidor como não existente. É um orçamento de mercearia não serve para nada! Com 105 000 contos nem se justificaria, com certeza nenhuma Secretaria de Estado da Defesa do Consumidor! Não sei como é que a Sr." Secretária do Estado ainda se senta, aí, na defesa deste Orçamento de Estado quando, para defender o consumidor, uma parcela da sua competência, tem 105 000 contos!

Queria que me explicassem como é que se defendem?

Depois, temos ainda outra das grandes preocupações deste Ministério que é a formação, sensibilização e participação das populações. Ora como já disse, os programas todos só dão 142 000 contos, importância apurada já com muito boa vontade, o que significa que cada português paga 14S20 para a política da formação, sensibilização e participação das populações que V. Ex.° acha tão importante, tão nobre, tão prioritária.

Ora isto é tão caricato e ridículo que destrói por completo a propaganda que o senhor anda a fazer dizendo que este é um dos kit motiv da sua actividade política.

Para a modernização da Administração Pública tem o Sr. Ministro 226000 contos. No entanto, V. Ex.* disse «estamos na primeira linha da modernização da Administração Pública». Mas, para isso, tem apenas 226 000 contos!

Por outro lado, disse ainda o Sr. Ministro: «Um dos vectores estratégicos da política do ambiente»...

O Sr. Mário Maciel (PSD): — Sr. Presidente, há mais partidos que desejam falar! O Sr.' Deputado não pode falar o tempo todo porque é injusto!

O Orador: — Não quero ser injusto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues):— Sr. Deputado, a Mesa no seguimento do que o Sr. Presidente tem feito,

tem tido toda a condescendência nesta matéria, mas a verdade é que o artigo 98.° do Regimento diz que, tratando-se de discussão na especialidade da proposta de lei ou de resolução, o tempo máximo de uso de palavra é de cinco minutos da primeira vez e três da segunda. Para além disso, estamos com dificuldades de tempo e, por isso,

peço-llie que termine.

O Orador: — Sr. Presidente, como não quero ser injusto, espero que seja concedido o mesmo tempo aos outros grupos parlamentares.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Só que, Sr. Deputado, não posso conceder aos outros grupos parlamentares o mesmo tempo que lhe concedi a si porque temos de terminar às 17 horas. Efectivamente, V. Ex." está a prejudicar os seus colegas e, assim, agradecia que terminasse a sua intervenção.

O Orador: — Sr. Presidente, vou terminar, mas antes apresento o meu pedido de mil desculpas aos meus colegas.

Sr. Ministro, somei todas as verbas que dizem respeito à prevenção e cheguei à seguinte conclusão. O Ministério do Ambiente e Recursos Naturais vai investir este ano 2,7 milhões em política preventiva de ambiente, ou seja, dos seus impostos, cada português paga 270$, o que chegará para um pequeno-almoço, não mais. Estes números revelam bem a dissonância que há entre o discurso e o orçamento do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais!

Assim, na minha opinião, este é um orçamento de rotina, chocho, pobre, sem ideias, e que continua na mesma linha dos anteriores. Aliás, ninguém vos vai perdoar por terem esquecido esta grande prioridade, em termos de desenvolvimento do País, e consequentemente, o juízo do povo português acabará por não vos perdoar a marginalização a que remeteram a política de ambiente.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado André Martins, a quem solicito a maior concisão possível devido à dificuldade de tempo com que nos deparamos.

O Sr. André Martins (Os Verdes): — Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados, vou ser de facto muito rápido porque Os Verdes várias vezes, ao longo da última sessão legislativa, aqui na Assembleia da República tiveram oportunidade de criticar o que considerávamos ser mais grave na política de ambiente do Governo.

As questões estão levantadas, estão em acta, e não é necessário proceder a novos levantamentos da situação. Assim, só direi que o governo do PSD e o Sr. Ministro assumiram, infelizmente, o discurso ambientalista, mas, como temos dito e é crescentemente reconhecido por toda a gente, um discurso que não passa disso mesmo. São promessas de intenções, como, aliás, foi o discurso que aqui proferiu no dia em que subiu à tribuna para falar da política de ambiente do Governo. De facto, são só promessas e, por isso mesmo, o ambiente, em Portugal, continua em crise.

Quando V. Ex.a diz que está a gerir o ambiente pensando no futuro eu diria que está a gerir o ambiente gerindo a crise. Efectivamente todos reconhecemos, porque todos os dias o constatamos, que o ambiente em Portugal se degrada. E, não tendo em Portugal uma política de ambiente condicente com as nossas preocupações, com os

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meios e com a vontade dos Portugueses, estamos a contribuir para que também a situação do ambiente no planeta se degrade.

Era isto, em termos de introdução, que tinha a dizer ao Sr. Ministro relativamente à política que tem sido seguida a qual, em termos de concepção global, nos preocupa e para que chamo a atenção do seu ministério e do Governo.

Assim, tendo em conta os conhecimentos, a documentação e a informação que é do conhecimento da opinião pública, para que houvesse uma política de ambiente em Portugal era importante que o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais tornasse exequível toda a documentação, todos os planos, todas as propostas que existem. É que existem documentos elaborados pelos melhores especialistas portugueses no domínio do ambiente — e V. Ex." continua há mais de um ano a dizer que estão à discussão pública—, mas as promessas, como temos vindo a dizer, repetem-se e os documentos de trabalho continua nas gavetas do ministério. Alias, antes de ser Ministro, V. Ex.* colaborou, como professor na área do ambiente, na feitura de alguns deles, que até tenho no meu gabinete.

Todavia Sr. Ministro, para haver uma política coerente com o seu discurso era necessário que se pusesse em prática todo esse conhecimento, que existe e não é aplicado. Recordaria até que existe um documento mandado elaborar por V. Ex.a denominado Uma Estratégia de Política para o Ambiente em que se prefiguram diversos cenários e em que se apontam invesümentos a realizar para além de 1992.

Gostava que o Sr. Ministro, que possivelmente já se esqueceu desses cenários e dessas propostas feitas por alguns dos melhores especialistas portugueses, desse uma vista de olhos no documento, ponderasse os cenários que os especialistas consideram possíveis e os investimentos necessários. Mas V. Ex." certamente não o fez porque vem aqui dizer que este orçamento é bom, que é o melhor que se pode arranjar. Sr. Ministro, compare os cenários que existem nessa documentação, as propostas que lá existem e os invesümentos que são propostos com os que V. Ex.a vem aqui dizer que são boas.

Sr. Ministro, devido a não dispor de tempo, não irei comparar programa a programa sector a sector, projecto a projecto, o orçamento de 1992 e o previsto para 1993. Mas se o fizesse logo veríamos como se fazem as variações de verbas de um ano para o outro e em que umas vezes se aumenta, outras se diminui e ainda outras em que desaparecem projectos sem se saber muito bem como isso acontece.

Como não tenho tempo para percorrer projecto a projecto, referirei apenas e para que fique claro e alguém interessado possa ver melhor o que se passa com estas verbas, o facto de aprovarmos na Assembleia da República o orçamento de 1992 e chegarmos a 1993 e aparecer-nos como execução prevista nos vários projectos verbas que nada têm a ver com o que aprovámos. É que algumas verbas aumentam significativamente relativamente ao que estava previsto e outras diminuem e outras até desaparecem.

Foi isto que verifiquei e para o provar avançarei com dois ou três exemplos que poderão dar a ideia de que não podemos estar de acordo com o que o Sr. Ministro disse e sobretudo com as percentagens que aqui traz. V. Ex.1, em termos de orçamento, fala de 80 % daqui, 80 % dali e 85 % de acolá, mas o que verificamos, e dou apenas dois exemplos, é o seguinte:

No que se refere ao PIDDAC na rubrica «Investimentos do Plano» e comparando 1992 com 1993, estão pro-

gramados, para 1993, 15,710 milhões de contos mas no orçamento de 1993 aparecem inscritos 16,755 mühões de contos. Portanto, estavam programados 15 milhões e agora aparecem 16 milhões.

Também no orçamento e na rubrica «Saneamento da Costa do Estoril» previa-se em 1991 para o orçamento de 1992 que o investimento total fosse de 4,8 milhões de contos, mas em 1992 programa-se um investimento de 5,9 milhões de contos, ou seja, mais 1 milhão de contos.

Ainda e em termos de investimentos do Plano em 1991, portanto, no orçamento para 1992, havia apenas programação financeira para 1992, mas o atraso das obras e o aumento de custos faz que para 1993 esteja programada uma verba de 1,9 milhões de contos. Ou seja, Sr. Ministro, a diferença de 1 milhão de contos que se verifica entre o programado em 1992 para gastar em 1993 e o previsto em 1993 é «comido» — permita-se-me a expressão — por esta diferença de 1,9 milhões de contos, para mais, só no saneamento da Costa do Estoril.

Assim, Sr. Ministro, por estes números fica claro, e eu não sou especialista em contas, que em vez de haver um aumento no investimento do Plano de 1992 para 1993 o que verificamos é um decréscimo, não em termos reais porque não estou a falar em termos reais.

Gostava que V. Ex.1 explicasse esta diferença e também como é que vem dizer que há aumentos de investimentos da ordem dos 60 %, 70 %, 80 % nos vários sectores quando nós, com uma simples conta e uma apreciação da primeira página e do cabeçalho dos orçamentos de 1992 e 1993, chegamos a esta conclusão. E já não falo da inflação e de outras questões que havia que ponderar aqui.

Também relativamente à defesa e protecção do ambiente, no orçamento de 1992, estava programado, para 1993, um investimento de 7,195 milhões de contos, mas no orçamento para 1993 apenas está cabimentado um investimento de 6,279 milhões de contos, isto é, menos 1 milhão de contos. Este é mais um exemplo que gostaria que explicasse. E, sendo esta uma área de prioridade, como é que acontece!? Sr. Ministro, estes são os números reais que podemos confrontar aqui.

Para terminar solicito uma última explicação ao Sr. Ministro porque pode ser que não tenha visto bem o orçamento. Uma das apostas do Ministério é integrar o ambiente nas políticas sectoriais e, por isso, gostava que nos informasse onde é que, este ano, esse esforço está transposto para o orçamento de 1993. Como é que há esse esforço que V. Ex." alardeou o ano passado e como é que se verifica essa integração — que, aliás, nós defendemos — do ambiente nas outras áreas sectoriais? De facto no ano passado verificou-se alguma integração e, como V. Ex." garantiu que era o primeiro ano e que depois se avançaria, gostava que nos explicasse onde é que isso se verifica no Orçamento, à excepção do Ministério da Saúde.

De momento era só isto, Sr. Ministro.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado Castro Almeida, por gentil cedência do Sr. Deputado Ribau Esteves.

O Sr. Castro Almeida (PSD): — Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, quero, muito claramente, felicitar o Sr. Ministro do Ambiente e dos Recursos Naturais pelo facto de ter tido a coragem de vir à Comissão explicitar que o .seu Ministério tem três prioridades e dizer quanto afecta no plano financeiro, a cada uma delas e qual é o

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valor global do orçamento do Ministério que afecta o conjunto da-s áreas que definiu como prioritárias.

Sr. Ministro, esta sua posição é um acto de coragem que é arriscado porque, à partida, era de prever que a oposição fosse dizer «Então o que se passa com a protecção do ar?», «e com o ruído?» Ou seja todas aquelas áreas que não são consideradas prioritárias.

Trata-se de fazer escolhas e, portanto, a tendência normal da oposição é salientar as áreas que não foram seleccionadas como opção fundamental.

Agora, já não previa que a oposição fosse atacar o orçamento dizendo que não há escolhas, que o discurso não tem tradução financeira ou que as prioridades definidas não tem cabimento orçamental, para usar um expressão da contabilidade pública Oe facto, é manifesto que há opções e há que saudá-lo. É manifesto que as opções que o Ministério define têm efectivamente tradução orçamental.

Tenho acompanhado todas as reuniões conjuntas da Comissão de Economia, Finanças e Plano com as outras comissões e com os diversos membros do Governo e tenho visto a oposição mais sensata do que vi na reunião de hoje, na medida em que tenho apreciado o comportamento normal dos partidos da oposição que não se põem a pedir mundos e fundos, mostrando compreensão pela exiguidade dos meios e pelo facto de as despesas públicas terem uma compensação em receitas, que, ao fim e ao cabo, são os impostos. Mas, Srs. Deputados, o que vimos aqui, hoje, é a oposição ser liberal nas receitas e socialista nas despesas, como se fosse possível ter um discurso no Plenário e um outro diferente na Comissão e como se não houvesse necessidade de encontrar os meios para suprir o muito que há a fazer nesta área.

Finalmente, quero dizer o seguinte: penso que o Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais é ainda digno do aplauso — e não o referiria aqui se não fosse o facto de isto ter sido contestado pelos partidos da oposição—, quando diz que o Govemo deve dar ênfase e incentivar as intervenções do mercado na área do ambiente, área que deve ser da responsabilidade de todos e não apenas do Govemo.

Confesso que nas citações que o Sr. Deputado José Sócrates fez de um relatório do Banco Mundial não vi em que medida contrariavam as afirmações do Sr. Ministro. Pelo contrário, ouvi-o confirmar aquilo que o Banco Mundial diz, ou vice-versa, como queiram. Não sei quem tem a autoria desse discurso, mas a verdade é que o discurso do Sr. Ministro é coerente e absolutamente defensável. A intervenção do Estado no domínio do ambiente não se mede só em milhões de contos e se se contestam os milhões de contos teria de haver um debate sério. Quem propõe mais despesas na área do ambiente tem de dizer uma de duas coisas: em que outro ministério é que devem ser reduzidas as despesas ou dizer que impostos é que devem aumentar. Ou, então, pegar no PIDDAC, nas despesas do Ministério e dizer o seguinte: o Sr. Ministro está a gastar demais aqui e de menos acolá e, portanto, tem de riscar esta obra e incluir aquela outra. Com efeito, se não for assim o debate do Orçamento na especialidade não é sério.

Relativamente ao Orçamento em detalhe, sei que tem uma especial sensibilidade e apreço pelas questões que se relacionam com a ria de Aveiro. Sou Deputado por esse distrito e sei que houve, recentemente, um bom desenvolvimento nessa matéria. Portanto, gostava que o Sr. Ministro pudesse relatar-nos o que mais de actualizado tiver

sobre as perspectivas das obras que são necessárias realizar na Ria de Aveiro.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr. Deputado José Manuel Maia, tem a palavra.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): — Sr. Ministro do Ambiente, é só algumas questões de pormenor para as

quais solicitava alguns esclarecimentos a fim de conhecer a posição do Ministério.

A primeira questão refere-se ao estudo de impacte ambiental da ligação ferroviária entre o Pargal e o Pinhal Novo. Sr. Ministro, a equipa que procedeu ao estudo não teve possibilidades de analisar — porque não lhe foi presente — traçados alternativos, nem outras localizações para as estações de caminho de ferro.

O estudo de impacte ambiental apenas avalia os efeitos negativos da linha férrea, proposta pelo Gabinete do Nó Ferroviário de Lisboa, que propõe acções tendentes a atenuar estas situações negativas.

Pensamos que esta questão é muito importante pelo facto de o estudo concluir que os efeitos indirectos da linha férrea são aqueles que maiores problemas levantam. Esse estudo afirma, por exemplo, que «entre Coina e Moita poderá ocorrer um surto de construção, com vista a cobrir a procura de um mercado de habitação de mais baixo custo»; que poderá «dar origem a novos clandestinos ou à construção de habitação de muito baixa qualidade», ao mesmo tempo que, nas áareas próximas da estação do Pargal, «é de esperar um aumento explosivo do ritmo de ocupação e do seu custo» (p. 49 do relatório).

Por outro lado, refere ainda o facto de o concelho de Palmela se poder tomar «um caso crítico, face ao enorme esforço de invesümento em infra-estuturas urbanas, que será necessário realizar para acompanhar a pressão imobiliária a que estará sujeito».

É claro que estes efeitos se devem ao facto de a ligação ferroviária servir, particularmente, áreas expectantes ou de baixa densidade de povoamento, como se pode constatar dos dados do próprio relatório sectorial sobre transportes na p. 16: 61 000 habitantes potenciais a menos de 1 km das estações previstas, dos quais 53 000 no corredor da estrada nacional n.° 10 até à Amora, e 148 000 a mais de 3 km, localizados, sobretudo, na linha entre o Fogueteiro e o Pinhal Novo.

Toda esta situação vem contrariar não só o PROT da área metropolitana de Lisboa como o próprio PDM de Almada que perspecüvava — e isto acompanhado com departamentos de Estado — uma área de lazer para a zona entre a Charneca e a Aroeira.

Mas, também, ao deslocar a acessibilidade a Lisboa para o interior da península, ao contrário de potenciar os centros existentes como Almada, Barreiro, Seixal, Setúbal e as suas ligações, favorece o declínio da região do Barreiro e do Seixal «na medida em que privilegia o desenvolvimento ao longo do eixo de Almada, Palmela e Setúbal». Sem dúvida que esta situação pode ser alterada se houver a opção futura pelo corredor central, ou seja, ligando Cheias ao Barreiro.

No entanto, no serviço que a linha Pargal-Pinhal Novo irá prestar à população instalada ou a instalar nas áreas urbanizadas ou urbanizáveis, importa referir o facto de o traçado da linha se situar de forma excêntrica em relação às áreas de maior densidade demográfica, levando a que a procura prevista seja substancialmente inferior aos estu-

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dos que justificam a sua viabilidade económica e à opção quanto ao nó ferroviário.

Importa dar números. O Gabinete do Nó Ferroviário de Lisboa apontava 22 000 passageiros/hora e o estudo de impacte ambiental aponta o máximo de 10000 em hora de ponta. Face a esta situação, o estudo de impacte ambiental chega a propor a revisão dos cálculos efectuados, dado que «as diferenças verificadas nos quantitativos podem pôr em causa a viabilidade económica da via». Refere ainda — e chamo a particular atenção do Sr. Ministro para isto — a indefinição associada aos objectivos desta via férrea, o que levou a que somente fosse analisado o cenário da circulação de comboios de passageiros, ou seja, não foram equacionados os impactes resultantes da circulação de comboios de mercadorias e a não articulação com o PROT da área metropolitana de Lisboa e as novas travessias do Tejo, como dois aspectos críticos de todo este projecto.

Sr. Ministro do Ambiente, qual é a posição do Ministério relativamente a este projecto? Será completado o estudo de impacte ambiental considerando que, na verdade, o estudo efectuado foca apenas uma parte?

Segunda questão que importa referir. Como é do conhecimento do Sr. Ministro, diversas entidades têm mostrado a sua preocupação relativamente ao impacte que terá a nova ponte Alcochete -Sacavém e, particularmente, na área da Reserva Natural do Estuário do Tejo. Há modificações no território: previsível crescimento urbano, facilidades de deslocação das populações para uma área de grande sensibilidade ambiental e movimentação de terrenos que irão alterar o funcionamento do ecossistema. Com certeza que estas modificações terão reflexos em toda esta área mas, particularmente, nas zonas de ambiente rural e nas próprias salinas do Samouco, que são fundamentais para a fauna integrada numa zona de protecção ambiental especial criada no âmbito das Comunidades.

Portanto, pergunto ao Sr. Ministro se os estudos relativamente ao impacte estão finalizados; que medidas e investimentos dispõe para fazer face aos reflexos e pressões relativamente a esta obra e quais são as pressões para que sejam preservados os valores ambientais e ecológicos desta zona?

A terceira questão é relativa ao depósito de resíduos tóxicos a céu aberto na Herdade da Despada, em Cercal do Alentejo, provenientes da limpeza dos porões de navios que é feita no Porto Brandão.

Sr. Ministro, diz-se que foram encontrados elevados teores de hidrocabometos em águas utilizadas para consumo doméstico e várias vezes superiores ao máximo tolerado. Portanto, perguntava ao Sr. Ministro se foi resolvido este problema e em particular a questão da lixeira. As águas foram ou não contaminadas? E a empresa responsável foi ou não chamada à atenção relativamente a este problema?

Relativamente à quarta questão não vou tecer grandes considerações porque o problema é demasiado conhecido e polémico. Refiro-me às escórias de alumínio no Vale da Rosa, em Setúbal, e à empresa METALLMEX. As perguntas são as seguintes. Quais são os resultados finais das análises às águas? Existe ou não perigo para a população?

Como o Sr. Ministro sabe, há empresas que deixaram de utilizar a água corrente e, por exemplo, na fábrica Renault os trabalhadores estão a água mineral. Não quer dizer que a água mineral não seja boa, mas a água corrente também o é desde que esteja em condições. Portanto, qual o destino das 22 000 l. de escórias de alumínio

importadas da Suíça? Houve ou não sucesso nos contactos diplomáticos feitos com a Suíça?

A quinta questão refere-se à implantação do Sistema Nacional de Resíduos Tóxicos e Perigosos, nomeadamente a localização das unidades de incineração e depósito que estavam perspectivadas para Sines e Grândola já que em Abril os processos foram suspensos — e bem — para esta situação ser reavaliada. Pergunto, pois, qual é o ponto da situação e se já existe alguma definição?

Sr. Ministro, quero abordar mais alguns aspectos muito brevemente. Em relação à questão da lagoa de Albufeira aparece aqui uma verba de 10 000 contos para o ano de 1993 e uma outra de 12 500 para o ano de 1994, o que é muito pouco para o problema desta zona. O Plano Parcial da Área Degradada a Recuperar da Lagoa de Albufeira já foi aprovado — claro que isto não é só da responsabilidade do Ministério —, mas gostava de saber que investimentos vão ser feitos em articulação com o município para que esta situação seja resolvida, nomeadamente se já estão concluídos os estudos para a questão da abertura permanente ou não da lagoa de Albufeira.

Relativamente à questão do rio Sado, existem umas pequeninas verbas para as cheias no valor de 36 538 contos e também uma verba para a Reserva Natural do Estuário do Sado no valor de 40 000 contos para 1993-1994, mas estes problemas não se compadecem com estas verbas. O problema é muitíssimo grave desde a Reserva do Estuário do Sado até ao próprio rio Sado. A questão das cheias traz problemas graves, tanto do ponto de vista económico e ambiental como, também, da própria vivência das populações. Há uma série de localidades em que a comunicação é completamente interrompida e estou a pensar em São Romão e em Alcácer do Sal. Assim, pergunto: o que está a ser feito para o desassoreamento e regularização das margens, além da questão do estuário?

Por último, surge a questão do Parque Natural da Arrábida. Sabemos que tem verbas, sem dúvida, de 150 000 contos para 1993 e 140 000 contos para 1994, mas fala--se agora num novo sistema de detecção e combate a incêndios.

Penso que é positivo, mas fala-se em grandes meios como, por exemplo, em helicópteros. Inclusivamente, esta situação foi anunciada em grandes parangonas nos jornais. Assim sendo, gostava de saber se este dinheiro, que é dinheiro da Operação Integrada de Desenvolvimento da Península de Setúbal — como o Sr. Ministro sabe —, é suficiente ou se vai haver um reforço tendo em conta estas situações.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — As suas perguntas foram efectivamente rápidas, mas foram muitas. Efectivamente, Sr. Deputado, só tenho de lhe agradecer a sua concisão.

Tem a palavra o Sr. Deputado Gameiro dos Santos.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): — As perguntas que vou fazer dirigem-se ao Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais e ao Sr. Secretário de Estado dos Recursos Naturais.

Começo por colocar uma questão ao Sr. Seaelário de Estado dos Recursos Naturais, relativamente ao rio Alviela. Lembro-me daquela visita que V. Ex." fez, no ano passado, ao rio Alviela, altura em que disse que, no ano seguinte, já iria tomar banho ao rio Alviela. Ora este ano, estive lá à sua espera no Verão, mas o senhor não apareceu.

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O Sr. Secretário de Estado dos Recursos Naturais (António Taveira da Silva): — Mas tomou banho!

O Orador: — Não! Estava à espera que viesse comigo!

E agora vem dizer que, afinal, só vamos tomar banho em 1993. Mas, olhando para o Orçamento do Estado para 1993, concluo que, antes do fim do século, não iremos tomar lá banho. É que o projecto para a despoluição do rio Alviela tem verbas até aos anos posteriores a 1996!

Assim sendo, pergunto-lhe, Sr. Secretário de Estado, quando é que poderemos tomar lá banho. E creio que, provavelmente, V. Ex.' já não irá tomar lá banho enquanto Secretário de Estado, mas, sim, como cidadão. Ainda sobre a questão do rio Alviela, gostaria que o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado fossem mais concisos e nos dissessem a que acordo é que, afinal, chegaram com a Câmara Municipal de Santarém, a Junta de Freguesia de Pernes e as populações ribeirinhas do Alviela. E que gerou-se uma expectativa muito grande, como sabem, numa reunião realizada na Câmara Municipal de Santarém, no início deste Verão, mas não sei como é que as verbas previstas no orçamento, pouco mais de 200 000 contos, vão atenuar a situação gravíssima em que vivem aquelas gentes. Não é possível, Sr. Ministro, manter uma situação como aquela!

Recordo-me que, nessa reunião, o Sr. Secretário de Estado disse o seguinte: «Este ano, durante o Verão, vamos pôr umas máquinas a limpar as margens» — o que, parece, teve algum efeito posistivo — «e fiquem descansados que vamos dar instruções à EPAL para aumentar o caudal ecológico». Na semana passada, estivemos com a administração da EPAL e perguntamos por que é que, afinal, a torneira só foi aberta em Outubro. Quer dizer, o Estio foi de Junho a Setembro e a torneira da EPAL, isto é, as águas da nascente só foram abertas em Outubro. A razão dada pelo administrador da EPAL foi a seguinte: «Sabe, é que o despacho do Govemo é só de Outubro.» Quer dizer, era necessário haver água no período do Verão e só se despacha em Outubro! De onde, o aumento do caudal só se verifica em Outubro! Sr. Secretário de Estado, gostaria de saber o porquê desta situação. É que tudo isto contribuiu para agravar, ainda mais, durante este Verão— e, além do mais, durante um ano extremamente seco —, a situação daquelas gentes.

Outro problema é o que se verifica em Minde e Mira de Aire, não muito longe daí, onde já ninguém bebe água, ou melhor, as pessoas já não sabem, quando abrem as torneiras, se sai água ou algum sumo, porque a água tanto é verde, como azul ou amarela. Ora, neste orçamento a verba que se prevê para Minde e Mira de Aire é zero! Assim, gostaria de saber como é que vamos resolver este problema gravíssimo.

Outra questão diz respeito à despoluição do rio Trancão. Realmente, são atribuídas algumas verbas para esse efeito, mas creio que tem de haver um projecto para a despoluição do rio Trancão. Vai realizar-se a EXPO 98, mas não vejo aqui projecto algum para a despoluição do rio. Afinal, quem vai despoluir o rio Trancão? Será essa tal empresa que vai ser constituída para organizar a EXPO 98? De facto, não vejo como é que isso vai ser possível com as verbas aqui orçamentadas. Isto, já para não falar úos graves problemas que afectam o resto da bacia do Tejo.

Vamos agora passar à questão do Alqueva, que importa analisar. Creio que o empreendimento do Alqueva, po-

dendo ter fins múltiplos, tem uma vertente ambiental de grande importância, que, julgo, ninguém porá em causa, designadamente no que se refere até à questão do abastecimento público de água, eventualmente ao Alentejo. Mas o curioso é que um projecto desta importância está no segredo dos deuses, ou no segredo da gaveta do Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território. De facto, quando, há alguns dias, aqui interrogámos o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, acerca da questão do Alqueva, ele respondeu: «Sabe, recebi o estudo, mas ele está no meu Gabinete e ainda não tive oportunidade de o ler.» Contudo, creio que um empreendimento desta envergadura não pode ser analisado somente pelo Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território. Gostava de perguntar ao Sr. Ministro se tem conhecimento desse estudo e, se tem — oxalá, não aconteça com o Alqueva o mesmo que com a nova ponte sobre o Tejo —, dê-nos algumas informações a esse respeito, porque elas serão muito úteis, particularmente para as populações alentejanas.

A última pergunta refere-se ao Fundo de Coesão. E não vou referir-me aos fogos florestais, porque já andamos a falar sobre isto há tantos anos, os fogos são tantos e a protecção tão deficiente, que não vale a pena mencionar este assunto. De facto, a floresta portuguesa tem sido muito maltratada nos últimos anos. Quanto ao Fundo de Coesão, ele não é mencionado neste orçamento, embora se lhe faça referência no relatório técnico. Mas recordo-me que, numa reunião aqui realizada, o Sr. Ministro disse que tinham ideias de como aplicar o Fundo de Coesão se as verbas chegassem em 1993. Mas julgo que não basta ter ideias; é preciso já ter programas e até alguns projectos, porque 1993 é já daqui a um mês. E não podemos estar à espera que o Fundo de Coesão apareça como que caído do céu, para, depois, andarmos, muito à pressa, a arranjar projectos para utilizar as verbas. Gostava de saber quais os sectores em que essas verbas iriam ser aplicadas — se só no da protecção da água ou também nos tais incentivos aos empresários para a despoluição das suas unidades industriais— e também qual o papel que as autarquias podem ter na utilização destas verbas, que, a meu ver, pode ser muito importante.

O Sr. Presidente (Guido Rogrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado Ribau Esteves.

O Sr. Ribau Esteves (PSD): — Sr. Ministro, quero colocar-lhe apenas duas questões. Uma delas, de política geral e no âmbito de uma recente transferência de competências na administração central, tem a ver com a política de defesa de costa do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, sabendo nós que algumas zonas do País —e estou a lembrar-me de algumas praias, que, inclusivamente, ostentam a bandeira azul — têm os seus areais em desaparecimento. Perguntar-lhe-ia qual é a política do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais para a defesa de costa nomeadamente em questões que o Sr. Ministro bem conhece.

Uma segunda questão é mais de pormenor e diz respeito a esse grande projecto, que é a solução integrada para a resolução dos problemas de poluição da ria de Aveiro enquadrada pelo plano da ria. Sabendo que 1993 é o ano de plataforma para esta obra, um ano de conclusão dos estudos de pormenor para, depois, passarmos à fase de implementação dessa grande obra orçada em algumas dezenas de milhões de contos, gostava de saber de que for-

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ma está o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, como representante da administração central e comparticipante em termos financeiros nesta grande obra, a equacionar a sua participação nesta obra— logicamente em ligação quer com os municípios, integrados na Associação de Municípios da Ria, quer com os fundos da Comunidade Europeia. Isto é, queria saber como está a ser estrututrada e desenvolvida —julgo que já estamos na fase do desenvolvimento — a política do Ministério para esta obra.

O Sr. Presidente (Guido Rogrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado Fialho Anastácio.

O Sr. Fialho Anastácio (PS): — Sr. Ministro, quero colocar algumas questões, uma das quais se relaciona com alguns aspectos já aqui ventilados, designadamente nesta última intervenção.Olhando para o projecto que está orçamentado de recuperação das zonas degradadas do litoral sul, constatamos que há lá uma verba, mas os problemas que existem no nosso litoral, designadamente na zona sul, são de elevada transcendência.

Recordo-me que, aquando da discussão do Orçamento de Estado para 1992, também coloquei ao Sr. Ministro uma questão acerca do problema dos clandestinos. Ora, parece-me que eles continuam a existir e que não houve medidas que debelassem a situação. Isto é um mau exemplo! A política seguida anteriormente, de alguma maneira, paralisou um pouco toda essa avalanche de clandestinos na zona litoral, mas parece-me que todo esse processo está sustado, mantendo-se situações que deviam ser resolvidas.

Recordo-me, por exemplo, do que se passa no bairro da lata de Quarteira, uma situação que é degradante para todos nós, em que tem de haver um forte empenhamento governamental, porque, por si só, o município de Loulé não tem capacidade para o resolver. Julgo, pois, ter de haver um forte empenhamento da administração central para a resolução desse tipo de problemas.

Um outro aspecto que tem a ver com uma das prioridades do Ministério é o abastecimento de água. Existe um grande projecto, que é aquele que faz «engordar» um pouco o orçamento do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, que tem a ver com as infra-estruturas primárias do sotavento algarvio e, portanto, com o abastecimento a toda a zona do sotavento. E, no outro dia, ao efectuar uma visita a esta zona para ver a localização da estação de tratamento de águas, verifiquei que ela não estava localizada onde inicialmente — ou, pelo menos, numa das fases — se previa. Acompanhei de perto esse processo e verifico que, agora, a localização é outra. A estação está em construção, mas vi, ali bem perto, situações de eventual conflito com a instalação desse equipamento. Gostaria de saber se esta nova instalação não trará encargos acrescidos para o erário público e conflitos de difícil resolução.

Inclusivamente, verifico que, neste orçamento, um projecto que existia, o abastecimento de água ao sotavento algarvio, desapareceu, isto é, as verbas desapareceram. Teriam sido incluídas nas infra-estruturas primárias do sotavento? O que é que se passa acerca disso, Sr. Ministro?

Outro grande problema que tem a ver com a poluição é o tratamento dos efluentes. Constato que houve verbas, previstas no orçamento do Ministério do Ambiente de 1992, que não foram gastas, como as destinadas ao projecto designado «Drenagem e Tratamento de Efluentes da Ria Formosa». Parece-me que a verba para 1993 é diminuta. Sei que, em tempos, os municípios tiveram a inten-

ção de celebrar contratos-programa, porquanto existem algumas estações de tratamento de águas residuais que estão antiquadas. De facto, há novas tecnologias e elas têm de ser modificadas, mas essas obras implicam encargos vultosos. Quando se iniciaram as primeiras estações de tratamento no Algarve, houve empenhamento da administração central nesse sentido. Gostaria de saber qual é, agora, a política do Ministério relativamente a esta situação: se pretende incentivar o estabelecimento de contratos-programa com as autarquias para modificação de algumas estações de tratamento que estão completamente obsoletas, não podendo dar rendimento e tendo de continuar a poluir dada a sua diminuta rentabilidade, ou se vão deixar todo este ónus aos municípios, que não têm a capacidade financeira para o resolver.

Por outro lado, quanto às verbas destinadas ao Parque Natural da Ria Formosa, devo dizer-lhe, Sr. Ministro, que elas me parecem bastante diminutas. Sei que tem sido feito um esforço, fundamentalmente na Quinta de Marim. Aí, efectivamente, tem-se apostado. Existem lá equipamentos que não envergonham ninguém. Mas pergunto: e o resto?! A ria Formosa é só a Quinta de Marim? É só o auditório e aqueles equipamentos lá existentes? Julgo que não! Esse é um elemento que tem a sua relevância, mas parece-me que existem outros aspectos muito mais importantes para os quais não há a atenção devida.

Já referi, em ocasião anterior, que receio muito pela «amputação» da ria Formosa. Como sabe, o cordão dunar e as ilhas-barreira da ria Formosa são instáveis; tem havido ocasiões em que o mar tem galgado algumas dessas ilhas e tem unido o oceano com a ria. Ora, se isto se vier a verificar mais alguma vez, a ria Formosa corre o risco, e não é só um risco teórico mas também real, de ficar «amputada» ou de «morrer».

Deixo, mais uma vez, este alerta ao Sr. Ministro, porque, parece-me, não tem havido atenção para esta questão.

Outro aspecto de que tive conhecimento ontem e que me deixou preocupado tem a ver com a melhoria da qualidade da água. Ao que parece, foram detectados elevados teores de manganês na barragem do Beliche, de tal forma que a água de abastecimento a Vila Real de Santo António, e julgo que a Castro Marim — que, como sabe, são dois concelhos que estão actualmente a beneficiar da água da barragem do Beliche —, está imprópria para consumo.

Já agora queria dizer mais alguma coisa sobre isto: parece-me que tem de haver uma compatibilização na utilização de águas de superfície e de águas subterrâneas — não podemos optar por um só sistema em desfavor do outro — a fim de que situações destas não se repitam. Aliás, admiro-me por que é que isto acontece e fico muito alarmado — talvez não tenha havido cuidado! —, pois, não estando a barragem do Beliche localizada numa zona de agricultura intensiva não percebo como se encontram estes tão elevados teores do metal.

Assim, gostava de saber se o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais está atento a este problema e quais as medidas que procura implementar de modo a que situações como esta não se repitam.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou fazer propriamente uma pergunta mas, sim, uma curta declaração política, pois, em face úe uma

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intervenção que foi hoje aqui produzida, não poderia ficar silencioso, sob pena de um dia ser acusado de conivência.

Em nome pessoal e no da minha bancada, não posso acompanhar as reflexões doutrinárias do meu amigo Deputado José Sócrates sobre os papéis do mercado e do Estado na defesa do ambiente e na luta contra a poluição.

Não concordamos com a diatribe e com a ofensiva clara que o Sr. Deputado fez — e como socialista até foi coerente — contra o papel do Estado e do mercado na política ambiental. E suportamos a nossa opinião quer em estatísticas quer em ocorrências factuais.

As ocorrências factuais são as seguintes: a economia socialista com o colapso da parte leste da Europa, demonstrou que a intervenção do Estado, a socialização e as políticas estatizantes conduziram ao caos ambiental nessa zona da Europa. Aliás, se há zona da Europa onde o ambiente está mais degradado, essa zona corresponde ao Leste, exactamente onde se praticaram as políticas, as doutrinas e as filosofias que o Sr. Deputado José Sócrates pregou esta tarde na Assembleia da República.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): — Não é verdade!

O Orador: — Quanto às estatísticas, a OCDE é muito clara: o mercado do ambiente cresce a olhos vistos, situan-do-se já na ordem dos 200 milhões de contos, e prevê-se que, no ano 2000, se situe em 300 milhões de contos, ombreando já com o mercado da indústria química e com o mercado aero-espacial.

Por outro lado, os países que têm normas ambientais mais rigorosas são os que têm políticas de apoio ao mercado de ambiente mais efectivas e eficazes. Senão, vejamos: a Alemanha é um país que tem tecnologias de ponta em matéria de tratamento de águas; o Japão é um país que tem tecnologias de ponta em matéria de luta contra a poluição atmosférica; os Estados Unidos são um país que tem tecnologias de ponta no tratamento de resíduos tóxicos, bem como a França e a Holanda. Trata-se de países que têm tecnologias e performances técnicas de elevada

ordem, porque, por um lado, têm normas rigorosas em

matéria ambiental e, por outro, favoreceram a criação de

empresas de ambiente que, hoje em dia, são altamente prósperas no mercado mundial. A tudo isto importa acrescentar que os países da OCDE são já responsáveis por 85 % do mercado mundial, quer de equipamentos quer de serviços.

Portugal aproxima-se também deste quadro internacional, mas com uma postura de confiança. Os países da OCDE, por exemplo, já afectam 1,2 ou 1,5 do seu PIB à luta contra a poluição e Portugal está muito próximo desses valores, caminhando, paulatinamente, para os parâmetros desses países da OCDE, que têm grandes economias e não poderão, de um dia para o outro, ser comparáveis a Portugal.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): — Muito próximo?

O Orador: — A Alemanha exporta 40 % da sua «produção verde» de equipamentos e serviços e as estimativas apontam que 30 000 empresas americanas de produção de equipamentos e serviços de natureza ambiental, 20 000 empresas europeias e 9000 empresas japonesas empregam 1,7 milhões de pessoas.

Ora o Governo Português caminha bem quando quer favorecer a criação de empresas deste tipo e quer criar con-

dições para que o mercado do ambiente floresça também em Portugal; caminharia mal se, por exemplo, na óptica do Partido Socialista, estatizasse e tivesse um comportamento socializante face a esta nova realidade, que se traduz na criação de um mercado de ambiente florescente.

Era esta declaração política que o Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata queria fazer, aliás, em total sintonia com a política e a opção do Govemo.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Sr. Presidente, vou ser muito rápido, pois vou colocar duas questões muito concretas, na sequência de outras que já foram aqui colocadas.

Tivemos um ano hidrológico extremamente seco e se neste momento não se alterar o quadro actual, as perspectivas são as de que avançamos para um novo ano, que, corremos o risco, pode ser idêntico a este.

Assim, a pergunta que lhe faço é a seguinte: o Governo encara a possibilidade de preparar um programa de emergência de aproveitamento dos recursos hídricos, designadamente a nível da construção de pequenas e médias albufeiras, em particular nas zonas mais carenciadas, como é o caso do Alentejo? A não ser assim, que medidas alternativas entende o Governo pôr em prática para compensar esta sucessão de anos secos?

Recordo que na vizinha Espanha por exemplo, face a uma situação como esta foi recentemente definido um plano de construção de pequenas e médias barragens até ao ano 2010, exactamente para, de uma vez por todas, procurar compensar, de algum modo, estas situações.

A segunda questão que quero colocar-lhe tem a ver com a barragem dos Minutos, em Montemor-o-Novo, que já teve uma verba inscrita no PIDDAC durante dois anos e depois desapareceu. Trata-se de uma albufeira que vai regar cerca de 3000 ha de terreno e que poderia resolver, ou contribuir para resolver, os problemas de uma região localizada no concelho de Montemor-o-Novo decorrentes

destes anos hidrológicos secos.

A Direcção-Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola tem referido — e o Sr. Secretário de Estado da Agricultura também o confirmou quando aqui esteve— que, por parte do Ministério da Agricultura não há qualquer objecção a que a barragem avance e que todos os mecanismos, na parte que compete à referida Direcção-Geral e ao Ministério, estão preparados para avançar, pelo que a resolução da questão está unicamente nas «mãos» do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais e da Direcção--Geral dos Recursos Naturais.

Todas as forças políticas daquela região estão de acordo e o próprio governador civil afirmou, este ano, que a barragem ia avançar e ia ser inscrita no PIDDAC, mas isso não se confirma.

Assim, a questão que coloco é esta: por que é que não se constrói a barragem, de que há projecto, que já esteve inscrito no PIDDAC, e relativamente à qual há consensos? E qual a perspectiva para a sua construção?

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Terminámos a primeira ronda de perguntas.

Para fazer uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

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O Sr. José Sócrates (PS): — Sr. Presidente, pedi a palavra, neste momento, porque julgo que talvez tenha sentido fazer uma declaração política antes de o Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais responder às perguntas que lhe foram colocadas.

Quero apenas reafirmar, perante os meus colegas, perante V. Ex.* e perante o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, que o que eu disse nada tem a ver com o que disse o Sr. Deputado Mário Maciel.

Se me permite, Sr. Presidente, gostava de dizer que é impensável atribuir a um Deputado do Partido Socialista a defesa de um socialismo de produção ou de uma economia planificada, .sabendo-se o que o meu partido pensa dessas questões.

O que disse, e reafirmo, é que me parece que, no domínio do ambiente, a acção do Estado deve ser determinante e que, nesse capítulo— havendo outros em que estamos de acordo que, para cumprir as funções tradicionais do Estado, ele pode dar um passo atrás—, como é unanimente reconhecido no mundo, o Estado tem de dar um passo em frente.

Assim, entendo que só por um pouco de má-fé é que se quer encapotar, digamos assim, um pensamento político, que pode ter discordâncias, numa ditadura de pensamento que nada tem a ver com o Partido Socialista com o seu património político e, certamente, com o pensamento político de todos os socialistas e de todos os Deputados do PS.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Para responder às perguntas que lhe foram colocadas, tem a palavra o Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais.

O Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais: —

Sr. Presidente, Srs. Deputados, pretendia começar por responder pergunta a pergunta, mas, se calhar, temos de continuar a reunião depois da audição do Sr. Ministro da Justiça e avançar pela noite dentro, pois só assim terei oportunidade de esclarecer, convenientemente e de um modo completo, algumas perguntas que aqui foram colocadas.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): — Ou fazemos simultaneamente, mas é uma questão de justiça!

O Orador: — Por outro lado, julgava vir discutir o orçamento do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais e fiquei um pouco admirado porque me foram colocadas algumas questões de política geral, que deveriam ter sido abordadas em Plenário e não aqui, na discussão na especialidade. No entanto, estou sempre disponível para responder — aliás, é exactamente para isso que cá estou.

Gostava de dizer ao Sr. Deputado António Murteira que o actual orçamento do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais é efectivamente o que resolve os problemas que aqui foram focados, como sendo, de facto, problemas do País.

Sabemos que temos problemas em termos de esgostos urbanos, sabemos que temos problemas ao nível industrial e estamos a preparar medidas nesse sentido, que se reflectem no Orçamento. Não há qualquer dúvida de que 75 % do Orçamento para o próximo ano vão ser aplicados precisamente na resolução dessas questões. Ora, isto significa que a opção é clara e que não estamos em dessin-tonia Sr. Deputado.

As medidas concretas estão, pois, reflectidas no Orçamento, e não posso adiantar-lhe mais nada.

No que se refere ao Alentejo, quero dizer-lhe que, dentro da programação plurianual do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, temos investimentos nessa região que são exequíveis em 1993 e que vão exactamente na linha das necessidades do Alentejo, ao nível do abastecimento de água às populações. Trata-se precisamente das barragens que referiu, não só a dos Minutos, que foi invocada há pouco pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho, como também a do Enchoé, a da Apartadura e outras, cujas obras está previsto arrancarem. E se, por um lado, temos os fundos do FEDER e, por outro, as comparticipações das

câmaras, não podemos esquecer-nos de que isto significa também a contribuição do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais. Trata-se de um pequeno pormenor que me parece não ter estado na linha de pensamento do Sr. Deputado, quando falou nos 400 000 contos para o Alentejo.

O Sr. António Murteira (PCP): — Mas eu não encontrei em parte alguma referência a essas barragens!...

O Orador: — Desculpe-me, Sr. Deputado, mas não posso permitir que me interrompa, porque nesse caso, teríamos de estar aqui a noite inteira!...

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Srs. Deputados, efectivamente, não podemos estabelecer diálogo, pois já são 17 horas e 10 minutos e o Sr. Ministro da Justiça e a sua equipa já estão a aguardar, pelo que teremos de ser breves.

