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