O Orador: — Quanto à floresta penso que esse assunto já foi suficientemente discutido, todavia posso dizer-lhe que existe, neste momento, um consenso a nível do Govemo, traduzido no orçamento do Ministério da Agricultura, sobre o modo como temos vindo a recuperar a floresta portuguesa.

Estamos conscientes de que os incêndios têm sido um problema grave no nosso país e, por isso mesmo, há planos previstos para, no ano de 1993 —aliás, já começámos durante este ano —, continuar a política de ataque a esta praga. Assim, estamos conscientes de que é necessária uma acção preventiva e de ataque directo ao fogo, o que, aliás, tem sido feito.

No que respeita às áreas protegidas, posso dizer-lhe que a Arrábida é o exemplo típico de que, de facto, têm vindo a ser desenvolvidas as acções necessárias. Na verdade, o caso que veio recentemente para a opinião pública é o exemplo paradigmático de que o Ministério está atento e tem vindo a desenvolver os meios para conseguir combater os incêndios em áreas extraordinariamente ricas, que são o património do País e que, como tal, têm de ser salvaguardadas.

Daí que tenhamos feito alguns planos de ataque e o reforço dos meios à Reserva Natural da Arrábida, no sentido de evitar que alguma vez mais venham a suceder situações como as que ocorreram no passado.

O Sr. Deputado José Sócrates limitou-se a dizer que o Governo tinha muitas palavras e pouca obra... Infelizmente, é isso que tem sucedido consigo, pelo que lhe pergunto onde é que o senhor esteve durante estes 20 anos de política de ambiente para nunca o termos ouvido, em momento nenhum, a não ser a partir dos últimos anos a esta parte?!

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De facto,, eu e outros colegas meus, que temos estado envolvidos nestas andanças do ambiente há muitos anos, nunca vimos o Sr. Deputado José Sócrates em momento algum, mas de repente o senhor aparece-nos a querer dar alguns exemplos de como é que se deve fazer política de ambiente... Na verdade, o senhor é que tem muitas palavras e poucas obras!...

Srs. Deputados, o orçamento do Ministério mostra que estamos no caminho da resolução dos problemas, realçando como é que se faz política, e o Sr. Deputado nunca conseguiu demonstrar que essa não é a maneira como os portugueses pretendem que o Ministério resolva os seus problemas — aliás, se perguntar à população verá que esta pretende é que o Ministério invista em determinadas áreas, e é isso que estamos a fazer.

O Sr. José Sócrates (PS): — O problema é que não

investem!

O Orador: — A água é, por exemplo, uma área em que estamos a investir, o que mostra que estamos na linha certa! O senhor como não consegue demonstrar o contrário, pretende, com demagogia — e na área do ambiente é fácil fazer demagogia! —, vir aqui dizer que a política do Governo não é a mais correcta em termos de ambiente.

E dou-lhe dois ou três exemplos para demostrar aquilo que digo: o Sr. Deputado José Sócrates nem sequer sabe, com certeza, o que é que significam os instrumentos eco-nómico-financeiros quando fala em PEDIP, referindo este Programa como o único instrumento económico-financei-ro existente até agora. Sr. Deputado, posso dizer-lhe que o PEDIP investiu 12 milhões de contos na área do ambiente e fico muito espantado quando...

O Sr. José Sócrates (PS): — Isso tem seis anos!

O Orador: — ... o senhor diz que vai propor para a reconversão industrial um programa de 5 milhões de contos. Bom, é que se o Sr. Deputado disse que o PEDIP nada resolveu, então como é que os 5 milhões de contos, de que fala,...

O Sr. José Sócrates (PS): — Vai ajudar!

O Orador: — ... e gostaria de saber de onde vai tirá--los,...

O Sr. José Sócrates (PS): — Já lhe dissemos como!

O Orador: — ... como é que esses 5 milhões de contos irão resolver o problema ambiental das nossas indústrias, quando na realidade o PEDIP com 12 milhões de contos conseguiu uma extraordinária modificação do ponto de vista da qualidade dos efluentes das indústrias intervencionadas mas, mesmo assim, continuamos a ter problemas de efluentes que são de todos conhecidos?

Portanto, repito, não é com medidas perfeitamente demagógicas que conseguimos resolver os problemas do ambiente em Portugal.

Quanto à questão da menor intervenção do Estado, nem sequer vou responder-lhe, peÃs, t\a l de tal maneira básica

e primaria que nem merece resposta — aliás, o Sr. Deputado Mário Maciel foi suficientemente claro na intervenção que fez a este propósito. Mas, mais: se o Sr. Deputado continuar a ler o relatório do Banco Mundial verá que,

na página imediatamente a seguir à que referiu, nele se faz referência ao mesmo tipo de filosofia que acabámos

de apresentar, ou seja, a de que, cada vez mais, precisamos de entregar aos privados a capacidade de intervir.

Não sei se o Sr. Deputado leu, por acaso, o último relatório da Comunidade Europeia mas o mercado do ambiente perspectivado para Portugal é o que mais vai crescer na Comunidade nos próximos anos, referindo-se até o

valor de 13 %, Sr. Deputado!... Ora, isto indica bem que,

de facto, estamos a caminhar na linha cena quando nos propomos a cada vez menos, intervencionar na área do ambiente.

Quanto à nossa perspectiva sobre a forma como o Estado tem vindo a encarar a condução da política de ambiente, na verdade, posso dizer-lhe que este é o Orçamento possível neste momento, em termos de convergência económica comunitária para manter uma política de ambiente que é a de resolver os problemas.

Como sabe, temos vindo a aumentar o nível de atendimento das populações nos últimos anos e basta olhar para os investimentos que têm sido feitos e para a percentagem de atendimento, no que concerne quer ao abastecimento de água quer ao tratamento de esgotos, de lixos,...

O Sr. José Sócrates (PS): — Isso foram as câmaras!

O Orador: — ... para verificar que nós, com um orçamento pequeno, conseguimos ser eficientes, tão eficientes que conseguimos melhorar, mesmo com um orçamento a baixar em termos percentuais, a nossa capacidade de intervenção.

Quanto ao investimento nas barragens, nem sequer vou comentar essa questão, porque já referi esse assunto quando falámos da seca. De facto, quando temos uma previsão de algumas dificuldades, no futuro, devido à situação de seca que o País tem vivido nestes últimos anos —e nada nos garante que no próximo ano essa situação não se manterá —, limitar-me-ei a dizer que fico espantado quando se questionam investimentos da ordem dos 8 milhões de contos para garantir que as barragens que aqui foram referidas como fundamentais — e que o Governo também considera absolutamente indispensáveis — não sejam feitas nem sequer consideradas como obras da componente ambiental.

0 Sr. José Sócrates (PS): — Obras de componente ambiental?!...

O Orador: — Isso é ainda mais grave, porque demonstra bem que o Sr. Deputado deve andar muito arredado destas coisas para não saber que se trata de áreas onde a intervenção ambiental é fundamental! Aliás, o exemplo que o senhor deu do espelho de água em Mirandela mostra quão longe da realidade o senhor se posiciona pois não sabe que aquilo tem como base o abastecimento de água...

O Sr. José Sócrates (PS): — Não diga isso!...

O Orador: — ... e uma intervenção ao nível urbanístico e até de tratamento de esgotos. Aliás, a sua posição longínqua relativamente a estes assuntos é tão grande que

até chama à Sr." Secretária de Estado Adjunta Secretária

de Estado da Defesa do Consumidor, que nem sequer existe!... Portanto, o senhor deve estar completamente desfasado daquilo que é a composição do actual governo

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de tal forma que nem o nome da Sr.a Secretária de Estado conhece!...

Quanto ao Instítuto Nacional de Defesa do Consumidor, posso dizer que este organismo tem um orçamento que, apesar de o senhor considerar pequeno, tem permitido fazer actuações que a nível comunitário são consideradas exemplares e, mais do que isso, tem sido um orçamento que tem mostrado aos Portugueses como é possível formar e conscencializar as pessoas para um consumo correcto.

Portanto, isto demonstra que com um pequeno orçamento estamos a fazer aquilo que, se calhar, os senhores com um orçamento muito maior não eram capazes de fazer!...

Isto, aliás, vem na linha de que, provavelmente, o senhor vai ter de deixar de beber três ou quatro bicas para conseguir que o vosso orçamento dos 5 milhões de contos venha a subir e a ser entregue no Ministério do Ambiente!...

O Sr. José Sócrates (PS): — Não me importava!

O Orador: — Quanto à modernização, o Sr. Deputado falou em 226 000 contos, verba essa que eu nem sequer consigo encontrar no orçamento.

O Sr. José Sócrates (PS): — Então, leia-o!

O Orador: — Sr. Deputado, estamos a modernizar o Ministério para responder às necessidades que temos actualmente em termos do País e não é através de demagogia que vamos lá chegar mas, sim, respondendo à efectiva aplicação da política de ambiente.

Quanto ao Sr. Deputado André Martins, gostaria de dizer-lhe que tomei nota da sua coincidência de pontos de vista, em termos de discurso ambientalista, com as posições do Governo, o que para nós é gratificante, apesar de sabermos que há, em termos de estratégia política, formas diferentes de atingir os objectivos. Assim, não temos dúvidas de que um vosso orçamento seria, necessariamente, diferente do nosso! Mas, repito, este orçamento é aquilo que conseguimos encontrar, dentro das limitações que todos conhecemos, como o mais razoável para o Ministério.

Por outro lado, gostaria também de dizer-lhe que não há projectos que desaparecem de um anti para o outro! Não há projectos que sejam, pura e simplesmente, cortados!...

O Sr. André Martins (Os Verdes): — E até programas que desaparecem!...

O Orador: — Há é projectos e programas que são agrupados para uma melhor rentabilização, e isso é uma coisa que temos vindo a fazer para rentabilizar, repito, cada vez mais, as intervenções, de forma a garantir que os dinheiros não sejam dispersos.

Por outro lado, o Sr. Deputado referiu a verba do saneamento básico da Costa do Estoril, que é um exemplo simples mas enganoso — tal como a publicidade por vezes é! —, porque não foi por causa desse milhão de contos que o orçamento do Ministério subiu 2,3 milhões de contos em relação ao do ano pavsado. De facto, esse exemplo é enganoso e, repito, não é a melhor forma de mostrar como é que o orçamento do Ministério cresceu.

Quanto às políticas sectoriais posso dizer-lhe que estamos actualmente convencidos de que se deu um passo qua-

litativo no ano passado quando foram integrados nos vários ministérios os montantes referentes ao ambiente, pelo que este ano voltamos a ter essa situação.

Na minha intervenção no Plenário, aquando da discussão, na generalidade, do Orçamento do Estado para 1993, tive oportunidade de apresentar o valor global da percentagem do PIB em investimentos do ambiente, onde contabilizava também as intervenções de outros ministérios, nomeadamente da Indústria e Energia, do Planeamento e da Administração do Território, da Saúde e do Comércio e Turismo. Portanto, há intervenções perfeitamente claras no Orçamento que mostram como é que a área sectorial tem vindo a crescer.

Sr. Deputado Castro Almeida, agradou-me particularmente a sua intervenção quanto às prioridades de actuação, nomeadamente na ria de Aveiro. Assim, posso dizer--lhe que, respondendo simultaneamente ao Sr. Deputado Ribau Esteves, na semana passada tive oportunidade de assinar um contrato-programa com a Associação de Municípios da Ria de Aveiro em que o Estado assume a responsabilidade da sua comparticipação, tal como tinha ficado acordado quando a Associação se candidatou ao programa ENVIREG.

Portanto, assumimos a responsabilidade nesta primeira fase e eu deixei bem claro que assumiremos a responsabilidade a seguir, dizendo que isto não podia deixar de ser considerado mais do que o primeiro passo para todo o projecto completo de despoluição da ria. Mas não só: frisei que estamos a fazer outras intervenções numa perspectiva de política integrada que temos vindo a desenvolver na área de intervenções a nível do abastecimento de água e de que ressalto, por exemplo, o Carvoeiro e as novas barragens que vão ser construídas no rio Vouga, por forma a continuar o abastecimento de água às populações locais.

Portanto, em nosso entender, a ria de Aveiro tem, neste momento, possibilidades de começar a desenvolver todo um projecto integrado que teve como impulsionadora aquela Associação de Municípios, que está a mostrar um dinamismo e uma capacidade de resolução dos problemas que não é vulgar encontrar-se no nosso país.

Sr. Deputado José Manuel Maia dir-lhe-ei apenas que o estudo de impacte ambiental, abundamentemente lido e referido na sua intervenção, é um estudo como muitos outros, como os 123 estudos de impacte ambiental que, neste momento, o Ministério tem entre mãos. Aliás, pese embora as ideias que o Sr. Deputado José Sócrates tem sobre esta questão, nomeadamente quanto à inexistência de pareceres vinculativos, ainda não houve até hoje um único despacho meu sobre estudos de impacte ambiental — e, repito, em ano e meio de governação já assinei 186 despachos!... E peço ao Sr. Deputado José Sócrates que me aponte um despacho que não tenha sido cumprido! O não estar consagrado na lei não significa, portanto, que, em termos de Governo, não haja um consenso perfeitamente assumido de que os estudos de impacte ambiental são para ser cumpridos.

Mas, respondendo à sua pergunta limitar-me-ei a dizer-lhe que esse é um entre muitos outros, em relação ao qual terei certamente particular atenção quando me chegar às mãos, pois não tenho ainda em meu poder a sua análise, na medida em que esse estudo ainda não chegou à sua fase terminal — aliás, pelas informações que tenho, suponho até que ainda nem teve discussão pública.

O Sr. José Sócrates (PS): — Já teve, já.

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O Orador: — Então, deve estar em fase final de apreciação e, como disse, darei particular atenção às questões que foram levantadas — note-se que poderá ser um daqueles estudos que teremos necessidade de reequacionar.

Quanto aos estudos da nova ponte sobre o Tejo, gostaria de dizer-lhe que o estudo de impacte ambiental da solução encontrada para essa ponte é uma questão que está neste momento a ser equacionada em primeiro lugar pelo GA 11 EL, mas que seguirá o percurso normal que um estudo desses segue, e vai ser feito com o objectivo claro de diminuir os impactes ambientais que todos sabemos existirem numa ponte, seja ela qual for. O Ministério analisá-lo-á, tal como analisa qualquer das outras obras — públicas ou privadas — e em função disso irá, conjuntamente com o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, encontrar as soluções que se adeqúem melhor à situação concreta da travessia do Tejo.

Quanto ao facto de os resíduos tóxicos na Herdade do Cercal se encontrarem a céu aberto, devo dizer que, neste momento, a empresa foi obrigada a encontrar uma solução provisória de manutenção desses resíduos até termos o nosso sistema de resíduos tóxicos e perigosos montado em Portugal. É uma solução provisória, que tem de ser licenciada, e nós pedimos à empresa que nos apresentasse essa proposta, que passa por várias soluções de ordem técnica com as quais não maçaria agora os Srs. Deputados. Obviamente que a empresa terá um prazo— neste momento, de memória, não posso precisá-lo — para entregar essa proposta, que será licenciada pela Direcção-Geral da Qualidade do Ambiente e, posteriormente a isso, esta terá de ser executada.

Quanto às escórias de alumínio da METALMEX, ainda bem que o Sr. Deputado me coloca a questão porque gostava de dar aqui um esclarecimento que me parece perfeitamente oportuno. De facto, houve aí uma situação em que, a dado momento, se criou algum alarmismo em relação às respectivas águas residuais, alarmismo esse que resultou de um facto que não posso deixar aqui de referir foram feitas umas análises que não tiveram contraprova e, enquanto aguardávamos as contraprovas, alguém divulgou esses resultados que alarmaram as pessoas — e com razão —, porque os primeiros resultados que obtivemos, de facto, estavam acima dos valores normais. Foram mandadas fazer novas análises — e devo dizer que houve razões técnicas para justificar o facto de as primeiras lerem dado valores elevados, razões essas que resultaram exclusivamente do método utilizado —, que foram comparadas com as análises feitas pela Administração Regional de Saúde, que é quem tem competência para manter e guardar a qualidade das águas de abastecimento e, esta manhã, houve uma reunião em que, depois de comparados os resultados das análises, se chegou à conclusão que estas estão abaixo dos valores em teor de níquel considerados perigosos nas águas de consumo. Assim, as águas da cidade de Setúbal estáo em condições de serem consumidas e, hoje mesmo, vai ser difundido um comunicado do Sr. Governador Civil no sentido de dizer à população que pode estar tranquila e que não há problemas de contaminação dos poços pelas escórias.

E, já agora, gostaria de referir que fiquei bastante admirado quando me foi referido o facto de uma empresa local ter distribuído água mineral aos seus trabalhadores, porque algumas das consequências que, em termos de águas subterrâneas, podem advir são por vezes resultado de lançamento de esgotos industriais de uma forma incontrolada, e obviamente que essa empresa também terá cul-

pas no cartório. Mas certamente que, agora — e digo «agora» porque até este momento não tinha havido qualquer alarme e não era da nossa competência a detecção desse tipo de situações —, iremos estar particularmente atentos à situação.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): — É melhor mandar lá alguém. E quanto às escórias, Sr. Ministro?

O Orador: — Quanto às escorias a situação 6 esta-.

pois dos contactos diplomáticos que tivemos com os Suíços, estes consideraram ser esse um assunto que os preocupava seriamente, estando, portanto, dispostos a ponderar o facto de as escórias serem enviadas para a Suíça. Devo dizer que vêm a Portugal dois técnicos suíços, que, conjuntamente com dois técnicos nossos, verificarão localmente a situação e, a partir daí, sairá a solução de reenvio ou não das escórias para a Suíça — mas devo dizer que, do ponto de vista do Govemo, não há qualquer dúvida de que as escórias não poderão permanecer naquele local. Essa é, para nós, uma questão de princípio e não temos qualquer dúvida de que as escórias terão de sair de Setúbal — este é um ponto assente.

Quanto à lagoa de Albufeira e ao rio Sado, quero apenas dizer que, quer num caso quer no outro, as verbas são pequenas. Todos nós gostaríamos de ter maiores verbas para resolver estes problemas, mas se o Sr. Deputado somasse todas essas verbas chegaria certamente a um valor que ultrapassaria até o próprio Orçamento do Estado. Estas são, portanto, as verbas possíveis e posso dizer-lhe que, relativamente à lagoa de Albufeira, está neste momento em fase final o estudo — como sabe, o ENVIREG tem comparticipação para a lagoa de Albufeira — relaúvo à abertura ou não da lagoa. Esse estudo foi encomendado, pois não é da competência exclusiva da administração central, e estamos à espera que nos sejam apresentados projectos concretos para que os possamos aprovar e incluir no financiamento do ENVIREG, tal como acontecerá com a reserva do rio Sado. Obviamente que, quanto a este rio, gostaríamos muito de incluir grandes verbas de fundo para a sua reserva, mas estas verbas são as possíveis com o actual orçamento — que parece ter vindo a ser muito bem gerido, dando os resultados esperados naquela zona altamente industrial, que, como tal, traz consequências para o estuário do Tejo.

Quanto aos resíduos tóxicos e perigosos, quero dizer--lhe, Sr. Deputado, que a situação está a ser reavaliada. Como disse e muito bem, foi necessário fazê-lo e não temos qualquer problema em referir essa reavaliação, mas gostaria também de deixar bem claro que terá de ficar instalado em Portugal — com certeza não será em Espanha — o sistema de tratamento de resíduos tóxicos e perigosos. Esta é uma realidade que teremos de assumir e de uma vez por Kxlas: não há qualquer hipótese de alguém imaginar que vamos colocar o sistema de tratamento em Espanha! As autarquias têm de assumir que este é também um problema delas e que não é exclusivamente um problema do Govemo. É um problema de todos nós, enquanto cidadãos deste país, e isso significa que teremos de colocar esse sistema num sítio qualquer.

Estamos, portanto, particularmente preocupados quanto a esta questão e a reavaliação vai precisamente no sentido de se encontrarem soluções mais correctas quer do ponto de vista técnico quer, inclusivamente, do ponto de vista económico. O Govemo fez o que era possível: deu dinheiro, fez um concurso público e adjudicou uma empresa.

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O que é que o Govemo poderia fazer mais do que o que tem feito até agora?! O processo não avançou por razões que nos são completamente alheias! O Governo fez aquilo que tinha de fazer em relação a este processo — gostaria de deixar isto bem claro!

O Sr. José Manuel Maia (PCP): — Não pode é ficar em qualquer lado!

O Orador: — Terá de ser em qualquer sítio! Não tenhamos dúvidas! Agora é meramente uma questão de terminologia.

Muito rapidamente quero responder ao Sr. Deputado Gameiro dos Santos quanto às questões de Minde e de Mira de Aire, Alviela e Trancão porque todas elas estão relacionadas com a mesma coisa. Mas, relativamente a Alviela, gostaria de lhe dizer que não temos qualquer dúvida de que os orçamentos que estão previstos no PIDDAC são os orçamentos necessários para acabar o sistema de Alviela — pela nossa parte, quanto a isso, não há qualquer dúvida. E mais: os compromissos que foram assumidos vão ser cumpridos e estão a ser cumpridos. Neste momento nós estamos a cumprir aquilo que foi assumido e o despacho assinado pelo Sr. Secretário de Estado tem vindo a ser cumprido atempadamente.

Quanto a Minde e Mira de Aire estamos a equacionar agora a situação, mas quero dizer-lhe que, para mim, esse é um problema que ultrapassa a situação pontual. Minde e Mira de Aire tiveram a resoluçüo do seu problema visto e previsto no momento exacto, e foi por uma decisão camarária que não tiveram água de abastecimento da EPAL, cuja conduta passava a poucos quilómetros de distância. O Govemo não pode, sistematicamente, acorrer a erros do passado que são comeüdos.

O Sr. Mário Maciel (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Nós não podemos, de maneira nenhuma, continuar a delapidar dinheiros públicos em situações que foram causadas unicamente por erros anteriores! Estamos a equacionar a situação, estamos a analisá-la mas, por favor, não seja colocada a espada nem tão-pouco a culpa no poder central, quando ela, neste caso —e quantas vezes noutros—, não aconteceu de modo nenhum por falta de previsão do govemo central.

Relativamente ao problema do rio Trancão, devo dizer que não gostaria de vê-lo apenas resolvido na EXPO 98. Não é a EXPO 98 que vai resolver o problema do Trancão. Nós já estamos a resolver esse problema como ideia, desde muito antes de a EXPO 98 sequer ter aparecido e muito antes da realização dessa exposição teremos o Trancão despoluído, estando a ser feitos investimentos nesse sentido. Ainda agora foi feito um investimento de 1,2 milhões de contos numa ET AR — a de Frielas — e temos outra a acabar. Esse investimento foi feito com as câmaras municipais, na colaboração institucional que se impõe para resolver o problema do Trancão. Portanto, o Sr. Deputado não vai chegar à EXPO 98 com esse problema por resolver e a verba prevista é suficiente para, dentro do planeamento que temos, resolver esse problema a curto prazo.

Quanto a Alqueva sem dúvida alguma que a vertente ambiental nos preocupa e, dentro da perspectiva de colaboração institucional no Governo, temos conhecimento do relatório, sabemos exactamente o que é que está a ser feito e, oportunamente, a Assembleia da República será infor-

mada do que se pensa quanto a essa questão. Mas, como pode imaginar, neste momento a análise é interna.

Relativamente às ideias e projectos do Fundo de Coesão, Sr. Deputado, neste momento já estamos a discutir com Bruxelas inclusivamente os próprios projectos. Não são só ideias! São projectos concretos! O que significa que este orçamento que aqui está reflecte exactamente a possibilidade de termos projectos quando o Fundo de Coesão estiver disponível. Portanto, isso só significa que, quando conhecermos os montantes, lhes diremos quais são os projectos. É óbvio! Porque, como é natural, isso dependerá dos montantes que tivermos!

Sr. Deputado Ribau Esteves, a primeira questão que me colocou foi a da política de defesa de costa e quero apenas dizer-lhe que as prioridades estão clara e perfeitamente estabelecidas. Portanto, se o Fundo de Coesão vier, sabemos bem onde vamos aplicá-lo. É só isso que quero dizer-lhe! Tem as prioridades à frente, Sr. Deputado!

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): — Mas é só o Governo que vai aplicar as verbas?! Quando é que será ouvida a sociedade civil?!

O Orador: — Está a ser ouvida agora, Sr. Deputado!

Mas, relativamente à defesa de costa temos uma filosofia que obviamente vai agora incluir a vertente ambiental. A defesa de costa não pode continuar a ser feita como até aqui, de uma forma meramente pontual e apenas numa linha de exclusiva intervenção localizada. Estamos a utilizar os estudos que foram feitos pela Direcção-Geral de Portos, que quanto a esta matéria tem uma série de conhecimentos, e, conjuntamente, vamos agora incluir esta nova perspectiva, ou seja as intervenções passarão a ser feitas tendo sempre em linha de conta o que se vai passar do ponto de vista ambiental nessa mesma intervenção. Se calhar, situações haverá em que não se justifica uma intervenção local mas apenas ao longo da costa, ou seja virem a existir zonas onde possamos deixar (Korrer situações críticas porque elas não justificam uma intervenção pontual. E quais são as intervenções que pensamos realizar? Em primeiro lugar, situam-se claramente as intervenções no sentido de garantir a não erosão da costa, através de meios mais fortes, como paredões, etc, mas também de recargas artificiais de areia— esse é o grande problema da costa portuguesa. Tal como temos necessidade de um planemento adequado para que não sejam construídas habitações em zonas que sabemos de antemão serem altamente delicadas. Situações pontuais neste momento são apenas aquelas que puserem em perigo bens e vidas. Esta é a orientação clara do Ministério e, durante os primeiros meses e enquanto não tivermos claramente estabelecido o programa para toda a costa o que não vai demorar mais do que seis meses, não vamos fazer apenas intervenções pontuais.

Sr. Deputado Fialho Anastácio, quero dizer-lhe que as zonas degradadas do litoral sul são de facto uma preocupação nossa. Conseguimos travar o aparecimento dos clandestinos — essa foi a nossa primeira grande medida —, vamos agora começar a outra: o regredir. Ou seja, agora vamos recuperar, pois não há outra possibilidade, e essa recuperação não se processará tão fácil e rapidamente quanto gostaríamos. No entanto, o que está previsto é de facto a recuperação e, eventualmente, dos clandestinos que forem considerados como situações delicadas em termos de litoral, serão necessariamente retiradas as respectivas construções.

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Quanto à questão da localização da nova ETAR no sotavento algarvio, devo dizer que é uma questão que, do ponto de vista técnico, provavelmente nem sequer passará por uma decisão política. Se é necessário melhorar uma estação de tratamento de águas, obviamente que não vamos estar a preocupar-nos com a decisão técnica que foi tomada e as verbas incluídas, quer para o abastecimento em alta quer para todas as outras redes, estão agora englobadas no programa conjunto do sotavento algarvio. É um conjunto de verbas que se aplica a tudo o que vinha antes discriminado. Aliás, isto aplica-se aos vários projectos, tal como eu tenho vindo a dizer ao longo das minhas intervenções. Não estamos a discriminar projecto a projecto, subprojecto a subprojecto. Fazemos uma gestão integrada que é muito mais racional e mais eficiente.

Comungo das suas preocupações: as verbas para a ria Formosa se calhar deveriam ser maiores, mas se as juntar às do Sado, Arrábida etc, então nessa altura volto novamente a dizer que temos um orçamento maior do que o próprio Orçamento do Estado. É o que é possível e neste momento é aquilo que, dentro das prioridades de intervenção nas áreas protegidas, se justifica. Justifica-se porque de facto a ria Formosa tem uma qualidade que tem vindo a aumentar progressivamente. Outras áreas há em que isso não tem sucedido e nós temos de ter essas intervenções em termos nacionais. Portanto, conseguiram-se para a ria Formosa verbas que são as que são razoáveis para os projectos pensados no ano de 1993.

Já em relação aos protocolos com as câmaras, obviamente que estamos interessados em manter a política que temos vindo a seguir desde há longa data e que é a de incluir na gestão do ambiente as autarquias e a ria Formosa em particular, até porque há uma boa parte dessas autarquias que estão interessadas na ria Formosa e em manter e preservar o único ou dos poucos no litoral algarvio onde há ainda qualidade de vida. Isso mostra bem que de facto a intervenção do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais tem sido a que tem salvado a qualidade de vida em algumas zonas deste País. Isto para dizer que as autarquias estão interessadas em colaborar e nós obviamente que vamos dar um passo nesse sentido. Agora quando me diz que o cordão dunar é instável e que pode desaparecer, eventualmente que sim, mas se calhar não é com obras exclusivamente de índole pública de intervenção directa, que nós vamos conseguir resolver esse problema. Mais uma vez isto vem na linha daquilo que há pouco referia acerca do número de vezes que vai ser eventualmente necessário deixar desaparecer algumas zonas para que outras sejam preservadas e preservadas correctamente do ponto de vista ambiental.

Neste momento, o equacionamento que estamos a fazer com a Direcção-Geral de Portos leva-nos a considerar que se calhar a zona do cordão dunar da ria Formosa vai precisar de injecções de areia a sério e não de outro tipo de obras, o que passa necessariamente pela dragagem da própria parte interior da ria. Portanto, em função dos resultados técnicos que daqui saírem assim teremos possibilidades de fazer a intervenção.

Quanto ao aparecimento de água em Vila Real de Santo António, Sr. Deputado Fialho Anastácio, eu, neste momento, não tenho informações concretas sobre o que é que se passou. Como já disse, isto é da competência da Administração Regional de Saúde. Do ponto de vista do Ministério, ainda não tenho qualquer informação de que tivesse havido problemas.

Sr. Deputado Mário Maciel, só quero dizer-lhe que estou perfeitamente em comunhão com as suas preocupações e gostei imenso que tivesse feito referência ao relatório da OCDE para demonstar aos Srs. Deputados do PS quão afastados da realidade estão quando pensam que em Portugal vamos conseguir resolver os problemas do ambiente sem interessar as empresas privadas e sem interessar todo o domínio privado na área do ambiente.

Sr. Deputdo Lino de Carvalho, a seca é dos problemas que nos preocupa. Nós estamos, em conjugação com o Ministério da Agricultura a analisar o que vai passar-se. O Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica está actualmente a fazer um levantamento do que é que poderá vir a suceder no próximo ano hidrológico e necessariamente é em função desse levantamento, que estará pronto no fim do mês de Dezembro, que nós iremos equacionar que tipo de medidas se justificam.

Mas gostaria de deixar bem claro que não é uma vez mais, porque não foram tomadas as medidas certas no momento exacto, que agora o Govemo vai ter de ser responsabilizado por ineficiente gestão, quantas vezes autárquica, para agora se resolverem os problemas de abastecimento de água às populações. Portanto, o problema das pequenas e médias albufeiras no Alentejo é um problema que, com certeza, tem vindo a ser resolvido e nós temos visto quantas albufeiras já foram construídas no Alentejo, que é uma das zonas que tem a maior quantidade de pequenas e médias alhufeiras. Aliás, se formos ver o número de metros cúbicos armazenados no Alentejo poderemos verificar que é a maior quanüdade de água deste país que está aí armazenada, o que significa que a perspectiva lógica de intervenção foi exactamente na área que em Portugal tem maiores dificuldades de abastecimento de água Agora não podemos é, em cada momento, em cada instante, estar a resolver os problemas pontuais das autarquias. Por isso mesmo as barragens são pensadas numa lógica de distribuição espacial de água e não numa lógica meramente pontual de um ano de seca que ocorreu e que se calhar vai ocorrer outro, em que necessariamente as intervenções vão ter de ser feitas a outo nível.

Já agora gostava de referir que não é utilizando a água de profundidade, os recursos subterrâneos, que vamos resolver este problema, porque estamos a delapidar um bem que tem durado milhares de anos a ser acumulado e que não podemos delapidar da maneira como muitas vezes as autarquias têm pedido. Somos confrontados com a necessidade de ter de dizer: «Cuidado não é essa a melhor solução!»

Portanto, neste momento a situação está a ser vista na lógica do govemo central, lógica que é a das grandes fontes de abastecimento, e não na lógica pontual, município a município. Na discussão que vamos ter com a Associação Nacional de Municípios — e combinámos fazer uma série de reuniões em Dezembro — vamos verificar quais são as grandes dificuldades que os municípios têm na linha do Pacto Ambiental para podermos equacionar uma eventual intervenção de emergência, se assim se considerar que ela é justificável.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado António Vairinhos.

O Sr. António Vairinhos (PSD): — Sr. Presidente, não podia deixar de salientar a questão do abastecimento de água a Vila Real de Santo António que foi levantada pelo Sr. Deputado Fialho Anastácio.

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Há cerca de um mês, a água em Vila Real de Santo António começou a aparecer amarelada e depois acastanhada. A população entrou em estado de alerta e ainda mais ficou quando a Câmara Municipal de Castro Marim deixou de utilizar a água da barragem de Odeleite-Beli-che e passou a utilizar os furos ainda existentes que tinha anteriormente. A Câmara de Vila Real de Santo António informou a população de que a água se encontrava boa para consumo, pois o resultado das análises era negativo. Isto saiu nos órgãos de comunicação social e em comunicados à própria população.

Apesar de todos estes alertas, ouvi o Sr. Deputado Fialho Anastácio dizer que tinha tido conhecimento de que a água da barragem de Odeleite-Beliche apresentava elevado teor de manganês e que estava imprópria para consumo. Isto significa que o Sr. Deputado tem informação que a população de Vila Real de Santo António não tem. E pelas suas palavras há um conhecimento implícito de que a população de Vila Real de Santo António está a consumir água imprópria para consumo e de que existem problemas de saúde pública.

Sr. Ministro, gostaria de saber se o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais tem conhecimento destas situação. Já o demonstrou que não! Foi solicitada alguma intervenção ou algum apoio ao Governo para resolver este problema, dado que, segundo informações aqui dadas pelo Sr. Deputado Fialho Anastácio — talvez pela sua «proximidade» de diálogo com a Câmara de Vila Real de Santo António... —, ela estará imprópria para consumo? É porque, primeiro, se ela está imprópria a Câmara Municipal está a enganar a população e a prejudicar a saúde pública e, segundo, então, não solicitou ao Govemo a intervenção que deveria através do Minsitério do Ambiente e Recursos Naturais ou através do Ministério da Saúde ou através da via normal, que seria a do representante do Governo na região — o governador civil — isto é, deveriam ter solicitado auto-tanques para abastecimento de água à população.

Temos aqui uma situação extremamente grave que tem de ficar esclarecida — e a Acta desta reunião pode comprovar as afirmações que o Sr. Deputado Fialho Anastácio fez. É porque esta situação é extremamente grave! A ser assim, há uma situação de negligência, há uma situação intencional de prejudicar a saúde pública e isto é crime! Não posso sair daqui sem esclarecer este problema Aquilo que está em causa é a vida, é a qualidade da água, é a saúde pública é Vila Real de Santo António!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.

O Sr. António Murteira (PCP): — Sr. Presidente, agradeço aquilo que disse o Sr. Ministro, mas queria com toda a sinceridade e serenidade, dizer-lhe que gostava que o Sr. Ministro nos tratasse com o mesmo respeito com que nós o tratamos, não em termos formais (dos «VV. Ex."*», dos «Srs. Deputados») mas em termos do conteúdo das intervenções.

Na minha opinião podemos discordar uns dos outros e fazemo-lo por razões de classe evidentes, mesmo que não queiramos aceitar muitas vezes, mas creio que não é aceitável que haja uma certa falta de vontade de ir ao fundo das questões e de abordá-las com rigor. Foi isso que foi aqui feito, designadamente em relação à questão dos recursos hídricos, dos solos, da floresta e do saneamento básico. Lamento que assim seja e considero que não foi

esclarecedor o debate ou a troca de opiniões que aqui travámos.

O Sr. Deputado Mário Maciel disse há pouco que no Leste é que foram feitas as grandes asneiras. Creio que as asneiras que aí foram feitas, quer em termos ambientais quer em outros, devem ser completamente condenadas. Fala como se só fosse capitalismo o Japão, os Estados Unidas da América a França e a Holanda e creio que nós estamos a esquecer do que se passa em zonas de influência do mundo capitalista.

Perguntamos: onde se dão as grandes devastações florestais do mundo? Onde existem grandes roturas na camada de ozono? Onde se verificam os grandes avanços de 10 milhões de hectares por ano de deserto e de quem são as responsabilidades? A quem cabem as responsabilidades de se prever que até ao final deste século vão morrer de fome ou de doença resultante de doenças provocadas pela fome e subnutrição cerca de 200 milhões de pessoas?

Creio que é preciso ter mais cuidado quando se faz esse tipo de afirmações, porque o que interessa é detectarmos os problemas e procurar resolvê-los e não fazer declarações políticas que deixam muito a desejar e para nada servem.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra

0 Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): — Sr. Presidente, creio que é necessário ter os números em conta. O Sr. Ministro desvalorizou a forma como eu coloquei aqui a questão. Dei um exemplo muito simples e penso que até prático. Continuo a insistir que temos de olhar para os números e comparar o resultado com que se podem interpretar os números e as intervenções que nas últimas três semanas o Sr. Ministro produziu, tanto na Assembleia da República como em outros fóruns onde participam ecologistas e ambientalistas.

É preciso que fique bem claro que são «ecologistas» e «ambientalistas». A diferença é bastante profunda Sr. Ministro!

De facto, 1900 milhões de contos que não estavam previstos no orçamento do programa de saneamento básico da Costa do Estril para 1993 e que agora estão lá, naturalmente que vêm desequilibrar aquilo que poderia significar o aumento do orçamento de 1993 relativamente a 1992. Mas eu dei-lhe outros exemplos e posso dar-lhe muitos mais!

Se verificarmos, ao nível dos investimentos do Plano, em 1992, o valor era de 15 364 milhões e, para 1993, é de 16 755 milhões, ou seja de 1992 para 1993, o valor dos investimentos do plano aumentou em cerca de

1 400 000 contos. Mas logo a seguir verifica-se que nos projectos em curso, em 1992, o valor era 18 771 milhões e que, para 1993, são 16 844 milhões, o que significa que tem menos 1 900 000 contos. Só por isto o crescimento é zero!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: — Termino já, Sr. Presidente.

Sr. Ministro, não estamos a falar em valores reais. Portanto, quero deixar claro que as percentagens que o Sr. Ministro aqui trouxe são apenas malabarismos, porque não correspondem a factos reais.

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O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Não pode continuar, Sr. Deputado!

O Orador: — São só 10 segundos, Sr. Presidente.

O que quero dizer é que nós ponderamos aquilo que são as possibilidades, mas não podemos aceitar que o Sr. Ministro venha dizer que isto é tudo muito bom, que estamos a fazer tudo e mais alguma coisa, quando, na realidade, os números demonstram que não é assim.

Queremos que o Sr. Ministro baixe um pouco à terra e faça como nós: interprete as possibilidades e faça as opções. Só assim há discussão!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Em primeiro lugar, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Fialho Anastácio, passando depois ao Sr. Ministro, para fazer uma intervenção final, e encerramos a reunião no que diz respeito à apreciação do orçamento deste Ministério.

Tem a palavra, Sr. Deputado Fialho Anastácio, dispondo apenas de três minutos.

O Sr. Fialho Anastácio (PS): — Sr. Presidente, é lógico que a minha intervenção é para responder a determinado tipo de afirmações feitas pelo Sr. Deputado António Vai-rinhos — que parece que está extremamente excitado —, porque o assunto que eu aqui trouxe é, de facto, grave. ^

Lamento profundamente que o Sr. Deputado, um homem de Vila Real de Santo António, que tinha por obrigação estar atento a estas situações, não acompanhe a evolução destes problemas, trazendo para aqui invenções que não me parecem muito próprias.

Eu transmiti a minha preocupação porquanto hoje a comunicação social deu conhecimento desta situação. Isso é prova de que o Sr. Deputado António Vairinhos não está atento, não está preocupado com estes problemas e, portanto, não está a cumprir com as suas obrigações.

Por outro lado, compreendo a sua posição, dado que é sempre desagradável, periodicamente, ser-se derrotado em eleições autárquicas, o que traz sempre uma grande frustração, frustração que vem ao de cima nestas ocasiões. Foi o que aconteceu ao Sr. Deputado António Vairinhos, relativamente as eleições que se têm realizado em Vila Real de Santo António. E é por isso que levanta aqui fantasmas em vez de preocupações reais, que todos nós, de boa--fé, devíamos procurar resolver.

Foi, pois, neste sentido que fiz a minha intervenção.

Hoje mesmo, a comunicação social anunciou que, exactamente, havia indicadores preocupantes de manganês na água da barragem do Beliche. Foi, inclusivamente, contactada a Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, que anunciou — são informações da comunicação social — que já tinha solicitado à população que não utilizasse a água, porque estava a proceder-se a novas análises para se saber do evoluir da situação.

Portanto, são preocupações que têm de ser aqui trazidas e de que tem de dar-se conhecimento nestas ocasiões, porque é, de facto, o momento oportuno.

Lamento profundamente, como Deputado algarvio que sou, que o Sr. Deputado António Vairinhos se esqueça destas obrigações que tem para com a população do Algarve, designadamente para com a população de Vila Real de Santo António.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais.

O Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais: —

Sr. Presidente, quero apenas dizer que o meu respeito pelos Deputados é total, aliás, demonstrei-o nas intervenções que fiz. Portanto, fui tão profundo quanto era possível no tão pouco tempo que tive para responder a estas questões.

Não quero, de modo nenhum, deixar a ideia de que não temos profundidade na analise que fazemos; antes pelo contrário, a análise foi feita e, por isso mesmo, optámos por estas prioridades politicas, porque temos dados, temos informação e fizemos uma análise correcta da situação, particularmente, Sr. Deputado António Murteira, do ponto de vista dos recursos hídricos, para podermos avançar com os vários projectos e programas que temos em mãos.

Era a única coisa que queria dizer e, simultaneamente, referir, de um modo muito geral, que desta discussão levo a indicação e a ideia de que, em termos de prioridades, não há quaisquer prioridades diferentes das que apresentámos. A única coisa que vi foi discutirem-se verbas e essas eu também gostaria de discuti-las se os Srs. Deputados conseguirem encontrar um modo, como dizia há pouco o Sr. Deputado Castro Almeida de reforçar os orçamentos sem ir, de maneira nenhuma criar problemas aos Portugueses através dos impostos.

A única mensagem que levo é, pois, a de que não há alternativa à política que aqui apresentámos.

O Sr. António Vairinhos (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Inicialmente, o Sr. Deputado António Vairinhos fez uma interpelação à Mesa que, no fim de contas, se traduziu num protesto e o Sr. Deputado Fialho Anastácio já deu explicações.

O Sr. António Vairinhos (PSD): — Sr. Presidente, o Sr. Deputado Fialho Anastácio ofendeu o Deputado António Vairinhos, que sou eu!

Risos.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr. Deputado, tem a palavra, apenas durante três minutos.

O Sr. António Vairinhos (PSD): — Sr. Presidente, quero deixar claro que o Sr. Deputado Fialho Anastácio não respondeu às questões que lhe coloquei.

Em primeiro lugar, não estou a falar pelos órgãos de comunicação social. Não sei se o Sr. Deputado é ou não accionista, mas fala pelos órgãos de comunicação social! Só ouve!... E disse que eu não tenho tempo para me preocupar com os problemas do Algarve. Se calhar, por ter de me preocupar com eles é que não leio os jornais e ouço rádio, que é o que o Sr. Deputado faz. É um Deputado de «música de ouvido», mas eu não sou!

O Sr. Deputado Fialho Anastácio fez, mudamente, uma intervenção para a assembleia de freguesia de Luz de Tavira. Nada mais do que isso! E, mesmo assim, os Deputados da assembleia de freguesia de Luz de Tavira ficariam indignados com as afirmações que ele aqui fez, quando disse que eu estava excitado, que estava com invenções, que não li a comunicação social, etc, mas não respondeu ao que eu, muito claramente, referi, isto é, que o Sr. Deputado afirmou que a água estava imprópria para

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consumo. Então, isso significa que o Sr. Deputado, que baseia a sua afirmação só nos órgãos de comunicação social, com a fidelidade que eles podem ter, é um Deputado irresponsável, porque não tem conhecimento da matéria. Leu no jornal e vem discutir «música de ouvido»!

Aquilo que apresentei foi a situação oficial: «há mais de um mês que a água vem amarelada, acastanhada», problema que tem sido colocado em situação de alerta. A Câmara Municipal de Castro Marim ouviu a informação e deixou de se abastecer com água da barragem do Beliche, mas Vila Real de Santo António manteve esse abastecimento. Se, colocada a questão, foi afirmado por várias vezes pela Câmara Municipal que a água estava boa, que o resultado das análises eram bons, então andou-se a enganar a população... E isto nada tem a ver com as eleições autárquicas, que se perderam ou ganharam, porque, se assim não fosse, eu diria que o Sr. Deputado está é muito preocupado com a derrota que levou nas eleições legislativas!...

Espero que o Sr. Deputado Fialho Anastácio tenha a hombridade de apresentar desculpas por aquilo que disse relativamente à minha pessoa. Responda ás questões concretas se quiser, se sabe ou não, oficialmente, sem ser através da comunicação social, aquilo que se passou, porque parece que só leu, hoje, na comunicação social e não acompanhou o problema.

Portanto, não corresponde â verdade aquilo que afirmou sobre mim e, por isso, exijo-lhe a apresentação de desculpas, senão serei obrigado a tomar, em sede própria, as posições que entender convenientes.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Vou dar a palavra ao Sr. Deputado Fialho Anastácio para dar explicações, e este assunto encerra com esta intervenção. A Mesa não prolongará esta discussão se, e porventura, alguém quiser dar-lhe continuidade, o plenário da comissão terá a possibilidade de decidir da matéria.

Tem a palavra, Sr. Deputado Fialho Anastácio.

O Sr. Fialho Anastácio (PS): — Sr. Presidente, quero apenas fazer um comentário.

De facto, ficaram bem explicadas pelo Sr. Deputado António Vairinhos as suas confusões em coisas tão graves e tão complexas.

Por esta razão, fico por aqui, agradecendo ao Sr. Deputado António Vairinhos a sua última intervenção, porque ficámos todos a saber qual é o seu posicionamento neste assunto. E como considero que é muito mais útil fazermos outra coisa, termino já.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Agradecendo a presença de todos os membros do Govemo que aqui estiveram a apreciar o orçamento do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, vou interromper os nossos trabalhos por cinco minutos.

Eram 18 horas e 8 minutos.

Srs. Deputados, vamos recomeçar a nossa reunião, com a presença do Sr. Ministro da Justiça e dos Srs. Secretários de Estado para apreciar o respectivo orçamento.

Eram 18 horas e 15 minutos.

Recordo-lhes, Srs. Deputados, que estava prevista para as 18 horas e 30 minutos uma reunião com a Sr." Secretária de Estado da Juventude. No entanto, devido ao atra-

so de que se revestiu a reunião com o Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais, temos um atraso de cerca de uma hora. Faço, pois, um apelo à concisão, ao poder de síntese de todos os presentes, incluindo os Srs. Deputados, para que se possa recuperar algum tempo, sem prejuízo, evidentemente, do esclarecimento de todas as questões que forem colocadas.

Sr. Ministro, é hábito nestas reuniões, os Srs. Ministros ou os Srs. Secretários de Estado fazerem uma intervenção inicial antes de os Srs. Deputados porem as suas questões.

Neste caso concreto, pretende o Sr. Ministro usar da palavra inicialmente?

O Sr. Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem sido tradicional, se assim o posso dizer, visto que é a terceira vez que participo neste tipo de discussão em sede de Comissão de Economia, Finanças e Plano, uma intervenção inicial razoavelmente longa, fazendo não apenas uma análise crítica daquilo que foi a actuação na área da justiça no ano anterior como também projectando aquilo que vai ser a sua actuação no ano relativamente ao qual se discute o Orçamento do Estado e as Grandes Opções do Plano.

Todavia e porque desta vez houve uma intervenção em Plenário na área da Justiça, como, por outro lado, o adiantado da hora não se compadeceria com uma intevenção mais longa por parte do Ministro da Justiça, creio que o importante é que haja espaço para que os Srs. Deputados possam colocar as suas questões e para que eu próprio e os Srs. Secretários de Estado possamos responder às questões que nos sejam colocadas.

Portanto, se o Sr. Presidente estiver de acordo, daria por reproduzida a intervenção que tiz em Plenário e, à medida que fosse respondendo às várias questões colocadas, e caso houvesse necessidade de prolongar um pouco mais o tempo, reservar-me-ia para essa altura.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Vamos, então, seguir esta metodologia.

Tem, assim, a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Ministro, em primeiro lugar, apresento os meus cumprimentos a V. Ex.' e aos Srs. Secretários de Estado.

Julgo que V. Ex." teve uma ópüma ideia, não porque não gostássemos de ouvi-lo, mas porque a intervenção de V. Ex." no Plenário, aquando da apresentação do Orçamento do Estado, assim como os dados que nos foram presentes em sede de Comissão, já nos permitirá uma troca de impressões certamente útil e será melhor que V. Ex.° use o seu tempo, digamos, neste diálogo que vamos ter. Digo isto, repito, acentuando sempre que é com enorme prazer que ouvimos as suas intervenções, ainda que nem sempre estejamos no mesmo «comprimento de onda», o que seria de estranhar se assim não fosse!

Sr. Ministro, nesta minha intervenção inicial, quero apresentar, no fundo, três blocos de questões.

Assim, aproveitando a presença da Sr.3 Secretária de Estado, que penso ter nesta matéria uma especial atribuição de competências, quero perguntar como vamos de desburocratização.

Aliás, repito o que já disse em Plenário: o Ministério da Justiça é responsável por um aparelho burocrático e burocratizado, arcaico, pesadíssimo, cu.sioso para o País.

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Já disse isto o ano passado e V. Ex.º, escuso de recordá--lo, concordou comigo, em grande parte — nem outra coisa seria de esperar!

O PS tem apresentado ideias, sugestões, projectos. O Ministério da Justiça refugia-se sempre (bem como a maioria!), dizendo que «estamos a preparar, estamos a pensar, um dia chegará»! A primeira questão é essa, Sr. Ministro: quando chega esse dia? É porque as iniciativas que o Ministério da Justiça tem tomado são iniciativas tomadas a custo, parcelares, que não resolvem o problema.

V. Ex.* foi confrontado com um projecto onde constavam, por exemplo, a desformalização de uma série de actos. A maioria parlamentar (e V. Ex." tomou conhecimento desse projecto) achou por bem não deixá-lo passar. Oiço agora dizer que o que algumas das medidas que V. Ex.* anunciou, ou que foram anunciadas pelo Govemo no chamado Dia da Desburocratização, vêm fazer é, afinal, nada mais do que confirmar algumas das medidas que estavam nesse projecto. Pergunto: quando iniciamos decididamente a reforma desta máquina burocrática do Ministério da Justiça? O que tenho visto dos projectos que por aí circulam, Sr. Ministro, francamente, não chega! Esses projectos não são suficientes e tudo aquilo que V. Ex." diga oculta uma verdade fundamental: são umas dezenas de milhões de contos que o Ministério da Justiça precisa de «sacar» aos utentes para se sustentar!

Sr. Ministro, hoje, a burocracia do Ministério da Justiça e os seus custos constituem para as empresas e para os cidadãos deste país um sério custo e um travão à sua iniciativa — e V. Ex.* sabe que é assim.

Sei que V. Ex." vai dizer-me que os registos das sociedades, que demoravam sete meses, agora demoram, segundo as informações que V. Ex." tem, 15 dias! Demorarão alguns, Sr. Ministro, mas outros continuam a demorar meses! E, V. Ex." não conta tudo o que vem para trás, para as pessoas fazerem o acto mais simples da sua vida. Eu até ouvi contar que houve um Ministro da Justiça que foi a uma Conservatória do Registo fazer um registo (veja lá a história que eu ouvi contar!), pôs-se na bicha, aliás, como cidadão democrata que é, apresentou o seu pedido e perguntou: «daqui a quanto tempo tenho este registo feito?» E responderam-lhe: «Daqui a sete meses»! Esta é uma história que se conta. Tem obviamente o seu interesse anedótico, por um lado, mas, por outro lado... Isto era no registo predial!

Sr. Minisuo, não se solucionam os problemas só com a constituição de sociedades— há todo um mundo que cerceia a liberdade, a capacidade de actuação e que custa ao País milhões de contos em esforço, em iniciativa, em bichas, já para não falar do dinheiro!... E este é o segundo ponto: custos, dinheiro!

Reafirmo aquilo que já disse várias vezes nesta Assembleia: os custos do aparelho burocrático do Ministério da Justiça são, em absoluto (sublinho, em absoluto), os mais caros da Europa com uma ou duas excepções pontuais da Itália para determinado tipo de custos.

Sr. Ministro, há dois ou três meses, a Espanha publicou as novas tabelas de notariado. V. Ex.* deve saber que, em Espanha, custa 10 vezes menos a maior parte dos actos notariais — 10 vezes menos! É simples: a nossa tabela como V. Ex.* sabe, baseia-se no valor residual para a maior parte dos actos de 3 %t>; em Espanha é de 0,3 %o. Isto casta milhões de contos aos utentes!

V. Ex." sabe que há actualmente muitas sociedades que não alteram os seus estatutos, a sua carta constitucional, porque lhes custa dezenas de milhares de contos alterar

um artigo! V. Ex.* sabe que já houve bancos, entidades financeiras que queriam alterar os seus estatutos e que foram dizer ao Ministro das Finanças: «Sr. Ministro, nós não podemos gastar 300 000 contos nesta operação de uma simples alteração de estatutos!» — V. Ex.' sabe isto tão bem como nós! Pergunto: por que é que se espera para alterar esta situação? Porque aquilo que V. Ex.' tem é 40 e tal milhões de contos que lhe vêm dos utentes.

Isto é caso para dizer: a justiça anda a fazer há 20 anos aquilo que agora se quer fazer na saúde, nas propinas, etc., mas, ponhamos as coisas como elas são, com custos tremendos para os cidadãos!

Sr. Ministro, nós temos de iniciar este caminho rapidamente: custas judiciais — as nossas custas judiciais são boje, em muitos casos, um atentado ao direito livre de pleitear e V. Ex.* sabe isso tão bem como eu! Não há umas custas judiciais — há dezenas de custas no mesmo processo: requer isto, paga custas; recorre, paga outras custas; pede uma certidão, paga custas; pede isto, paga custas... Claro que isto, no fim, dá dezenas de milhões de contos ao Ministério da Justiça!

Mas hoje há disposições do Código das Custas... Aliás, todo ele é um instrumento arcaico e arcaizante! Talvez V. Ex.* já o tenha lido, não sei se o leu de «tio a pavio», mas também não lhe recomendo a leitura a não ser para adormecer à noite!... Veja V. Ex." que algumas coisas que lá estão são do século passado... Bom, mas do que é estamos à espera para acabar com isto e para dizer: o processo Jt custa y? E, Sr. Ministro, custa depois de resolvido! Porque penso que o Estado deve ser a única entidade que diz: requeres, pagas logo à cabeça!; depois pagas para as testemunhas!; depois pagas para a sentença!; depois pagas para o recurso!; pagas para a carta!; pagas para o perito!; etc, etc, etc! Portanto, Sr. Ministro, quando é que iniciamos esta reforma decididamente?

Sr. Ministro, o PS apresentou duas proposta de alteração ao Orçamento — não sei se V. Ex.* já tem conhecimento delas ou não, pelo que gostaria de saber se fem conhecimento (primeiro ponto) e o que pensa delas (segundo ponto). De resto, eu também gostaria de saber o que pensa delas a Sr." Secretária de Estado do Orçamento, visto que também tem a ver com essa matéria, obviamente — isto no que diz respeito a burocracia e custos.

O segundo bloco de problemas tem a ver com aquilo a que V. Ex.* chama o sector de intervenção social do Ministério da Justiça. E chama bem, visto que o Ministério da Justiça tem várias faces; para além desta que acabei de descrever e com cujo retrato creio que o Sr. Ministro não estará em completo desacordo (para não dizer mesmo que, naturalmente, subscreve 90 % daquilo que acabei de dizer), tem também outras faces como a intervenção social do Ministério da Justiça. Bom, Sr. Ministro, eu gostaria de colocar-lhe algumas questões relacionadas com isto, dado que V. Ex." nos anuncia este ano também, uma série de reformas legislativas que o Ministério vem fazendo ao longo destes últimos anos e que, algumas delas, só pecam por serem atrasadas... — mas é melhor que venham tarde do que nunca!

Portugal deve ser, naturalmente, dos poucos países da Europa que se dão ao luxo de fazer uma revisão do Código Penal aos decénios! O Código Penal é uma coisa que, em princípio, é para durar. Mas, enfim, vamos ter um novo Código Penal!

Pelo que temos ouvido dizer, no fundo, a grande característica deste Código Penal (e não é a única obviamente) é o aumento da dosimetria das penas — é o que

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temos ouvido dizer e temos visto aí, nalguns documentos apócrifos que por aí giram, porque à Assembleia ainda nada chegou! Pergunto, pois, a V. Ex.*: é esta a política criminal do Govemo? Quais vão ser os resultados desta política p°r exemplo em matéria de serviços prisionais? E em matéria do Instituto de Reinserção Social, em matéria, ao fim e ao cabo, de toda uma políüca criminal que foi a base do Código Penal actual — uma políüca de reinserção, uma políüca de substituição das penas de prisão por penas alternativas, uma política que eu diria que estava de acordo com as tendências mais humanistas, mais (permita-me o jargão) progressistas dentro do direito criminal? O que é que o Govemo tem na base, como política criminal, para a alteração do Código Penal? Quais são as grandes Unhas? E quais são as referências e as consequências orçamentais dessa política?

Se as penas vão aumentar (como parece ser, de acordo com as informações que tenho), gostaria de saber o que é que o Govemo pensa fazer em matéria de instalações prisionais, quais as consequências que isso vai ter no Instituto de Reinserção Social, etc.

Segunda questão, Sr. Ministro: prisão preventiva. Portugal é dos países da Europa com uma taxa mais alta de presos preventivos. Esta é uma situação que consideramos grave, em muitos casos até atentatória dos direitos humanos, e conduzindo a uma justiça (aqui sim, e passe também o jargão) de classe, isto é, justiça de ricos e justiça de pobres! Quem pode dar cauções de 15 000 contos, ou mais, sai em liberdade; quem não pode fica preso preventivamente. Tenciona o Ministério da Justiça ter alguma intervenção neste sentido? Alias, intervenção em dois sentidos: alterações legislativas e naquilo que o Ministério da Justiça através do Centro de Estudos Judiciários, ensina aos magistrados. Sr. Ministro, o Centro de Estudos Judiciários (e aqui estou a falar de matéria que V. Ex.* conhece melhor do que ninguém), como escola de magistrados que é, não se destina a ensinar direito — penso eu, porque isso é para aprender (ou é suposto aprender) nas faculdades — mas, sim, para ensinar como é que devem ser magistrados! E eu gostaria de saber se há alguma coisa pensada em relação a este terrível problema que é a altíssima percentagem de prisões preventivas.

Droga: Sr. Ministro, V. Ex.1 tem anunciado medidas legislativas em relação a este problema, acerca do qual eu gostaria apenas — e não é caso para entrarmos agora numa grande discussão sobre isto, que até poderia ser interessantíssima— de saber o que pensa o Govemo sobre as relações cada vez mais evidentes e dramáticas entre a droga e a sida. O que pensa fazer nesta matéria?

Isto tem custos imensos para o País. Tem o Govemo pensadas algumas medidas concretas nesta matéria, à semelhança do que estão a fazer e a pensar fazer muitos países na Europa? V. Ex." percebe o que quero dizer: trata-se do problema do uso das seringas pelos drogados, que constitui hoje, na Europa, uma das causas mais evidentes de transmissão da sida; o Governo tem alguma coisa pensada em relação a esta matéria?

Menores: Sr. Ministro, V. Ex." todos os anos nos anuncia a criação de mais comissões de protecção de menores e. devo dizer-lhe que essa é uma boa ideia.

Há dias, V. Ex." não me acusou de institucionalismo, mas fez-me uma indirecta... Ora, eu não sou institucio-nalista, Sr. Ministro! Não tenho quaisquer ilusões quanto a resolver os problemas da delinquência juvenil e dos menores em perigo pondo os menores em institutos, fe-chaúos a «sete chaves». Não fenho quaisquer ilusões so-

bre isso, embora também — e V. Ex." concordará certamente comigo — haja situações que pedem um «internamento»...

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Deputado, permita--me que o interrompa. Tenho receio de que, no momento das respostas, me esqueça de dizer-lhe o seguinte: há dias, nem sequer insinuei isso! O que eu disse, claramente, foi: «Se V. Ex.* fosse institucionalista ou que pareceria que seria institucionalista, mas não é!» Gostava que ficasse claro que não fiz sequer essa insinuação. E se lho digo agora é porque conheço muito bem a posição do Sr. Deputado José Vera Jardim sobre esta matéria e não queria que ficasse minimamente no ar a suspeita de que eu o tivesse feito. Fi-lo com aquela tentativa de elegância parlamentar de dizer que se V. Ex.* o fosse V. Ex.* disse não correspondia exactamente àquilo que pensava porque V. Ex.* não é, obviamente, institucionalista.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Para continuar a sua intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Orador: — Dizia eu — e agradeço a intervenção que o Sr. Ministro acabou de fazer, a qual, aliás, resultou de um aparte meu — que estamos de acordo com a ideia da criação de comissões de protecção de menores. Pensamos mesmo que os problemas só se resolvem na medida em que tenham solução. Não temos a ilusão de que alguma vez chegaremos à solução de todos os problemas, o que seria uma utopia.

Estamos, pois, de acordo com essa ideia mas gostaríamos de conhecer resultados dessa medida. O Sr. Ministro sabe que não basta criar comissões de protecção de menores. Necessitamos de saber resultados, tais como: que número de intervenções; que tipo de intervenções; quais os meios postos à disposição dessas comissões; qual a verdadeira intervenção da comunidade — mas da comunidade real e não da comunidade institucional— nas comissões de protecção de menores. Compreendo que V. Ex.' tenha de incluir nelas, por exemplo, o chefe da polícia o médico e o presidente da câmara municipal, mas gostaríamos de ver um esforço real no sentido de interessar os cidadãos em geral e as comunidades nesses problemas, o que, aliás, coincide com o discurso de V. Ex."

Por isso mesmo, V. Ex.1 lançou — e bem! — uma campanha sobre a justiça e o cidadão, embora pense que os seus resultados não terão sido os mais brilhantes, talvez porque V. Ex." a tenha rodeado de muito de institucional e pouco de comunitário. Compreendo que no nosso país ainda haja muito por caminhar para interessarmos verdadeiramente as comunidades nestes problemas, mas a verdade é que isso tem de ser feito. Poderá V. Ex." dizer-nos, se é que nos pode dar uma ideia disso, que resultados foram obtidos com essa medida e se ela consütui um bom caminho para continuarmos? Estamos profundamente preocupados com isso, mas, como V. Ex." sabe, sempre disponíveis para, com a nossa participação, ajudar a dar um contributo real no sentido de encontrar as melhores soluções.

O mesmo se diga quanto ao Instituto de Reinserção Social. Também gostaríamos de conhecer, passados todos estes anos, o impacte da acção, obviamente meritória do Instituto de Reinserção Social. Temos números que nos indiquem a dimensão desse impacte? É que estamos a usar as verbas do Estado — e V. Ex.a será certamente o prí-

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meiro a ter consciência desse facto —, mas também começamos a ter necessidade de conhecer resultados. Como é que está, por exemplo, a reincidência?

Sei — o Sr. Ministro desculpar-me-á a crítica mas é para isso que aqui estamos — que os tais institutos de criminologia nunca mais são criados, sendo certo, porém, que V. Ex." já anda a prometê-los há anos. Arrisca-se, por isso, a prometer em vão. Não temos estas coisas estudadas, por realmente não haver síüo por onde estudá-las, e V. Ex." sabe que por toda a Europa não existem políticas criminais que não sejam apoiadas em estudos sérios. A nossa criminologia, como sabe, está na infância da arte, quanto mais não seja por não estarem ainda constituídos os institutos de criminologia, embora V. Ex.* já por várias os tenha prometido. Espero que os tenhamos em funcionamento no próximo ano, mas, infelizmente, não vejo isso reflecüdo no Orçamento.

No que respeita à questão das vítimas, não vejo no orçamento como é que iremos executar o que já consta do papel há muito tempo, porque necessitamos de verbas que não estão orçamentadas. V. Ex* já as prometeu há um ano e, se estão inscritas no orçamento, então não as vi. Mas V. Ex.* dir-me-á de onde saem essas verbas, designadamente a tal verba de 400 000 contos que estava prevista.

Esta filosofia do apoio à vítima e das associações de apoio à vítima é muito correcta, na tal linha de que a comunidade precisa de criar um interesse real e ter uma intervenção real em tomo destes problemas, mas a verdade é que a vítima também necessita da indemnização. Onde está a verba para esse efeito? Como não a vejo, o Sr. Ministro dir-me-á a página do orçamento onde se encontra inscrita ou onde é que irá desencantá-la. Será porventura dos cofres — é o costume — que sairá alguma coisa dos tais 400 000 contos que V. Ex.*, salvo erro no ano passado, disse ir receber. Onde está essa verba?

Termino, então, o bloco de questões relativo ao chamado sector de intervenção social, sobre o qual deixo já, na minha modesta perspectiva, alguma coisa com que nos possamos entreter, para além, naturalmente, dos contributos, certamente mais valiosos, que serão dados pelos Srs. Deputados que seguidamente usarão da palavra.

Passo, assim, ao terceiro bloco de questões, respeitante à justiça em sentido estrito, que compreende, nomeadamente, os tribunais.

Já aqui tivemos a experiência — para esquecer! — do Ministério Público. Digo «para esquecer» por ter tido todos os acidentes que conhecemos e até ter terminado pela declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Tribunal Constitucional. Tínhamos avisado disso, por várias vezes, em relação a dois ponto concretos, num dos quais nos foi dada razão.

Estamos bastante preocupados — digo-o com toda a sinceridade — porque se trata de problemas institucionais e — atrever-me-ia a dizer— constitucionais importantes e graves do nosso sistema de justiça, quando ouvimos dizer que V. Ex.* tem ideias quanto ao Conselho Superior da Magistratura, que, salvo o devido respeito, vão mais uma vez na linha da imposição de formas de organização que não nos parecem as mais adequadas. Gostaríamos de ouvir a opinião de V. Ex." sobre esta matéria, que, não sendo uma matéria directamente orçamental, é, obviamente, uma matéria que tem a ver com tudo o que estamos a discutir.

Se, por outro lado, a Procuradoria-Geral da República tem o procurador-geral, os procuradores-gerais-adjuntos e toda uma máquina para dirigir o Ministério Público, o Con-

selho Superior da Magistratura nada tem, a não ser uma pessoa em full time. Quando é que V. Ex.* dá meios dignificantes ao Conselho Superior da Magistratura? Não chega falar de independência e autonomia, havendo também que dar meios. Ora V. Ex." anda muito preocupado com a forma de eleição desse órgão — a nosso ver preocupado no mau sentido —, mas não parece preocupado em dar meios reais de actuação ao Conselho Superior da Magistratura, que não dispõe — V. Ex.* sabe-o — de meios.

Diz-me V. Ex.*— e é certo— que não se pode comparar o Conselho Superior da Magistratura com o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República que tem outras funções. Há, todavia, um abismo enorme entre os meios de que a Procuradoria-Geral da República dispõe para dirigir o Ministério Público e os que cabem ao Conselho Superior da Magistratura para exercer as suas funções. A pergunta que lhe coloco é a seguinte: está o Govemo interessado em dar ao Conselho Superior da Magistratura instrumentos e meios de funcionamento dignos? Em caso afirmativo, quando e como?

No que se refere aos tribunais, andamos há uma série de anos na reforma das estruturas judiciárias, com os acidentes e os altos e baixos que conhecemos. Aprovámos há meses, nesta Casa a autorização legislativa para alterar a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais. Defendeu V. Ex." na altura o tribunal de círculo, não — no que pensamos constituir uma boa inflexão à posição que tem defendido nos últimos dois anos — com a concepção inicial de tribunal com competências próprias dentro da orgânica judicial mas mais como centro de funcionamento de vários serviços e várias capacidades que o País não tem possibilidade— concordamos neste aspecto com V. Ex." — de instalar em todas as comarcas.

Também nesta matéria se regista um problema de avaliação. Penso que a experiência do tribunal de circulo, tal como tem sido implantada, continua infelizmente, a patinar. Por outro lado, temo, visto que nessa matéria, a nosso ver, foram cometidos alguns erros nos tribunais de pequenas causas, que essa experiência conduza a algum patinar numa primeira fase, como também temo que a redistribuição de competências no seio dos tribunais de Lisboa e Porto leve a patinar. Quais são as ideias de V. Ex." sobre este assunto? Qual è a avaliação que faz do funcionamento do tribunal de círculo e do tribunal de comarca?

Por sua vez, temos a sensação de que existem comarcas que talvez não se justifiquem e círculos onde não há comarcas, mas onde a sua existência se justificaria. Tem o Ministério da Justiça estudos sobre essa matéria que tenham reflexo directo nos orçamentos?

Não querendo monopolizar o tempo que nos é destinado nesta fase do debate, dou por concluída esta minha intervenção, agradecendo a atenção que me dispensaram. Fico a aguardar, com muito interesse, os esclarecimentos que V. Ex." entenda dever prestar.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, respondo já às questões levantadas pelo Sr. Deputado José Vera Jardim e não, em conjunto, a estas e a todas as que me serão colocadas, por duas razões: porque, por um lado, gostaria de responder a todas as questões suscitadas pelo Sr. Deputado, sendo sempre difícil conseguir fazê-lo se for confrontado com uma série com-

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plexa de blocos, e, por outro, porque tais questões são de tal modo abrangentes que as minhas respostas poderão suscitar algumas outras questões a serem colocadas por alguns dos Srs. Deputados que ainda não intervieram no debate.

Pediria, por outro lado, a participação possível dos Srs. Secretários de Estado nas áreas mais próprias dos seus pelouros, embora, obviamente, com a responsabilidade política global por parte do Ministro.

Quero desde já agradecer os vários blocos de questões colocadas pelo Sr. Deputado José Vera Jardim. Seguirei, nas respostas que vou dar, a própria ordem pela qual esses blocos foram apresentados.

Referiu V. Ex.° desde logo, como aliás já havia feito quando da discussão em Plenário, um dos aspectos centrais que nós próprios temos reconhecido, desde sempre, como um problema ainda a resolver, embora naturalmente, na nossa perspectiva de resolução. Estamos — é evidente — na vigência de um governo de legislatura. Apresentámos um programa para quatro anos e não seria esperável que executássemos todo esse programa logo no primeiro ou até nos dois primeiros anos. É óbvio que alguns dos aspectos suscitados por V. Ex." no primeiro bloco de questões são aspectos que nós próprios temos reconhecido como ainda carecidos de solução, muito particularmente o que se refere aos custos da justiça na sua globalidade e em áreas sectorais, como sejam, num caso, a dos registos e notariado e, noutro, a dos tribunais.

A questão não reside, pois, neste momento em pretender convencer quem quer que seja de que o problema está resolvido, o que seria como é evidente, mera estultícia, mas em dar a indicação do nosso projecto de resolução e do calendário que prevemos para essa resolução.

Em todo o caso, por estarmos num debate em que, para além do seu aspecto político, o esclarecimento transparente das situações nesta matéria, que repetidamente todos temos reconhecido como questão de Estado, é essencial, creio ser importante dar o que foi a definição da política por parte do Ministério da Justiça e o que foi a definição de uma estratégia e de uma táctica para intervenção no terreno. Como é sabido, qualquer das duas áreas referidas, quer a dos tribunais quer a dos registos e notariado, impunha um primeiro esforço fundamental e, na nosssa perspectiva, absolutamente prioritário que eu consideraria de «lubrificação» do funcionamento do sistema. Ou seja: não estávamos seriamente em condições de mudar radicalmente o sistema sem explorar as suas virtualidades, sem, no fundo, fazer provar a sua capacidade de resposta sendo certo que nos situámos sempre na perspectiva do cida-dão-beneficiário ou cidadão-utente dos serviços, colocando assim o interesse desse cidadão em primeiro lugar e procurando que a reformulação do sistema fosse feita não em termos de autolegitimação do sistema mas em termos de acelerar a sua capacidade de resposta ou, por outras palavras, em lermos de eficácia.

É de salientar, por sua vez, que essa tarefa não foi considerada numa perspectiva estritamente pragmática e meramente tecnocrática, porque, como V. Ex." sabe, melhor ou pelo menos tão bem como eu, estamos a debater uma matéria em que, porventura mais do que em qualquer outra, o pragmatismo tem de vir casado e combinado com os valores. Foi essa, fundamentalmente, a nossa perspectiva.

O que tenho tido ocasião de dizer e que suponho ser evidente é que já se registam hoje resultados visíveis na melhoria do funcionamento do sistema e, assim, numa pro-

dução clara de maior eficácia no funcionamento desse mesmo sistema. É justamente nesta perspectiva e como demonstração disso que tenho referido sucessivamente, de há algum tempo para cá, logo que os resultados começaram a aparecer, que actos cuja prática durava meses, nomeadamente no domínio dos registos e notariado, demoram hoje muito menos tempo e vários deles não já 15 dias, mas 8 dias apenas. Isto resultou não só de alterações legislativas que foram introduzidas avulsamente, mas todas elas na linha de um programa previamente traçado, como também do melhor apetrechamento em instalações.

Posso dizer, a este propósito, que o número que aqui apresentei aquando do debate em Plenário está já claramente aumentado, como acontece, por exemplo, com as instalações de registos e notariado, no âmbito dos quais foram inauguradas, nos últimos dois anos, mais de 100 novas instalações. A melhoria das instalações foi também feita através do apetrechamento tecnológico, seja na substituição do material mais simples, que se encontrava perfeitamente obsoleto, seja na própria informatização, com serviços totalmente informatizados e outros em vias de o serem e com os respectivos concursos concluídos e as adjudicações já feitas.

Todo esse esforço, que foi um esforço significativo de investimento, quer do ponto de vista da produção legislativa quer do ponto de vista dos novos instrumentos de intervenção, permitiram que pudéssemos ter, hoje, a noção exacta acerca da capacidade de resposta do sistema, desde que devidamente apetrechado e instalado para poder funcionar.

Evidentemente que se trata de um esforço muito significativo, cujos resultados — ainda há relativamente pouco tempo — começam a ser visíveis, mas que o são já, o que me permite, por isso, a tranquilidade de passar agora de uma fase de discurso, que na minha perspectiva sempre foi credível, para a demonstração prática da eficácia e operacionalização desse discurso.

É óbvio que, tendo sido esta a opção e tendo-se, portanto, começado pelo sector que nos parecia fundamental para podermos ter uma planificação séria do que viríamos a fazer a seguir, estamos agora em condições de passar para a solução de outros problemas que não estão ainda, evidentemente, resolvidos. Um deles é, obviamente, o que se prende com os custos, nomeadamente na área dos serviços dos registos e notariado.

Se V. Ex.* tem acompanhado a acção do Govemo nesta área com certeza verificou que, embora ainda de uma forma pouco expressiva, já houve várias intervenções nesse domínio, o que significa já uma primeira inflexão. Isto é, em primeiro lugar, não mais se aumentaram os custos — o que é evidente que não podia acontecer —, ao contrario do que acontecia tradicionalmente. Em segundo lugar, além de não mais se terem aumentado, já se diminuíram alguns desses custos e, inclusivamente, está já em preparação e em fase final de aprovação em Conselho de Ministros um diploma que vem, por exemplo, reduzir os custos do Registo Nacional de Pessoas Colectivas para firmas com designação estrangeira.

Estas são situações que levam, obviamente, a um encolher de ombros da parte do Sr. Deputado José Vera Jardim, sobretudo porque já estão solucionadas. É evidente que enquanto tivermos o problema, as soluções que vamos adoptando ao longo do tempo são sempre soluções de algum menosprezo do ponto de vista político, visto que as outras subsistem. Mas é «caminhando que se faz o

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caminho», caminho esse que está a ser feito através da inversão daquilo que era a situação anterior.

Por outro lado, é claro e óbvio que temos um projecto para intervir nesse domínio e, portanto, não temos qualquer dúvida em partilhar as razoes, nomeadamente da oposição— aqui explicitadas por V. Ex.* De facto, não só partilhamos as razões como a vontade política de intervir, mas já não o compromisso dessa intervenção por que nos cabe a nós. Claro que há aspectos que vão facilitá-la e claro que essa projecção, desde logo, quando definimos o Programa do Governo, foi lançada para 1993 e, numa fase mais expressiva, para 1994.

Tal vem compaginar-se, também, com a própria revisão e enquadramento do Gabinete de Gestão Financeira, que, como V. Ex.* sabe, encontra finalmente, na actual Lei do Orçamento do Estado, uma previsão completamente diferente que nos vai permitir, também neste domínio, uma área de intervenção mais alargada, sem que daí resulte — e isto é importante — uma sobrecarga para a globalidade dos cidadãos, sobretudo, contribuintes.

Há, portanto, alguns aspectos que é necessário compaginar, em termos comparativos e de sinal contrário, e foi nessa compaginação comparativa de aspectos de sinal contrário que projectámos o nosso programa e definimos as nossas prioridades.

V. Ex.* conta uma história de um Ministro da Justiça que, situado numa fila acabou por ser recebido ao balcão e ter a indicação de que só daí a sete meses lhe seria passada a certidão que pedia. Ora, não questiono a situação, como é evidente, mas tomo-a apenas, também, na perspectiva do anedotário que V. Ex.' referiu. Na realidade, V. Ex." não chegou a referir quem era o Ministro da Justiça em causa, o que me deixa alguma reserva quanto à analise que possa fazer da situação. Talvez fosse um pouco estranho que o funcionário não tivesse conhecido o Ministro da Justiça ou que, tendo-o conhecido, lhe tivesse dado uma informação, porventura, não correspondendo exactamente à realidade.

De facto, não tenho qualquer informação de que hoje, no registo predial — a não ser, talvez, nalgum local pontualmente divergente —, haja uma demora de sete meses para a passagem de uma certidão. O que temos, isso sim, são indicações de que em sectores, por exemplo, como o do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, tudo funciona sem qualquer atraso, excepto em casos onde o. próprio requerimento ou solicitação estão mal formulados e em que é necessário devolvê-los para que sejam melhor formulados.

Há, portanto, aqui um outro aspecto que não podemos desprezar. Ou seja, não podemos partir do que é considerado um mau funcionamento de alguns serviços, imputando apenas a causa desse mau funcionamento aos serviços. Como V. Ex.* sabe, tão bem como eu, há aqui uma relação cliente-fornecedor, em que o cliente tem uma quota-parte fundamental na qualidade daquilo que solicita ao serviço. Assim, muitas vezes, há também alguma dose de responsabilidade por parte do próprio cliente, responsabilidade que não pode ser transposta para aquilo que seja o sector de responsabilidade do próprio serviço.

É por isso que tenho dito, repetidamente, sem que tal envolva qualquer acusação à procura de culpas mas alguma constatação em demanda das causas, que neste processo não há inocentes, sendo fundamental que todos façamos um esforço para reflectirmos, cada um e cada sector, na área das nossas próprias responsabilidades.

De facto, se todos tivermos uma actuação no sentido de modificar, corrigindo as responsabilidades próprias, vamos, com certeza obter também uma eficácia acrescida na resposta dos serviços.

Houve, efectivamente, propostas por parte do Partido Socialista que, na ocasião, foram rejeitadas, não porque, pontualmente, várias delas pudessem ou não ser de aceitar mas porque entendemos que estas reformas têm de ter um aprofundamento técnico, um cuidado rigoroso na sua apresentação, devendo, ao mesmo tempo, surgir numa calendarização que é essencial para que, no fundo, não haja distorções na implantação do sistema.

Durante muitos anos, por razões puramente conjunturais — que não se prendem com qualquer dos responsáveis pela pasta da Justiça tivessem sido do sector do Partido So-cial-Democrata ou do Partido Socialista —, não havia oportunidade para o estabelecimento de uma política de justiça e, portanto, para a definição de um programa e de um calendário coerentes de intervenção.

Neste momento, temos uma política de justiça para Portugal, temos um calendário e um programa coerentes de actuação. Cremos, por isso, que o respeito desse calendário é essencial para que o atropelamento das medidas pelas próprias medidas não venha a pôr em causa aquilo que é o objectivo fundamental.

Suponho que a oposição tem consciência disso. É óbvio que pode haver, como sempre, divergências quanto à definição desse calendário, mas, no que é essencial, temos um programa definido, uma política traçada, sabemos o que queremos e, transparentemente, temo-lo comunicado. Aliás, não deixa de ser grato verificar que, progressivamente, a própria oposição vai, de alguma maneira, aderindo a esse programa global de intervenção na área da justiça, questionando mais, como é seu dever, os calendários e, sobretudo, o tempo de execução dos respectivos calendários e questionando menos as medidas de fundo e os programas globalmente definidos para o sector.

Quando passámos ao sector da intervenção social da justiça nas suas várias áreas, V. Ex." frisou alguns aspectos que me parecem particularmente importantes, sobretudo porque permitem, mesmo em alguns casos, um esclarecimento antecipado e, portanto, uma antecipada abertura de um debate que será, obviamente, salutar e enriquecedor.

Desde logo, relativamente ao Código Penal, diz V. Ex.* que não é tradicional que os códigos penais durem decénios ou, até, apenas um decénio. E evidente que, em tese geral, é assim, mas já não é assim, obviamente, quando um código penal, como o que temos actualmente em vigor, é um código que introduz modificações radicais naquilo que era a política criminal anterior e que, portanto, deveria — e ainda bem que o é — ser sujeito a um teste experimental ao fim de alguns anos, tanto mais que, em alguns pontos, se verificou, progressivamente, que havia alguns ajustamentos a introduzir.

Ora nessa medida entendemos que, em vez de produzir meros ajustamentos, era importante fazer uma reapreciação do conjunto do Código Penal a partir, obviamente, do que tinha sido a política criminal definida e que era preexistente à própria consagração legislativa que veio a determinar o diploma legislativo actualmente em vigor.

0 que posso adiantar ao Sr. Deputado é que não há, da nossa parte, qualquer intenção — o que será constatável logo que apresentemos o projecto— de pôr em causa a filosofia que preside ao actual Código Penal e, portanto, não há intenção de intervir no domínio do que, na essência, se chama a política criminal, definida no próprio Có-

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digo Penal. Pelo contrário, a nossa perspectiva é a de permitir agora, com a revisão que está na fase final de elaboração, vir levar tão longe quanto era inicialmente desejada essa política criminal que preexistia ao próprio Código.

A este propósito, posso dar um exemplo. Embora não seja, porventura, o local mais adequado para fazer uma explicitação demasiada extensa, dar-lhe-ei um exemplo que é fundamental. Como V. Ex.* sabe, o Código de Processo Penal, publicado já posteriormente ao Código Penal, vem estabelecer uma distinção que nos parece essencial — que começa a colher aceitação nos vários meios jurídicos e judiciários portugueses e espero que, a breve trecho, na sociedade portuguesa no seu conjunto— entre a chamada criminalidade de consenso e criminalidade de conflito.

Assim, o processo penal, permite que, hoje, no domínio da chamada criminalidade de consenso, haja já uma série de medidas alternativas em termos não tecnicamente, de todo em lodo, correctos do ponto de vista adjectivo, na área de um direito processual que, sendo adjecüvo, tem muito de material e de substantivo, como é o processo penal.

Ora, o importante agora é que o Código Penal venha, no fecho do tecto definitivo do sistema penal português, ser coerente e coincidente com esta distinção entre criminalidade de consenso e de conflito. E uma das conclusões a que, facilmente, pudemos chegar foi a de que, naquilo que no Código Penal está previsto, como as chamadas medidas alternativas à pena de prisão, a previsão dos pressupostos não foi suficientemente corajosa, não permitindo, portanto, que hoje a maior parte dos tribunais tenha à sua disposição meios legais suficientes para que a adopção das medidas alternativas à pena de prisão sejam uma realidade.

É evidente que há também aqui um outro esforço de formação, que quase diria cultural, dos agentes de intervenção, para que eles próprios, também, o façam. Alias, esse tem sido um trabalho, e suponho que meritório, levado a cabo pelo Centro de Estudos Judiciários, onde esta linha foi sempre defendida.

Hoje, na revisão que vamos introduzir no Código Penal, vamos alargar, justamente na moldura abstrata, a possibilidade de aplicação de medidas alternativas para que desapareça a razão que tem sido invocada, segundo a qual essas medidas alternativas não se aplicam porque a previsão é de tal maneira estreita que não chega a haver casos de prisão que venham, depois, a ser substituídos por essas medidas alternativas. Esta é uma das perspectivas essenciais da revisão actualmente em curso.

Por outro lado, se V. Ex.* se recordar dos trabalhos preparatórios de então, verifica que foram algumas razões de exigência exógena à própria Comissão que o determinaram e que, .quase no último momento, houve um aumento significativo das penas previstas para os crimes contra a propriedade e património, uma vez que era aí que se gerava uma maior insegurança na altura e porque, do ponto de vista social, se reclamava que se actuasse de forma mais «repressiva», se se entender nesse domínio.

Contudo, do ponto de vista de filosofia global, tal acabou por vir a introduzir alguma distorção, fazendo que, em alguns casos, os crimes contra as pessoas acabassem por ser punidos de forma menos severa do que os crimes contra o património. É justamente nessa área que vamos intervir e, portanto, o chamado aumento da dosimetria da pena vai acontecer exactamente no domínio dos crimes contra as pessoas.

Sei que havia outra alternativa: diminuir as penas dos crimes contra o património. Porém, V. Ex.* sabe que, mesmo na ausência de institutos de criminologia há hoje regras aceites por aquilo que, no fundo, se conhece da evolução da criminologia em toda a parte. Com efeito, sabe-se que, do ponto de vista filosófico, os crimes contra as pessoas não devem ser punidos, para não dar uma referência negativa de forma menos severa do que os crimes contra

o património.

No entanto, não basta colocar as questões apenas em termos de comparação de valores, pessoas e bens; é também necessário fazê-lo em termos de eficácia de intervenção da própria lei penal, jogando, portanto, com o que são, no fundo, as exigências de prevenção por aquilo que é referido pela maior taxa de criminalidade. Ora essa maior taxa de criminalidade é, claramente, mais expressiva no domínio dos crimes contra o património do que no dos crimes contra as pessoas.

Foi esta a razão que nos levou a optar por elevar as penas dos crimes contra as pessoas, deixando, todavia um Código Penal com um máximo de dosimetria abstracta da pena a uma distância enorme dos países que têm, realmente, uma visão repressiva, no pior sentido do termo, relativamente à intervenção do sistema penal.

Por outro lado, actuámos através de molduras que apelam e continuam a apelar para o papel importante da intervenção dos tribunais. De facto, Sr. Deputado, também por aí se respeita a independência dos tribunais. A independência dos tribunais não se respeita apenas através de um quadro formal e institucional, respeita-se, sobretudo, através de uma afirmação de confiança material de intervenção: fazer que a lei permita que os tribunais, actuando com independência, sejam eles próprios capazes de adequar, em cada situação concreta, o direito abstracto à realidade que se lhes impõe. Também aí não vamos introduzir alterações significativas.

Com efeito, não só confiamos nos tribunais portugueses como garantimos a independência para a sua intervenção, o que, obviamente, acaba sempre, porque é um desvio relativamente ao que são os valores essenciais de um Estado de direito e da democracia por criar algumas dis-funcionalidades. No entanto, as disfuncionalidades da independência dos tribunais são, no fundo, o preço mínimo que se paga por um bem superior: a garantia da própria independência mas uma independência com juízes que, sendo independentes, têm margem de intervenção para afirmação da sua independência. Não podemos, formalmente, dar independência aos juízes e, depois, «legislar por circular», retirando, portanto, na prática, a independência de que os juízes devem, obviamente, gozar.

Ora, é justamente nesta perspectiva que não acreditamos que venha a produzir-se, por esta via qualquer tipo de bloqueamento do sistema prisional. Ele pode vir a produzir-se, como está a acontecer neste momento, mais por razões de natureza positiva, isto é, pela maior capacidade de resposta dos tribunais, por uma maior e mais rápida capacidade de decisão e, portanto, por um número maior de pessoas condenadas, não por que exista proporcionalmente, um número maior de criminosos ou de crimes cometidos, mas porque há, efectivamente, uma capacidade de resposta do sistema que, na área do processo penal e, sobretudo, em toda a criminalidade cometida no âmbito do novo Código de Processo Penal, é já de todos conhecida Hoje, parece-me evidente que, salvo algumas raras situações de bloqueio, na globalidade a resposta da justiça penal é imensamente mais rápida do que hí uns fem-

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pos atrás, sobretudo quando ela se exercia à luz do anterior Código de Processo Penal.

Portanto, a necessidade de desbloquear a capacidade de resposta dos serviços prisionais não se Coloca porque vamos aumentar as penas, já que esse aumento vai ser compensado com o recurso as medidas alternativas, que serão em situações bastante mais vastas, mas, sobretudo, porque uma maior capacidade de resposta dos tribunais exige uma maior capacidade de intervenção.

Relativamente a esse ponto, remeto também para a intervenção que fiz em Plenário, onde esclareci a acção que está a ser desenvolvida no âmbito dos serviços prisionais, quer através da inauguração, já em 1993, de novos espaços, quer através do lançamento de pavilhões para o sistema do regime aberto, o qual irá permitir-nos, por exemplo, num ano, aumentar a capacidade de resposta para mais 1000 reclusos.

Quanto à questão da prisão preventiva, efectivamente Portugal tem uma taxa elevada de presos preventivos. No entanto, já não estou tão de acordo com o Sr. Deputado quando analisa esta situação negativamente, por comparação com os restantes países da Europa. Na verdade, a taxa de prisão preventiva, em Portugal, não difere significativamente da dos restantes países da Europa e há mesmo alguns países da Europa comunitária onde a taxa de prisão preventiva é superior à de Portugal.

A meu ver, a questão não está na taxa de prisão preventiva, dado que essas prisões devem acontecer sempre que se justifiquem. Por isso, se o número que jusüfica essas prisões é elevado, naturalmente que a sua taxa será elevada; se esse número for baixo, então a taxa de prisões preventivas também baixará. Aliás, isto já La Palice o diria. O importante é sabermos se não teremos situações em que um outro tipo de medidas de coacção, que não a prisão preventiva, possa ser adoptado. Ora, eu não conheço qualquer sistema jurídico-legal que seja tão aberto como o nosso relativamente à prisão preventiva. Como V. Ex." sabe, no nosso país a regra é sempre a da liberdade e, por isso, a prisão preventiva só deve ser decretada excepcionalmente. Portanto, do ponto de vista legal, parece-me muito difícil que se introduzam alterações susceptíveis de, por essa via, conduzir a uma menor taxa de prisão preventiva.

Creio que aqui, uma vez mais, temos de actuar — e o Centro de Estudos Judiciários lem-no feito — sobre uma formação mais profundamente virada para este sector. No entanto, estamos numa área clara, em que a independência dos tribunais, mais uma vez, dita a sua última palavra. Portanto, creio tratar-se não só de um esforço jurídi-co-cultural, que tem de ser desenvolvido, mas, mais do que isso, de um esforço juridico-cultural e polílico-cultural, pois, como V. Ex." também sabe, não é raro, em vários sectores do pensamento político em Portugal, ouvir o discurso de que é a prisão preventiva que deve ser aumentada para garantir aquilo que, aparentemente, é invocado em nome de uma afirmação de segurança quando, muitas vezes, não são as questões de segurança que estão em causa. Portanto, não se trata apenas de um problema legal — creio mesmo que o não é—, não se trata só de um problema jurisdicional —creio também que não o é só—, trata-se também de um problema cultural global e, portanto, de discurso global junto da própria sociedade portuguesa, no sentido de fazê-la compreender qual é, no fundo, o verdadeiro sentido do princípio da presunção de inocência até que haja decisão com trânsito em julgado.

Relativamente ao problema da droga, posso informar que foi aprovado, há relativamente pouco tempo, um diploma fundamental, uma verdadeira lei de combate à droga definitivamente elaborada em Portugal, que não pode deixar de ser sacada a crédito do Governo, pois trata-se de um diploma corajoso que vai introduzir modificações significativas neste sector. Aliás, ele teve, inclusivamente, o apoio do Partido Socialista e, portanto, estamos com um diploma que tem toda a possibilidade de vir a introduzir modificações importantes no domínio do combate à droga em várias das suas perspectivas, desde a prevenção até à intervenção terciária, não apenas no sentido da reinserção como também no da própria repressão.

Quanto à relação drogas/seringas/sida — V. Ex." falou na relação droga/sida, mas é óbvio que essa relação passa por esse mecanismo instrumental que é a seringa—, evidentemente que o Govemo Português e o Ministério da Justiça estão a acompanhar a discussão desta temática no seio da Europa. Como V. Ex." sabe, não há posições definidas neste sector e é evidente que aqui, como em tudo, não poderemos introduzir mecanismos que sejam de mera aparência ou de demagogia, pois trata-se de uma área extremamente sensível e melindrosa, em que jogamos com valores essenciais e onde é muito importante que tenhamos a noção exacta do modo como vamos relacionar valores que são, efectivamente, muitas vezes contraditórios. Cito-lhe, a título de exemplo — e esse é o exemplo mais referido hoje —, o problema de distribuição de seringas nas prisões. Neste aspecto, o mais importante — e suponho que V. Ex.° concorda comigo— não é colocarmos a questão em termos simplistas no sentido de saber se «seringas sim» ou «seringas não» nas prisões, pois para as questão simplistas ou se encontram respostas que não têm significado ou não se encontram respostas, porque se a questão não é simples ela não pode ser colocada em termos simplistas.

Evidentemente que, se partimos do princípio de que a legislação portuguesa pune o próprio consumo da droga

— em termos que não vale a pena desenvolver agora por-que sabemos que pune em termos não repressivos mas projectantes de uma perspectiva preventiva—, se o considera como desvalor, em princípio a própria lei não deve simultaneamente construir mecanismos e instrumentos que partem do pressuposto de que, afinal de contas, o comportamento de desvalor tem um espaço próprio para a sua realização. Isto é, digamos, o princípio geral. Mas os princípios valem também aquilo que a realidade, de alguma forma permite dar-nos como capacidade de afirmação.

A questão que tem de colocar-se é a de saber até que ponto a taxa de seropositivos e de sidosos no interior dos estabelecimentos prisionais tem directamente a ver com o problema do consumo de droga no interior dos estabelecimentos prisionais e, portanto, saber até que ponto os próprios estabelecimentos prisionais são potenciadores ou têm, de alguma forma, entre o consumo da droga e a sida uma relação de causa/eleito. Este estudo já foi feito algumas vezes — aliás, ele tem de ser feito várias vezes, como é óbvio, pois não se faz um estudo e nára-se — e, neste momento, temos a noção de que, ao contrário do que acontece, por exemplo, com a hepatite B, cujo crescimento é notório no interior das prisões, o que levou a que uma série de medidas estejam a ser adoptadas nesse domínio, tal não está a acontecer com a sida. Portanto, neste momento

— e gostava que ficasse claro que estou a referir «neste momento» e tendo em conta o conjunto de dados de que dispomos —, não se jusüfica a distribuição de seringas ape-

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nas para se dizer que se adoptou uma medida para resolver o problema da sida no interior das prisões. Repare, Sr. Deputado, que até seria simples fazê-lo, mas com isso escamoteávamos uma grande parte da questão.

No entanto, não tenho dúvidas de que, logo que tenhamos a noção — se ela vier a verificar-se — de que, por essa via, há um aumento exponencial de casos de sida ou de seropositividade e que esse é o caminho para, pelo menos preventivamente, dar um passo decisivo, nessa altura, o sopesar dos vários valores em conflito levar-nos-á, obviamente, para um caminho desse tipo.

Por outro lado, está ainda por provar, até mesmo em alguns sistemas que, timidamente, introduziram as seringas, que tal distribuição tenha produzido qualquer diminuição na relação causa/efeito. Aliás, por várias razões, desde logo pelo próprio secretismo do consumo e até pela falta de cuidado que, como sabem, muitas vezes acontece, infelizmente, em situações desta natureza.

Quanto às Comissões de Protecção de Menores, como V. Ex." sabe, consta da própria lei que, ao cabo dos primeiros seis meses, se procederá à sua avaliação para introduzir as correcções que venham a justificar-se. Estamos, agora, a formar a equipa que vai proceder a essa avaliação. Temos já instaladas cerca de 19 comissões de protecção de menores, vamos instalar, creio eu, mais 10 durante o próximo mês e outras tantas nos primeiros meses do próximo ano. Neste momento, temos comissões em fase de instalação, embora já instaladas materialmente, e outras a trabalhar. No entanto, embora ainda não disponha-mos de dados absolutos por estarmos justamente a chegar à fase de avaliação, não temos qualquer dúvida de que este é o caminho correcto. Trata-se, evidentemente, de um caminho cujo itinerário vai demorar algum tempo a traçar, por várias razões: por se tratar de uma verdadeira revolução nesta matéria, e isso é fundamental; por ser uma retirada de competências aos tribunais neste domínio; por ser um apelo à intervenção da sociedade neste sector; por ser, no fundo, a concretização de uma interdisciplinaridade que foi instrumento de muitos discursos, mas que dificilmente passava à acção entre nós.

Portanto, temos de acompanhar cada uma das comissões de protecção de menores por si própria, ou seja, por aquilo que são as suas características, abrindo-as, progressivamente, à própria participação da comunidade, embora esta, de alguma maneira, já esteja nelas representada nomeadamente através das associações de pais, de psicólogos e de sociólogos, que não são directamente institucionais ou vindos das instituições, para aí poderem participar. Porém, é fundamental que façamos esse acompanhamento de modo que, por um lado, possamos institucionalizar, no sentido formal do termo, as comissões e, por outro, permitir uma abertura cada vez maior, à comunidade.

Relativamente aos meios, aqui está um ponto que não nos assusta, porque não é de um conjunto de meios pesados e burocratizados que as comissões necessitam. Na verdade, os problemas que nos têm sido colocados por algumas das comissões já instaladas prendem-se mais com a informação, do ponto de vista científico, do «como fazer». Relativamente aos meios, não temos quaisquer problemas, ninguém nos coloca essa questão, pois as comissões têm actuado sem sentirem particulares dificuldades nesse domínio. Aliás, é até importante que, pela sua natureza elas próprias reproduzam a sua capacidade de resposta em matéria de meios, porque, embora eles não sejam nunca pesados, é importante que não se crie como que uma tutela que, por esta via, acabe por absorver, como

células institucionais tradicionais, as comissões de protecção de menores.

Quanto ao Instituto de Reinserção Social, perguntou-me V. Ex." pelo seu impacte. Não tenho dúvida de que ele é claramente positivo em vários aspectos, desde logo pela sua própria institucionalização. Como sabe, está, finalmente, garantida em todo o território nacional e em todos os futuros círculos judiciais, a implementação do Instituto, o qual, progressivamente, ganhou o seu espaço, como V. Ex.' também sabe— e, porventura melhor do que eu — com alguma dificuldade inicial, porque era uma instituição nova e porque, na sua perspectiva de intervenção interdisciplinar, no interior do sistema judiciário era recebido como um agente espúrio que ia intervir numa área que estava particularmente fechada. Ora, esse espaço está aberto e hoje, por exemplo, no domínio dos chamados relatórios pré-sentenciais, que são fundamentais para a construção de uma boa perspectiva por parte do tribunal relativamente ao arguido, o trabalho do Instituto de Reinserção Social está claramente solidificado e é considerado de qualidade.

Do ponto de vista da reinserção social propriamente dita evidentemente que há, desde logo, o aspecto da adopção ou não de medidas alternativas à pena de prisão, onde o Instituto de Reinserção Social tem um trabalho decisivo. Obviamente que as medidas alternativas à pena de prisão têm ainda uma expressão reduzida entre nós, mas têm tido sempre um acompanhamento correcto e adequado por parte do Instituto, da mesma maneira que na reinserção social, no período pós-prisional, o Instituto vem, progressivamente, melhorando a sua intervenção — o que é também conhecido —, nomeadamente através de um processo que me parece o mais adequado e que é o de não assumir para si, enquanto Instituto, a totalidade do trabalho de recuperação mas estabelecendo, ele próprio, relações, pela via do protocolo e do acordo, com instituições particulares de solidariedade social interessadas na intervenção nesse domínio, abrindo, portanto, um espaço do interesse da própria comunidade na absorção dos seus ex-reclusos.

Trata-se também de um projecto com uma filosofia cujo desenvolvimento, em termos de calendário, tem cumprido aquilo que são os nossos tempos e as nossas metas. Por isso, não tenho qualquer preocupação quanto ao Instituto de Reinserção Social e quanto à sua integração numa política criminal global e numa filosofia de reinserção social, também como defesa social que tem sido, claramente, definida entre nós.

Relativamente aos institutos de criminologia, não lhe garanto que eles sejam criados em 1993. Repito-lhe que estamos numa legislatura e que eu gostava caso continue como Ministro da Justiça, de ter alguma coisa para fazer nos últimos dois anos de mandato.

Posso, no entanto, adiantar-lhe que estamos na fase final do projecto de diploma para a definição do que seja um instituto de criminologia e parece-me mais importante fazer um trabalho sério na definição do perfil desse instituto do que proceder, rapidamente, a uma lubrificação dos três institutos de criminologia que se encontram em fase de decadência exactamente porque vão justificar um salto qualitativo para uma realidade completamente diferente. Portanto, se houver oportunidade de criá-lo em 1993, terei muito gosto que assim aconteça, mas, se assim não for, ocorrerá mais tarde. Aliás, nunca me comprometi a pô-lo a funcionar em 1993, nem é prioridade para o próximo ano, embora seja desejável que, no contexto da recupera-

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ção global do sistema de justiça, o instituto de criminologia também esteja previsto. No entanto, não tenho qualquer

dúvida de que, até ao fim da legislatura, teremos um bom instituto de criminologia em Portugal.

Quanto às vítimas, com certeza que sim, Sr. Deputado. Aliás, é curioso verificar — isso é interessante para mim, mas é-o também para VV. Ex." e, sobretudo, para os cidadãos — que, nesta altura, em muitos aspectos do funcionamento do sistema de justiça, já não estamos a perguntar quando vai acontecer alguma coisa. Sobretudo, já não estamos a perguntar quando vai acontecer aquilo que estava sempre para acontecer. Aliás, em muitos sectores da justiça, já estamos a perguntar quando entrará em funcionamento alguma coisa que, ainda há pouco tempo, era inimaginável e que agora está prevista, organizada e vai funcionar, para já não falar dos casos em que já nem se pergunta quando irão funcionar por já estar a acontecer.

Como V. Ex.* sabe, ainda há muito pouco tempo não se compaginava com a ideia das comissões de protecção de menores. Lembro-me que, em 1975, se falou dessas comissões e que nunca mais ninguém pensou que isso fosse possível. No entanto, estamos já a perguntar qual é o orçamento para as vítimas de crimes graves, porque já temos o diploma e porque estamos em fase final do processo de instalação. Portanto, é esse típo de avanço progressivo e de dinâmica de modificação da qualidade do funcionamento do sistema que nos coloca agora em questões diferentes.

Quando esüve na Comissão, disse que estava prevista uma verba de 400 000 contos para 1993. Está agendado para Conselho de Ministros o diploma que vem institucionalizar as comissões e regulamentar a lei que foi aprovada no ano passado, com o voto favorável de VV. Ex.", e os 400 000 contos constam das verbas previstas no Gabinete do Ministro do orçamento do Ministério da Justiça, que estão à discussão transparentemente para VV. Ex."

É evidente que, a partir do momento em que se modificar a estrutura organizativa do Gabinete de Gestão Financeira como está previsto nesta lei, elas passarão a ter uma previsão que já não será, obviamente, do Gabinete do Ministro da Justiça.

Finalmente, um terceiro bloco que diz respeito aos tribunais, que, porventura, será tratado mais rapidamente, sem que isso signifique menor importância pelo contrário.

V. Ex." falou na «experiência para esquecer» que foi a Lei Orgânica do Ministério Público; no entanto, creio que assim não foi. Em primeiro lugar, porque suscitou um debate importante acerca do Ministério Público — e parece--me que é fundamental que isso aconteça — e, em segundo lugar, porque aquilo que V. Ex.* acabou por chamar a si como um êxito, aliás partilhado, porque havia duas normas cuja constitucionalidade se discutia — além das outras todas cuja constitucionalidade se não discutia —, em que uma terá sido favorável à posição da oposição e a outra à posição do Governo, veio dizer que o Ministério Público não era tão independente como o Governo pretendia que fosse no projecto que apresentou. Foi o próprio Tribunal Constitucional que o disse e, portanto, não creio que tenhamos aqui uma intervenção para esquecer.

Suponho que foi importante ainda porque ficámos a saber melhor qual é o enquadramento institucional da magistratura do Ministério Publico. Os processos de intenção foram facilmente ultrapassados e, hoje, sabemos que magistratura do Ministério Público temos, sabemos que magistratura do Ministério Público queremos e não há nesse sector qualquer outro tipo de problemas.

O Sr. José Magalhães (PS): — Não apoiado!

O Orador: — Relativamente à revisão que apresentaremos quanto ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, VV. Ex." irão ter ocasião de verificar que a esmagadora maioria dos preceitos vem no sentido da dignificação do papel do próprio juiz.

O Sr. José Magalhães (PS): — Parece que os magistrados não perceberam!

O Orador: — Não! Creio que os magistrados já perceberam, sem qualquer dúvida pois apenas contestam um artigo, ao que sei, o que significa portanto, que todos os outros são efectivamente de dignificação da classe, como tive ocasião de dizer!

Há depois um outro que iremos discutir no momento próprio. Mas aquilo que eu gostaria que acontecesse era que essa discussão fosse aqui feita com a mesma elevação e dignidade que teve a discussão da Lei Orgânica do Ministério Público.

Suponho que estamos todos de acordo de que, independentemente das nossas divergências, foi, porventura, dos debates parlamentares — não direi o de maior elevação, porque muitos outros houve, com certeza — onde, havendo uma divergência tão profunda como havia se pôde discutir com uma elevação intelectual e política que não deixa de ser exemplo.

Espero bem que isso também venha a acontecer relativamente ao Estatuto dos Magistrados Judiciais.

Srs. Deputados, em relação a este assunto, a nossa posição é muito clara: pretendemos aproximar a representação dos representados e entendemos que um conselho superior da magistratura é um órgão de Estado e não um órgão corporativo de classe. Ora sendo um órgão de Estado e sem pôr minimamente em causa o número de magistrados e aquilo que, no fundo, eles representam, entendemos que o sistema eleitoral deve aproximar-se mais daquilo que é a vontade do legislador quanto à representação e menos daquilo que resulta de uma representatividade corporativa ou de classe num órgão de Estado, sem que Isto tenha obviamente, qualquer leitura negativa quanto ao que é a intervenção sindical no âmbito das magistraturas, que, obviamente, respeitamos de pleno.

Simplesmente, entendemos que é necessário estabelecer uma fronteira entre o que é a representação sindical propriamente dita e o que é a intervenção de um órgão de Estado de gestão das magistraturas, como é o Conselho Superior da Magistratura, fazendo, aliás, que esse Conselho conheça um processo de eleição exactamente igual ao que está previsto para o Conselho Superior do Ministério Público e exactamente igual ao que está previsto para o Coaselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Suponho, portanto, que será uma discussão, com certeza interessante e importante, mas entristecer-me-ia — se é que em política alguém se pode entristecer! — se visse um partido, como o Partido Socialista, por exemplo, a discutir esta matéria em sede de independência dos tribunais, porque me parece que está claramente afastada a ideia de que isto tenha alguma coisa que ver com ela.

Suponho que conduzir a discussão deste assunto para aí seria levá-lo para um terreno onde resvalaríamos muito facilmente para o domínio da demagogia. Com certeza que não será isso que irá acontecer!

Passando a uma outra questão, devo dizer que é evidente que um conselho superior da magistratura, com as

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competências e com as atribuições do Conselho Superior da Magistratura portuguesa e com as responsabilidades que tem de exercer, tem, obviamente, de dispor de meios à sua disposição. Nesse sentido e como VV. Ex." terão acompanhado, ainda recentemente dois diplomas vieram aumentar os meios colocados à disposição do Conselho Superior da Magistratura. Posso dizer que, estando em vigor, esses meios não foram ainda completamente implementados.

Por outro lado, é fundamental que não estabeleçamos comparações entre o que é a Procuradoria-Geral da República e o que é o Conselho Superior da Magistratura, pois trata-se de realidades muito diferentes, com atribuições e competências completamente diferentes.

Agora, do que não tenho qualquer dúvida é a de que o Govemo está perfeitamente atento no sentido de acompanhar as solicitações que vierem a surgir, dentro, obviamente, dos limites de exigência considerados também com vários interesses em conflito, para fornecer os instrumentos necessários para uma correcta gestão das magistraturas, que é para nós um ponto essencial para o funcionamento, com maior qualidade, do próprio sistema de justiça. Por isso mesmo, os próprios magistrados já sabem que está a decorrer um projecto para uma instalação condigna do próprio Conselho Superior da Magistratura e, evidentemente, para a ampliação dos meios á sua disposição, desde que, dentro da contenção daquilo que, no fundo, é uma relação de causa/efeito entre o que são as atribuições, a necessidade de responder por elas e os meios necessários para que essa resposta possa ser dada.

Finalmente, como V. Ex." sabe, a alteração que introduzimos à Lei Orgânica dos Tribunais e que está agora na fase final da sua regulamentação, vem-nos permitir actuar de uma forma que não seja hesitante mas, sim, experimental em alguns aspectos.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Ainda bem!

O Orador: — E V. Ex." compreende que, num sistema anquilosado, de décadas e de séculos, quando se faz uma modificação, que é profunda, ela tem de conter em si uma margem de experimentalismo, que é essencial, porque só assim é que ela pode evoluir seriamente.

Relativamente aos tribunais de círculo, não tenho dúvidas de que, progressivamente, a sua situação se vai estabilizar. E quando o tribunal de círculo puder sair da discussão, até política, para uma análise mais desapaixonada, concluiremos que, em muitas circunstâncias, ele está a funcionar muito bem.

Há alguns aspectos pontuais onde ele está a funcionar mal por razões de implantação e de instalação, cujo mau funcionamento não resulta da sua própria essência mas do modo como ocorreu a sua própria instalação. Agora, onde a sua instalação foi acompanhada com rigor, onde houve uma antecipação efectiva dos problemas, eles estão a funcionar bastante bem. É esse claramente o caminho!

Não vamos cometer a mesma imprevisão relativamente aos tribunais de pequena instância, vamos fazê-lo pontualmente e com o acompanhamento experimental, para analisarmos os seus efeitos. Eu próprio já tive ocasião de dizer, nesta Câmara, que não vamos actuar em Lisboa e no Porto, nomeadamente no âmbito dos Palácios da Justiça e, portanto, no domínio da justiça cível. Esse será o último reduto de intervenção, quando todo o sistema tiver provado que funciona com qualidade. Vamos fazê-lo fora dos Palácios da Justiça de Lisboa e do Porto, tanto mais

que tive ocasião de receber com agrado a informação vinda de V. Ex." de que aí a justiça está a funcionar bastante melhor do que já funcionou.

Portanto, se estamos numa via de recuperação sensível, não vamos mexer imediatamente naquilo que é já o paradigma do resultado prático de qualidade nas várias acções que, entretanto, foram introduzidas.

Será um processo de acompanhamento, o que me leva a dizer a V. Ex.*, no final desta primeira intervenção, que também esta matéria vai justificar a minha vinda várias vezes à Comissão, porventura a solicitação minha para que os Srs. Deputados acompanhem o que vai acontecendo na implantação deste sistema. A esse propósito, posso garantir-lhe que não teremos, com certeza, longas ausências e que VV. Ex." terão, por vossa ou por minha iniciativa, informações regulares acerca do modo como as medidas estão a ser implementadas e dos seus resultados.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Srs. Deputados, estamos confrontados com o problema de termos, a seguir, uma reunião com a Sr.* Secretária de Estado da Juventude. Por isso, gostava de ouvir os presentes sobre esta matéria, no sentido de se tomarem medidas.

Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): — Sr. Presidente, era apenas para interpelar a Mesa no sentido de saber quanto tempo é que prevê que possa ainda durar esta reunião com o Ministério da Justiça.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr. Deputado Manuel dos Santos, a pergunta é fácil, mas a resposta é difícil. Ainda estão inscritos para perguntas ao Sr. Ministro da Justiça cinco Deputados e, depois, o Sr. Ministro terá de responder.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): — Sr. Presidente, penso que não há condições para reunirmos com a Sr." Secretária de Estado da Juventude ainda hoje. Nesse sentido, vou tentar entrar em contacto com o Governo, no sentido de ajustar, não sei bem como, essa audição para amanhã. De qualquer forma, informarei o Sr. Presidente quando tiver algum acordo estabelecido.

É claro que teremos sempre a hipótese de continuar a reunião pela noite dentro, mas talvez não seja o mais adequado.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Srs. Deputados, gostava de ouvir a posição dos partidos aqui presentes sobre esta matéria.

Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): — Sr. Presidente, dado que amanhã teremos reuniões com o Sr. Ministro da Educação, na parte da manhã, e com os Srs. Ministros da Administração Interna e das Finanças, na parte da tarde, ponho a hipótese de a reunião com a Sr." Secretária de Estado da Juventude poder ser realizada ainda hoje, mesmo que se interrompesse a reunião para jantar, até porque estão aqui Deputados da Comissão de Juventude e naturalmente que o facto de se não realizar hoje a reunião prevista poderá afectar a programação dos seus trabalhos.

Portanto, a posição do PSD é a de que a reunião programada com a Sr." Secretária de Estado da Juventude se realize ainda hoje.

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O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Logo a seguir à audição do Sr. Ministro da Justiça ou depois de uma interrupção?

O Sr. Rui Carp (PSD): — Sr. Presidente, isso dependerá da flexibilidade dos Srs. Deputados e da audição da Sr.* Secretária de Estado da Juventude.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr. Deputado Manuel dos Santos, qual é a posição do Partido Socialista?

O Sr. Manuel dos Santos (PS): — Sr. Presidente, a nossa posição é a de que, primeiramente, se oiça a Sr.* Secretária de Estado da Juventude, porque se interpelei a Mesa no sentido em que o fiz foi porque tinha indicações do Governo de que, a partir de certa hora, seria muito difícil que a Sr.* Secretária de Estado da Juventude esüvesse disponível.

Portanto, proponho que me deixem contactar primeiro com o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e só depois decidiremos.

Se ela estiver disponível, já percebi que há uma vontade, mais ou menos unânime, para continuarmos pela noite dentro, pois presumo que o PS também estará de acordo com essa hipótese.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Qual é a posição do Partido Comunista?

O Sr. José Manuel Maia (PCP): — Sr. Presidente, pela nossa parte, temos disponibilidade para qualquer das hipóteses, desde que não se ponha em causa nem este nem os outros debates.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado António José Seguro.

O Sr. António José Seguro (PS): — Sr. Presidente, era para, em nome da bancada do Partido Socialista, informar V. Ex.' de que estamos disponíveis para trabalhar esta noite, se a Sr.* Secretária de Estado também estiver.

No entanto, o que nos parece correcto é que seja marcada uma hora exacta para começarmos a reunião, para que os Deputados da Comissão de Juventude não tenham de estar aqui à espera que acabe a reunião com o Sr. Ministro da Justiça e comece com a Sr." Secretária de Estado da Juventude.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Então, peço ao Sr. Deputado Manuel dos Santos que faça o favor de contactar a Sr.* Secretária de Estado da Juventude no sentido de sabermos o que fazer concretamente.

Vamos continuar a nossa reunião, solicitando a VV. Ex." que sejam o mais concisos possível nas vossas questões, para podermos chegar ao fim frutuosamente e sem demasiado desgaste físico.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Presidente, era apenas para dizer o seguinte: o Sr. Ministro da Justiça, por lapso, certamente, não se referiu às propostas de aditamento ao Orçamento que o Partido Socialista entregou.

Não é que queira uma resposta imediata; no entanto, vou entregar cópia das ditas propostas para avivar a memória do Sr. Ministro, a fim de que, numa posterior intervenção, se tiver oportunidade...

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Penso que o Sr. Ministro não conhecia as propostas!

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Deputado, eu ainda não consigo memorizar aquilo que não conheço e, de facto, ainda não as conhecia. Portanto, não se trata de um problema de memória mas, sim, de falta de conhecimento.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr. Ministro da Justiça ia-lhe propor que ouvíssemos primeiro todos os restantes Srs. Deputados inscritos e, no fim, o Sr. Ministro responderá, em conjunto, a todos, salvo se houver alguma matéria em que se imponha uma resposta mais casuística.

O Sr. Ministro da Justiça: — Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.' Deputada Odete Santos.

A Sr.* Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Jusüça: Nos documentos que V. Ex." entregou à Comissão um dos objectivos, que, aliás, há muito vem sendo falado é o da celeridade da jusüça e o combate à morosidade processual.

Gostava assim, que me respondesse a algumas questões, até porque elas têm a ver com reformas Iegislaüvas e com a desburocratização, pois creio, salvo alguma distracção da minha parte, que V. Ex* não lhes deu resposta.

A verdade é que, pelas estatísticas publicadas do Boletim do Ministério da Justiça, verificamos que o combate à morosidade processual tem sido muito lento, porque, por exemplo, entre 1990 e 1991, a diferença que o Ministério da Justiça aponta de duração média de processos fica-se por um mês a menos, o que é muito pouco, excepto em relação a transgressões laborais, em que a eficácia da inspecção, que não é consigo, é muito pequena e em que os autos de transgressão levantados, nomeadamente no que concerne à questão da higiene e segurança no trabalho, têm diminuído de forma assustadora.

Perante este panorama perante a constatação de que a carga de processos por magistrado é enorme, ou seja 1297 processos — penso que não há quem resista a isto — e perante o número de funcionários de justiça que é muito reduzido (segundo as estatísticas do Ministério da Justiça, há 65 funcionários de justiça por 100 000 habitantes e vemos que, na prática eles têm muita dificuldade em responder a esta situação), pergunto: que medidas concretas é que serão tomadas para se acelerar o combate à morosidade da justiça?

Relativamente ao programa Cidadão e Justiça constata-se que no dossier que nos foi entregue se reconhece que este programa «não justificou o investimento nem satisfez as expectativas», e estou a citar exactamente as palavras que constam desse dossier. Isto tem a ver com a questão mais geral de acesso ao direito e aos tribunais e, salvo erro, ou no dossier ou na intervenção de V. Ex.', foi salientado o aumento do patrocínio judiciário como uma vitória. Sabemos que não é assim. O aumento do patrocínio judiciário acontece porque aumentam as custas judiciais e estas aumentam brutalmente porque mais pessoas recorrem ao patrocínio judiciário.

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A verdade é que também sabemos que, depois de se falar muito nas retribuições aos defensores oficiosos, a partir de certa altura do ano, estes deixam de receber dinheiro. Fazem as defesas oficiosas e deixam de receber dinheiro. E ninguém quer saber de defesas oficiosas.

Continuo a dizer que o sistema da lei é insuficiente para garantir, de facto, o acesso ao direito e aos tribunais. Pergunto: que medidas pensa tomar?

Relativamente à questão da vítima a pergunta muito concreta que lhe coloco é esta pensa alterar o Código de Processo Penal, na parte em que deixa quase sem protecção a vítima? O sistema do anterior Código de Processo Penal, que deixava nas mãos dos juízes a possibilidade de arbitrar a indemnização, ainda que não lhe tivesse sido pedida num articulado, era, para mim, um sistema melhor do que o actual, que obriga a vítima a tirar um atestado na junta de freguesia e a preencher um requerimento, do qual os tribunais lhe dão uma minuta que, à pressa, fabricaram. Então, a vítima olha para aquilo, não percebe nada, não sabe como é que o há-de preencher, tendo que recorrer ao advogado para que este preencha esse requerimento. E, depois, os prazos são absolutamente absurdos. A vítima quase que tem de adivinhar quando é que o arguido é notificado para exercer o seu direito. Pergunto se se pensa ou não alterar este sistema, que me parece muito mau.

Com a questão das vítimas, prende-se o problema de regulamentação de uma lei, publicada em Agosto do ano passado, sobre a protecção das mulheres vítimas de violência e que tem a ver com o acesso ao direito e aos tribunais e com a informação jurídica. Essa lei, que esta Assembleia aprovou por unanimidade, obriga entre outras coisas, a publicar um guia para as mulheres vítimas de crimes violentos e a distribuí-lo; a regulamentar a lei para se estabelecer as formas de apoio às associações de mulheres que prossigam objectivos de defesa das vítimas; a regulamentar a lei para se prever um sistema de adiantamento da indemnização às mulheres vítimas de violência; e ao funcionamento de um gabinete de SOS. A lei devia ter sido regulamentada no prazo de 90 dias, mas nada disto está feito. Também não vejo no Orçamento que seja contemplada, por exemplo, esta questão do adiantamento da indemnização às vítimas e quem ouve os telejornais sabe, pelos numerosos casos que volta e meia são objecto de tristes parangonas, que esta é uma questão grave na sociedade portuguesa.

Quanto às comissões de protecção de menores, para além do que já foi dito, gostaria ainda de acrescentar o seguinte — aliás, quando foi debatida a lei das Comissões de Protecção de Menores, chamei a atenção para este facto—: essas comissões ou tinham meios para aplicar as medidas não jurisdicionais, para que essas medidas dessem frutos, e então tudo bem, ou, se assim não fosse, entravam em descrédito. A nível internacional, isto já foi objecto de alguns debates, em encontros de magistrados, e, a certa altura, houve quem passasse a combater este sistema de resolução dos problemas dos menores e a advogar que, de facto, fossem sempre os tribunais a aplicar outras medidas, porque este sistema não dava resultado.

Ora, já no preâmbulo da lei se dizia que as Comissões de Protecção de Menores poderiam funcionar com poucos custos, com poucos meios, o que já me parecia muito mal. Mas, chegados a esta altura do ano e depois de termos lido no dossier que era preciso fazer uma adequada contabilização dos custos, entendemos que se quer dizer que essa contabilização não está feita. Passou-se o ano a

pôr no Didrio da República a criação de várias comissões, mas que meios é que já se distribuíram a essas comissões para que começassem já a funcionar? Efectivamente, creio que não se foi por bom caminho tendo procedido apenas à sua criação no papel sem que se tivesse dado, de facto, meios necessários para elas começarem logo a funcionar e cai-se no perigo de elas serem desacreditadas.

Ainda relativamente aos menores, penso que há uma contradição nos elementos que nos foram dados. Em relação à Direcção-Geral dos Serviços Tutelares de Menores, afirma-se que é imprescindível contratar, no que se refere a pessoal, mais 300 pessoas e que o número, o perfil e as habilitações do pessoal existente é manifestamente desadequado. Ora, lendo o orçamento de funcionamento dessa Direcção-Geral, verificamos que, em relação às despesas com pessoal, se prevê uma variação negativa— menos 2%—, variação relativa a 31 de Julho de 1992, porque se a comparação for feita com 31 de Dezembro a variação negativa será ainda superior. Como é que se pretende resolver este problema, em relação ao pessoal, à sua formação e a imprescindibilidade de contratação de mais 300 pessoas, com uma previsão de despesas de pessoal desta ordem?

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Devem ser os disponíveis!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Agradeço que abrevie, Sr." Deputada.

A Oradora: — Relativamente aos estabelecimentos de reeducação de menores, para além de se constatar que todos eles estão superlotados — ou quase todos, parece que os lares não estarão —, mas ainda aqui entrará em consideração o que os juízes, os magistrados... Aliás, já sei que me vai dizer que depois entra aqui a questão das fugas dos menores e que, portanto, a variação é maior durante o ano. Mas o facto é que toda a gente sabe que os magistrados judiciais, em casos até de alguma gravidade, optam por medidas de admoestação, porque não há meios para o acompanhamento educativo. Aliás, basta lermos a revista Infância e Juventude para encontrarmos lá artigos de técnicos a queixarem-se que não dispõem de meios. Por saberem que faltam os meios necessários é que os magistrados optam pelas medidas de admoestação, mesmo em muitos casos em que o objectivo seria conseguido através de outra medida. Em 1991, as medidas de admoestação, segundo os dados que V. Ex.* deu, foram 1503 em 2425 casos.

No entanto, quando vamos ver o que se prevê para os estabelecimentos de reeducação de menores e quando, paralelamente, se afirma que a sua capacidade está condicionada pelos recursos humanos, pelo estado das suas instalações, por não terem sido feitas atempadamente as obras, por falta de meios financeiros, isto é, quando se afirma que se inviabilizou uma rentabilização desejável do esforço levado a cabo e se constata a pouca adequação das infra-estruturas existentes, toma-se necessário perguntar se, no que se refere à construção e remodelação destes estabelecimentos, é suficiente, para 1993, apenas um aumento de 5,5 %, e estes números são dados sempre com relação a 31 de Julho. É que, desagregando a parte da formação profissional da parte da construção e remodelação, encontramos apenas este aumento. Para os objectivos que o Ministério da Justiça diz querer levar a cabo, parece-me que é muito insuficiente.

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Quanto à formação escolar, quero perguntar apenas, uma vez que se afirma que está por encontrar a expressão mais adequada e que tudo depende do Ministério da Educação, qual foi a resposta do Ministério da Educação a esta necessidade da formação escolar.

Em relação à formação profissional — e tudo isto está ainda relacionado com os menores —, gostava que V. Ex." me explicasse uma afirmação que fez em Plenário e que também está ligada com uma outra que tem a ver com as prisões. Disse o Sr. Ministro, relativamente às prisões, que se prevê a privatização de oficinas e a entrega a privados da alimentação e de parte da saúde, e disse, igualmente, que se prevêem as mesmas medidas no âmbito da Direcção -Geral dos Serviços Tutelares de Menores. O panorama, segundo o próprio Ministério, é preocupante, pois é exíguo o número de alunos que beneficiam das vantagens. Para criação de novas oficinas, estão apenas orçamentados mais 4,16 % do que em 31 de Julho de 1992, o que me parece pouco. Mas como é que vai entregar a privados, também, a formação profissional dos menores? Não sei! Era esta parte da intervenção feita por V. Ex.a que estará pouco clara, pelo que lhe pedia que a explicasse.

No que se refere ao Instituto de Reinserção Social, que vai ter — nesse aspecto, estou de acordo — uma ampliação das suas competências, pergunto-lhe se os meios disponíveis para este Instituto, com um aumento de despesas com pessoal apenas de 12,8 %, são suficientes, tendo em conta um aumento tão grande de competências que é dado ao Instituto de Reinserção Social.

Quanto à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, parece-me que é muito insuficiente a existência de apenas uma unidade de acolhimento para toxicodependentes para 90 reclusos. Quanto a este assunto, começo por lhe perguntar por que é que se suspendeu o rastreio de seropositividade. Por que é que se suspendeu a informação aos reclusos neste aspecto? Consta, nesse sector, a afirmação de que essa informação foi suspensa. Aliás, recentemente, tive oportunidade de ler num órgão da comunicação social que os directores das prisões já não achavam fiáveis os dados de que dispunham em relação aos seropositivos e, até, que tinham optado — isto tem a ver com uma outra discussão que há bocado se travou —, na impossibilidade de exercer vigilância sobre a toxicodependência e a entrada das seringas nas prisões, pela distribuição de desinfectantes aos reclusos para desinfectarem as seringas. Pergunto-lhe, Sr. Ministro, se isto acontece ce facto e se é maneira de se resolver o problema.

O Sr. José Magalhães (PS): — Bem perguntado!

A Oradora: — Será uma maneira mais barata a distribuição de desinfectantes, mas é muito...

Vozes do PS: — Lixívia basicamente!

0 Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr.' Deputada, agradeço que termine.

A Oradora: — Sr. Presidente, estou a falar há 20 minutos e o meu estilo não é propriamente camiliano. Pessoalmente, gosto mais do estilo queirosiano, mas eu vou terminar, só me falta colocar mais duas perguntas.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Muito lhe agradeço, Sr." Deputada.

A Oradora: — Na parte que respeita à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, também não vejo nada que revele a intenção de investimentos na área da formação profissional. Mas aqui, possivelmente, entra a questão da privatização das oficinas. Esta é mesmo uma dúvida que tenho: no caso das privatizações, as pessoas têm por objectivo atingir o maior lucro possível. Assim, relativamente à reinserção social dos reclusos, gostaria de saber se considera que consegue atingir o objectivo que se propõe, sendo as oficinas de gestão privada.

No que respeita ao Gabinete de Planeamento e Coordenação de Combate à Droga, também há uma rubrica de despesas com pessoal que apresenta uma variação negativa de 2,6 %. Portanto, gostaria de saber qual a justificação para esta situação.

Quanto à Polícia Judiciária neste período em que tanto se fala no combate à grande criminalidade e às novas questões que se colocam a este organismo, também se verifica uma variação negativa de 2,9 % nas despesas com pessoal, pelo que gostaria de saber como é que isto se explica.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Silva Azevedo, a cujo poder de síntese também apelo, até por saber que é notável.

O Sr. Manuel Silva Azevedo (PSD): — Sr. Presidente, usarei a contenção e o rigor, pelo menos aproximados aos que todos nós queremos que presidam à gestão dos dinheiros públicos, até porque não poderia fazer longas intervenções como as que me precederam pois, para tanto, mingua-me o conhecimento.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Que modéstia, Sr. Deputado!

O Orador: — Sr. Ministro, aquando do debate do Orçamento do Estado para 1992, levantei quatro questões relativas à tutela do seu Ministério na Região Autónoma dos Açores. Uma delas foi resolvida quase de imediato; quanto a uma outra, a resposta do Sr. Ministro foi satisfatória, na medida em que indicou outras prioridades e eu próprio reconheço que, efectivamente, há questões mais importantes a resolver. No que respeita às outras duas questões, gostaria de tornar a levantá-las porque não só não estão totalmente resolvidas como até não e.stáo bem resolvidas.

Refiro-me ao que se designa por informatização dos tribunais ou, pelo menos, à instalação de microcomputadores e à formação de pessoal. Esta mesma matéria fõi objecto de um requerimento que, em Junho passado, enviei ao Ministério de V. Ex.a e que mereceu uma resposta pronta. No entanto, entre a referida resposta e o que se passa na prática ainda há algum caminho a percorrer.

De qualquer maneira informei os tribunais da Região Autónoma dos Açores da resposta ao requerimento que referi e o feedback resultante levou-me às conclusões que passo a expor.

Há tribunais onde o Ministério montou microcomputadores e deu formação ao pessoal, há tribunais onde o Ministério montou os computadores e não deu formação, há tribunais em que alguns funcionários habilidosos montaram eles próprios os microcomputadores e frequentaram de seguida cursos de formação, por iniciativa própria e, por último, há tribunais onde os computadores continuam encaixotados, não tendo havido formação.

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Quanto a este último caso, cito o que se passa numa comarca que tem algum significado por estar instalada na cidade da Horta. De acordo com uma confirmação obtida há duas horas atrás, na Horta, os computadores continuam encaixotados e não foi dada formação a um único funcionário.

Sobre esta matéria há que salientar o empenho dos funcionárias do Ministério de V. Ex.* em desenvolverem algum trabalho por iniciativa própria o que me parece importante realçar para que os serviços sejam mais eficientes.

Passo agora à segunda questão que levantei na altura, embora reconheça que o Sr. Ministro não me disse quando é que iria resolver o problema Mas repito que torno a levantar a questão porque ainda não foi solucionada e porque, dada a distância do Continente a que se encontram os Açores, penso ser urgente e prioritária e que é a do problema da emissão de bilhetes de identidade na Região Autónoma. Todos conhecem a situação da Região Autónoma, a sua dispersão territorial e a distância a que se encontra do Continente, pelo que não me alongarei muito sobre esta matéria, dado que não será com as palavras que aqui profiro que o problema será resolvido. No entanto, penso que se reconhece a urgência em resolver este assunto.

Há duas outras questões que não abordei no ano passado e a que vou referir-me de seguida.

Por um lado, temas o caso da Polícia Judiciária que todos reconhecem que está a fazer um óptimo trabalho nos Açores. Mas todos sabemos que esta Região Autónoma não é imune a um aumento da criminalidade, se bem que ainda não esteja a um nível que possamos considerar muito grave.

De qualquer maneira — e isto é reconhecido pelas próprias chefias da Polícia Judiciária nos Açores —, dada a dispersão da Região, de vez em quando, os agentes da Polícia Judiciária são obrigados a deslocar-se pelo menos a oito das nove ilhas do arquipélago, já que não me consta que alguma vez se tenham deslocado à ilha do Corvo. Assim, há, efectivamente, necessidade de dotar com mais algum pessoal a Polícia Judiciária na Região Autónoma dos Açores. Alias, devo dizer que os agentes que lá se encontram estão a trabalhar com alguma eficiência sobretudo na área da droga, problema que também já nos vai preocupando nos Açores.

Por último, há a questão do PIDDAC.

Sei que há muito para fazer no campo de infra-estruturas por este País fora e também nos Açores. Aliás, não vou sequer citar o que há para fazer nesta Região Autónoma porque seria fastidioso e demoraria muito. No entanto, Sr. Ministro, não considera que uma verba de 42 000 contos consignada no PIDDAC do Ministério da Jusüça para os Açores é demasiadamente curta com tanto que há para fazer?

Para que não se diga que esta minha intervenção foi «paroquial» demais, alargo estas questões a outras regiões do País, que sofrem das mesmas carências e dos mesmos problemas.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Membros do Govemo, confesso que fiquei algo surpreendido quando, nas Grandes Opções do Plano, vi uma menção a um valor de referência que é, nada mais nada menos, do que o rigor na distinção entre interesses

de Estado e interesses profissionais ou corporativos. Não é que a ideia em si própria não seja meritória, mas fiquei surpreendido porque o facto de a afirmar agora, em contraste com uma situação anterior onde essa ideia não era expressa parece denotar alguma preocupação, ou no sentido de legitimar a posteriori algumas tensões com grupos profissionais, ou de apresentar uma inovação doutrinária com vista a enfrentar tensões dessa natureza em momento próximo.

Ora, há alguns problemas que já aqui foram levantados e outros mais que podem legitimar esta interrogação quanto ao espírito com que aparece autonomizada esta inovação em matéria de Grandes Opções do Plano.

Quero reportar-me a um deles, justamente para testar esta inovação. Trata-se do problema da redução do leque das remunerações dos magistrados, matéria que V. Ex.* conhece muito bem.

Em virtude de uma inovação legislativa da responsabilidade do Govemo, que fixou como tecto salarial o vencimento base do Primeiro-Ministro, hoje em dia, verifica-se o que já tem sido apelidado de verdadeira «albanização» das remunerações dos juízes, conduzindo a uma frustração, a uma desmoüvação, a um legítimo —e várias vezes afirmado — descontentamento por parte dos juízes dos nosso tribunais superiores.

Assim, gostaria de colocar uma questão a V. Ex.*: do ponto de vista do pensamento do Govemo nesta matéria, este problema assume uma dimensão de Estado ou representa um problema corporaüvo, profissional, que deva ser denegado no plano do Estado?

Em segundo lugar, uma vez que este problema foi introduzido por uma iniciativa do Governo que conduziu à limitação que há pouco referi, será que, nesta matéria o Governo está disposto a assumir uma acção que elimine o problema precisamente gerado por uma iniciativa governamental? Ou será que o Govemo quer «passar a bola» e não assumir as responsabilidades dos seus próprios actos?

A segunda questão que quero colocar tem a ver com o problema da morosidade, que já aqui foi suscitado mas ao qual quero voltar numa perspectiva relativamente diferente. A perspectiva abordada foi a da estatística e também a de, caída ano, se ganhar um ou dois meses, ou nem isso e, portanto, os progressos não serem tão «dignos de festejo» como pareceria à primeira vista.

Por um lado, é de referir que as estatísticas não são assim tão concludentes. Por exemplo, se consultarmos as estatísticas relativas às acções cíveis, verificamos que, em cada 100 000, mais de 70 000 terminam antes do julgamento e, destas últimas, 40 000 correspondem a condenações do réu no pedido. Isto significa que grande número das acções que seguem o seu curso normal têm o dobro, o triplo ou o quádruplo da duração média. Esta é uma interpretação das estatísticas que deve ser feita no caso de querermos abrir-nos a uma outra óptica muito salientada por V. Ex.* na sua intervenção, que é a da justiça de qualidade.

É que não podemos admitir que, para um número de cidadãos ainda muito elevado, os processos não só sejam muito caros — como já aqui foi referido hoje — como demorem excessivamente. De facto, hoje em dia continuamos a assistir ao termo de processos iniciados há 6, 7, 8, 9 ou 10 anos, em várias espécies de tribunais. Por exemplo, na documentação que V. Ex.* nos forneceu, os dados são omissos quanto à duração dos processos nos tribunais administrativos e nos tribunais tributários. Ora justamente

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nos tribunais administrativos, mas não só, terminam agora processos que se iniciaram há 10, 11 ou 12 anos. Aliás, os operadores do direito têm toda a facilidade em ilustrar estas afirmações através do conhecimento de muitos casos em que eles próprios participam.

O mesmo se passa em tribunais de trabalho e em tribunais cíveis, o que significa que há uma longa fila de cidadãos que, para além das custas, paga um «imposto de tempo» que é verdadeiramente inaceitável. Ora, numa óptica de justiça de qualidade e numa política de justiça que queira valorizar o direito de cada cidadão a uma justiça em tempo razoável, esta é uma situação escandalosa.

Assim, tal como já foi sugerido por outras entidades, proponho a V. Ex.' que se faça uma despistagem das causas dos processos demorados, dos que levam muitos anos a ser decididos. Numa situação como a que se vive, impõe a tomada de um conjunto de medidas específicas que só podem ser imaginadas a partir de uma inquirição detalhada sobre as causas conducentes a essas demoras excessivas que — repito — continuam a verificar-se em todo o tipo de tribunais, atingindo milhares, dezenas de milhares e mesmo centenas de milhares de cidadãos.

A este respeito, podem indicar-se, desde logo, algumas das causas conducentes a esta situação, entre as quais a legislação processual ocupa um lugar relevantíssimo, como é consenso geral, sendo a simplificação processual um objectivo sempre afirmado e também amplamente consensual.

Ora verifica-se que, como objectivo dos sucessivos governos do actual Primeiro-Ministro estão anunciadas, há sete anos, tanto a reforma da legislação processual civil como a do contencioso administrativo e, até ao momento, nem num caso nem no outro se conhecem progressos significativos. Sete anos é muito tempo e eu diria que uma das causas fundamentais desta situação de denegação de justiça em tempo, que há pouco referi, tem a ver com a

paralisia na iniciativa da reforma processual, que já está

diagnosticada há muitos anos e que tem dificuldade em avançar. Mais uma vez, manifesta de novo dificuldade em avançar, pois, suponho que V. Ex.°, em relação à reforma do Código de Processo Civil, já diferiu para os últimos anos da legislatura a possibilidade de virmos a ter a reforma que todos ambicionamos. Não queria que o Sr. Ministro ficasse sem coisas para fazer nos últimos anos do seu Ministério, mas penso que isso não é justificação suficiente para acrescentar mais alguns anos aos sete que já vão decorridos desde o enunciado dessas reformas necessárias, que se vão atrasando inaceitavelmente.

E mais: se os trabalhos se vão sempre acumulando e se vão desenvolvendo — e, portanto, se partirmos do princípio de que não há uma inércia pura —, atrevia-me a perguntar ao Sr. Ministro o que é que nesses dois domínios, como opções concretas, se encontra já estabilizado e adquirido ao fim de todos estes anos de continuidade governativa e de prolongado trabalho preparatório das tais reformas que vão tardando.

Uma última questão: a Assembleia aprovou este ano uma Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, matéria que, juntamente com as reformas processuais, é por certo uma das componentes de onde se poderia esperar uma contribuição significativa para a alteração do panorama da justiça. Esta lei não correspondeu inteiramente a essa expectativa pois as inovações que contempla são manifestamente escassas. Certamente que V. Ex.' também pensa assim, porque já prometeu uma nova revisão da Lei Orgânica para daqui a não muito tempo, creio eu, e um alio magistrado,

ouvido nesta Casa, referiu que a única inovação significa-

tiva que via naquela lei era a regularização da situação dos tribunais de turno, não valorizando qualquer outra das inovações.

Eu não queria ser tão pessimista no balanço dessa inovação legislativa mas gostaria de perguntar a V. Ex.', depois de terminada a respectiva regulamentação — que também está neste momento na calha, segundo o que o Sr. Ministro afirmou —, quais são as acções concretas de implementação da nova lei, quais as que estão planeadas para o próximo ano e qual o respectivo suporte orçamental, interessando-me, neste particular, muito em especial pelos tribunais de pequena instância. Eles não são uma novidade desta última revisão da lei, já tinham vários anos de idade no papel sob o nome de tribunais de pequenas causas. A nossa concepção desses tribunais é diferente daquela que o Governo apresentou, mas, concedendo o benefício da dúvida, da implantação desses tribunais poderia esperar-se alguma melhoria do panorama da justiça em Portugal.

Portanto, uma vez que aprovámos a lei no primeiro semestre deste ano, pergunto concretamente a V. Ex.' quais são as acções de instalação de tribunais de pequena instância que se encontram previstas para o próximo ano de 1993.

(O orador reviu.)

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Nobre.

O Sr. Luís Nobre (PSD): — Sr. Ministro, circunscre-vendo-me mais concretamente às questões orçamentais, gostaria que fosse explicitado claramente a razão não de uma inversão mas de uma alteração de prioridades do seu Ministério no que se refere às dotações. É que, nos anos anteriores, assistimos a um crescimento prioritário na Di-recçâo-Geral dos Serviços Tutelares de Menores, no Gabinete de Estudos e Planeamento, na Polícia Judiciária e na Direcção-Geral de Informática, situação que não se verifica na presente proposta de lei do Orçamento, em que o crescimento mais acentuado se verifica noutros serviços do Ministério, mais concretamente na Direção-Geral dos Serviços Judiciários, no Gabinete de Gestão Financeira e nos serviços com autonomia financeira, bem como no Conselho Superior da Magistratura. Será que o crescimento não se manteve nos serviços anteriormente referidos porque estes atingiram a plenitude da sua funcionalidade, ou da funcionalidade desejada, e importaria, sim, reforçar prioridades?

Gostaria ainda de colocar-lhe uma questão relacionada com a nova formulação do projecto Vida. Como pensam os serviços do seu Ministério articulá-lo com o Alto Comissário para o Projecto Vida?

Por último, aproveito para lhe colocar uma pequena questão sobre a alteração do Estatuto da Ordem dos Advogados. Quando é que o seu Ministério entende fazer essa mesma alteração e em que medida é que ela terá a ver com a forma como serão efectivados os novos estágios a candidatos a advogados?

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, gostaria de enunciar uma questão estratégica colocar uma outra so-

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bre duas políticas sectoriais e depois, rapidissimamente, referir um tema avulso.

A questão estratégica, que é simples de enunciar e provavelmente difícil de equacionar, sobretudo a esta hora, tem a ver com a questão europeia que, na minha opinião, não está suficientemente presente no enunciado das Grandes Opções do Plano. É pena porque, por um lado, este seria um bom momento para ponderarmos algumas das im-pYicaçfós dos compromissos assumidos em Maastricht,

designadamente quanto as novas formas de cooperação em matéria de justiça, e, por outro, porque temos também de ponderar o impacte do próprio mercado único em vários domínios. Creio que não se projectam, pelo menos na nossa área — não estou a falar da área do Ministério da Administração Interna —, o conteúdo e as implicações de instrumentos fundamentais como, por exemplo, o próprio acervo de Schengen, que, para além de ter implicações logísticas, de organização, de reordenamento, etc, tem implicações também no plano financeiro e orçamental. Creio que a ausência dessa perspectiva europeia faz cada vez mais falta e priva-nos da percepção de alguns dos elementos de enquadramento, que depois, na altura, têm de ser geridos através do apport imaginativo dos cofres, que vão acabar!

A segunda questão diz respeito a duas políticas sectoriais, sendo a primeira a política de defesa da privacidade, que era suposto existir constitucionalmente e que se decompõe, mais do que telegraficamente, em duas perguntas, apenas para que fique o enunciado e a resposta em acta. Há alguma razão pela qual o Governo entenda que é difícil regulamentar a Lei n.° 10/91, sobre a protecção dos dados pessoais. Há alguma razão, há alguma grande dificuldade, há algum obstáculo financeiro, há algum erro enorme do legislador? A não existir nenhuma destas circunstâncias, a situação que vivemos é totalmente anómala e devia acabar. Já devia ter acabado em Abril! Mas devia acabar, amanhã, depois de amanhã, um dia destes. Estamos em mora!

Por outro lado, o Sr. Ministro nunca mais referiu aquilo que tinha enunciado, quando foi chamado à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garan-úas, em matéria de revisão das disposições penais que hão-de incriminar a detenção de dispositivos susceptíveis de facultarem, facilitarem ou induzirem a penetração indébita na intimidade da vida privada. Não percebemos porquê e creio que também há aqui um défice normativo. Não é a altura de aprofundar esta questão mas é, pelo menos, altura de sinalizá-la.

A segunda política sectorial diz respeito ao combate à corrupção e à EUROPOL. O Sr. Ministro, que eu me tenha apercebido, deixou enunciado muito vagamente na Comissão e em Plenário também (se não estou em erro), o problema da criação da unidade europeia antidroga e da EUROPOL. Creio que é pouco e não sei quais são as implicações disso no plano financeiro. Como é que o Sr. Ministro encara a evolução dessa unidade e a sua articulação?

A questão avulsa também está relacionada com a extinção dos cofres, sobre a qual não me pronunciarei. O Sr. Ministro teve ocasião de, em Comissão, aludir alguns aspectos deste problema, mas creio que devíamos deixar essa matéria para um exame a se na Comissão, numa outra altura mais propícia.

A minha pergunta avulsa é esta: até quando é que vai durar a situação, que considero escandalosa da não inscrição de uma verba adequada para o pagamento das in-

demnizações que o Estado venha a dever, por força de acções que sejam dirigidas contra ele próprio? É que verifica, sistematicamente, que as pessoas que obtêm provimento — em alguns casos após longos anos de forcejar através dos tribunais, de penetrar a primeira a segunda, às vezes, a última instância — descobrem atónitas que não há verba e ficam para o ano. Quiçá no primeiro lugar da bicha para o ano, mas para o ano!... É uma situação anómala que viola não só uma obrigação legal inscrita no Decreto-Lei n.° 256-A/77 (se bem me lembro), que não foi revogada nesse ponto, como também um princípio elementar, qual seja o de que o Estado, também neste ponto, não deve colocar-se em situação de não poder cumprir as obrigações em que venha a incorrer. Creio que, nesta matéria, o Ministério da Justiça tem, em alguma medida, responsabilidades de supervisão, pelo menos, e, em qualquer caso, o dever de se interessar. Queria sublinhar isto forte e curtamente, a benefício de que a questão pro memoria seja equacionada e resolvida.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Ministro da Justiça, queria que ficasse registado que a audição com a Sr.a Secretária de Estado da Juventude terá lugar hoje à noite, a partir das 22 horas e 30 minutos.

Sr. Ministro da Justiça, tem a palavra, se desejar responder.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, disse a Sr.3 Deputada Odete Santos, e bem, que entre 1990 e 1991 a diminuição da duração média dos processos se cifra em um mês. Isto é verdade e parece--me que o importante e a forma eventualmente mais correcta de abordar a matéria não é a de, a seco, fazer a leitura de que entre 1990 e 1991 a duração média de um processo diminuiu em um mês. Isto porque se a Sr.' Deputada considerar o número de processos entrados nos tribunais portugueses nos últimos três anos, se concluir que ele se estabilizou acima de 1 milhão de processos por ano, que o número de processos que entravam anteriormente não ultrapassava os 700 000 e que, nestas circunstâncias, a diminuição da duração média se cifra em um mês, tal significa que, do ponto de vista macro, se inverteu completamente o funcionamento do sistema. Ou seja, pelo conjunto de medidas que foram adoptadas ao longo destes últimos anos, há um sintoma claro de recuperação e há a noção evidente de que são essas as medidas que têm de continuar a ser implementadas. Se isso não tivesse acontecido, o aumento da duração média dos processos tinha subido em espiral. E não só não subiu como desceu.

Por outro lado, se tivermos em conta este conjunto de elementos condicionantes, o facto de haver uma diminuição média anual de um mês significa muito mais em termos de recuperação do que a simples contabilização de um mês, visto que estas coisas, como sabe, têm sempre uma série de referências em que vários elementos condicionam outros elementos e, portanto, uma diminuição média de um mês é claramente positivo, tendo em conta os constrangimentos que vêm do aumento brutal da quantidade de processos entrados. Portanto, daqui terá de se concluir — e eu nunca disse o contrário — que ainda há que prosseguir e que caminhar muito no sentido da recuperação completa. Agora do que não há dúvida é de que se fez uma inversão óbvia naquilo que era um plano inclinado de agravação para um plano claramente inclinado, na inversa, de recuperação, o que está relacionado com o

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número de funcionários, que cresceu mais de 100 %, e com o número de magistrados e que nos permite ter, hoje, a noção de que estamos mais próximos de intervir na racionalização dos recursos humanos do que propriamente num aumento mais expressivo dos mesmos. É nisso que estamos

a trabalhar.

A breve trecho, apresentaremos à Assembleia da República uma proposta de lei de revisão da Lei Orgânica das Secretarias Judiciais, onde vamos introduzir instrumentos de mobilidade e de racionalização na gestão dos recursos humanos, porque neste momento a questão já é mais de racionalização do que propriamente na quantificação desses recursos, sendo certo que se inverteu completamente o sistema. Creio que este é um dos aspectos mais significativos e eu próprio não o tenho valorizado de forma muito expressiva, uma vez que, como calculam, estou muito mais preocupado com as situações negativas que ainda existem (e são várias) do que com a valorização sobre excessiva destes resultados.

Mas se quisermos, tranquilamente, olhar para o verdadeiro significado destes resultados, verificaremos que eles são a consequência de um esforço enorme de mudança de uma situação que era, realmente, uma situação de degradação e de plano inclinado, como, aliás, acontece ainda hoje em alguns países da Europa, nomeadamente da Europa comunitária, que ainda estão em plano inclinado de degradação, enquanto nós inflectimos essa situação. Este é um aspecto de recuperação muito importante. Só não o valorizo excessivamente porque entendo que, face a uma série de circunstâncias que ainda são negativas, não seria correcto fazer-se essa valorização, trazendo-a para a vedeta do debate político em termos de aceitação da qualidade do trabalho que tem sido feito por toda a gente que trabalha na área do Ministro da Justiça e no Governo, evidentemente. Agora, se isolarmos a situação e se a analisarmos desapaixonadamente, verificamos que tem sido feito no sector da justiça uma inflexão fundamental de qualidade para uma recuperação que é extraordinariamente difícil de fazer.

Relativamente ao programa Cidadão e Justiça, bem como a outras passagens do dossier fornecido a VV. Ex.", há um aspecto que, creio, os Srs. Deputados não podem deixar de valorizar: não vos entregamos um dossier político no sentido, porventura, menos nobre do termo para condicionar e retirar informação ao debate, apenas procedemos a uma análise como se estivéssemos a produzir um trabalho para o próprio Ministério da Justiça e não tivemos qualquer reserva em apresentá-lo publicamente à Assembleia da República.

Ora, é possível retirar daqui duas ideias: por um lado, adoptamos uma atitude de transparência nos debates de questões essenciais para todos nós e, por outro—deixem--me dizê-lo com um sorriso para me antecipar ao do Sr. Deputado José Magalhães —, estamos tão seguros da qualidade do que fazemos que publicitamos com relativa facilidade aquilo que consideramos estar ainda longe da qualidade desejada.

Devo dizer-vos que tenho uma perspectiva dinâmica do programa Cidadão e Justiça e é com satisfação que verifico o que foi possível fazer até hoje, dentro de uma actuação razoável. Tenho uma ambição enorme relativamente a este programa e este ano e pouco de aplicação mostrou--me que é possível concretizar essa ambição, mas que há outro tipo de estratégias a adoptar na sua implantação.

É um programa completamente novo, com uma perspectiva radicalmente nova. No fundo, quer levar o cida-

dão não só a ser informado como a participar e há uma série de aspectos que acabámos por privilegiar, porque foram os mais aceites, como é o caso da tinha telefónica. A Sr.' Deputada Odete Santos sabe bem, pela atenção que tem dedicado a este sector, que é muito significativo receber cerca de 14 000 chamadas ao longo de um ano para uma área deste tipo. No programa Cidadão e Justiça, para além de respondermos por escrito a todas as questões formuladas, optámos por um atendimento pessoal e, a certa altura, entendemos que era fundamental privilegiar esse sector, pela apetência manifestada pelo público.

Por outro lado, temos em curso mais de 20 projectos de adesão por parte de órgãos de comunicação regional e de associações recreativas. Inclusivamente, criámos outro tipo de extensões do programa Cidadão e Justiça — ainda há relativamente pouco tempo foi criado o gabinete de Alverca e estamos a trabalhar directamente com o sector da família — e vão ser lançados outros projectos no Norte do País.

Actualmente, achamos que o programa Cidadão e Justiça estabilizou e vamos institucionalizá-lo porque sentimos que vale a pena. Porém, também temos consciência de que é uma realidade completamente nova que tem de ter uma projecção maior, que ainda está aquém daquilo que era a nossa ambição, a qual se mantém neste momento bastante mais solidificada, porque hoje sentimos que é possível realizá-la.

Há um aspecto de que gostava de falar-vos. Reparem como seria fácil para nós pegar nas várias brochuras e panfletos publicados — que já atingem uma vintena —, imprimir cerca de 10 000 e contratar alguém para fazer a sua distribuição na Rua Augusta, em Lisboa a quem passasse. Daí a bocado, a Rua Augusta estava atapeiada de programas Cidadão e Justiça porque certamente que as pessoas os deitariam para o chão. Claro que este programa ficava

a ser muito mais conhecido, só que as pessoas não se inteiravam do conteúdo dos próprios panfletos e não queremos transformar o programa Cidadão e Justiça que tem uma raiz ética de relação entre a justiça e o cidadão, em propaganda do Ministério da Justiça. O caminho está traçado, suponho que é o mais correcto, vamos desenvolvê--lo melhor, mas esta é uma das vias essenciais no sentido de aproximar a justiça do cidadão.

Dizem-me, em certos meios, que não há expressão do programa Cidadão e Justiça. Não temos enviado estes folhetos para os tribunais, porque não nos parece correcto fazê-lo, para, por exemplo, explicar como se põe uma acção de alimentos. De facto, não privilegiamos essa área, talvez com alguma carência de marketing na divulgação deste programa mas, como estamos mais interessados na sua eficácia em chegar junto das pessoas, não nos preocupa criar uma imagem de funcionamento diferente da sua.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — O Sr. Ministro podia oferecer uma colecção de panfletos aos Deputados!

O Orador: — Apenas para informar os Srs. Deputados sobre o que está a ser feito no âmbito do programa Cidadão e Justiça, mas garanto-vos que não me passa pela cabeça informar-vos sobre o conteúdo dos panfletos ou das brochuras, como é evidente!

O Sr. José Vera Jardim 0?S): — Gostava de ver es-

ses panfletos.

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O Orador: — Com imenso gosto, até porque admito a possibilidade de, inclusivamente, os Srs. Deputados virem a colaborar na elaboração de vários dos panfletos, porque é também um aspecto...

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Eu já não iria tão longe!

O Orador: — Mas, Sr. Deputado, de ninguém se esperaria melhor colaboração do que de um Deputado, que é directamente o mais legítimo representante do povo. Portanto, se for ele próprio a escrever ao povo que representa, com certeza que conseguimos uma ligação ainda mais estreita no âmbito da filosofia do programa.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Mas não para fazer panfletos para o Ministério da Justiça!

O Orador: — Relativamente à questão colocada pela Sr." Deputada Odete Santos sobre se a legislação processual penal vai sofrer alterações no que diz respeito à possibilidade do arbitramento, em processo penal, da respectiva indemnização, respondo-lhe com a mesma franqueza com que tenho respondido a todas as perguntas. Essa é uma das questões em estudo na revisão do processo penal e, como a Sr." Deputada sabe, releva de um problema de natureza dogmática. Ora, temos de saber até que ponto deve ser a dogmática a comandar a vida ou se o pragmatismo, no fundo, poderá comandar a dogmática.

Pessoalmente, admito que é preferível continuar a discutir se aquela indemnização tem natureza crime ou cível, desde que se proceda ao seu pagamento, em vez de reduzir a questão e não pagar. Mas como este assunto está a ser discutido neste momento, estaria porventura a antecipar-me excessivamente à proposta que vai ser apresentada à Assembleia da República.

Quanto às comissões de protecção de menores, continuo convencido de que este é um dos caminhos possíveis. Simplesmente, e já o ano passado tive a ocasião de dizer — numa fase vestibular, em que as comissões ainda não estavam instaladas mas, sim, numa fase de regulamentação— que este caminho vai exigir o empenhamento de muita gente e confiança na mudança na atitude a tomar relativamente ao funcionamento do sistema. Se a comunidade ou, pelo menos, a parte representada nas comissões, não demonstrar ter capacidade para aceitar esse tipo de intervenção — se não houver, portanto, uma mudança de mentalidade no modo de intervir no sistema —, este projecto pode fracassar.

Segundo a experiência que temos, ainda sujeita a avaliação, mas que, de qualquer forma, acompanha o perfil psicológico das pessoas e o modo como estão a actuar nas comissões de protecção de menores, não há sintomas preocupantes quanto ao seu desenvolvimento e implantação. Há um movimento brando nesse sentido: esta área dos menores tem despertado, felizmente, na sociedade portuguesa, um grande envolvimento de variadíssimos sectores da comunidade. Aliás, este é também um desafio que se coloca à comunidade e é importante que se desenvolva.

Há, efectivamente, países em que a implantação destes processos foi diminuindo, mas, curiosamente, são exactamente aqueles cuja perspectiva é completamente diferente da nossa. Estou a lembrar-me, por exemplo, da Suécia mas os Srs. Deputados podem constatar o que se passou em Itália, onde se verifica um avanço exponencial de atitudes desta natureza e é claro que podemos optar por essa so-

lução. Repito, tendo em conta a própria cultura portuguesa e o modo como as pessoas desejam intervir neste sector, creio que há sintomas muito claros no sentido de que podemos optar por esse caminho.

Não é, repito, um problema de meios, de contenção de verbas ou de gestão orçamental. Não é esse o problema! Se fosse, nós assumi-lo-íamos como tal! No fundo, é fundamental que as pessoas tenham a noção de que um determinado tipo de intervenção nesie sector passa pela capacidade de organização das próprias pessoas a partir do conjunto dos meios disponíveis, que são os mínimos, não por uma questão de poupança mas porque não têm de ser mais do que esses. Não é necessário um «armamento instrumental pesado» mas, sim, que as pessoas tenham capacidade para reunir e disponham dos instrumentos indispensáveis para as respectivas decisões. Isso está a ser feito, não é essa a questão que tem preocupado as Comissões de Protecção de Menores nem é essa a questão que nos preocupa.

O pior de tudo seria na linha do que a Sr." Deputada disse, aquando do debate, que criássemos uma macrostru-tura administrativa com a aparência de uma estrutura de intervenção comunitária e queremos distinguir claramente que, se for uma macrostrulura administrativa os tribunais retomarão a sua competência. Não é essa a linha que seguimos, não propomos apenas uma alternativa de gestão mas, sim, uma alternativa cultural profunda. Esse é o caminho que pretendemos prosseguir.

Também se falou aqui na falta de pessoal na Direcçâo -Geral dos Serviços Tutelares de Menores e de uma aparente redução orçamental de verbas. Se digo aparente é porque o ano de 1992 foi de projecção do Novo Sistema Retributivo e, portanto, a carga salarial não corresponde ao que é pago em cada ano, pois tem ainda a carga do ano anterior, o que permite operar uma descompressão no domínio das despesas de funcionamento. Além disso, o projecto de fusão da Direcção-Geral dos Serviços Tutelares de Menores com o Instituto de Reinserção Social, apesar de não ser devido à contenção, vai também necessariamente conduzir a esse efeito.

A questão seguinte estava relacionada com o problema da superlotação e da incapacidade de resposta. A Sr.' Deputada tem acompanhado este processo ecom certeza que sabe que temos privilegiado progressivamente a colocação de menores em instituições cuja construção e instalação apoiamos, que, por exemplo, relevam da intervenção das instituições particulares de solidariedade social. É o caso de Vale de Câmara, de Oliveira de Azeméis, outros que vão surgindo no País e que privilegiamos para garantir uma recepção dos menores num ambiente mais familiar, por contraposição ao ambiente hiperinsütucional que ainda preside ao sistema nalguns sectores. É justamente por essa razão que um aumento de 5,5 %, tendo em conta a fusão dos dois institutos, é claramente suficiente na nossa perspectiva.

Quanto à intervenção do Ministério da Educação, está garantido que todos os professores integrados no sistema se mantêm e, portanto, não se aplica neste sector — ou melhor, aplica-se, mas com a decisão neste sentido— a ideia da retoma dos destacamentos, deixando a situação sem resposta. Do mesmo modo, no domínio da formação profissional, foi celebrado há vários anos, quer aqui, quer no sector prisional — e eu adiantaria já a resposta a esse ponto também — um protocolo que vem sendo cumprido por parte dos Ministérios da Justiça e do Emprego e da

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Segurança Social que também tem no seu orçamento verbas significativas para financiar este tipo de intervenção.

Falou em privatização, utilizando essa expressão mais no domínio da intervenção na área dos menores, mas o termo adequado no sentido verdadeiramente lécnico não será o de privatização. Quando falamos de privatização

— porque todo o programa e projecto vai no sentido de abandonar progressivamente os grandes institutos e ir caminhando para módulos bastante mais pequenos de estrutura familiar —, estamos a referir-nos à entrega da gestão a instituições privadas de solidariedade social que são, obviamente, acompanhadas, neste momento, pela Direcção--Geral dos Serviços Tutelares de Menores, mas deixando essa gestão às instituições privadas de solidariedade social a partir de uma série de regras definidas em protocolo testadas ao longo de cada ano de gestão.

Esse é o caminho que nos parece mais adequado para desfuncionalizarmos a relação entre as estruturas do Estado e o próprio jovem. Cremos que é por esta via que atingiremos esse objectivo, com uma relação mais pessoalizada e através de indivíduos cuja vocação de intervenção nesta área não lhes advém do seu estatuto de funcionário público mas da sua própria capacidade e desejo pessoal de intervenção.

Evidentemente que um crescimento de 12,5 % em relação ao Instituto de Reinserção Social é claramente suficiente, mas a Sr.' Deputada ao falar nos serviços prisionais, ficou espantada com o projecto de «uma só unidade de toxicodependentes». Mas, Sr.° Deputada no ano passado não havia nenhuma este ano existe uma, o que é muito importante. Como sabem, está em construção a Aldeia Prisional de Sintra, foi projectada a Comunidade Prisional Jovem de Viseu e vai ser lançada uma unidade em Santa Cruz do Bispo. Portanto, esta não é a única unidade para toxicodependentes, é a primeira de um projecto que foi lançado, que está a ser desenvolvido e que vai ser consequente.

Na perspectiva de V. Ex.', trata-se de uma unidade comparada com o deserto de todas as outras; na nossa perspectiva, entendemos ser a primeira na linha de um programa traçado, claramente definido e calendarizado para intervir neste domínio. Agora, também não podemos acreditar que é através da criação de unidades de toxicodependentes no interior do sistema prisional que vamos resolver o problema. Ele tem de ser resolvido através de um conjunto de acções que estão a ser levadas à prática, nomeadamente através da intervenção no interior do sistema dos agentes especializados que trabalham neste domínio e neste sector. E talvez tenha tido a ocasião de, há pouco tempo, ter ouvido um técnico desta área discordar da criação de unidades de toxicodependentes no interior do sistema prisional, o que significa que há, portanto, escolas diferentes nesta matéria.

Não foi suspensa a informação nem o rastreio dos seropositivos. E possível que a informação tenha sido transmitida deficientemente, pois o projecto que estava a decorrer e que foi levado até ao fim da primeira fase foi suspenso para dar lugar a um outro de maior extensão e de maior amplitude. Ou seja estava a ser levado a cabo um trabalho experimental em determinados sectores que foi substituído por um trabalho que agora abrange todo o sistema no seu conjunto.

0 problema dos desinfectantes foi colocado aqui por VV. Ex." um pouco à maneira da «aldeia da roupa suja», supondo, porventura, que são levados para o interior do sistema prisional baldes de lixívia para as seringas serem

desinfectadas. Mas esse é o sistema que está a ser seguido na maioria dos sistemas prisionais europeus. Não se trata da utilização de um desinfectante qualquer feito à pressa para desinfectar seringas, é o processo que está a

ser seguido no maior número dos sistemas prisionais

Europa que, apesar de se interrogarem sobre a distribuição ou não de seringas, estão a fornecer mecanismos de desinfecção no sentido de responsabilizar os que utilizam determinados instrumentos que não são controláveis, para criar um mecanismo de auto-responsabilização.

Portanto, não foi uma solução adoptada à pressa para poupar dinheiro; trata-se de um projecto que está a ser desenvolvido em toda a Europa como uma das eventuais soluções para o problema, que é complexo e que, como sabem, não pode ser resolvido através de posições meramente radicais, de «seringa sim» ou «seringa não». Este é um processo complexo cuja resposta tem de ser encontrada também na sua complexidade.

Quanto à Polícia Judiciária a Sr." Deputada falou nas despesas com pessoal e a resposta que lhe dou é exactamente a mesma de há pouco. Inclusivamente, verifícar-se--á um aumento real de despesas, o qual tem de ser compaginado com a carga do Orçamento de 1992 por causa da projecção do NSR para esse ano, mas que não vai acontecer em 1993. Portanto, o que está previsto serve para cobrir não só as despesas do quadro de pessoal existente como as do quadro de pessoal que venha a existir através do descongelamentos de 250 novos quadros para a Polícia Judiciária em 1993.

Sr. Deputado Manuel Silva Azevedo, V. Ex.' falou sobre os Açores e referiu, concretamente, que uma das promessas do Govemo relativamente àquela região autónoma foi cumprida mas, infelizmente, não explicitou qual. Ora, lá vai ficar no Didrio essa lacuna quando se tratava de uma representação específica de uma realidade que foi concretizada. Contudo, referiu-se ainda a outras promessas, nomeadamente à informatização dos tribunais.

Com efeito, Sr. Deputado, existem ainda situações :— embora cada vez menos — e não só nos Açores, em que os microcomputadores foram distribuídos, mas não estão ainda instalados. Fizemos uma projecção e foi-nos dito, por quem cientificamente trabalha nesta matéria, que numa primeira fase um aproveitamento de 40 % seria já uma visão optimista. Ora logo na primeira fase, tivemos um aproveitamento de 55 %. E, neta altura o aproveitamento é já superior aos 70 %, o que significa que o caminho está a ser trilhado a uma velocidade maior do que, inicialmente, supúnhamos ser possível. Há, no entanto, ainda algumas situações em que se verifica a realidade que apontou.

A este propósito, gostaria de salientar um aspecto que me parece importante. Hoje, por exemplo, já discutimos se neste ou naquele tribunal a formação feita foi ou não a melhor e estamos a cuidar das situações em que a formação não foi a mais indicada. Discutimos, por exemplo, se os microcomputadores já estão todos a funcionar ou não e já não discutimos se eles existem ou não. Há dois anos, por exemplo, não havia um só microcomputador. Seguimos este caminho orientados por um desafio que fizemos a nós próprios. Ora se vamos avançar lentamente para garantir que só é instalado o microcomputador quando os funcionários estiverem preparados, caímos num círculo vicioso e nunca mais temos o problema resolvido.

Na verdade, criámos um constrangimento sobre nós próprios, ou seja criámos a necessidade acrescida de actuar nessa área para melhorar o funcionamento do sistema e,

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por isso, iniciámos já a distribuição do material de software. Certamente que o problema da informatização nos levaria a um debate mais alargado, até porque estamos numa fase clara de avanço da informatização do sistema judiciário no seu conjunto e dentro de dois ou três anos, na pior das hipóteses, todo o sistema está informatizado. Trata-se de um processo de tal maneira complexo que há relativamente pouco tempo previa-se que iria durar aproximadamente 10 anos. É natural que, num processo deste tipo, haja perdas e, com certeza, que elas podem e devem ser apontadas para que as conheçamos, mas não são claramente perdas que ponham em causa a qualidade do sistema e da solução que foi adoptada.

Quanto à questão do bilhete de identidade, posso afirmar-vos que, em 1993, Ponta Delgada e Angra do Heroísmo terão os serviços de emissão do bilhete de identidade instalado e poderão passar a entregá-lo aos requerentes no prazo de três dias, como, aliás, já vai acontecendo em várias sedes de distrito no Continente. Esta é também uma outra modificação fundamental que permite responder, desburocratizadamente e de uma forma muito menos formal, a uma exigência também fundamental do cidadão e é mais um aspecto positivo em curso, que já ultrapassou a fase de programa e envolve mesmo uma série de acções concretas em execução e a produzir resultados.

Quanto à Polícia Judiciária, penso que ela trabalha bem, felizmente, não apenas nos Açores, mas posso adiantar que haverá um reforço de pessoal naquela Região a partir do descongelamento previsto para 1993, e que terá a ver também com a própria qualidade do trabalho que está a ser desenvolvido, o que nos dá alguma garantia de que, apesar de tudo, a cobertura dos Açores pela Polícia Judiciária tem, de facto, qualidade.

Quanto à verba de 42 000 contos inscrita em PIDDAC, o problema não está em saber se para 1993 existe ou não essa verba mas em saber o que está programado para 1993 e o que é que vai estar pronto em 1994. V. Ex." sabe que ainda há muito pouco tempo, na Região Autónoma dos Açores, se inauguraram os novos Palácios de Justiça da Horta, de Vila da Praia da Vitória e de Povoação, que, evidentemente, já não constam no Orçamento, designadamente em PIDDAC, porque constituem já as novas infra--estruturas que foram inauguradas. Neste momento, estamos em fase de relançamento das outras novas infra-estruturas, mas ainda numa primeira fase, a de projecto para 1993, o que nos leva a uma previsão menor, mas não a um esquecimento nem a um abandono da Região Autónoma dos Açores.

Sr. Deputado Alberto Costa V. Ex.' coloca uma questão inteligente, formulada de uma maneira subtil, que tem a ver com a ligação entre o que é a perspectiva da distinção entre interesses corporativos e interesses de Estado e a atitude que o Governo toma ou não relativamente à questão das remunerações dos vencimentos dos magistrados, falando, por outro lado, na albanização das remunerações dos juízes portugueses.

Sr. Deputado, ou V. Ex* não conhece o vencimento dos juízes portugueses ou, então, não conhece a situação do povo albanês. Há aí uma disfunção que me parece óbvia, pois, em minha opinião, tomariam os Albaneses, apesar de tudo, estarem na situação dos juízes portugueses. A situação presente não é, obviamente, da natureza que referiu, pois, se assim fosse, teríamos, porventura, encontrado a solução do nó górdio da história da humanidade, ou seja, teríamos, pela primeira vez, cumprido o socialismo

por cima. Mas a questão que se coloca, nesta matéria não é esta evidentemente, nem esta é a forma de lhe responder.

Sr. Deputado, já tive ocasião de dizer que a situação actual quanto às remunerações dos juízes portugueses só pode aceitar-se numa perspectiva de transitoriedade. Ninguém defende que é uma boa solução e em circunstâncias algumas direi isso. Ela só pode aceitar-se enquanto estiver ligada ao regime de transitoriedade que a determinou e nunca poderá ser considerada como uma boa solução. O projecto do Ministério da Justiça e do Govemo não pretende que todos os juízes venham a ganhar o mesmo. É óbvio que não é isso que pretendemos! A questão está em saber como é que se define a transitoriedade e de que maneira ela pode ser ultrapassada.

Mas quanto a esta matéria, não podemos deixar de ter em conta— porque os problemas não são apenas aquilo que são num determinado momento, têm futuro e também história— que, na altura em que esta Câmara aprovou, por unanimidade, o diploma que congelou os vencimentos dos cargos políticos, tínhamos acabado de aprovar, há relativamente pouco tempo, uma tabela de vencimentos dos magistrados que, a solicitação dos próprios, os equiparava aos titulares dos cargos políticos, o que originou que o congelamento determinado, por votação unânime da Assembleia da República se aplicasse também a todos os magistrados. Porém, o entendimento da altura foi o de que a diferença apesar de tudo, que existia e que assentava, sobretudo, numa ideia de, por um lado, fazer-se carreira e, por um outro, não se fazer carreira, justificava que o congelamento previsto para todos os titulares de cargos políticos encontrasse uma excepção nos juízes, permitindo que ele não se verificasse até um certo limite, ou seja o topo do vencimento do Primeiro-Ministro. E foi este argumento de natureza positiva e «favorável aos magistrados» que deu origem à acumulação que agora tem lugar.

Deste modo, a questão que está em discussão não pode ser identificada como uma questão dos magistrados, nem me parece correcto, quer do ponto de vista ético, quer do ponto de vista político, que se pretenda resolver o problema de fundo dos titulares dos cargos políticos apenas porque uma solução intermédia criou uma situação que só transitoriamente pode explicar-se para os magistrados.

Em minha opinião, trata-se, no entanto, de uma questão que, porque foi aprovada por unanimidade na Assembleia da República e porque tem a ver, neste momento, com todos os titulares de cargos políticos, deve ter a sua sede própria na Assembleia da República. E o Govemo não deixará, nomeadamente por intermédio do Ministro da Justiça desde que haja iniciativa nesse sentido por parte da Assembleia da República de dar o seu contributo na procura da solução para o problema.

No entanto, entendemos que se trata de uma questão que, neste momento, tem a sua sede, e deve ter mesmo a sua sede, na Assembleia da República, justamente porque é aqui que está representado todo o espectro político com uma representação mais directa relativamente à solução de um problema desta natureza.

No que respeita ao problema da morosidade, também abordado pelo Sr. Deputado Alberto Costa devo dizer que temos de o enfrentar, sem dramatismos, com abertura e, se quiser, com a dimensão— e não queria dizer ética, porque também não queremos vulgarizar as exigências éticas — de Estado mais adequada à sua resolução.

O Govemo nunca escamoteou as suas responsabilidades relativamente à questão da morosidade do funcionamento da justiça, em Portugal, e nunca cedeu à tentação

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de culpabilizar outros numa matéria relativamente à qual ele tem uma quota parte significativa de responsabilidades. Mas seria interessante que esta atitude adoptada pelo Govemo fosse também partilhada pelos outros, pois é evidente que não só o Govemo tem uma quota parte significativa de responsabilidades como também os outros, que não dependem minimamente dele, têm uma quota parte de responsabilidade. E não coloco a questão em termos de culpa, até porque sempre disse, e entendo, que não é culpabilizando, ou seja, subjectivizando as causas que vamos encontrar uma solução.

Mas, de facto, a questão da morosidade da justiça em Portugal tem de ser colocada na perspectiva do cidadão. E isto não é demagogia nem discurso gratuito! Se, efectivamente, ela tem a ver com uma exigência do cidadão e se todos a assumirmos como tal, então, todos aqueles que têm alguma responsabilidade na intervenção do sistema, devem assumir essa dimensão da exigência do cidadão quando há celeridade no funcionamento da justiça, porque senão, Srs. Deputados, só podemos garantir uma justiça célere se for uma justiça que em vários sectores nega direitos fundamentais, diminuindo os recursos, impedindo os adiamentos, criando, portanto, constrangimentos ao próprio funcionamento processual e qce podem, em situações concretas, vir a reverter em claro prejuízo para direitos fundamentais de pessoas, que, também em situações concretas, não podiam estar presentes ou tinham todo o direito a ver o seu caso reapreciado em via de recurso.

Temos a certeza absoluta de que há muito a fazer na área da intervenção do Govemo, e essa é a nossa quota--parte de responsabilidade, nomeadamente também no sen-üdo da desburocratização e da revisão das leis do processo. No entanto, por mais que façamos, se não houver uma assunção global, por parte de todos aqueles que são chamados a intervir no sistema, no sentido de que a morosidade é um problema do cidadão e que tem de ser resolvido numa perspectiva exclusiva do cidadão — e os próprios cidadãos, quando em contacto com o sistema de justiça sentirem que se num determinado momento os favorece a morosidade, no momento seguinte seria a celeridade que os favorecia — e se não houver uma atitude também relativamente à globalidade do funcionamento do sistema, podemos modificar muito mais, mas o problema da morosidade da justiça nunca se resolverá totalmente. É uma questão de todos, embora, — repito — enquanto por parte do Govemo houver uma margem larga ainda de responsabilidade não cumprida, não será este o meu discurso político e muito menos um discurso de acusação. O que, neste momento, pretendi aqui fazer foi mais um apelo à reflexão sobre o problema e não, necessariamente, uma acusação contra quem quer que fosse. Mas uma coisa é certa: neste processo não há inocentes, estamos todos, claramente, convencidos disso!

Quanto às acções em curso são várias, são já do conhecimento de VV. Ex." e têm já resultados palpáveis. A justiça é, hoje, menos lenta, embora seja ainda muito lenta, e estou perfeitamente de acordo quando o Sr. Deputado Alberto Costa aqui o diz, pois eu próprio já tive ocasião também de o dizer. Mas, neste momento, a minha preocupação já não se situa nos 50 % de processos que são julgados em menos de um ano, mas nos processos que são julgados a mais de dois, três e quatro anos. É, de facto, aí que se situa a minha preocupação! E embora o número de cidadãos que esperam pela resolução desses processos seja muito menor, é óbvio que esse é o aspecto negativo e patológico do sistema judiciário. Logo,

não se vai pedir aos cidadãos que vêem os seus processos resolvidos em menos de um ano que tenham uma intervenção para aplaudir o funcionamento do sistema porque este tem de funcionar bem e não há que aplaudir só porque funciona bem. Mas devemos ter uma visão dinâmica e verificar que, de facto, o sistema estava pior e, agora, está francamente menos mau, embora ainda haja aspectos de bloqueio relativamente aos quais é necessário intervir.

E já, agora, que referiu os tribunais administrativos, devo dizer-lhe que os tribunais administrativos de círculo, na sua globalidade, já respondem a tempo, coisa que não acontecia há algum tempo atrás. A questão que se coloca, hoje, e todos sabem, tem a ver com a organização da espinha dorsal do funcionamento do sistema mas, em 1993, apresentaremos, na Assembleia da República, diplomas quer quanto ao contencioso administrativo, quer quanto à organização dos tribunais administrativos e fiscais, em que, entre outras medidas, vamos criar o tribunal central, aquilo que impropriamente poderá designar-se por segunda instância para resolvermos, sobretudo, o problema do tribunal pleno, onde, como todos sabem, a lentidão é maior, não por razões que se prendam directamente com a capacidade de resposta dos magistrados, mas pela própria concepção e organização do tribunal pleno.

Quanto às reformas do processo civil — e esta questão já foi aqui adiantada, quando me referi ao seu conteúdo e à questão da estabilização — tivemos já ocasião de falar nela mas gostaria de o fazer de forma mais extensa porque me parece que é esse o caminho que temos de seguir. No entanto, sempre lhe digo, Sr. Deputado, que não aceitarei fazer uma reforma do processo civil, apenas para fazer uma reforma do processo civil a nomine. Tem de se fazer uma reforma do processo civil a sério e ela tem de suscitar um debate claro sobre as regras fundamentais de uma mudança profunda.

Já tive ocasião de dizer que, muito antes de apresentarmos qualquer iniciativa legislativa suscitaremos o debate sobre a matéria porventura, em sede de Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, dentro de muito pouco tempo, possivelmente durante o mês de Janeiro, e apresentaremos o primeiro texto que consagra as grandes linhas dessa reforma que é radicalmente diferente de qualquer outra. E, desde já, devo dizer que não estou preocupado com o facto de vir ou não a fazer a reforma. Estou é mais preocupado com o não fazer uma reforma que não reforme realmente. Portanto, em Janeiro, VV. Ex." terão aqui as grandes linhas de uma reforma diferente relativamente ao processo civil e faremos o debate sobre elas. Tive também já ocasião de dizer, noutro dia, que gostaria que os vários apports atribuídos ao Ministério da Justiça se concretizassem, o mais tardar, até ao mês de Junho, para imediatamente, já com uma série de dados adquiridos, podermos passar à fase da elaboração legislativa que, então, será obviamente mais rápida.

Em relação ainda a esta matéria, não sei bem se foi um alto magistrado que disse que o único aspecto relevante da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais era o da previsão dos tribunais de turno, mas se disse, evidentemente que me reverencio sempre ao que dizem os magistrados, quer se tratem de magistrados mais ou os menos altos. No entanto, o que entendo ser óbvio para toda a gente é que não é a única reforma importante.

Gostaria também de notar que fiquei satisfeito por V. Ex.3 me ter questionado sobre o que vai acontecer com os tribunais de pequena instância porque isso significa que se trata de outra reforma importante, senão um Deputado

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com a perspicácia de V. Ex." nunca perguntaria sobre urna reforma que não tivesse importancia alguma. Poderíamos perguntar sobre os tribunais auxiliares, que são fundamentais também, pela agregação de comarcas, mas uma leitura atenta da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais leva--nos à conclusão de que há reformas mais profundas do que aquela que se prende apenas com os tribunais de turno que é, obviamente também, uma reforma importante.

Sobre a implantação de tribunais de pequena instância, dar-lhe-ei, a breve trecho, a informação exacta, na medida em que o assunto está a ser estudado exactamente no âmbito da fase final do regulamento porque estamos a fazer os levantamentos para a escolha daquelas situações onde eles devem ser implantados. Isto porque queremos dar-lhes justamente também uma primeira fase de visão experimental, como tive ocasião de dizer há pouco.

Todavia o regulamento não tem de passar aqui, mas, independentemente disso, terei todo o gosto em estar presente na Comissão para aí conversarmos sobre a estratégia, então já absolutamente definida no concreto, para o ano de 1993.

Agora a orçamentação está feita porque já temos a previsão dos números e, portanto, essa previsão permite-nos, aliás como há pouco üve ocasião de verificar, responder a uma das questões colocadas no sentido de saber por que razão aumenta tanto o orçamento para a Direcção-Geral dos Serviços Judiciários. E que é aí, evidentemente, que está compaginada do ponto de vista da previsão, o conjunto de verbas necessárias para este sector.

Ao Sr. Deputado Luís Nobre, que me pergunta por que razão houve, a nível de dotações, uma alteração de prioridades em serviços do Ministério e se isso se deve ao facto de os primeiros terem atingido a plenitude da sua funcionalidade, direi que, efectivamente, isso ainda não aconteceu mas, como sabe, o problema da definição das prioridades não se faz através de um crescimento permanente. A prioridade define-se através de um crescimento de um determinado ano com o lançamento de uma série de acções, estabilização das mesmas acções e novo crescimento. Nos casos em que há uma descida, estamos no ano da estabilização da prioridade definida o ano passado, avançaremos com outra prioridade e portanto, em termos de previsão plurianual, a situação é a mesma não havendo, pois, opções diferentes e, muito menos, hesitações quanto às prioridades.

Evidentemente que não há ainda a realização em plenitude porque um dos objectivos traçados, desde o início, pelo Governo foi o de fazer crescer os vários sectores da justiça harmonicamente e não criar subidas e descidas irregulares que nunca permitem ter o sistema a funcionar, aí sim, na sua plenitude.

Quanto à articulação com o Alto Comissário para o Projecto Vida creio que bastará dizer que será exactamente a mesma que houve com os coordenadores seus antecessores no Projecto Vida. Portanto, a nossa atitude é a de considerar que o Projecto Vida é o bojo onde funcionam as várias acções programáticas do Govemo na área do combate à droga. Evidentemente que o Ministério da Justiça tem áreas específicas de intervenção e fá-la-á com a maior articulação com o Projecto Vida e, portanto, não deixará de o fazer como até aqui, a partir da criação e da nomeação do Alto Comissário.

Quanto à alteração do Estatuto da Ordem dos Advogados, não sei se já chegou ao conhecimento dos Srs. Deputados mas a proposta de lei foi aprovada em Conselho de Ministros e, suponho, foi pedido o seu agendamento,

pelo que, brevemente, estará pronta a ser apresentada à Câmara a fim de ser discutida convosco.

Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado José Magalhães, gostaria imenso que tivéssemos tempo e possibilidade de discutirmos áreas à volta da questão europeia, sobretudo naquilo que se prende mais directamente com o terceiro pilar, com a área da cooperação jurídica e judiciária nas várias matérias, matéria civil e matéria penal.

Pôs V. Ex.* a questão para que ficasse referida em acta e eu dir-lhe-ia isto para que fique, também, registado em acta e com certeza que vamos ter ocasião para o fazer. Eu próprio creio que qualquer resposta seria nesta altura, necessariamente minimalista, porque há várias acções a correr. Como sabe há dois aspectos diferentes na área do terceiro pilar: um, claramente da área da justiça que é o da cooperação jurídica e judiciária; outro, que tem a ver também com a justiça na área do combate a determinado tipo de criminalidade, que internamente está atribuída à Polícia Judiciária; outro, que se prende com a cooperação policial que, como sabe — e isso já foi aqui referido — envolve também a Polícia Judiciária, mas, que, do ponto de vista da relação internacional, está, em termos de representatividade, a cargo do Ministro Trevi que é, e foi sempre, o Ministro da Administração Interna. Há, obviamente, uma coordenação política interna entre a Justiça e a Administração Interna e há a representatividade nos Conselhos de Ministros Trevi por parte dos Ministro da Administração Interna.

Um outro aspecto que também era importante trazer-se aqui — e espero que, um dia tenhamos ocasião de fazê--lo — tem a ver com o papel da justiça na construção europeia o que é que isto significa para lá de uma análise simplista do terceito pilar. A questão, por exemplo, de saber até que ponto é que a justiça é chamada apenas como um instrumento de salvaguarda da livre circulação ou, mais do que isso, até que ponto ela entra no Tratado como afirmação de um valor e, portanto, com repercussão em áreas que são importantes como a de uma definição material de cidadania europeia com a consequência, por exemplo, da solução definitiva da Carta dos Direitos Fundamentais da Comunidade ou da adesão à Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Portanto, há todo um conjunto de questões em aberto entre as quais destacaria, apenas e para enunciar em termos meramente descritivos, toda a problemática da harmonização legislativa que me parece fundamental quer do ponto de vista cível ou do direito privado, onde as coisas são, como sabe, mais fáceis, quer mesmo do ponto de vista da parte penal.

Em todo o caso, gostaria de esclarecer, para não deixar dúvidas, que a posição que eu próprio tenho, e que Portugal tem defendido, é de harmonização em matéria de direito criminal, pelo menos a conhecer alguns espaços de reflexão e de aprofundamento. Um deles seria aquele que tem que ver com a protecção dos interesses financeiros da Comunidade, a partir, sobretudo, de duas realidades: a natureza do bem jurídico e a unidade da vítima. Sendo certo que a vítima é a própria comunidade e o bem jurídico é um bem com a mesma repercussão no seio da Comunidade, pode encontrar-se aqui um instrumento de unificação que pudesse conduzir, eventualmente, a uma análise de harmonização.

Quanto ao resto, estamos numa área própria onde se jogam problemas de soberania e, como sabe, todo o tipo de discussão tem que ser evidentemente mais gradual e,

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portanto, através de aproximações e, porventura, também de recuos sucessivos.

Quanto ao problema da defesa da privacidade, estamos na fase final da regulamentação da Lei n.° 10/91. Temos

uma questão que não dêixafà dé sèf discutida convosco, tanto mais que o Sr. Deputado tomou a iniciativa de ter algumas intervenções nesta área, suscitanto questões que são também nossas.

Como sabe, discute-se, neste momento, no seio da própria Comunidade, a alteração da directiva relativa a esta matéria, ou seja, a protecção dos dados pessoais face à informática. A nossa questão é de saber até que ponto é que o avanço para aprovação da directiva é tal que justificaria, apesar de tudo, algum aguardar por essa directiva para que a regulamentação seja definitiva, do ponto de vista interno. Como sabe, temos algumas alterações a fazer, como sabe por razões de incorrecção formal à própria própria lei que está actualmente em vigor. Entendíamos que, se fosse possível caminhar nesse senüdo, essa seria, porventura, a boa solução; se não for esse o caminho, com certeza que avançaremos rapidamente para a regulamentação.

Em todo o caso, não deixaremos — eu e não só porque, como sabe, esta área não é apenas minha — de analisar esta questão também no seio da Comissão.

O Sr. José Magalhães (PS): — Permite-me que o interrompa, Sr. Ministro?

O Orador: — Sim, Sr. Deputado, desde que o Sr. Presidente o permita.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): — Prometo não reincidir, mas a informação do Sr. Ministro carece de uma precisão.

Sr. Ministro, se há observações críticas a aspectos de inoperacionalidade da lei — e todos nós conhecemos, deduzidas por algumas associações que se movem no sector informático —, creio que devem ser analisadas, uma a uma, para verificarmos se são consistentes ou não e se se jusüfica ou não a correcção deste ou daquele.

Agora, o que não se justifica, a título nenhum, é que a Assembleia da República esteja impedida de eleger os seus representantes na Comissão Nacional de Protecção de Dados. Relativamente a todo o sistema que, ainda por cima, foi fundamento para nós perante as Comunidades, perante os países Shengen, perante a Constituição da República, perante o Tribunal Constitucional — que tinha declarado a insconstitucionalidade por omissão, dizendo que tínhamos cumprido o dever constitucional de legiferar — estamos, neste momento, numa situação colectiva de infracção.

Se o Sr. Ministro acha que há razões consistentes... Aliás, o argumento da directiva parece-me péssimo, porque o seu desuno é turvo, estranho, e é difícil saber se conseguiremos, sequer, atingir um resultado a curto prazo. Portanto, eu não trabalharia nessa base porque em Portugal estamos desguarnecidos. Qualquer base de protecção que transforme a construção numa realidade e não numa miragem perfeita é bom. O próprio texto da lei que está em vigor é bom, embora eu tenha sido das poucas pessoas que, na altura, manifestou um voto de divergência em relação a ele. Mas acho que é bom. É lei da República e em qualquer caso tem de ser cumprida ou, en-

tão, tem de ser alterada. O que é anómalo é esta situação em que a lei nem é cumprida nem alterada e está à espera de ser alterada, em vez de estar à espera de ser cumprida, o que é absurdo.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Orador: — Sr. Deputado, eu não disse que estávamos à espera da directiva mas, isso sim, que estávamos a analisar a evolução da directiva para ver se era importante esperar pela sua aprovação para que isso acontecesse.

Em segundo lugar, estou de acordo com a necessidade de regulamentação e, nomeadamente, com a composição da Comissão, que está já na fase final. Dentro de relativamente pouco tempo — e não vou dizer datas, porque, como sabe, não posso comprometer-me a esse nível — estará concluída, exactamente para permitir a constituição da comissão e para que Assembleia da República exerça o seu direito de designação dos membros que hão-de pertencer à Comissão. Essa questão está ultrapassada em termos de opção de vir a fazê-lo.

A questão não é, pois, a de estarmos indefinidamente à espera de alguma coisa cujo destino não sabemos qual é. Durante algum tempo, foi-nos importante analisar a situação e ver se se justificava que estivéssemos sucessivamente a intervir numa área que, como viu pela própria aprovação da lei em vigor e pelas dificuldades que ela suscitou, envolve melindres, mas depois evidenciou-se a necessidade de estabilizarmos do ponto de vista legislativo e não criarmos a ideia de que sistematicamente se está a alterar. Não há, como calcula, qualquer reserva da nossa parte quanto ao modo de intervir para a protecção e a tutela dos interesses e dos valores que o Sr. Deputado referiu e que, como é óbvio, o Govemo partilha claramente.

Referir-me-ei agora ao aspecto financeiro de apoio às estruturas da Polícia Judiciária, quer quanto à implantação da EUROPOL quer quanto à corrupção.

Relativamente à EUROPOL não há dificuldades; as verbas já estão disponibilizadas para a informatização e para a instalação física e já estão previstas para a área das telecomunicações.

Quanto à corrupção, foi dito no debate em Plenário que haverá uma transferência, não necessariamente nos termos da que estava para aqui, mas haverá uma transferência do equivalente, pelo menos numa primeira fase, para fazer funcionar, na área da Polícia Judiciária a estrutura que, no fundo sendo a que existe, vai ser ampliada nas suas competências para poder intervir nesse sector.

Quanto às verbas para acções contra o Estado, não quero evidentemente dizer que se trata de uma previsão própria do Ministério das Finanças. Naturalmente que, sendo assim, é importante que haja uma preocupação nesse sentido. Se V. Ex.' me permite, registaria a sua preocupação e, enquanto Ministro da Justiça, não deixaria de prestar atenção a este problema porque gostaria de o ver resolvido, se efectivamente a situação é desse tipo.

Também pode acontecer — e o Sr. Deputado é o primeiro a concordar — que, tratando-se de uma previsão extraordinariamente fluida, é possível que, em determinadas circunstâncias, ela seja excessiva nuns anos e, eventualmente, escassa noutros, porque resulta das situações concretas que ocorrem ao longo do ano que não são previsíveis em termos estritos de previsão orçamental. Se é essa a situação, ela resulta da própria falibilidade da previsão numa área em que não há objectividade na previsão; se

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se trata de um acto reiterado, então, nessa altura, evidentemente, alguma alteração haverá que introduzir-se. Como disse, sublinho a situação e não deixarei de lhe prestar atenção.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Agradeço não só ao Sr. Ministro e à sua equipa a disponibilidade que tiveram de responder a todas as questões que aqui foram formuladas mas também aos Srs. Deputados pela vossa participação nesia reunião da Comissão de Economia, Finanças e Plano.

Declaro interrompida a reunião, devendo recomeçar às 22 horas e 30 minutos com a apreciação do orçamento da Secretaria de Estado da Juventude.

Eram 21 horas.

Após a interrupção, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Manuel dos Santos.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está reaberta a reunião.

Eram 23 horas e 17 minutos.

Srs. Deputados, vamos dar início à última audição de hoje. Esta reunião estava marcada para as 18 horas e 30 minutos, mas, apesar da presença da Sr." Secretária de Estado da Juventude, não foi possível efectuá-la à hora marcada em virtude do atraso ocorrido na reunião da Comissão de Economia, Finanças e Plano com as audições dos Srs. Ministros do Ambiente e Recursos Naturais e da Justiça.

Em nome da Comissão, apresento desculpas à Sr." Secretária de Estado da Juventude pelas dificuldades que, eventualmente, lhe causámos e agradeço a sua presença.

Esta reunião foi marcada para as 10 horas e 30 minutos, exactamente depois de ter estabelecido contacto com a Sr." Secretória de Estado da Juventude. Vamos, portanto, tentar que esta reunião decorra não só com a eficiência habitual mas também com alguma celeridade, uma vez que, a partir das 10 horas de amanhã, já leremos de estar de novo, aqui, para então ouvir o Ministério da Educação.

Na pessoa do Sr. Presidente da Comissão de Juventude, Sr. Deputado Miguel Relvas, saúdo os Srs. Deputados que integram a Comissão de Juventude, assim como os outros Srs. Deputados que, embora não pertencendo a esta Comissão, quiseram dar-nos a honra de estar connosco e de, provavelmente, virem a participar no debate.

Como é a primeira vez que a Sr." Secretária de Estado da Juventude aqui se encontra, gostaria de dizer-lhe que estamos a apreciar, na especialidade, as propostas de lei das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1993, depois de já terem sido discutidas na "generalidade. Não se trata propriamente de uma sessão de perguntas ao Governo e, portanto, a Sr." Secretária de Estado intervirá como entender e responderá ao que entender. Trata-se, efectivamente, de um debate em que, de uma maneira geral, as intervenções acabam por se dirigir aos Membros do Govemo — aliás, é lógico e normal que assim seja.

No entanto, a Sr." Secretária de Estado usará o tempo da forma como entender para colocar também as suas observações e intervir no debate.

Estas sessões, nos termos da lei e do Regimento, são gravadas e passadas a acta, tomando-se, portanto, documentos autênticos do nosso debate, e têm como objectivo

a votação final que se realizará, na especialidade, em Comissão de Economia Finanças e Plano e em Plenário conforme as matérias, seguindo-se a votação final global.

Embora o Regimento, de algum modo, permita ao presidente e à mesa delimitar o tempo de intervenção, não o tenho aplicado de forma muito rigorosa e tenho deixado que os Srs. Deputados, com bom senso, exprimam os seus pontos de vista, fazendo às vezes algumas pequenas observações.

A metodologia que, normalmente, utilizamos é a de um Membro do Govemo fazer uma pequena intervenção inicial, colocando-se, depois, à disposição dos Srs. Deputados para as questões que estes desejem apresentar.

A Sr." Secretária de Estado da Juventude informou que aceita esta metodogia pelo que tem, de imediato, a palavra.

A Sr." Secretária de Estado da Juventude (Maria do Céu Ramos): — Antes de mais, quero agradecer ao Sr. Presidente as amáveis palavras de apresentação que me dirigiu e justificar o meu atraso, desejando assegurar-vos que não houve qualquer intenção retaliatória relativamente ao atraso que ocorreu na reunião que estava marcada para hoje às 18 horas e 30 minutos. Apresento, portanto, o meu pedido formal de desculpas e espero que este atraso não prejudique as virtualidades que este debate certamente encerra.

Assim, começava por dizer que aceito, com certeza a metodologia de trabalho que tem sido adoptada e começarei por fazer uma sumária exposição da proposta de orçamento para a área da juventude.

Para a área da juventude, como alguns dos Srs. Deputados já têm conhecimento, uma vez que, pelo menos em sede da Comissão de Juventude, já foram distribuídos estes documentos, a dotação global é de 8,169 milhões de contos por contraposição a 8,59 milhões que apresentava em 1992. Há, portanto, um decréscimo que se contém dentro das regras gerais definidas para a proposta orçamental deste ano, mas, ainda assim, esta dotação global não inclui, não engloba o IAJ (Incentivos ao Arrendamento Jovem), que em termos orçamentais está inscrito no capítulo 60 — dotação provisional —, nem inscreve também qualquer dotação na área da formação profissional.

Em termos globais há, de facto, um crescimento se considerarmos o global de todas as intervenções, pois além destes 8,169 milhões de contos há o IAJ e as verbas para a formação profissional.

Em termos de apresentação das dotações por actividades, considerando as verbas inscritas no orçamento da Secretaria de Estado da Juventude (SEJ), bem como as inscritas noutros orçamentos, incluindo o orçamento corrente e o PIDDAC, posso dizer-vos que, por actividades, as dotações crescem, comparativamente com a proposta de orçamento para 1992. Refiro-me às dotações para o apoio ao associativismo, para os centros de juventude, para o Projecto VIDA e para o apoio às iniciativas de jovens empresários.

Devo esclarecer que este crescimento de dotação se radica essencialmente na aposta que é feita em termos de investimento e que, consequentemente, o grosso deste reforço orçamental provém desta filosofia de base que o Govemo adoptou, qual seja a de privilegiar o orçamento de investimento em detrimento do orçamento corrente. De facto, o apoio ao associativismo regista relativamente à proposta de 1992, um aumento de 134 000 contos, que representa um crescimento de 14,6 %.

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Quanto ao Projecto VIDA é sabido que a opção de fundo do Govemo foi a de reforçar e conferir autonomia a este projecto, se bem que também deva ser considerada significativa e politicamente importante a nomeação de um

Alto Comisario, tanto mais que esta autonomização conduziu a um reforço das dotações para esta rubrica.

As iniciativas dos jovens empresários registam também um aumento muito significativo, de 205 000 contos, sendo o aumento percentual de 117 %. Este aumento radica essencialmente no reforço das verbas do PIDDAC e que se destinará sobretodo ao reforço desse programa, que teve hoje um marco importante na inauguração do Ninho de Empresas. Creio que os Srs. Deputados saberão que hoje foi inaugurado, em Algés, com bastante sucesso, o segundo Ninho de Empresas e prevê-se para 1993 a abertura dos Ninhos de Empresas de Coimbra e de Faro.

No que respeita ao orçamento privativo do Instituto da Juventude, um dos organismos da área da juventude, posso dizer que a área da formação não se encontra mais dotada este ano do que no ano anterior justamente porque as verbas para esse efeito não estão inscritas no orçamento da Juventude mas no da formação profissional. Aliás, essas verbas foram reforçadas pelo que compensarão esta redução no orçamento específico do Instituto da Juventude.

Todavia as despesas com a informação crescem no orçamento corrente do Instituto da Juventude e nas relações internacionais. Devo dizer que este crescimento é feito no seguimento da filosofia e da opção de fundo, que unha sido tomada de privilegiar apenas os acordos bilaterais ou multilaterais com o espaço da Comunidade Europeia e dos PALOP e das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo. Assim, concentraram-se esforços financeiros nestes acordos expurgándose alguns que teriam menos sentido e menos relevância. Daí que se registe, efectivamente, um decréscimo da ordem dos 5 %.

Já o apoio ao associativismo, como tive ocasião de referir, que se espelha no orçamento específico do Instituto da Juventude, tem um crescimento de 11 % relativamente à proposta de 1992 com o acréscimo, em valores absolutos, de 84 000 contos a que se deve somar — devo registá--lo aqui — um acréscimo de 50 000 contos do PIDDAC para apoio às infra-estruturas das associações juvenis. Do PIDDAC do ano passado constavam 150 000 contos para esse efeito e este ano regista uma subida de valores absolutos de 50 000 contos, o que representa um valor percentual acrescido de 33,3 %.

O investimento nos centros de juventude mantém-se idêntico ao do ano passado. Os programas ocupacionais e de tempos livres registam também alguns reforços em valores absolutos com uma ligeira expressão percentual. No entanto, há uma rubrica do orçamento do Instituto da Juventude que sofre uma diminuição e que é a referente à ciência e tecnologia. Mas este decréscimo tem uma explicação: é que nesta área estavam a funcionar até agora o programa Inforjovem e os Centros Inforjovem. Como o programa Inforjovem ganhou autonomia e vida própria através da criação da Fundação para a Divulgação das Tecnologias de Informação, em Agosto do ano em curso, deixa de haver inscrição no orçamento do Instituto da Juventude destas verbas que serão canalizadas para a Fundação, que pode concorrer por iniciativa própria aos fundos comunitários e que tem o seu orçamento próprio.

Finalmente, nas despesas comuns há também um corte de 5 %, que é a redução genérica que o Governo se auto--impôs na linha do rigor e da autocontensâo que achou indispensável neste momento.

Antes de terminar, julgo que talvez valha a pena fazer uma pequena análise do orçamento dos investimentos, com-parando-o com o do ano passado. O orçamento dos investimentos inclui, naturalmente, o PIDDAC e o PRODIATEC,

tanto para o ano de 1992 como para o de 1993, e na linha do privilégio que foi concedido aos investimentos o

PIDDAC na área da Juventude tem um crescimento acima da média dos outros ministérios, que é da ordem dos 15 %, mas que na área da juventude é de 35 %, no caso concreto do PIDDAC. Este facto tem a ver também com a nossa concepção de política de Juventude que é a de que mais do que os subsídios importa dotar o movimento associativo, as estruturas do Instituto da Juventude e os organismos ligados à área da juventude de meios que lhes permitam desenvolver uma actividade própria em vez de permanentemente tutelar e com isso coarctar a livre iniciativa, a expontaneidade e a capacidade de iniciativa destas estruturas.

Como há pouco referi, o apoio às infra-estruturas da associações juvenis tem um reforço de 50 000 contos e o apoio às iniciativas de jovens empresários, em que se inscreve o FA1JE e os Ninhos de Empresas, tem um crescimento de 318 000 contos, o que significa uma variação percentual muitíssimo elevada.

No que respeita ao orçamento do Gabinete do Serviço Cívico das Objectores de Consciência ele tem também um crescimento muito sensível. Como é sabido, foi aprovado em Setembro deste ano o Decreto-Lei n.° 191/92, na sequência do qual foram transferidas para o Gabinete e para a Comissão dos Objectores de Consciência competências que antes não lhe estavam cometidas. Com a aprovação do quadro orgânico desta estrutura torna-se necessário dotá--la de meios operacionais que tomem eficiente a sua intervenção. É por essa razão que o orçamento do Gabinete do Serviço Cívico dos Objectores de Consciência cresce de 128 000 contos em 1992 para 202 000 contos em 1993, o que representa um crescimento percentual superior a 57 %.

Quanto ao Projecto Vida já lhe fiz uma referência genérica e reservo-me para questões que me queiram colocar. Aliás, penso que não é necessário acentuar ou sublinhar qualquer nota porque é do conhecimento de todos qual é a concepção de base do Govemo relativamente a esta matéria.

Por último, faço uma referência ao orçamento do gabinete do Secretário de Estado, que regista um aumento de 10 000 contos, que percentualmente não tem qualquer expressão, mas que é um crescimento necessário porque se verificou que no ano de 1992 houve necessidade de ultrapassar as verbas orçamentadas. Todavia este reforço ocorre em rubricas que têm a ver com compromissos assumidos, aquisição de serviços, e por isso creio que não tem significado nem relevância particulares.

Estou à disposição de todos os Srs. Deputados para as questões que me quiserem colocar e agradeço, desde já, a atenção que me dispensaram.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se para formular questões os Srs. Deputados José Reis, Maria Julieta Sampaio, António Filipe, António Martinho, António José Seguro, Luís Nobre, Pedro Passos Coelho.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Reis.

O Sr. José Reis (PS): — Sr.' Secretária de Estado, sigo sempre com muito interesse as realizações políticas que acontecem no distrito por onde fui eleito, o de Setúbal.

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Aí, há tempos, teve lugar um congresso da organização de juventude do partido a que V. Ex.' pertence. Nesse congresso foi aprovada uma moção, da qual V. Ex." foi subscritora, que previa ou pedia a extinção do Instituto da Juventude. Agora, que tem sob a sua tutela esse Instituto, pergunto', quando pensa extinguir o Instituto da Juventude e qual é alternativa para essa extinção? Sr. Presidente, de momento é tudo.

O Sr. Presidente: — Sr." Secretária de Estado, apesar de ser habitual os membros do Governo intervirem no fim de todas as perguntas, se V. Ex." achar oportuno poderá intervir a qualquer momento.

De acordo com o nosso esquema habitual, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Nobre.

O Sr. Luís Nobre (PSD): — Sr." Secretária de Estado da Juventude, cabe-nos, pela terceira vez, hoje em Comissão de Economia, Finanças e Plano, discutir o orçamento para a área da juventude, sobre o qual foi prestada a mais completa informação a todos os Deputados que pretenderam obtê-la.

Antes de mais — e não o poderia deixar passar em claro —, desejava comentar uma observação feita pelo Deputado que me antecedeu no uso da palavra referente a uma posição assumida pela Sr." Secretaria de Estado da Juventude enquanto membro de uma organização políüca de juventude à qual pertenço, embora não seja seu advogado de defesa pois não precisa.

Sr. Deputado, só pretendo dizer que nós na JSD, como no PSD, aprendemos a participar, ou seja a alterar as coisas exprimindo a nossa opinião no momento que entendemos ser o mais correcto, ao conuário do que acontece, provavelmente, noutros locais e noutras formas de participação. Quando algum dos militantes ou membros do meu partido é chamado a desempenhar outras funções cessa imediatamente as funções que por vezes tem na organização partidária, passando a ser apenas um membro do Governo, como é hoje a Sr." Secretária de Estado.

Portanto, se é essa a questão que nos colocam, decerto que como membros da JSD manteremos as nossas posições e com certeza que a Sr." Secretária de Estado da Juventude também decidirá aquilo que entender por bem. Como hoje e no passado, por vezes discordamos em questões fundamentais, mas essa posição e maneira de estar na política não será de forma alguma alterada.

No entanto, a nossa função hoje, aqui, é debater o Orçamento do Estado para a área da juventude. Já dissemos que este orçamento tem menos gordura e mais músculo, ou seja, foi dada prioridade ao investimento e, assim, as verbas que obtêm um crescimento substancial são aquelas que permitirão frutificar no futuro meios e capacidades para desenvolver políticas de juventude, ao contrário de outras políticas em que, noutros tempos, em outros ministérios, em outras circunstâncias, as maiores dotações eram para questões de funcionamento, ou seja, «para a gordura».

E porque não queria repetir o que foi dito em outras reuniões — porque muito deste orçamento já foi profundamente debatido em sede da Comissão Parlamentar de Juventude — coloco apenas uma questão à Sr." Secretária de Estado relacionada com a denominada lei do voluntariado jovem.

Sabemos que tem sido reiterada pelos responsáveis da área de juventude no Governo, a vontade de implementar a lei do voluntariado jovem. Gostaríamos de saber se isso é possível neste momento e onde é que, caso seja aprova-

da essa lei, serão obtidas as verbas necessárias à sua correcta implementação.

Quanto ao demais orçamento para a área da juventude, compreendemos a necessidade de haver a mesma diminuição no que concerne às despesas de estrutura e despesas decorrentes. É certo que têm consagração orçamental as verbas ora testadas em investimento e que não é esca-moteável a questão relativa à objecção de consciência, que para nós tem uma importância fundamental, e que deveria ter para todos os Deputados desta Câmara, visto que foi uma das poucas normas legislativas que obteve um consenso generalizado.

Portanto, é claramente referido, em sede de orçamento, o aumento das verbas não só destinadas à implementação da nova lei de objecção de consciência mas, principalmente, à dignificação que importa fazer do objector de consciência como forma alternativa de prestação de um serviço à Nação e não apenas como uma forma menos nobre como alguns parecem fazer crer.

No que diz respeito ao associativismo, gostaríamos de dizer que mantemos alguma preocupação. E que as necessidades das associações juvenis são cada vez mais prementes e, de uma forma geral, pretenderíamos que nenhuma associação fosse impedida de participar na vida colectiva da sua comunidade por falta de verbas ou porque estas não estivessem devidamente inseridas em sede de Orçamento do Estado.

Com efeito, registamos e reservamos o direito de, com o Governo, caso seja possível, efectuarmos as benfeitorias que entendemos adequadas neste orçamento, pois, como qualquer obra, não é perfeito, e acreditamos que do nosso esforço conjunto poderá sair algo mais proveitoso para a juventude portuguesa, que muitos de nós estamos aqui a representar.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado António Filipe, tem a palavra.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr." Secretária de Estado, em primeiro lugar, muito prazer em conhecê-la E como é a primeira vez que está aqui presente, gostaria de exprimir o voto de que mantivesse, ao longo do exercício das suas funções, um relacionamento permanente com a Comissão de Juventude, tal como aconteceu com os anteriores Secretários de Estado, e desejar-lhe votos de bom trabalho.

Sr." Secretária de Estado, este Orçamento do Estado para 1993, no que se refere à área da juventude, tem características um tanto bizarras — por isso, o Sr. Deputado Luís Nobre dizia que é a terceira vez que o discutimos. Com efeito, da primeira vez que o abordámos, o anterior Secretário de Estado da Juventude veio à reunião da respectiva Comissão para o discutir, mas não o trouxe, e daí a necessidade de uma segunda reunião para que fosse apresentado. Hoje tem lugar outra reunião para o discutir na especialidade, mas já com outro membro do Governo, que não com aquele que o apresentou.

Relativamente a este orçamento em concreto, poderia dizer, sintetizando, que «pouco aquece e pouco arrefece» relativamente ao que têm sido os orçamentos dos anos anteriores. De qualquer forma algumas opções «arrefecem» um pouco e, portanto, era sobre elas que gostaria de pronunciar-me.

A Sr." Secretária de Estado referiu-se, desde logo, em termos globais, a uma quebra significativa, aliás reconhecida nos mapas que foram apresentados, apesar de o Pro-

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jecto Vida ter sido autonomizado— segundo a explicação que nos deram — e ter passado para a área da juventude. Portanto, não é apresentado com o foi em ano anteriores, em que a dotação prevista na área de juventude era uma dotação parcial. De facto, referiu que há áreas que

crescem, isto por actividades, e bá outras que não crescem.

Relativamente às áreas que não crescem — podemos começar por aí — quero dizer-lhe que não crescem e de que maneira! Se repararmos, a verba para a formação tem um decréscimo muito significativo, ou seja, baixa praticamente para metade: a verba inscrita de 605 000 contos em 1992 decresceu para 310000 contos em 1993, mas já de 1991 para 1992 se registou um decréscimo para menos de metade.

A verba inscrita para formação em 1991 era de 1,395 milhões de contos e para 1993 estão inscritos apenas 310 000 contos, portanto há menos 1,095 milhões de contos do que há dois anos, e daí que a quebra seja efectivamente impressionante.

Também já foram referidas quebras significativas ao nível da informação, das relações internacionais e intercâmbio, dos tempos livres e desporto e do apoio à criação jovem. Em relação aos tempos livres e desporto é de realçar que se existe uma quebra de 1992 para 1993 ela é tanto mais significativa quando comparada com 1991: para

1991 havia 1,28 milhões de contos e agora há apenas 935 000 contos.

No entanto, a Sr." Secretária de Estado falou também de verbas que crescem, e relativamente a essas gostaria de dizer algo. Quanto ao Projecto Vida já foram referidos os motivos do crescimento da verba, mas esta não tem em conta o crescente fenómeno da toxicodependência entre nós. Como sabe, todos os índices existentes apontam para crescimentos que podemos considerar extremamente preocupantes, mas que não têm correspondência nas verbas afectas quer ao Projecto Vida quer a outros sectores da Administração que têm uma intervenção relacionada com o combate à droga e que não passam, portanto, apenas por esse Projecto, como é reconhecido.

Quanto à dotação orçamental para os centros de juventude, quando comparada com a do ano do passado no PIDDAC suscita-nos as maiores dúvidas. Enquanto para

1992 estavam inscritos 1 034 307 contos, na execução prevista para o próximo ano aparecem 561 558 contos. Estavam previstas 13 pousadas de juventude em 1992 e na execução prevista só se dá conta de três pousadas. Poder-se-á dizer que ao ter terminado a construção de algumas delas terão desaparecido do PIDDAC, mas não é o caso, na medida em que algumas das que estavam inscritas voltam a aparecer neste orçamento com verbas para o seu lançamento. Ficamos, pois, sem saber o que aconteceu às verbas que estavam previstas para um grande conjunto de pousadas de juventude, designadamente as de Braga Bragança, Castelo do Bode, litoral alentejano, Évora, Vila Real e Viana do Castelo. Pelos menos, as pousadas de Braga, Bragança, Évora e Vila Real estavam já inscritas no PIDDAC para 1992 e aparecem para 1993 ainda para lançar. Portanto, ficamos sem saber o que se fez em relação à verba que estava inscrita, já que há várias pousadas de juventude em relação às quais não se sabe nada.

Restam duas rubricas que crescem: a do associativismo juvenil e a do Fundo de Apoio à Iniciativa de Jovens Empresários. Creio que reside aqui, porventura, uma das grandes assimetrias deste orçamento para a área da juventude, que é a escassa expressão orçamental do apoio ao asso-

ciativismo quando confrontado com o resto do orçamento, e que é tanto mais significativa quando confontada com

as verbas que são postas à disposição do Fundo de Apoio

à Iniciativa de Jovens Empresários.

Como se sabe, este Fundo de Apoio, desde que existe, afectou algumas dezenas de jovens empresários, e muitos deles — dado que isso faz parte do regulamento do próprio programa — já dispunham de capitais próprios significativos para investir nos respectivos projectos, enquanto para as associações juvenis, que carecem de apoios, na medida em que têm estruturas essencialmente débeis, e que deveriam ser apoiadas pelo Estado e pelo Instituto da Juventude, é espantosa a escassez de verbas que são colocadas à sua disposição. Portanto, não deixa de haver aqui uma assimetria gritante.

Quanto ao célebre Ninho de Empresas, desde pequenino que ouço falar na sua inauguração na Região de Lisboa. E não estou a exagerar muito, é desde pequenino mesmo. Ainda o Ministro Couto dos Santos era Secretário de Estado da Juventude e já se falava da sua inauguração. Ainda bem que, finalmente, se inaugurou e que nos dias da minha vida pude assitir ao lançamento desse tal segundo Ninho de Empresas. Espantoso!... Há tantos anos que se fala nisso e ainda estamos a inaugurar hoje o segundo Ninho de Empresas. Esperemos que nos próximos anos possam vir a abrir mais, mas a manter-se o ritmo actual, provavelmente — estamos em 1992 — o terceiro abrirá em 2002!...

Relativamente à verba para o apoio ao associativismo, é referido este ano um aumento que passa de 918 000 contos para 1,052 milhões de contos. Mas não se refere, por exemplo, que em 1991 o apoio ao associativismo contou com 1 375 763 contos e que em 1990 contou com 1,296 milhões de contos. Repito: a preços de 1990, havia 1,296 milhões de contos para o apoio ao associativismo e para 1993 há apenas 1,052 milhões de contos.

Creio que isto é significativo e demonstra, de facto, como o apoio ao associativismo nunca foi uma prioridade do orçamento da área de juventude, ao contrário do que devia dado que perdeu peso significativo nos últimos anos. E o exemplo que dei da sua evolução desde 1991, em que chegou a atingir 1 375 763 contos, para 1993 é de facto significativo.

Gostaria de saber como são cumpridos os compromissos resultantes da aplicação da lei das associações de estudantes. Já no ano passado se reconhecia, inclusivamente, na exposição de motivos a esta Assembleia por parte do Governo, que isso seria muito difícil no quadro do Orçamento de 1992. É óbvio que será acrescidamente mais difícil no Orçamento de 1993, e no essencial tudo indica que a lei das associações de estudantes ficará por cumprir.

Quanto ao Conselho Nacional de Juventude continua com a mesma verba desde 1991, que, segundo creio, era de 12 000 contos. Esta verba foi a mesma em 1992 e a mesma será para 1993.

Devo dizer que iremos apresentar uma proposta de reforço da dotação para o Conselho Nacional de Juventude em mais 8000 contos, correspondendo àquilo que foi proposto em mensagem dirigida à Comissão Parlamentar de Juventude pela respectiva direcção, e que nos parece ser inteiramente justo.

Terminaria com a seguinte questão: poucos dias antes de iniciarmos a discussão do Orçamento do Estado, o Sr. Ministro Adjunto e o Sr. Secretário de Estado da Juventude vieram à respectiva Comissão falar da reestruração

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que iria ter lugar numa área da juventude. No entanto, verificámos que na proposta orçamental não existe qualquer referência a esse facto. Portanto, não se retira qualquer consequência do facto de previsivelmente poder haver uma reestruturação, segundo se disse, profunda, embora não fosse dito qual o grau de profundidade.

Portanto, a questão perante a qual estamos colocados é a seguinte: ou não vai haver reestruturação alguma, tendo o Govemo mudado de ideias, ou este orçamento não é verdadeiro, na medida em que, se vai haver uma reestruturação, terá de haver alterações de verbas em função dela. Assim sendo, a situação com que deparamos é de duas uma: ou este orçamento é verdadeiro e não há reestruturação, ou há reestruturação e, eventualmente, teremos de fazer depois uma reunião para sabermos como é que este orçamento se articula com a reestruturação que vier a ser feita.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.* Deputada Maria Julieta Sampaio.

A Sr." Maria Julieta Sampaio (PS): — Sr.' Secretária de Estado da Juventude, quero congratulá-la pelas suas novas funções no Govemo e desejar-lhe as maiores felicidades à frente da pasta da Juventude — ou seja, as maiores felicidades para os jovens portugueses —, para que tenha êxito no desempenho das suas funções.

A Sr.' Secretária de Estado iniciou a sua intervenção dizendo-nos que o orçamento da Secretaria de Estado da Juventude era um orçamento de rigor. Mas um orçamento de rigor para a juventude é um orçamento negativo, Sr.' Secretaria de Estado. É que um orçamento para a juventude deve ser um orçamento de investimento no futuro de Portugal. E quando um Govemo que sempre apostou na juventude e a usou demagogicamente em todas as campanhas eleitorais vem hoje, aqui, na altura em que estamos a integrar-nos plenamente na Europa, dizer que o orçamento da Secretaria de Estado da Juventude para 1993 è de rigor, isso não augura muito a favor daquilo que vai ser a política da juventude deste govemo, pelo menos para o ano de 1993.

Sectorialmente, gostaria de abordar algumas questões, começando pela do apoio ao associativismo. A Sr." Secretária de Estado anunciou-nos aqui um acréscimo de 14 %, mas isso é insuficiente. Desconhece, com certeza— e permita-me que o diga com esta clareza —, a situação em que se encontram as associações de estudantes, essencialmente no ensino secundário. O Sr. Deputado António Filipe já falou acerca disso, um pouco pela rama, mas gostaria de concretizar melhor essa questão. A maior parte das associações de estudantes do ensino secundário não funcionam — estão eleitas, mas, depois, não conseguem funcionar —, porque, não possuindo verbas, os programas que apresentam não são exequíveis. Os conselhos directivos dão-lhes o apoio que podem, que é insuficiente — porque também não têm verbas para esse efeito —, e a política que eles podiam desenvolver dentro das escolas, de apoio aos jovens, fica, desse modo, prejudicada. Como sabe, esse apoio é bastante importante, especialmente em alguns centos e algumas escolas, onde há problemas de uma certa gravidade. O certo é que esses jovens podiam ocupar muitos dos tempos livres em que não há actividades curriculares, mas os meios de que dispõem são insuficientes. Como sabe, Sr.' Secretaria de Estado, a simples elaboração de um jornalzinho informativo custa dinheiro e as jovens não têm dinheiro sequer para isso. Po-

demos constatar que, em quase todo o interior do nosso país, nomeadamente no nordeste transmontano, as associações de estudantes não funcionam — e contactei com muitas delas —, acabando até por se dissolver, o que leva os jovens a cair em descrédito em relação às suas próprias associações, porque não têm meios para desenvolverem as actividades com que se apresentaram ao seu eleitorado, aos seus colegas estudantes.

Uma outra questão que quero colocar diz respeito à formação profissional. A Sr." Secretária de Estado referiu-se--lhe, mas gostaria de fazer a seguinte pergunta: relativamente a esta formação profissional, existe alguma ligação com o Ministério da Educação e com o Ministério do Emprego e da Segurança Social? É que, como sabe, a rubrica «Formação profissional» aparece-nos no orçamento do Ministério da Educação e no do Ministério do Emprego e da Segurança Social. Gostaria de saber se há uma interligação entre estes três ministérios, por forma a obter um total aproveitamento destas dotações para a formação profissional, que considero, em termos de juventude, de primordial importância.

Por fim, quero colocar-lhe uma outra questão. Sr." Secretária de Estado, a maior parte das rubricas do orçamento da sua Secretaria de Estado apresentam decréscimos. De facto, em quase todas elas as verbas orçamentadas apresentam decréscimos, a não ser no que se refere ao apoio ao associativismo. Mas, aqui, duvido que este acréscimo seja suficiente para as lacunas existentes, que são realmente muito graves. A verba atribuída aos centros de juventude apresenta igualmente um acréscimo positivo, mas também não sei se será suficiente para colmatar as dificuldades existentes. Portanto, todo o orçamento apresenta decréscimos, alguns dos quais bastante substanciais. Perguntava-lhe o seguinte, Sr." Secretária de Estado: que política de juventude vai desenvolver com um orçamento destes para o ano de 1993?

Para finalizar, gostaria de saber qual é a opinião política de V. Ex." acerca da lei das propinas. Como Secretária de Estado da Juventude, decerto já a analisou e fez sobre ela um juízo político, que gostaria nos transmitisse.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sr. Presidente, Sr." Secretária de Estado, as minhas primeiras palavras são naturalmente para a felicitar por estar nesta Assembleia. Houve já algumas organizações que, maldosamente, lhe quiseram atribuir epítetos, que, com certeza dispensará. Quero, pela primeira vez na Assembleia, desejar-lhe muitas felicidades no desempenho do seu mandato e, sobretudo, congratular-me por, apesar de ter sido nomeada e empossada como Secretaria de Estado a meio da discussão de um orçamento do Estado, ter aceite, como devia — mas com a dificuldade que todos compreendemos —, vir a esta Comissão especializada defender a proposta de lei do Orçamento.

Em segundo lugar, quero dizer que, por parte da nossa bancada, existe, na área da juventude, a mesma disposição que relativamente a todo o Orçamento, ao contrário de outros partidos que entendem que toda a harmonização — como se passou, no ano passado, com a harmonização fiscal — e todo o rigor orçamental exigidos pela aproximação aos níveis comunitários têm muito tempo para serem executados. Contrariamente, julgamos que

está correcta a orientação do Governo de os desenvolvei

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tão cedo quanto possível, até porque o impacte sócio -eco-nómico dessa conjugação e dessa aproximação da economia real ao nível comunitário será tanto mais digerida pela sociedade portuguesa quanto mais cedo for encetada sem grandes custos.

Nessa medida, temos, também em relação à área da juventude, de proceder à análise deste orçamento da mesma forma que o fazemos relativamente a outras áreas. Isto é, em relação ao rigor e à contenção a que o Governo se obrigou nesta proposta de lei, devemos, em primeiro lugar, saber se, dentro do orçamento da Secretaria de Estado da Juventude, a promoção orçamental de determinadas áreas e a despromoção de outras corresponde, ou não, a algo de essencial da aposta política do Governo para o próximo ano.

Em primeiro lugar, relativamente ao apoio ao associativismo, parece-nos correcto que se tenha preferido privilegiar as despesas de investimento em detrimento das despesas correntes com subsídios. Naturalmente, não há uma fronteira muito nítida entre estas duas realidades, porque estamos a falar, como todos sabemos — e tanto o Governo como todos os grupos parlamentares têm consciência disto —, de valores bastante pequenos e, portanto, muitas vezes, para uma associação, seja ela de estudantes ou do RNAJ (Registo Nacional das Associações Juvenis), o valor do subsídio que recebe para funcionamento não é fabuloso mas tão-só o indispensável para esse fim. Parece-nos, por isso, importante que esse financiamento garantido pelo Estado não tenha decrescido. A questão é que não aumenta, sendo um financiamento que se mantém aos valores actualizados. Mas o importante é que o Governo tenha disponibilizado — como o Ministro Adjunto referiu, há algumas semanas, na Comissão de Juventude — maiores verbas para investimento, isto é, tenha posto à disposição

das associações, sejam de estudantes ou do RNAJ, meios para se equiparem e estruturarem de uma forma independente e autónoma. E esse é um reforço significativo, que nos parece ser de realçar, dentro dos valores a que nos estamos a referir na área da juventude.

Relativamente às associações de estudantes, quero apenas dizer que há uma explicação normal, que a Assembleia acompanhou, na evolução das verbas ao longo dos diversos orçamentos do Estado. É que a aprovação da lei das associações implicou naturalmente, durante os primeiros anos, um boom, uma explosão do número de associações legalizadas, que, por essa via passavam a dispor de um conjunto de financiamentos. Ora esse boom atingiu, até ao ano passado, bem mais de 80 % do número global de associações que existem ao nível dos ensinos superior e secundário. O que significa que, a partir do próximo ano, devemos entrar num período de estabilização do número de associações legalizadas. Não sei, porque não estou no Governo e porque a Assembleia ainda não analisou a Conta do Estado, se, relativamente ao ano passado, o número de associações que ficaram privadas desse apoio, por terem entretanto sido legalizadas, é, ou não, suficiente para aconselhar, este ano, a um reforço substancial de verba. Penso que não, na medida em que, durante o último ano, não tive conhecimento, do lado de cá do Governo — que não do lado da bancada do Governo —, de protestos significativos das associações de estudantes, por não terem recebido os seus subsídios normais. Ouvi, isso sim— e essa é uma questão que deverá fazer ponderar o Gover-no —, alguns protestos relativamente aos subsídios extraordinários que a lei consagra como podendo atingir o limite de 50 % da verba do subsídio ordinário. E, relativamente a

esses, não me pronuncio, por falta de informação — e é por isso que estamos aqui —, isto é, porque não tenho uma ideia fidedigna das despesas que o Governo, durante este último ano, não executou nesta área do apoio ao associativismo, ou seja, na dos apoios extraordinários às associações de estudantes. E, não dispondo desses elementos, não sei medir exactamente, nesta altura, o reforço que seria exigido para o próximo ano, ou se ele já está contemplado com esta proposta de lei.

Relativamente às outras áreas em que existe um reforço importante neste Orçamento do Estado, sobretudo ao nível do PIDDAC, quero destacar todos os projectos que têm a ver com os ninhos de empresas. Segundo a opinião de algumas organizações e de alguns partidos, esta é uma das áreas que, dentro de uma óptica liberal, o Estado deve descurar. Entendo que, nos últimos anos, se alguma explosão houve, em Portugal, que nos tomou um país único no seio da Comunidade nesta área, ela consubstanciou-se justamente no conjunto dos investimentos, na criação de novas empresas e no aparecimento de novos e jovens empresários, que só foi possível lançar exactamente com o apoio que o Estado disponibilizou. Essa experiência permitiu — como, aliás, o Governo já transmitiu a esta Câmara — encarar a possibilidade de reformular completamente o FAIJE (Fundo de Apoio às Iniciativas dos Jovens Empresários), por forma não só a ampliá-lo como a prever outras áreas de utilização, com grande destaque para as áreas de capital de risco, que é essencialmente, nesta altura, o que emperra a possibilidade de algumas empresas em áreas especiais, seja dos serviços ou da indústria, poderem florescer.

Era importante saber se o Governo perspectiva ou não a possibilidade de fomentar, com apoio em sociedades de capitais de risco, o surgimento de novas empresas, em novas áreas que o FAIJE não completava que permitam fazer aparecer, de forma discriminatória mas positiva um conjunto de novas empresas que venha rejuvenescer o nosso tecido empresarial e melhorar a competitividade externa da nossa indústria.

No que respeita ao CNJ, é público que a organização a que presido ainda durante este ano se desvinculou dessa associação, mas nunca entendeu prejudicar financeiramente o funcionamento do CNJ. Por outro lado, não é correcto, como disse o Sr. Deputado António Filipe, que, no ano passado, no Orçamento do Estado, as verbas atribuídas ao funcionamento do CNJ se tivessem mantido inalteradas; elas foram rigorosamente actualizadas, de acordo com a inflação prevista para o ano passado e é verdade que transmiti directamente ao presidente do CNJ a opinião de que, da parte do PSD, não haveria qualquer inviabilização dessa proposta.

O Sr. António Filipe (PCP): — É a fusão do partido com o Estado!

O Orador: — Gostaria de acrescentar, como também já tomámos público algumas vezes, que se o Governo entendesse ser necessário, num acto de pouco seaso, atribuir ao CNJ, como a qualquer outra associação de juventude, um orçamento de funcionamento que estivesse desregulado do seu funcionamento de actividade, então, nesse caso, diria que rejeito a perspectiva dos países nórdicos que preferem, pura e simplesmente, tratar as associações de uma forma paternalista dando-lhes muito dinheiro para fazerem turismo. Preferia que ao CNJ, como a todas as outras associações de juventude, fosse permitido, através

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dos diversos programas, multiplicar as suas actividades e potenciar melhor a sua acção.

Para concluir quanto às questões do investimento, creio, tanto quanto sei, que se torna urgente que o Governo tenha, embora muitas destas questões lhe sejam alheias, uma preocupação mais rigorosa quanto à execução do PIDDAC sempre que ele tenha a ver com protocolos estabelecidos com as autarquias locais.

O Sr. Deputado António Filipe fez-me recordar, nos exemplos que enunciou, que estaria previsto iniciarem-se algumas pousadas de juventude durante este ano, o que não aconteceu. Sei, a titulo individual, tal como muitos Deputados saberão, até pelo que se passa nas suas terras, que alguns desses casos acabaram por não ter culminado com o lançamento dessas pousadas — e falo concretamente do distrito de Vila Real — devido a um problema com o protoclo que foi estabelecido com a respectiva câmara.

Ora, assim sendo, o Governo não pode retirar das suas costas esta responsabilidade e, portanto, não deve haver a tendência para vir dizer que a aplicação dessas verbas não se concretizou por responsabilidade das autarquias locais.

Por estas razões, era importante que o Estado, quando disponibilizasse estas verbas no PIDDAC, pudesse também contar, desde logo, com algumas garantias de que, no futuro, elas se vêm a concretizar e que as obras serão lançadas.

Da nossa parte, existe todo o apoio para que este orçamento na área da Juventude, com as restrições que tem — e que, aliás, são comuns a todas as áreas do Governo—, nossa ser implementado e, sobretudo, bem executado.

Por outro lado, temos a expectativa de que a reestruturação, como alguns lhe chamam, dos serviços de juventude, tal como o ex-Ministro Adjunto e da Juventude informou a Comissão Parlamentar de Juventude, venha a permitir uma disponibilização francamente maior de todos os meios que estão, até esta data afectos a uma estrutura pesada e burocrática, por forma a poder Financiar actividades e programas. Mantemos esta expectativa e levá--la-emos até ao fim!

Sr.* Secretária de Estado, não se espante se, porventura, da parte da Juventude Socialista ouvir falar em algumas propostas de que tivemos algum conhecimento pelo mesmo jornal que o Deputado António José Seguro criticou por, no dia em que o ex-Ministro Adjunto e da Juventude veio à Assembleia apresentar genericamente o Orçamento do Estado, ter trazido um conjunto de informação que tornou a sua vinda à Assembleia dispensável... Aliás, julgo que a Sr.* Secretária de Estado já deve ter lido o Diário em questão e deve ter-se apercebido das propostas que a Juventude Socialista, através do Deputado António José Seguro, deverá apresentar.

Todavia gostaria de dizer que apoiaremos tudo aquilo que o Governo achar que não é demagógico e que não aumente as despesas — o que, devo dizer desde já, é muito louvável e quero saudar. Quer dizer, todas as propostas que, sem aumento da despesa, repito, venham a ser presentes por outros grupos parlamentares e que não inviabilizem o funcionamento quer dos serviços quer da área da juventude terão necessariamente o nosso apoio.

Em todo o caso, estamos certos de que o Govemo quando apresenta propostas de lei sabe aquilo que faz e quando apresenta uma proposta para a juventude pensou bem nas áreas em que era politicamente oportuno apostar, pelo que quero dizer-lhe que, da nos.sa parte, concordamos com es-

sas áreas e só esperamos que o Orçamento seja bem executado.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): — Srs. Deputados, Srs. Membros do Govemo: Registei a afirmação da Sr.* Secretária de Estado quando disse que as verbas deste orçamento crescem nas áreas de investimento em detrimento das contas correntes e também a do Sr. Deputado Luis Nobre quando traduziu isto dizendo que «o orçamento da juventude tem menos gordura e mais músculo».

Ora, creio que seria bom que isso ficasse claro, e presumo que no seu pensamento não estava nada que se parecesse com a expressão «um orçamento que traduz uma política musculada», pois é natural que os jovens não gostem de ouvir nada que se pareça com isto!...

Quanto à questão, aqui introduzida pelo Sr. Deputado António Filipe e também referida pelo Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, relativa às pousadas de juventude, gostaria de fazer uma ou duas perguntas à Sr." Secretária de Estado que se prendem com a problemática da definição da instalação ou construção de pousadas de juventude, onde e com que verbas.

Concretamente no distrito de Vila Real eu, como vereador e dirigente associativo, tive conhecimento de três hipóteses que nunca se concretizaram de instalação de uma pousada de juventude. Isto já vem desde 1982 a 1985 como vereador, desde então como dirigente associativo ligado a associações juvenis e ao movimento associativo do distrito e actualmente como Deputado.

Assim, houve três hipóteses em Vila Real para construir a pousada de juventude: a primeira, foi oferecida por um autarca do PSD, o presidente da Câmara de Alijó, que localizava essa pousada em Favaios, virada para o Douro; a segunda foi proporcionada por um autarca socialista que localizava a pousada no concelho de Montalegre para a rusticidade de Barroso e aproveitando as características e benefícios das albufeiras daquela zona; a terceira hipótese, proposta por um autarca do PSD, seria a localização da pousada na sede do distrito, Vila Real, onde já existe um centro de juventude, que até tem instalações que podem servir para esses fins. Será que foi aqui que o protocolo falhou? É natural que sim! De facto, estamos habituados a ver muitas promessas e poucas realizações!

Relativamente ao associativismo, gostaria de colocar um problema que reputo de muito importante: se vemos o associativismo, na sua forma de associação de jovens, muito ligado ao meio urbano, temos de convir que no meio rural o associativismo juvenil é misto, digamos assim. Isto é, numa aldeia não podemos pensar que possa surgir com muita naturalidade uma associação jovem, embora as haja, mas, sim, associações a que chamo mistas e que englobam pessoas menos jovens e jovens que têm alguma dificuldade em aceder aos apoios que a Secretaria de Estado da Juventude proporciona através do Instituto da Juventude.

Este é, a meu ver, um aspecto a rever e como a senhora é uma Secretária de Estado jovem, que começa agora a desempenhar essas funções, talvez pudesse encarar o assunto de forma diferente da encarada pelos anteriores secretários de Estado.

Falou-se também na autonomia e, se me permitem, gostaria de trazer para aqui um outro qualificativo: o da criatividade. Sabemos que se a criatividade é uma prerroga-

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tiva da pessoa humana, ela está patente, sobretudo e de forma explícita, nos jovens. No entanto, é também verdade que nem sempre os jovens têm, por parte das estuturas, o apoio de que necessitam para dar asas a essa sua criatividade.

Por isso, pergunto à Sr." Secretária de Estado por que razão as verbas para o apoio à criação jovem descem relativamente ao ano de 1992. É que conheço casos concretos de criatividade dos jovens virada, por exemplo, para os problemas do ambiente que fica truncada porque não tiveram o mínimo apoio das instituições.

Gostaria ainda de conhecer os programas que vão existir nesta área e de saber se vão continuar a realizar-se os encontros para o desenvolvimento.

Finalmente, deixo a seguinte pergunta à Sr.' Secretária de Estado: como pensa apoiar e incentivar os novos valores e com que dinheiro, porque, como sabe, sem meios não se pode pensar em iniciativas desta natureza.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira.

O Sr. Fernando Pereira (PSD): — Srs. Deputados, vim aqui com alguma expectativa e por isso é que me inscrevi depois de o Sr. Deputado António José Seguro ter usado da palavra, para saber se era verdade — e espero que seja — que o Sr. Deputado apresentaria aqui uma proposta global alternativa ao orçamento da Secretaria de Estado da Juventude. Se o fizer, quererei também intervir na tal segunda ronda; se não o fizer, ficará pelo menos registado que tal não aconteceu. E digo-o porque alguns órgãos fizeram eco dessa propositura por parte do Sr. Deputado António José Seguro — ele próprio o disse à comunicação social — e eu vinha com algumas expectativas, que manterei até ao final desta reunião.

Entretanto, relativamente a algumas considerações que aqui foram feitas, não posso esquecer que, como qualquer um de nós, sou Deputado da República mas que sou igualmente Deputado eleito por um círculo que, curiosamente, é o mesmo do Sr. Deputado e amigo António Martinho. Ora, este referiu aqui certas questões a propósito das pousadas de juventude, que, sem me querer substituir à Sr.3 Secretária de Estado, quero comentar, até porque também pertenci a associações constituídas maioritariamente por jovens — e presumo que o Sr. Deputado António Martinho, conhecendo a legislação para as associações que pertencem à RNAJ, sabe que, desde que 50 % da sua constituição seja maioritariamente jovem, também poderá fazer parte, colaborar e ser membro de pleno direito. Fui fundador e dirigente de algumas associações e estou ligado ao movimento associativo jovem, quer estudantil quer associativo, ao nível do distrito de Vila Real, e, como dizia quero testemunhar que o Sr. Deputado António Martinho referiu algumas questões que não são reais. Recordo-lhe, Sr. Deputado, que, em 1985, nem sequer existia ainda a Secretaria de Estado da Juventude, nem a APPJ — agora há a MOVIJOVEM — e certamente que o Sr. Deputado saberá quem era o delegado do FAOJ na altura. Alias, também o poderei informar que fui convidado para número dois de um distinto dirigente do PS. Finalmente, devo dizer que referi tudo isto porque não quero entrar aqui em questões de «partidarite».

O único protocolo que efectivamente existiu foi o celebrado entre a Câmara Municipal de Vila Real, a Secretaria de Estado da Juventude e o Sr. Ministro Adjunto e da Juventude que só não foi concretizado porque o terreno

em causa não seria o mesmo, teria encurtado, teria diminuído. É isto, pelo menos, que ficou registado no protocolo que na altura foi assinado e qualquer indivíduo, enquanto Deputado ou enquanto cidadão, o pode consultar na delegação regional do Instituto da Juventude. Pelo menos a mim facultaram-me esses dados e presumo que a V. Ex.* também o farão.

Portanto, uma vez que o terreno diminuiu colocava-se então a questão de a pousada ser lá construída ou no Monte da Forca que V. Ex.' naturalmente também sabe onde fica.

Ora entendo que construir aí a pousada seria, passe a expressão, um perfeito disparate. Efectivamente, a construção da pousada deveria ter arrancado em 1992, pois, embora a data referida no protocolo seja 1993, conseguiu--se antecipar, na altura com o empenhamento das forças vivas da terra, em que, penso, V, Ex.3 se incluirá, tendo, por consequência participado no processo, embora talvez não possa precisar as datas, pois está preocupado com outro tipo de questões e eu, provavelmente por uma questão de idade, tenho estado mais atento a esses dados. Mas não será daqui que vem o problema. O que quero é que a pousada de juventude de Vila Real fique no distrito — aliás o PIDDAC consagra salvo erro 17 000 contos para o respectivo arranque no próximo ano.

Relativamente às questões do Instituto da Juventude e dos apoios ao associativismo, quero, nesta primeira fase, perguntar à Sr.* Secretária de Estado, esperando a tal proposta alternativa que se afigurava — e devo dizer que acredito nos órgãos de comunicação social —, como é que as verbas vão ser geridas.

Não quero entrar na questão da extinção ou da não extinção do Instituto da Juventude— fiz essa discussão nas sedes que entendi apropriadas e estarei também disponível para a fazer na Assembleia da República desde que alguma força política apresente o problema—, porque entendo que não a devo trazer para aqui. De qualquer modo, para ir ao encontro das palavras do Deputado António Martinho, que disse ter conhecimento, nomeadamente na área do ambiente, de projectos de jovens que não tinham sido apoiados, gostaria de saber como é que esses dinheiros vão ser rentabilizados e que tipo de autonomia vão poder ter as delegações regionais do Instituto da Juventude. Queria, pois, saber se há já alguma previsão quanto a este aspecto, embora talvez eu esteja a sair um pouco do âmbito do Orçamento, mas penso que algumas das questões aqui em discussão só o poderão ser, em termos de mais ou menos verbas, se tivermos bem assente qual a filosofia subjacente àquilo que a Secretaria de Estado quer fazer. Todavia, gostaria fundamentalmente de saber que dinheiros e que autonomia vai haver.

É que penso ser incompleto estar apenas a referir se há mais ou menos verbas, porque, sinceramente, entendo que, nalguns casos, há dinheiro a mais que estraga o próprio movimento associativo e que outros casos haverá em que há projectos que não são apoiados. Por outro lado, uma vez que o Sr. Deputado António José Seguro vai falar a seguir, e porque, quando cá esteve o Sr. Secretário de Estado da Juventude e o Sr. Ministro, o Sr. Deputado também colocou esta questão, quero também perguntar à Sr." Secretária de Estado se há alguma hipótese de serem concedidas verbas às associações políticas de juventude.

Por outro lado, ainda hoje ouvi dizer na rádio que viria à Assembleia não a Sr." Secretária de Estado da Juventude, mas a Secretária de Estado da «JSD»! Ora, quero dizer à Sr." Secretária de Estado que me congratulo muito

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por V. Ex.ºter pertencido à organização a que ainda pertenço e dir-lhe-ia ainda — porque não a cumprimentei logo no início — que se deve sentir orgulhosa no bom sentido transmontano, visto existirem algumas pessoas que não conseguiram chegar ao seu nível e que tiveram de andar a exercer cargos de adjuntos, etc, a expensas daquilo que hoje criticam!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Sr." Secretaria de Estado, pensa V. Ex." fazer alguma coisa em relação às organizações partidárias de juventude, uma vez que estas são também organizações politicas, embora partidárias? Não sei se o Sr. Deputado António José Seguro irá fazer uma proposta desse género, mas, como da última vez insinuou que a faria, gostaria de fazer esta pergunta.

Devo dizer que coloquei todas estas questões por me ter sido dada a palavra antes da intervenção do Sr. Deputado António José Seguro.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, o Sr. Deputado António Filipe fez o aparte de que não deveríamos transformar o debate do Orçamento num debate sobre as questões de Trás-os-Montes!

Risos.

Ora, como identifiquei nesta Sala pelo menos seis Srs. Deputados — entre os quais me incluo — oriundos da região transmontana e presumo que haverá mais, lembraria aquela velha máxima do capitão Sarmento Pimentel, que dizia que nós não devemos dizer que somos transmontanos porque quem nos ouve pode não o ser e fica diminuído.

Risos.

Tem a palavra, para a última intervenção, o Sr. Deputado António José Seguro.

O Sr. António José Seguro (PS): — Sr. Presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano, Sr. Presidente da Comissão de Juventude, Sr." Secretária de Estado da «JSD»...

Vozes do PSD: — Muito deselegante!

O Orador: — ... devo dizer-lhe que a pessoa que está investida nessa função me merece todo o respeito. Nunca tive oportunidade de a conhecer pessoalmente, mas espero que compreenda que, dentro das regras e da conduta política há limites que não podem ser ultrapassados. Assim, a partir de hoje, sempre que tiver de me referir à Secretaria de Estado que tutela, chamar-lhe-ei assim, pois, na opinião da JS, ela é a Secretaria de Estado da «JSD». E gostava que o entendesse em termos rigorosamente políticos e não absolutamente em termos pessoais.

Em segundo lugar, gostaria de a cumprimentar, uma vez que a Sr." Secretária de Estado chegou aqui com uma postura séria porque foi objectiva na forma como explicou os números do orçamento da área da juventude. E merece um cumprimento especial porque, valorizando aquilo que naturalmente pode valorizar no orçamento da área da juventude, teve a coragem e a humildade política de, nas verbas que objectivamente descem, o ter dito claramente. Ora, quem, em política age desta fornia e pela primem vez

vem a esta Casa não pode deixar de merecer o aplauso daqueles que entendem que a política tem regras, tem ética e tem seriedade. Os meus agradecimentos, pois, e o meu reconhecimento pela postura que, sinceramente, homenageio.

Em terceiro lugar, a Sr." Secretária de Estado da «JSD» veio aqui dizer— o que para nós era óbvio— que não há política de juventude. E por que é que o disse? Porque, num esforço que tentou desenvolver, explicou aqui que o orçamento que tínhamos à nossa frente era um orçamento que decresce— decresce, em termos nominais, 9,64 % —, mas que havia outras verbas. E citou dois exemplos concretos: os subsídios de arrendamento para os jovens e as verbas para a formação profissional. Mas essas verbas também já existiam em anteriores orçamentos e, portanto, nada disso é novo. O que é novo é que, implicitamente, a Sr." Secretária de Estado tenha admitido que a Secretaria de Estado que tutela não é, obviamente, uma secretaria de Estado que tenha plenos poderes para ter uma determinada visão política e coordenar as diferentes políticas de juventude. E isto vem dar razão a que as funções da Secretaria de Estado — quer a anterior, que era da juventude, quer a nova, que é da JSD — sejam reduzidas à mera gestão política e à simples atribuição de subsídios. Gostaria que isto ficasse claro do ponto de vista político.

Quarta observação: em Outubro, o Sr. Ministro Adjunto e da Juventude e o Sr. Secretário de Estado da Juventude vieram aqui a esta Casa anunciar que haveria novas mudanças na área da juventude e vieram aqui falar-nos em estruturas. Vieram-nos dizer que tudo ia ser alterado. Aliás, aproveito para fazer um parêntesis — e certamente que a Sr." Secretária de Estado já terá sido informada sobre isso na preparação deste debate — e dizer que, quando o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado cá vieram, apareceu no jornal diário Público o anúncio da extínção do Instituto da Juventude. Nessa altura, tive oportunidade de questionar o Sr. Ministro, não sobre a legitimidade de ele poder publicar esse tipo de notícias, mas porque, em primeiro lugar, a notícia não estava identificada e era preciso saber se, de facto, o Sr. Ministro era responsável por essa declaração, e porque queria saber se era ou não verdade que ia ser extinto o Instituto da Juventude. 0 Sr. Ministro disse que ainda estavam a pensar — pelo que vejo vão continuar, o que não é um mal em si — como disse também ser alheio àquela fuga de informação.

Assim, Sr.° Secretária de Estado, neste caso concreto, gostaria de poder clarificar que a minha crítica não foi ao facto de ter sido publicada uma notícia num jomal — vivemos numa sociedade onde cada um tem o direito de se exprimir—, mas foi, objectivamente, quanto ao que estava em causa. E a substância do que estava em causa era uma indefinição quanto àquilo que poderia vir a surgir em matéria de Instituto da Juventude. Daí a razão de a notícia não vir devidamente identificada, ao contrário — como certamente reparou, tal como outros Srs. Deputados — de todas as informações que foram publicadas sobre a proposta alternativa ao orçamento da área da juventude a apresentar pela JS, que vêm claramente identificadas e, inclusivamente pela voz do seu líder, vem explicado quais vão ser essas alterações.

Quinta observação que me parece importante', na altura em que o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado da Juventude cá estiveram, quando nós perguntámos por políticas, falaram em estruturas e, no final, disseram: «Mas é precisamente isto que nós queremos, Sr. Deputado.» Ora, nós não vimos aqui faiar em estruturas, mas em políticas.

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Foi também dito na altura que «as estruturas são um meio importante para as políticas que queremos desenvolver», mas o facto é que não apresentaram nenhuma política alternativa, não apresentaram, sobretudo, nenhuma nova política nem nenhum programa— pelo contrario, diminuíram, como é sabido.

Hoje, num esforço apressado e de última da hora, tanto a Sr.' Secretaria de Estado da «JSD» como os Deputados da bancada que a sustenta vieram dizer «há um decréscimo, mas há um aumento no investimento». Mas, em que investimento?! É ridículo dizer que há um aumento no investimento do apoio ao associativismo, como se todo o «bolo» do apoio ao associativismo não fosse ele próprio um investimento! Há um investimento em quê?! Em cimento armado?! Há um investimento nos centros de juventude?! Ao serviço de quem?! Quantos jovens podem participar de facto e utilizar os centros de juventude que existem?! Devo dizer que, ainda há bem pouco tempo em Santarém, o delegado do Instituto da Juventude arrendava a 50 contos a sala do centro de juventude porque não linha capacidade para poder pôr aquilo ao serviço das associações — tive a oportunidade de o denunciar na altura, não sei se a situação continua ou não a manter-se, penso que não, mas, de qualquer forma, esse é um ponto que me parece importante.

Isto para explicar, com alguns exemplos, que efectivamente não há uma política de juventude, que não há uma perspectiva e que não há coordenação das diferentes políticas sectoriais, havendo em cada Ministério a necessidade de ter uns «dinheirinhos» para o govemo do PSD acenar e dizer que está muito preocupado com os jovens — como fizeram hoje, com grande show off na inauguração dos ninhos de empresas! A Sr.' Secretária de Estado sabe por acaso que este ninho de empresas tinha lá dentro

tudo há mais de, salvo erro, um ano e meio — o que foi aqui constatado pelo Ministro Adjunto e da Juventude — e só hoje foi inaugurado?! E, por coincidência no dia em que a Sr." Secretária de Estado cá vem!

De facto, há uma série de coincidências, mas como o importante é aquilo que se faz, também saúdo a abertura do ninho de empresas e fico à espera que, em 1993, os ninhos de empresas em Coimbra e em Faro possam funcionar. Gostaria de saber como é que vai ser essa gestão e quem é que participa nela e de que forma.

Tal como gostaria de saber quais vão ser as verbas para a MOVIJOVEM e por que é que elas não estão referidas na área da juventude. Onde estão contabilizadas as despesas com as casas da cultura, pois não vêm mencionadas em nenhuma área das que aqui apresentou? Como vai funcionar a fundação da juventude e quais as verbas que lhe vão dar origem? E a fundação das novas tecnologias? É que não percebi muito bem.

Por outro lado, o Sr. Secretário de Estado da Juventude e, agora, a Sr." Secretária de Estado da «JSD» vieram aqui dizer que o Programa Inforjovem não tem absolutamente nenhumas dotações. Gostava que acompanhasse o meu raciocínio, porque no orçamento privativo do Instituto da Juventude, na rubrica «Ciência e tecnologia», estão orçamentados 130 500 contos, precisamente para o Programa Inforjovem. Então, em que ficamos? Há ou não dinheiro? E de que forma?

Sr.' Secretaria de Estado, nesta minha primeira intervenção de hoje, gostava.de lhe colocar só mais uma simples questão. No Orçamento do Estado para 1991, tal como aconteceu em 1992, constam dois tipos de agrupamentos, num dos quais está previsto o orçamento corrente e os

planos de investimento, como subtotal, e noutro o Gabinete da Secretária de Estado da Juventude, o Gabinete do Serviço Cívico dos Objectores de Consciência e, este ano,

também o Projecto Vida — e todos percebemos a razão

pela qual o Projecto Vida está previsto, ou seja, para inflacionar o orçamento da área da juventude.

Como é normal, no Orçamento do Estado para 1991, o subtotal, ou seja as verbas correspondentes ao orçamento corrente, ao PIDDAC, ao PIDR e ao PRODIATEC coincidiam com o total das verbas de dotações para actividades. Aliás, isto é lógico, porque não se podem financiar as actividades com dinheiros da Secretaria de Estado, caso contrário ela deixaria de pagar ao seu próprio pessoal e ao Gabinete do Serviço Cívico dos Objectores de Consciência.

No entanto, este ano, fizeram uma «malandrice», pois como sabiam que tinham pouco dinheiro não foram a essa verba. A Sr.* Secretária de Estado há-de reparar que essa verba é de 7 470 700 milhões de contos e a verba total das dotações para actividades para 1993 é de 8 169 182 milhões de contos, ou seja, corresponde ao total do orçamento para a área da juventude. Ora, isto significa que todas as verbas para actividades descem, pois o que fizeram foi um truque contabilístico que mostrasse haver alguns aumentos.

Para terminar, como acredito que a Sr.* Secretária de Estado da «JSD» veio aqui com uma postura séria e humilde para reconhecer estas matérias, gostava que, com a mesma postura, reconhecesse se isto é ou não verdade e, caso não seja que explicasse porquê, a fim de me sentir devidamente elucidado.

O Sr. Presidente: — Antes de dar a palavra à Sr." Secretária de Estado da Juventude, queria fazer um comentário e, seguidamente, um apelo aos Srs. Deputados no sentido da orientação dos trabalhos.

Em primeiro lugar, devo dizer que estamos a ouvir a Sr." Secretária de Estado da Juventude pois é nessa qualidade que aqui está. O Sr. Deputado António José Seguro referiu-se, várias vezes, à Sr.* Secretária de Estado, como sendo a Secretária de Estado da «JSD». Percebo-o perfeitamente, até porque foi suficientemente cuidadoso quando tentou explicar o significado político da expressão que usava.

De qualquer modo, proponho a seguinte contratua-lização: a partir deste momento os Srs. Deputados passarão a referir-se à Sr." Secretária de Estado, tout-cour, sem mais nada ou seja sem dizer «Juventude» ou «JSD», para que não se verifique esta carga negativa.

Todos percebemos o que o Sr. Deputado quis dizer, do ponto de vista político, quando se referiu, pela fornia como o fez, à Sr.* Secretária de Estado, mas não há dúvida de que quem aqui está, institucionalmente, é a Sr." Secretária de Estado da Juventude, membro do Govemo, e é nessa qualidade que a estamos a ouvir.

Em segundo lugar, quero dizer que a Sr.* Secretária de Estado tem já um amplo conjunto de questões para intervir no debate, mas presumo que vamos ter necessidade de fazer uma segunda ronda.

Assim, para orientação dos trabalhos e porque temos de fixar uma hora limite, peço-vos para me fazerem um sinal logo que estejam em condições de se inscreverem,

pois não podemos ir para além da 1 hora e 30 minutos. Por outro lado, solicito ainda que sejam mais objectivos na segunda intervenção.

Tem a palavra a Sr." Secretária de Estado.

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A Sr.° Secretária de Estado da Juventude: — Sr. Presidente, tomo a liberdade de pegar nas suas últimas palavras, relativas aos epítetos com que o Sr. Deputado António José Seguro se referiu à minha pessoa apesar do cuidado que teve em separar o plano pessoal do plano

político, para dizer que, efectivamente, a minha presença aqui será sempre institucional e, para todos os efeitos, serei sempre Secretária de Estado da Juventude e nunca Secretária de Estado da «JSD».

Tenho muito orgulho, como disse o Sr. Deputado Fernando Pereira, daquele que foi o meu berço político. Todavia informo-o de que me desliguei da Juventude So-cial-Democrata, por força das funções que agora assumi.

Nunca negarei, em circunstância alguma que tenho muito orgulho em ter pertencido, desde o início, à JSD e também nunca negarei o muito que lá aprendi; os princípios que defendi na JSD continuarão sempre, com certeza a nortear a minha conduta enquanto Secretária de Estado, porque são também os que o partido do Governo defende.

De todo o modo, agradeço-lhe a separação entre o plano pessoal e o plano políüco, mas permito-me sublinhar que, de facto, essa distinção não tem cabimento, porque sou só Secretária de Estado da Juventude.

O Sr. Deputado António José Seguro disse que apresentaria uma proposta de Orçamento do Estado para 1993 — costumo ler jornais e hoje, de facto, li-os —, pelo que aguardava com grande expectativa, a sua proposta alternativa de orçamento para a área da juventude. Suponho que está a reservar-se para um segunda ronda, embora eu esperasse que, já na primeira, nos brindasse com sugestões que são verdadeiros milagres, porque num orçamento com o mesmo valor global permitiriam o crescimento reforçadíssimo de algumas rubricas importantes. Fico a aguardar, pode ser que até ao fim do debate o Sr. Deputado nos dê a honra de apresentar a sua proposta alternativa e possamos sobre ela reflecür.

Naturalmente, não quero deixar de responder às questões que foram suscitadas neste debate, que íói bastante vivo. Aliás, congratulo-me, porque houve, de facto, variadíssimas intervenções abordando questões genéricas ou de pormenor, às quais não me furtarei de responder, e que contrastam com a parcimônia da minha intervenção inicial. Agradeço igualmente ao Sr. Deputado António José Seguro que a tenha considerado séria e humilde, porque é essa a minha postura na política — seriedade e humildade.

Uma das questões que foi uniformemente suscitada por todos foi a da extinção do Instituto da Juventude, a repercussão que ela pode ter em termos orçamentais e, afinal, o esclarecimento sobre se vai ou não haver extínção, quando, como e porquê.

Em relação a esta matéria o Sr. Deputado António José Seguro teve a amabilidade de me recordar o facto, que eu já conhecia, de que o Sr. Ministro Adjunto e o Sr. Secretário de Estado da Juventude ao referirem esta matéria em sede de Comissão de Juventude, anunciaram que, em breve, iria ocorrer uma reformulação e uma reestruturação profunda do Insütuto da Juventude.

Estou em condições de reafirmá-lo e posso dizer-lhe que o objectivo primacial dessa reformulação não é a libertação de verbas, mas é muito provável que tal venha a acontecer, pelo que juntaremos o útil ao agradável. Se assim for, não só conseguiremos, a um tempo, desburocratizar o Instituto da Juventude, torná-lo mais eficaz e aproximá-lo mais dos seus destinatários, como conseguiremos também, muito provavelmente, aligeirar os custos da sua estrutura e os custos do seu funcionamento e disponibilizar algum

dinheiro para reforçar rubricas orçamentais que tenham mais repercussão directa no tecido associativo juvenil ou noutras actividades destinadas aos jovens.

Devo dizer que é absolutamente prematuro adiantar qual será o figurino da estrutura que o Governo vai anunciar,

pois isso criaria forte instabilidade no âmbito do Instituto da Juventude e é desmobilizador e desincentivador da capacidade de trabalho das estruturas que existem, e que prezamos e consideramos.

O que é importante ter em conta é que o Governo considera que deve reformular as suas estruturas e os seus organismos, sempre que se impõe tomá-los mais eficazes, menos burocráticos e menos onerosos e sempre que se impõe garantir os objectivos para que foram criados. O Governo teve consciência de que era necessário introduzir algumas melhorias no Instituto da Juventude e vai fazê-lo, seguramente, a tempo de o Sr. Deputado António José Seguro e todos os outros Deputados o saberem.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Oradora: — Quase todas as bancadas se referiram também à dotação orçamental para o associativismo. Desde o início, disse que essa dotação cresce, em valores absolutos, 84 000 contos relativamente à proposta do ano passado — incluindo, portanto, o orçamento de investimentos —, mas não tenho qualquer dificuldade em reconhecer que as dotações para apoio ao associativismo são quase sempre iasuficientes.

De todo o modo, se eu dispusesse de mais dinheiro, não teria dificuldade em aplicá-lo, pois o tecido associativo juvenil está suficientemente vitalizado, tem suficiente capacidade de iniciativa e, por isso mesmo, tem, com certeza, projectos que merecerão ser apoiados. No entanto, trata--se de uma questão quase estrutural, pelo que, por muito dinheiro que tenhamos à nossa disposição, teremos sempre mais projectos e mais iniciativas do que podemos financiar.

Assim, se da parte da JSD, da JS ou do PCP, houver propostas e iniciativas no sentido de reforçar esta dotação orçamental, e são propostas que estão no âmbito das competências de que dispõem, elas permitirão reforçar meios que, por natureza e por essência são quase sempre limitados.

Em todo o caso, sublinho que, com o crescimento nominal e real da dotação para o associativismo juvenil, conseguiremos dar cobertura aos pedidos que as associações do RNAJ ou as associações de estudantes venham a apresentar, no quadro legal definido.

Estou convencida de que, na linha do que já vem sendo praticado, não deixaremos por satisfazer um número maior de pedidos e, designadamente, nunca deixaremos de cumprir as nossas obrigações em termos de apoios ordinários às associações de estudantes, porque elas estão garantidas e cobertas pelo orçamento que apresentámos.

Ao nível dos subsídios extraordinários, como referiu o Deputado Pedro Passos Coelho, se dispusermos de mais dinheiro — porque, como disse, as iniciativas e os projectos serão muitos —, podemos dar satisfação mais eficaz e mais plena às solicitações que forem sendo feitas.

Relativamente ao Gabinete do Serviço Cívico dos Objectores de Consciência e esta questão também foi abordada por quase todas as bancadas, referi inicialmente que o crescimento registado no Orçamento visa permitir dotar as estruturas criadas com a nova lei de meios para dar satisfação às competências que lhe foram atribuídas. Trata-se

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de um crescimento dimensionado, que não está nem subestimado, nem sobrestimado, que é equilibrado e razoável e

permitirá, com eficácia e racionalidade de meios, dar resposta atempada aos processos pendentes, que têm hoje uma nova forma de resolução.

No que respeita às críticas mais gerais que foram feitas e, em particular, à conclusão que o Sr. Deputado António José Seguro extrai de que, nesta proposta de Orçamento do Estado para 1993, não há uma políüca de juventude, quero fazer algumas considerações.

Em primeiro lugar, a humildade com que apodou a minha intervenção e a seriedade com que a rotulou não representam, de forma alguma, e nunca poderiam representar, que assumo não haver uma políüca de juventude neste orçamento. Aliás, o Sr. Deputado está muito enganado, pois há uma políüca de juventude no Orçamento, realizada com as dotações orçamentais que constam desta proposta e com as que estão incritas noutros ministérios.

O Governo tem defendido, sempre, que a política de juventude é global e integrada, o que significa que temos não só os meios financeiros que constam da proposta que os Srs. Deputados apreciaram já, em sede de Comissão de Juventude e discutiram hoje, aqui, com vivacidade e interesse, mas, também, as verbas inscritas em orçamentos de outros ministérios.

Nunca nos demitiremos de gerir com rigor, cuidado e transparência — e em função dos objectivos que delimitámos para esta nossa política global e integrada de juventude — aquelas dotações orçamentais, como nunca deixaremos de exercer o nosso papel coordenador de políticas, que são prosseguidas primordialmente através de outros departamentos governamentais, no sentido de fazer uma boa aplicação dos dinheiros que, também no seu âmbito, estão inscritos no Orçamento. Aliás, posso sublinhar que casos paradigmáticos desta coordenação interdepartamental são os incentivos ao arrendamento jovem e à formação profissional. Daí que a Sr." Deputada Maria Julieta Sampaio tenha registado um decréscimo nas dotações inscritas no orçamento do Instituto da Juventude para a formação profissional.

Como é, seguramente, do seu conhecimento, a área da formação profissional é primacialmente seguida pelo Ministério do Emprego e da Segurança Social através de programas diversos, designadamente os programas operacionais. A área da juventude, através da Secretaria de Estado da Juventude e do Gabinete do Sr. Ministro Adjunto, não deixará de exercer o seu papel coordenadora para retirar dividendos, para a juventude portuguesa, desta aplicação das verbas para a formação profissional, que estão sob a tutela directa do Ministério do Emprego e da Segurança Social.

A coordenação de políticas é, no fundo, o cerne da nossa intervenção. Penso que de pouco serviria termos um manancial de dinheiro inscrito neste orçamento, fosse para o associativismo, fosse para as pousadas de juventude, se não exercêssemos esta nossa competência, este nosso papel interventor noutros departamentos governamentais. Se assim não o fizéssemos, acabaríamos por cair, lamentavelmente, na política do financiamento directo e mesquinho a pequenas actividades ou na política do subsídio, que todos rejeitam— os jovens, os partidos e a sua juventude. Penso que há consenso nesta matéria e, mesmo, unanimidade. Não pode ser assacada ao Govemo a responsabilidade de algo que sempre tem repudiado e contra o que sempre tem lutado vivamente.

Ao Sr. Deputado António Filipe, a quem agradeço, particularmente, as palavras de bom acolhimento e de boas-

-vtndas que me dispensou, quero dizer-lhe que pousadas de juventude e centros de juventude não são bem a mesma coisa. Ou eu percebi mal ou, então, não fui capaz de alcançar o sentido das suas palavras. É que centros de juventude e pousadas de juventude são coisas diversas e estão, aliás, inscritas em rubricas diferentes do orçamento. Os centros de juventude beneficiam de dotações no orçamento corrente, enquanto as pousadas de juventude estão apenas inscritas no orçamento de investimentos.

O Sr. António Filipe (PCP): — Dá-me licença que a interrompa?

A Oradora: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.' Secretária de Estado, admito que possa ter havido algum lapsus linguae da minha parte, mas eu apenas queria referir-me às pousadas.

A Oradora: — Então, em relação às pousadas, posso dizer-lhe que as taxas de execução do orçamento do PIDDAC estão, neste momento, bastante avançadas, são da ordem dos 72 %, e é possível que, até ao fim do ano, ainda possam transitar alguns saldos.

Daí que pousadas que já estavam inscritas no orçamento de 1992 continuem programadas para inaugurar no ano de 1993. A taxa de execução do programa de investimentos é bastante elevada e penso que, até ao final do ano, faremos ainda alguns avanços consideráveis. Todavia essa é também uma das áreas a que não deixaremos de dispensar particular atenção. E-siou convencida de que, para além do cuidado que teremos de ter na escolha e no critério de localização das pousadas, na constituição de uma rede harmoniosa e eficaz de pousadas de juventude — até para evitar problemas como aqueles que aparentemente existem em Vila Real, em que foi difícil encontrar um sítio adequado—, essa é uma das questões a que temos de dar bastante atenção. Temos de ser criteriosos na definição de critérios de implantação das pousadas e encontrar formas mais eficazes e modernas de rentabilizar as infra-estruturas que se encontram espalhadas por todo o País e que, este ano, terá ainda uma rede mais alargada.

A reformulação do programa Apoio a Iniciativas de Jovens Empresários. Esta é uma das rubricas que recebe uma dotação orçamental bastante acentuada, o que tem todo o sentido. Em primeiro lugar, porque é daquelas que está visto, é fácil de ver, «dá mais asas à liberdade», como disse o Sr. Deputado António Martinho, à capacidade de criar e de inovar, de que a juventude se arroga e que, efectivamente, tem. De facto, não há nada melhor do que permitir a quem tem capacidade de inovar, criar e repercutir no tecido empresarial alguma capacidade dinâmica do que dotá-la dos meios financeiros para que possa dar passos seguros, não só na satisfação dos seus anseios como também na renovação do tecido empresarial português.

E pode crer que o facto de se ter inaugurado, hoje, um Ninho de Empresa não foi nenhuma cabala não foi nada montado. Levou algum tempo, mas posso garantir-lhe que não foi nenhum programa agendado para que eu, de manhã, estivesse em Algés e, à noite, aqui a anunciar que foi inaugurado o Ninho de Empresa de Algés. Foi uma mera coincidência, feliz para todos nós, até para si,

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Sr. Deputado, que reconheceu que, apesar da demora, se inaugurou e felicitava por isso.

Uma das questões suscitada pelos Srs. Deputados António Filipe e António José Seguro foi a da dotação orçamental para o Conselho Nacional de Juventude, que, de facto, tem mantido um valor nominal constante nos

úftímos (rês anos. As evidencias não se negam! Agora, o

que seguramente esta dotação permitirá é responder as exigências que o próprio Conselho Nacional de Juventude tem ao nível do seu funcionamento. A Secretaria de Estado da Juventude manifestou, no passado — e, pela minha boca, manifesta hoje —, que não deixará de estar disponível e aberta para apoiar, em projectos específicos, o Conselho Nacional de Juventude sempre que esses projectos sejam viáveis, interessantes e reflictam, no espectro da juventude portuguesa, algum interesse e alguma consequência em termos de utilidade, de benefício. Não estarei a mentir se disser que, para além destes 12 000 contos, que são a dotação do Conselho Nacional de Juventude, haverá sempre, da nossa parte, acolhimento aos bons projectos que este Conselho nos possa apresentar em termos de actividades com impacte no meio juvenil.

Ao Sr. Deputado António José Seguro gostaria de dizer que os 380 000 contos inscritos no orçamento para o Projecto Vida têm paralelo apenas nos 175 000 contos que, ao nível da prevenção primária, se encontravam inscritos no orçamento de 1992. Portanto, não é verdade que tenham sido aqui concentratadas as verbas que estavam dispersas pelos ouUos Ministérios. Continua a estar inscrita no orçamento do Ministério da Justiça uma dotação orçamental para o combate ao tráfico e conünua a estar inscrita no Ministério da Saúde, ao nível dos cuidados de saúde básicos, uma dotação para este efeito. Este é verdadeiramente um crescimento absoluto e objectivo da dotação para o Projecto Vida. Não há aqui nenhuma operação de maquilhagem contabilísüca, não há nenhuma manobra de contabilidade orçamental que tenha servido para de-monstar que ele cresceu ou diminuiu, que deixou ou que passou a haver transferências. Os números falam por si, eu fiz uma apresentação objectiva deles, todos os Srs. Deputados se pronunciaram e só o Sr. Deputado António José Seguro é que conseguiu descobrir aqui uma operação de maquilhagem, que eu não consigo encontrar.

O Sr. António José Seguro (PS): — Como é que vai pagar aos seus funcionários?

A Oradora: — Eu vou pagar aos meus funcionários com a dotação que está inscrita no Gabinete do Sr. Secretário de Estado e que é uma verba de 113 673 contos, naturalmente a preços de 1992, porque, como sabe, esta inscrição ê feita a preços do ano e os aumentos de ordenados estão no capítulo 60, que é a que responderá ao aumento que vier a ser fixado para a função pública. É daqui que vou pagar aos funcionários do Gabinete.

Queria ainda acrescentar que não só os números não estão manipulados nesta proposta de lei que o Governo submeteu à Assembleia da República como não fiz aqui uma análise manipuladora. Efectivamente, há um investimento muito grande, o PLDDAC cresceu na área da juventude 35 %, a par de um crescimento médio, nos outros ministérios, de 15 %. Isto representa um esforço grande por parte do Governo, mas também uma resposta directa àquilo que tem sido manifestado por parte das associações juvenis, dos jovens criadores, das próprias estruturas do Instituto da Juventude. O que é necessário é

disponibilizar verbas do orçamento corrente para acudir e responder aos programas que estão em curso e, sobretudo, dotar de meios e de estruturas o tecido associativo, o Instituto da Juventude, uma rede de pousadas da juventude e os centros de juventude. O Sr. Deputado António Martinho perguntou como é

que nós vamos apoiar as iniciaüvas criativas dos jovens,

se a dotação para apoio à criação jovem desce cerca de 25 000 contos. Devo dizer-lhe que, na minha concepção e na do Governo, a criatividade dos jovens não se revela apenas nos programas específicos de criação jovem, naqueles que dominámos de apoio à criação jovem. A criatividade da juventude revela-se em todos os sectores em que ela intervém. Portanto, esta é uma dotação para apoio a programas específicos, de inovação e de criatividade, mas todas as outras dotações em que se encontram previstos programas, designadamente o Apoio a Iniciativas de Jovens Empresários, contemplam directamente a contrapartida do Estado à capacidade inovadora e criativa da juventude portuguesa.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, tem sido colocada a questão de saber como e até quando é que as propostas de alteração devem e podem ser apresentadas. A prática seguida, desde há muitos anos, tem sido a de todas as propostas de alteração orçamental serem apresentadas até à hora da respectiva votação.

Com isto, não estou a incentivar o Sr. Deputado António José Seguro a só fazer a apresentação do tal famoso plano de orçamento alternativo, do qual tomámos conhecimento através da comunicação social, nessa altura, pois, se quiser, pode fazê-lo agora. Mas, repito, as propostas podem ser apresentadas até à altura da votação.

Informo também que as votações realizar-se-ão no âmbito desta Comissão nos dias 11 e 14. Seria fastidioso estar aqui a referir taxativamente quais as matérias que especificamente vão ser votadas na Comissão, mas creio que os Srs. Deputados têm uma ideia geral sobre isso.

Também há sempre a possibilidade de fazer requerimentos de avocação para o Plenário de deteminadas matérias de incidência fiscal.

Depois, teremos as votações em Plenário, nomeadamente as respeitantes a empréstimos, criação de novos impostos e autorizações legislativas, nos dias 15 e 16 do corrente mês.

Portanto, até ao momento da votação podem ser apresentadas propostas de alteração, mas não recomendaria muito que o fizessem, na medida em que, como os Srs. Deputados sabem, toma-se extremamente difícil seriar essas propostas e organizá-las. Se puder ser feito um esforço no sentido de as propostas entrarem mais cedo, seria óptimo para uma melhor organização dos trabalhos.

Estão inscritos os Srs. Deputados José Reis, António Filipe e Maria Julieta Sampaio, a quem vou pedir que sejam muito breves.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Reis.

O Sr. José Reis (PS): — Sr." Secretária de Estado, tenho 45 anos e nunca pertenci a qualquer organização da juventude, mas devo dizer-lhe que é uma tristeza assistir a coisas que ouvi, porque, como já reparou, esta juventude está demasiada «aninhada» no Poder, já que estamos a lalar em «ninhos»!...

Por outro lado, a Sr." Secretária de Estado, que ainda há nove meses era tão rebelde, que participou num congresso onde apresentou propostas tão avançadas, passado

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esse tempo, vem aqui com uma ideia diferente sobre o Instituto da Juventude. Agora, no Poder, é natural que tenha modificado, mas gostaria que me explicasse quais

as razões por que mudou de ideias. Apesar de ter de ir para Setúbal, ainda estou aqui para ouvir a explicação, porque na altura, como responsável político na zona, isso criou um certo burburinho.

Também estranhei que a Sr." Secretária de Estado, recém-chegada a esse lugar, não tenha tido, durante este debate, um único momento em que dissesse: «Neste capítulo, este programa tem carências. Isto está mal, esta coisa devia ser melhor, etc.». Não encontrou qualquer defeito, está tudo bem, as verbas são suficientes, tudo decorre sobre rodas, está tudo uma maravilha!... Não ouvi qualquer queixa da sua parte.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.* Secretária de Estado, tenho comigo a proposta de lei do Orçamento do Estado para 1992, que, relativamente à verba de 365 000 contos para as associações de estudantes, refere o seguinte: «Importa realçar que o montante afecto às associações de estudantes, que regista, por razões de rigor orçamental decorrente do programa Q2, um aumento de 4,3 % em relação a 1991, necessita de um reforço substancial para dar cumprimento à Lei n.° 33/87, de 11 de Julho, que é a lei das associações de estudantes, aprovada por unanimidade na Assembleia da República». No ano passado, reconhecia-se que as verbas existentes precisariam de um reforço substancial para dar cumprimento à Lei n.° 33/87 e este ano, com um aumento de 20 000 contos, ou seja, passando de 365 000 para 385 000 contos, a Sr." Secretária de Estado já está em condições de vir aqui dizer que a lei das associações de estudantes será cumprida.

Como sei que as associações de estudantes não diminuíram em número, provavelmente o Govemo estará a preparar-se para apoiar menos as associações de estudantes, considerando, no entando, que assim está a cumprir a lei, o que não acontecia no ano passado. É importante registar este facto.

Ainda relativamente ao apoio ao associativismo, a Sr." Secretária de Estado disse, por diversas vezes, que há sempre mais iniciativas para apoiar, assim houvesse dinheiro— e é um facto, que todos conhecemos, que o associativismo juvenil tem criatividade e capacidade para fazer mais, caso seja apoiado—, e que, se dispusesse de mais dinheiro, apoiaria mais. Isso já nós sabemos, Sr." Secretária de Estado.

Agora, o que acontece é que estamos aqui a discutir a proposta de lei do Orçamento do Estado para 1993 e pretendemos saber até que ponto é que o Govemo se propõe apoiar. Por isso, estamos, precisamente, a criticar o facto de o Governo se propor apoiar pouco e, ao invés, apresentar verbas que eu não chamaria avultadas, porque sei que estamos a falar de uma área com pouco peso orçamental. Porém, dentro da estrutura desta área verifica-se que há um investimento muito mais significativo na manutenção do aparelho de Estado dirigido à juventude do que propriamente para apoiar o activismo e a acção criativa da juventude.

Esse é o que me parece ser o elemento mais significativo, quer desta proposta de Orçamento quer da de anos anteriores. Isto é um facto que tenho criticado nos últimos anos.

Por último, a Sr." Secretária de Estado disse que apoiará os projectos concretos do Conselho Nacional de Juventude

se esses projectos forem bons e se forem de apoiar. Ora bem, aqui está um princípio terrível que é o de o Governo apoiar as acções do associativismo juvenil se estiver de acordo com elas. É um princípio que não podemos aceitar, porque é o mesmo que o Sr. Secretário de Estado da Cultura chegar aqui e dizer: «Apoio a produção literária, desde que tenha lido os livros e goste deles.» Isto é absolutamente inaceitável! Aliás, é uma atitude que, a ser levada à prática é limitadora e, direi mesmo, censória da actividade do associativismo juvenil. Isto é, o Governo não apoia se entender que os projectos não são bons.

Ora bem, o Conselho Nacional de Juventude, tal como qualquer associação juvenil, tem os seus órgãos idóneos, tem os jovens que suportam as suas actividades e, evidentemente, devemos dar aos jovens o direito de decidirem sobre as actividades que pretendam levar à prática.

As associações juvenis portuguesas têm dado mostras de grande idoneidade cívica e, por isso, creio que não há govemo que possa ter dado por mal empregue o dinheiro que lhes concedeu. As associações juvenis são credoras do apoio do Estado, não são entidades a que o Governo deva, por benemerência ou por critérios político-partidarios, apoiar apenas quando entende.

Era esta a nota crítica que queria deixar relativamente ao Orçamento do Estado e ao entendimento que o Govemo faz da forma como pretende aplicar as verbas para apoiar o associativismo juvenil.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr." Deputada Maria Julieta Sampaio, não se esquecendo que solicitei brevidade.

A Sr.* Maria Julieta Sampaio (PS): — Sr. Presidente, vou ser muito breve.

Só quero solicitar à Sr." Secretária de Estado da Juventude que me responda à questão que levantei há pouco sobre o parecer político que tem acerca da Lei das Propinas, uma vez que esta envolve a juventude portuguesa.

O Sr. Presidente: — De facto, a Sr." Deputada não podia ser mais rápida.

Estão ainda inscritos os Srs. Deputados António José Seguro e Pedro Passos Coelho. Após estas intervenções, considero encerradas as inscrições para formularem perguntas, a não ser que haja defesas da honra ou interpelações à Mesa.

Tem, então, a palavra o Sr. Deputado António José Seguro, a quem peço, de igual modo, que seja rápido, dado o adiantado da hora.

O Sr. António José Seguro (PS): — Sr. Presidente, tentarei ser mais rápido do que na primeira intervenção.

Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado: Peço desculpa de há pouco me ter esquecido de fazer referência à Sr." Secretária de Estado que tem a responsabilidade de representar o Ministério das Finanças nesta discussão, mas não foi intencional.

Sr." Secretária de Estado «da JSD», eu ouvi-a, mas o aplauso que eu fiz há pouco, em relação à seriedade e à objectividade, não o posso fazer nesta segunda intervenção, porque, de facto, tenho de fazer uma homenagem à sua criatividade, que foi muita.

A Sr." Secretária de Estado veio aqui dizer tudo aquilo que eu referi, mas não explicou como. E a grande dife-

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rença é que a Sr." Secretaria de Eslado tem de explicar como e eu tenho de fiscalizar como.

V. Ex.' disse-me que há políticas de juventude integrada e global — eu nem sequer referi isso, não ia tão longe —, mas onde é que está a globalidade da política de juventude do Govemo? Explique-me! Como é que pensa coordenai as, diferentes áreas sectoriais, desde a agricultura, a habitação, o emprego, a formação?

Quando havia Secretaria de Estado da Juventude, isto é, no ano passado, o Sr. Secretário de Estado da Juventude veio aqui apresentar o orçamento e disse: «Srs. Deputados, a grande novidade deste ano é a de que todas as verbas que outrora estavam na área da Secretaria de Estado do Emprego e da Formação Profissional estão, neste momento, na área da juventude.» E dizia ele que isto era uma grande ganho para a coordenação e para as políticas de juventude. Este ano, Sr." Secretária de Estado da Juventude, onde ê que estão? Ou o que era ganho para um não o é para o outro? Mantenho a minha afirmação de que não há políticas de juventude em Portugal. Há, sim, o interesse do Governo em acenar com algumas coisas dispersas e em ter umas estruturas que, de vez em quando, vão animando estas coisas a que os senhores querem chamar «políticas de juventude».

Mas a Sr." Secretária de Estado também não respondeu como é que vai funcionar a Fundação da Juventude e com que dinheiro do orçamento do Ministério da Juventude, nem sobre a Fundação das Novas Tecnologias, nem sobre o INFORJOVEM, cuja verba é de 130 000 contos, mas que, segundo disse, consta desta rubrica.

Como é que o MOVIJOVEM vai funcionar e que dinheiro é que vai ter por parte da área da juventude? Como é que a Casa da Cultura vai funcionar e quem é que lhe paga?

Sobretudo, não explicou a questão essencial — e volto a insistir — isto é, se a Sr." Secretária de Estado tem dois grandes agrupamentos, um de orçamento corrente e de planos de investimento e outro para o Projecto Vida, para o Gabinete do Serviço Cívico e de Objecção de Consciência e para o seu Gabinete, as «Actividades» só podem ser financiadas pelos primeiros, ou seja, pelo orçamento corrente e pelos planos de investimento. A Sr.* Secretária de Estado não pode querer explicar-nos que o dinheiro que tem para pagar às pessoas que trabalham no seu Gabinete também vai servir para as «Actividades», a menos que não pague! De duas, uma: ou não paga às pessoas que trabalham e tem um «programa de voluntariado», que eu aplaudo, mas que quero ver, ou, então, estão a enganar-nos com os números que têm nas dotações por actividades. E não vale a pena dizer que só eu é que vejo desta forma porque não é assim.

O que tem de fazer é explicar por que é que este ano é assim e eu sei porquê, tenho uma leitura. Aliás, continuo a acreditar, dentro do espírito de humildade e de sinceridade com que nos brindou na sua primeira intervenção, que a Sr." Secretária de Estado saberá reconhecer. Só tenho a dizer que as dotações por actividade correspondem ao total do orçamento para a área, o que quer dizer que, se não me explicar, eu serei obrigado a inferir o seguinte: ou não vai dar dinheiro para o Gabinete do Serviço Cívico e de Objectores de Consciência, que o Projecto Vida e o seu Gabinete não vão ter dinheiro, ou, então, houve necessidade de aumentar algumas verbas para «encher» os olhos dos jovens portugueses. Devo dizer-lhe que, neste caso, não «enche» os olhos do PS, nem os da Juventude

Socialista. É preciso rigor e seriedade na análise destas questões.

Sr.* Secretária de Estado, com tanta descida que há, não nos explicou por que é que há uma subida de verbas para a rubrica «Estrutura», que passa de 884 584 contos, do ano passado, para 1 183 229 contos, um aumento de

33,76 %. Então, como é que se quer, pot um lado, desburocratizar o Instituto da Juventude, tomá-lo mais flexível, mais próximo dos jovens, se, por outro, aumentam as rubricas referentes a «Estrutura», a «Despesas comuns» e a «Despesas com pessoal»?

Não acha que seria interessante — e foi V. Ex." quem o reconheceu —, quando o orçamento da juventude desce 9,64 % em termos nominais, que o exemplo viesse do interior da própria Secretaria de Estado da Juventude? Que reduzissem, no mínimo, os gastos com a própria Secretaria de Estado?

Não se pode vir pedir aos Portugueses, escrever cartas às autarquias, ao Presidente da República à Assembleia da República, para diminuírem os seus gastos com despesas correntes, para diminuir a dívida pública, e depois serem os próprios ministros, responsáveis e titulares do Governo, neste caso a Sr." Secretária de Estado, a aumentar as despesas do seu Gabinete. Não há incoerência? Como é que se pode dar exemplo aos jovens, quando é o próprio responsável pela Secretaria de Estado da Juventude que vem aqui dar um exemplo ao contrário? Que seriedade pode haver nas políticas da juventude?

É por isso que entendemos que estas coisas têm de ter algum rigor. E é precisamente quando falamos em matéria de rigor que caímos nos subsídios.

A Sr.* Secretária de Estado nunca ouviu dizer que a Juventude Socialista era contra os subsídios mas, isso sim, que a política de subsídios, por si só, é uma política que, em nosso entender, não é única em matéria de apoio ao associativismo. Aliás, o Sr. Deputado António Filipe já levantou aqui uma questão que nos diferencia do ponto de vista da filosofia das políticas da juventude: é que não se pode dar x dinheiro às organizações e depois dizer-lhes: «Agora, quando tiverem bons projectos, venham cá.» Isso cria dependência e não pode haver políticas de juventude sem associações juvenis com autonomia e politicamente independentes. Como é que uma asssociação pode ter, hoje, posturas contra o Govemo e, amanhã, vai pedir-lhe um subsídio para realizar uma actividade de formação para os seus dirigentes? Esta é uma questão essencial. A política que vem sendo desenvolvida pelo governo do PSD em matéria de juventude é precisamente esta: dão um mínimo para poder funcionar, exibem-se com esse mínimo como se o dinheiro que estão a dar pudesse ser caridade, mas depois dizem: «Se querem mais, venham cá!» Nem prazos têm, para atribuição desses subsídios. Há associações que vivem apenas dos subsídios do Estado, porque não têm outros recursos, porque as quotas das suas organizações são poucas. Aquilo que o Govemo está a fazer é a asfixiar o associativismo juvenil.

Numa sociedade moderna, onde o sistema de representação existe, onde há democracias representativas, os cidadãos têm o direito de participar fora dos actos eleitorais, e essa participação faz-se através do associativismo organizado. Se querem matar o associativismo, estão a matar uma parte importante da vitalidade democrática do País. Aliás, quando se fizer a história da democracia em Portugal, vai reconhecer-se o papel importante que desempenharam as associações juvenis.

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Por que é que, na Dinamarca, há 70 % de associativismo e, em Portugal, 20 % (estamos a referir uma taxa passiva)? Porque, de facto, este governo tem medo dos jovens

portugueses. E tem medo de lhes dar meios! Tem medo que eles tenham autonomia! Tem medo que eles falem! Por isso dá-lhes um «subsidiozito» no início do ano para que, durante todo o ano, eles tenham de «andar a bater à porta» da Secretaria de Estado a pedir dinheiro, para lhes criar dependência. É isso que gostaríamos de ver profundamente alterado. É essa a avaliação entre os bons e os maus projectos.

Vou terminar, Sr.° Secretária de Estado, dizendo que temos uma proposta alternativa para o orçamento da área da juventude. É uma proposta séria e tem como objectivo fazer uma comparação, que tem, obviamente, de assentar no mesmo valor que o Govemo atribui para a dotação de actividades, que, em nosso entender, é pouco e que, como já explicámos, não nos satisfaz de uma maneira contabilística, mas que é a única base para podermos trabalhar. Vou entregar ao Sr. Presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano um exemplar da nossa proposta de alteração, assinada por todos os Deputados, e vou fazer também a entrega de um à Sr.3 Secretária de Estado da Juventude, dizendo-lhe que, caso ainda queira vir discutir a esta sede, que é o Parlamento, estas nossas propostas, estaremos disponíveis para o fazer; se entender que, antes da votação na especialidade destas propostas, ainda poderá fazer algumas emendas no orçamento que aqui nos propõe, nós estaremos disponíveis, quer aqui quer no seu Gabinete, para tratar estas questões.

Quero ainda dizer-lhe que apresentamos esta proposta de alteração ao orçamento não aumentando a despesa: fazemos diminuir as rubricas referentes a «Estrutura» e a «Despesas» do seu Gabinete e aumentar as referentes a «Formação», «Informação», «Apoio ao Associativismo», «Apoio à Criação Jovem» e «Programas de voluntariado», que não tinham qualquer cabimento orçamental, mas está tudo explicado com mapas justificativos. Apontam-se verbas precisas para as associações de âmbito local, regional e nacional, para o Conselho Nacional da Juventude, para as associações de estudantes do ensino superior e do secundário; fixam-se critérios para a atribuição de subsídios e prazos para essa atribuição. Parece-nos, Sr.a Secretária de Estado, um óptimo documento, uma ópüma proposta para mostrar como entre nós e o PSD há, de facto, uma grande diferença, uma diferença abismal. E essa diferença é a de que nós acreditamos na democracia participativa e o PSD tem medo dessa democracia.

O Sr. Presidente: — Lembro que, independentemente do convite político que o Sr. Deputado António José Seguro dirigiu à Sr.a Secretária de Estado, como é óbvio estas propostas vão ser objecto de discussão na altura da votação. Nessa altura, o Sr. Deputado António José Seguro terá oportunidade de voltar a intervir, bem como os Deputados do PSD, que, presumo, não têm ainda conhecimento das propostas em termos específicos, talvez apenas em termos globais.

Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sr. Presidente, queria começar por dizer que estudaremos a proposta que 0 Sr. Deputado António José Seguro apresentou e acrescentaria que a notícia do Público deixava mais a desejar.

Apreciei, com grande gosto, a forma como distinguiu a vinda do Sr. Ministro Adjunto e a notícia que, no mesmo

dia foi publicada nesse jornal. Quanto à proposta que hoje o Sr. Deputado aqui apresentou e a notícia que vem no

Público, aclio que imbèm íoi um exercício Habilidoso úa

sua parte, que deixou a Câmara bem informada, ao contrário daquilo que disse quando o Sr. Ministro Adjunto aqui veio e as actas da Assembleia poderão comprová-lo.

Em qualquer caso, lastimo, pessoalmente, que a JS tenha de utilizar, quer o jornal Público quer a própria Acção Socialista, para divulgar as suas posições, quando o seu próprio órgão oficial, como foi noticiado, é publicado em branco! Talvez para a próxima vez a JS se mostre mais organizada e apresente publicamente as suas propostas também no seu órgão oficial — é um desejo sincero que manifesto.

Em segundo lugar e porque não consigo resistir a esta tentação, queria dizer, muito particularmente, ao Sr. Deputado António José Seguro que estranho bastante a repetição política no seu discurso de que não há política de juventude. A Sr." Secretária de Estado, bem como o Governo, darão a devida resposta a isso, naquilo que lhes cabe. Eu, como apoiante da política global integrada de juventude, gostaria de dizer que tenho uma leitura bastante razoável do que, presumo, cabe, em mérito, ao PSD e também muito a JSD quanto ao que foi realizado desde 1985 com a política de juventude. Contudo, eu seria o último a dizer que se trata de um política perfeita acabada e que oferece satisfação a todas as solicitações. Julgo que, por definição, a política global integrada de juventude estará sempre progressivamente dependente de uma acção concertada, não só entre o Governo como ente diversos domínios da Administração, que não se postula em nenhum Orçamento do Estado de qualquer ano nem em nenhum mandato legislativo, mas deve ser uma preocupação permanente e tem vindo a obter ganhos substanciais nos anos em que foi exercida.

Claro que aceitamos, como não podia deixar de ser, que o PS ou outras entidades, nomeadamente associações de juventude, tenham leituras de insatisfação quanto a resultados que são obtidos; nós próprios temos alguma insatisfação em relação a alguns resultados. Mas não deixa de se poder levar à letra aquilo que o Sr. Deputado, repetidamente, vai afirmando de que não há política de juventude. Julgo que isso, mais do que um abuso de linguagem, é uma inverdade política.

Portanto, para coroar bem este esforço repetido do Sr. Deputado, creio que se devia desafiar o PS para fazer uma interpelação ao Govemo sobre essa matéria nesta Casa para que pudéssemos, aí sim, com propriedade, ouvir em detalhe todas as razões do PS nesta matéria e para que pudéssemos ter o espaço necessário para responder. Esperemos também que essa interpelação, que gostaria que viesse a concretizar-se, seja coroada com o mesmo êxito que outras feitas pelo PS.

Relativamente aos apoios ao Conselho Nacional de Juventude, gostava apenas de dar o meu testemunho. As verbas que todos os anos eram atribuídas ao Conselho Nacional de Juventude só passaram a ser inscritas em Orçamento do Estado, se a memória não me falha há dois anos. Estou certo disto, porquanto fui eleito presidente da JSD ainda não há três anos e, já enquanto tal, não sendo Deputado, os órgãos nacionais da JSD mandataram os seus Deputados para aqui apresentarem uma proposta de alteração à proposta de lei do Orçamento do Estado. Nessa altura (não posso precisar se foi no ano passado, acredito que não tenha sido), a verba foi actualizada aos níveis da inflação, já que ela era atribuída mas não estava expres-

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sãmente prevista na proposta de lei do Orçamento do Estado. É apenas uma precisão que, julgo, na essência da questão, não altera grande coisa.

Também queria dizer que há uma intenção de repetir questões que já foram esclarecidas e respondidas, sobretudo na Comissão de Juventude. O anterior Secretário de Estado deixou bem claro que há um conjunto de despesas relativamente a funcionários ou, se quiserem (porque o termo funcionário 6 abusivo), relativamente a um conjunto de agentes que funcionam dentro dos programas operacionais que, por uma razão de transparência, passaram a ser afectos directamente aos programas e não às estruturas do Instituto da Juventude, como até aqui funcionava. Foi um salto qualitativo de transparência, que saudamos e que ainda bem que se registou; portanto, não estamos rigorosamente preocupados.

Quanto ao Sr. Deputado José Reis — e peço desculpa se abusivamente, mas espero que não o interprete assim —, vou tentar responder-lhe porque trouxe a esta Câmara um facto que eclodiu no Congresso da organização a que presido. A JSD, como não pode deixar de ser, mantém aquilo que consta da matéria aprovada no seu último Congresso relativamente à extinção do Instituto da Juventude.

Queria também dizer-lhe que a JSD não «íulaniza» nas pessoas as suas propostas mas, pessoalmente, como me compete como presidente da JSD, não deixarei de continuar a pugnar e a exigir esse desiderato que consta das conclusões do Congresso da JSD.

Acrescentaria que o Orçamento do Estado, embora na nossa prática constitucional isso não seja muito seguido, corresponde sempre a uma confiança antecipada que o Parlamento dá ao Govemo para executar o seu programa. Ainda bem que, tanto quanto se prevê, com o projecto de reforma do Parlamento, a Assembleia da República ganhará maior dignidade na análise da Conta do Estado, que é, de facto, onde é possível analisar o nível de execução das políücas que o Govemo, quer em programa quer em Orçamento do Estado, defende. Sob esse ponto de vista, não tenho dúvidas em dizer que a minha confiança para a execução deste Orçamento é grande e a expectativa também. Estaremos com a reforma do Parlamento, assim o espero também, na possibilidade de analisar e avaliar melhor a execução política das estratégias que o Govemo definiu.

Concluiria, dizendo apenas que lamento profundamente, embora isso pudesse ser lisongeiro, a forma como o Sr. Deputado Antônio José Seguro se referiu à Sr." Secretária de Estado. Sem mais comentários, porque julgo que são dispensáveis, queria dizer que me orgulho muito de a Sr.* Secretária de Estado ter pertencido à JSD e se, no Govemo, desempenhar as funções como as desempenhou na JSD, isso será, com certeza um motivo de orgulho, não apenas para a minha organização mas para todos os jovens portugueses.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António José Seguro.

O Sr. António José Seguro (PS): — Sr. Presidente, apenas queria dizer ao Sr. Deputado Pedro Passos Coelho duas coisas muito simples: em primeiro lugar, na nossa casa somos nós que escolhemos os timings políticos e, em boa hora, nós damos conta das interpelações que fazemos em matéria de juventude.

Não precisamos de ser tão formais nessa área e parece-nos que a atitude, positiva, que aqui tivemos de apre-

sentar uma proposta alternativa é a melhor interpelação que vos podemos fazer. Não é uma interpelação formal, mas uma interpelação à vossa consciência e à vossa atitude política.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, não sendo poético como o Sr. Deputado que me antecedeu no uso da palavra, quero apenas dizer que, apesar de tudo, o rigor mantém o repto que lancei ao Partido Socialista de desencadear aqui o mecanismo próprio, o da interpelação, para podermos debater não apenas estas propostas de orçamento, mas também outras propostas ao nível da política de juventude.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção final, tem a palavra a Sr.* Secretária de Estado da Juventude.

A Sr.* Secretária de Estado da Juventude: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Usarei agora da palavra para procurar colmatar algumas das insuficiências apontadas à minha segunda intervenção, na qual tentei responder às interpelações directas por parte dos Srs. Deputados. Penso, aliás, ter tomado boa nota de todos os sublinhados e incisos que os Srs. Deputados tiveram a amabilidade de fazer, para não deixar escapar nenhuma das questões suscitadas.

Tentarei respeitar a ordem pela qual foram arroladas as questões, começando por responder ao Sr. Deputado José Reis. É efectivamente verdade que, enquanto vice-presidente da JSD, subscrevi uma moção que pedia a extinção do Instituto da Juventude, com o fundamento, assumido na mesma proposta, de que o Instituto da Juventude não tinha operacionalidade nem eficácia e não respondia, conforme a juventude quer, aos seus objectivos legalmente assinalados. Como membro do Governo, mantenho a mesma preocupação de eficácia, desburocratização, flexibilidade e resposta aos objectivos para que o Instituto foi criado. A minha preocupação é constante e, naturalmente, não deixarei, enquanto membro do Governo, de procurar reformular o Instituto da Juventude em tudo quanto for necessário e tão longe quanto necessário, a fim de que ele cumpra as finalidades para que foi criado. Penso, assim, ter respondido cabalmente à questão colocada.

O Sr. Deputado António Filipe colocou, uma vez mais, a questão da dotação orçamental para o associativismo e da minha hipotética e assumida satisfação nela dotação orçamental para esse efeito. O que afirmei foi que a dotação destinada ao associativismo cresce em valores absolutos, cresce em termos percentuais, cresce ao nível do orçamento corrente e cresce ao nível do PIDDAC. Tudo isto são verdades.

O Sr. António Filipe (PCP): — Decresce em relação a 1990!

A Oradora: — Mas cresce em relação a 1992.

A verdade é que as verbas aqui inscritas permitirão dar resposta e garantir os subsídios estabelecidos na Lei n.° 33/ 87, que bem conheço, para as associações de estudantes. Os compromissos ordinários para com as associações de estudantes não deixarão de ser cumpridos. Reafirmo, a este propósito, o que há pouco disse: quanto maior for a nossa

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capacidade financeira maior e mais eficaz será a nossa resposta.

Relativamente ao alegado facto de o apoio às propostas de actividades concretas do CNJ passar pelo crivo, antidemocrático e selectivo, do Govemo, devo dizer-lhe que esse crivo está vertido na lei. O crivo não será, pois, do Governo, porque está vertido na lei. Servirá sempre de referência o critério que a Portaria n.° 841-A/90, de 15 de Setembro, fixa para o regulamento da concessão de apoios a associações juvenis. Estão estabelecidos neste diploma critérios que não deixarão também de ser observados quando, um dia, o CNJ propuser algum projecto para financiamento. Não será o Governo, depois de, como o Sr. Deputado pretendeu insinuar, fazer uma censura, a deferir ou indeferir a seu bel-prazer, pois os critérios são legais e devem ser cumpridos com rigor e transparência.

O Sr. António Filipe (PCP): — Precisam é de obras!

A Oradora: — A Sr." Deputada Julieta Sampaio insistiu, e terá a resposta, em saber a minha posição sobre a lei das propinas.

Devo dizer-lhe, desde já, que estarei disponível para um debate mais amplo sobre esta matéria em sede de Comissão de Juventude, que penso ser a sede própria para debater, com calma, com tempo e com a profundidade que esta matéria exige, a lei das propinas. Permito-me, todavia, reafirmar o que já publicamente tive oportunidade de dizer, ou seja, que apoio os princípios vertidos na lei das propinas. São princípios que têm a ver com a necessidade de actualização de um valor de propinas que estava profundamente desactualizado e que não perdem de vista critérios de justiça social. É isso que do nosso ponto de vista é mais importante, como também é importante que haja rigor na aplicação dos dinheiros dos contribuintes, quanto mais não seja por o dinheiro do Estado ser o dinheiro de todos os cidadãos. Uma vez que a lei das propinas respeita os aludidos princípios, não posso deixar de a apoiar.

O Sr. Deputado António José Seguro brindou-nos com uma longa prelecção sobre o movimento associativo, a sua capacidade regeneradora, a vontade de asfixia que o Governo tem em relação ao movimento associativo. São palavras suas, que ficam com V. Ex.' Pela nossa parte, rea-fumamos e provamos, em cada dia que passa não ser essa a nossa postura. Acreditamos e investimos, na medida das nossas disponibilidades financeiras, no movimento associativo.

Devo sublinhar, no entanto, que o investimento no movimento associativo não passa exclusivamente pelo apoio financeiro. Esta é uma das vertentes indispensáveis — até por sabermos que as associações de estudantes, como o Registo Nacional das Associações Juvenis (RNAJ), carecem de apoios financeiros — mas não é o único tipo de apoios que podemos dispensar ao movimento associativo.

Não creio, pois, que tenha razões para dizer, face ao que se tem passado com a política deste Govemo ou com a dos que o antecederam, que se regista a demonstração de que pretendemos asfixiar, anular ou censurar o movimento associativo. Essa é a análise do Sr. Deputado. Penso ser a análise que, para fazer jus ao protagonismo que pretende assumir, teve de fazer aqui, mas é, em todo o caso, a sua análise, que fica consigo.

Suscitou ainda o Sr. Deputado questões sobre a MOVIJOVEM, a Fundação para a Divulgação das Tecnologias de Informação e a Fundação da Juventude. O Sr. Deputado conhece, como eu, o regime jurídico des-

tas instituições. A Fundação para a Divulgação das Tecnologias de Informação e a Fundação da Juventude são fundações com personalidade jurídica própria. A Fundação da Juventude é participada, no seu capitai, através do

Instituto da Juventude, tal como a Fundação para a Divulgação das Tecnologias de Informação é participada no seu capital, pelo Instituto da Juventude e pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional. Essa fundação, no quadro jurídico que lhe está cometido, tem capacidade para se candidatar a apoios, designadamente do Fundo Social Europeu, mas, pela via do orçamento do Instituto da Juventude, o Sr. Deputado encontra uma transferência de 130 500 contos para o Programa de Informação Jovem (INFORJOVEM).

O Instituto da Juventude, enquanto titular de uma quota na Fundação da Juventude, não deixará de patrocinar e apoiar fmanceiramente ao nível do orçamento corrente, mas também, como o Sr. Deputado pode verificar ao nível do PIDDAC, não deixará de investir na fundação em que detém uma participação social. Mantém, pois, as participações, mas elas são mais reduzidas, porque aumentou a capacidade e autonomia da fundação para por si, aceder a e gerar outros meios de financiamento.

No que respeita às transferências dos outros ministérios, disse o Sr. Deputado que foi motivo de gáudio, relativamente à apresentação da proposta de lei de Orçamento do Estado para 1992 por parte do Secretário de Estado da Juventude da altura, o facto de terem sido transferidas para o orçamento da área da juventude verbas de outros ministérios. Esse mecanismo mantém-se: continua a haver transferências de outros ministérios para a área da juventude, sendo tais verbas colocadas sob a gestão da Secretaria de Estado. Essas verbas vêm plasmadas, com rigor, no documento que vos foi distribuído em sede de Comissão de Juventude, constando do quadro i, comparável com o quadro i-A, respeitante às dotações globais de 1992.

Devo referir, por exemplo, que se encontram inscritos 460 000 contos ao nível do orçamento corrente e 296 700 ao nível do orçamento de investimentos, que inclui o PIDDAC, o FEDER, o PRODIATEC e o PO.

Respondo, por último, à tal questão da maquilhagem contabilística. Diz o Sr. Deputado que no quadro n, relativo à dotação por actividades, se verifica que acabamos por financiar as actividades com aquilo que são os encargos da estrutura. Está enganado, porque certamente não deverá ter reparado na rubrica n.° 12 desse quadro, que diz «Estrutura». Essa rubrica está, assim, autonomizada. Se, afinal, as contas batem certas e lá estão 8 169 182 contos, correspondentes à dotação global, é porque existe uma rubrica autonomizada sob a designação «Estrutura», na qual estão inscritos 1 183 229 contos, que correspondem aos custos de estrutura vertidos nos orçamentos do U, do Gabinete do Secretário de Estado e do Gabinete do Serviço Cívico dos Objectores de Consciência.

Não é verdade, em conclusão, que tenhamos manipulado os números, o que, naturalmente, não permitiria que as contas batessem certas, já que não retiraríamos daqui o referido ponto 12, que diz respeito à estrutura. Estão cá os números que correspondem à soma exacta de todas as dotações inscritas nos três orçamentos específicos, não havendo qualquer disfarce ou embuste na forma de apresentar as contas. As coisas são como acabei de dizer. Se o Sr. Deputado fizer uma análise um pouco mais atenta das rubricas, verificará que assim é.

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0 Sr. Presidente: — Antes de dar por concluídos os nossos trabalhos, quero manifestar o meu agradecimento pela colaboração de todos os Srs. Deputados. Apesar de tudo, a reunião de hoje correu de forma limitada em termos temporais, mas suficientemente viva para que ninguém se possa queixar de não se ter feito o debate, legal e regimental, nesta área orçamental.

Falou-se muito de criatividade, pelo menos da parte de alguns Srs. Deputados. Devo referir, a este respeito, que a presidência da Comissão de Economia, Finanças e Plano e também a Sr.' Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento terão de ter muita criatividade para conseguir encaixar formalmente e votar a proposta que foi apresentada no decorrer da reunião. Os Srs. Deputados poderão não saber — e ainda bem que não o sabem, porque é essa ignorância que permite a tal criatividade— que os documentos que aqui são apresentados pelos membros do Governo são documentos particulares e não documentos oficiais. Quando, portanto, apresentam propostas de alteração às diversas informações que as várias secretarias de Estado e ministérios fornecem aos Srs. Deputados, não estão, rigorosamente, a fazer propostas de alteração ao Orçamento, mas tão-só propostas de alteração a meros documentos de informação.

Como, todavia, também nós — quer eu, quer a Sr.' Secretária de Estado Adjunta — somos jovens, teremos certamente a audácia e a criatividade suficientes para fazer a votação desta proposta na altura própria.

O Sr. António José Seguro (PS): — Peço a palavra, Sr. Presidente, para prestar um curto esclarecimento.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António José Seguro (PS): — Sr. Presidente, quero apenas dizer que a proposta apresentada é uma proposta política de alternativa, que traz a consubstanciação prática em termos formais, muito brevemente.

O Sr. Presidente: — Essa informação, Sr. Deputado, facilita-nos o trabalho. Em todo o caso, sempre arranjaríamos forma de votar a dita proposta.

Resta-me informar os Srs. Deputados de que, na sequência de um requerimento formulado pelo Sr. Deputado António José Seguro, fiz anexar à acta desta reunião a proposta política que o mesmo Sr. Deputado, em nome da bancada do Partido Socialista fez entrar na Mesa.

Agradeço a presença e a participação dos membros do Governo e dos Srs. Deputados.

Prosseguiremos amanhã, pelas 10 horas, os nossos trabalhos, com a presença de elementos que compõem a Comissão de Educação, Ciência e Cultura e dos membros do Governo do respectivo ministério.

Está encerrada a reunião.

Era 1 hora e 50 minutos.

ANEXO

Proposta de alteração relativa ao orçamento da Secretaria de Estado da Juventude

As políticas de juventude são uma prioridade da acção governativa para os socialistas porque acreditamos que

através delas a integração social dos jovens se processe com maior facilidade e a participação cívica assume um maior protagonismo.

Os orçamentos do Estado devem traduzir a vontade política de quem acredita que a área da juventude vai mais para além do que a simples tentação de atrair os jovens pelo acesso a uma meia dúzia de programas ou a outras tantas actividades.

Por estarmos fartos de tantos discursos que não têm qualquer tradução prática a Juventude Socialista, através do grupo parlamentar do PS, apresenta a seguinte proposta alternativa ao orçamento da área da juventude de iniciativa do Governo.

A presente proposta tem como limite as verbas da receita inscritas na proposta do Governo que é de 8 169 182 contos, que, como é sabido, corresponde a uma descida inaceitável em relação ao orçamento do presente ano, mas resulta para efeitos alternativos, na única base sustentável de trabalho, sem necessidade de recurso ao aumento da despesa.

quadro i

Dotações globais — Area da juventude (1993)

(Em mllhan» da eacudoa)

SEI Outros Total

Orçamento corrente.................. 4619718 460 000 5 079 718

PIDDAC + FEDER................... 2 105 000 296 700 2 401 700

Subtotal................ 6 724 718 756 700 7 481 418

Gabinete do SEJ....................... 90 379 - 90 397

GSCOC..................................... 202 556 - 202 556

Projecto VIDA.......................... 380253 - 380253

Total..................... 7 412 482 756 700 8 169 182

QUADRO II Dotações por actividades (1993)

(Em mllharat de etcudo»)

Actividades Valor

1 — Formação.................................................................. 510000

2 — Informação............................................................... 372 929

3 — Relações internacionais e intercâmbio................... 1 208 500

4 — Apoio ao associativismo......................................... 1 192 000

5 — Centros de juventude............................................... 1 235 000

6 — Tempos livres e desporto........................................ 935000

7 — Programas ocupacionais.......................................... 525 000

8 — Apoio à criação jovem............................................ 110000

9 — Ciência e tecnologia................................................ 310 500

10 — Projecto Vida........................................................... 380 253

11 — Apoio à iniciativa dos jovens empresários............ 600000

12—Estrutura................................................................... 670000

13 — Programas de voluntariado...................................... J20 000

Total...................................... 8 169182

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Anexo justificativo

A — O aumento de 200 000 contos nesta área corresponde à necessidade de se promover um esforço na formação junto dos jovens empresários.

A política do Governo tem insistido nos subsídios ao início de actividade, que não deixa de ser importante, e por isso se propõe 600 000 contos (mais 68 000 do que em 1992) na rubrica n.° 11, mas entendemos que é necessário ir mais longe, e neste caso apontamos para o acompanhamento técnico das recém criadas empresas, através do reforço da verba para a formação.

B — Nas sociedades modernas a informação desempenha um papel decisivo nas opções dos cidadãos e em particular no acesso à concretização dos seus direitos. Um dos problemas que hoje em dia se põe aos jovens é precisamente o de saberem que tipo de programas existem e de que modo podem participar neles. O reforço das verbas para o componente da informação (e não da propaganda) tem o sentido de promover a igualdade de acesso de todos os jovens portugueses aos programas juvenis.

C — Como é sabido, o associativismo é para nós um pilar mestre das democracias representativas. E impensável olhar a sociedade sem uma participação dos seus cidadãos de uma forma autônoma e organizada O movimento juvenil, para além de cumprir esta função, provoca ainda no jovem uma aprendizagem com reflexos positivas na sua formação humana e cívica. Portugal é, infelizmente, um dos países da Europa com menor taxa de associativismo (taxa passiva de 20 %) enquanto, por exemplo, na Dinamarca esse valor se eleva a 70 %.

Não é aqui o lugar para promover uma avaliação das causas desta situação, tão-só apontá-la como uma das razões que nos conduziram a reforçar as suas verbas para o ano de 1993. Ao reforçá-las apontámos claramente quais as áreas que se tomam necessárias ser afectadas.

As associações juvenis de âmbito nacional, regional e local passarão a receber 360 000 contos (ou seja, um aumento de 110 000 em relação ao ano de 1992), seguindo a seguinte distribuição:

Associações locais e regionais — 220 000; Associações nacionais (via CNJ) — 140 000.

Ao mesmo tempo serão reforçadas as verbas para as estruturas de coordenação regional, nacional e de representação internacional:

Federação e ou conselhos regionais — 15 000; Conselho Nacional da Juventude — 50 000.

Alias, ainda a este propósito, tem sido ridícula a forma como o parceiro social do Govemo em matéria de juventude tem vindo a ser tratado. Sabe-se, toda a gente sabe, que o CNJ necessita, no mínimo, de 15 a 20 000 contos para a sua estrutura interna poder responder às exigências da sua criação. É nosso propósito que, para além da atribuição destas verbas, o CNJ disponha dos meios necessários à realização do seu Plano de Actividades. Só com este tipo de autonomia financeira poderá o CNJ ser realmente independente do Govemo e do Estado e poder cumprir o seu papel de parceiro social de uma forma digna.

As associações de estudantes vêem também reforçadas as suas verbas para o próximo ano em mais de 120000 contos, passando de 365 000 contos em 1992 para 485 000. Parte substancial desta verba será destinada ao financia-

mento de contratos -programa de carácter anual e plurianual que permitam concretizar.

O desafogo financeiro das AE; O incentivo a uma maior acção nas áreas pedagógicas, culturais e cívicas dentro e fora da escola. •

Para finalizar, assume-se ainda e pela primeira vez, um compromisso com o movimento associativo, na linha do respeito pela sua autonomia a que temos vindo a ser fiéis: a fixação de prazos para a atribuição dos subsídios e a fixação (e correspondente divulgação) dos critérios para a sua atribuição.

Associações e coordenações locais, regionais e nacionais: 50 % até 20 de Fevereiro; restantes 50 % até 31 de Maio.

Associações de estudantes — subsídio de funcionamento: 50 % até 20 de Fevereiro; restantes 50 % até 31 de Maio; subsídios extraordinários: a acordar com a respectiva AE, no respeito pela seguinte metodologia

a) Resposta ao pedido da AE no período máximo de 15 dias;

b) Elaboração, se necessário, de um mapa de transferências do subsídio mediante protocolo acordado com a AE respectiva e com divulgação — pelas restantes AE — no prazo de 10 dias úteis.

D — O incentivo à descoberta e apoio de novos valores na área cultural deve constituir prioridade de uma verdadeira política de juventude. Parece-nos importante o relançamento de acções nesta área com particular destaque para concursos de divulgação nacional e da presença nos encontros internacionais, em particular nas bienais dos países mediterrânicos.

A verba de 110 000 contos é mesmo assim escassa no entanto não poderemos ignorar que esta é uma das áreas privilegiadas no que diz respeito ao encontro de diversas vontades, nomeadamente da SEC, de instituições privadas e de empresas através da Lei do Mecenato.

E — Na ciência e na tecnologia não se propõe qualquer alteração no Orçamento da área da juventude por duas razões.

A primeira é porque o Grupo Parlamentar do PS apresentou já uma proposta de alteração global para esta área e para a educação.

A segunda, em virtude de este orçamento alternativo estar, à partida limitado pelas verbas inscritas na proposta de lei apresentada pelo Governo, que, como é sabido, não subscrevemos.

F — Esta é uma das áreas onde a ausência de elementos nos impede de apresentar propostas alternativas. O Governo ora nos apresenta verbas do Projecto Vida distribuídas por diferentes ministérios ora os engloba todos num, como é o caso.

É óbvio que seria fácil, e até popular, que propuséssemos um aumento das verbas para o combate ao trafico de droga mas não seria sério nem correcto.

G — A actividade empresarial nos diferentes sectores e ramos de actividade deve ser uma preocupação e não pode ser traduzida pura e simplesmente na atribuição de subsídios a fundo perdido ou a juros bonificados.

A exigência de um trabalho profundo obriga à elaboração de uma estratégia diversificada que passa pelo acompanhamento técnico (nas áreas da contabilidade, da gestão, da comercialização, entre outras); pela dinamização dos ninhos de empresa; pelo esforço de informação, com

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particular incidência no sector agrícola e pela criação de incentivos à constituição de cooperativas de forma que os apoios aos jovens empresários não beneficiem apenas os que já detêm razoáveis possibilidades económicas.

Como já se referiu em A, a verba inscrita no Orçamento sobe 268 000 contos (conforme proposta do Governo) mas 200 000 são afectados à rubrica «Formação» por razões já explicadas.

H — A rubrica «Estruturas» desce substancialmente em 513 229 contos. Esta descida corresponde à prioridade política de diminuir o peso das despesas com estruturas, em particular diminuindo as despesas com pessoal, que só as correntes no Instituto da Juventude e na Secretaria de Estado da Juventude ascendem a 921 028 contos.

Ou seja na proposta do Govemo o peso percentual das despesas com pessoal devidamente evidenciadas correspondem a 11,2 % do total do Orçamento. Mas se somarmos as despesas com estruturas com o GSCOC a percentagem eleva-se a 16 %. O que é um verdadeiro escândalo.

I — Outra das novidades desta proposta alternativa é a inscrição, pela primeira vez, de 120 000 contos para a execução de programas de voluntariado.

Este novo Programa tem duas vertentes essenciais: na área da cooperação com os PALOP e o Brasil; nas áreas da solidariedade social e geracional em Portugal (combate à pobreza, educação para a saúde e preservação do ambiente).

A estes programas podem candidatar-se associações ou jovens individualmente considerados. Em breve será apresentada uma proposta de legislação sobre os programas de voluntariado.

Os Deputados do PS: António José Seguro — Fernando Pereira Marques — Maria Julieta Sampaio — José Reis — Ana Maria Bettencourt.

A Divisão de Redacção da Assembleia da República.

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DIÁRIO

da Assembleia da República

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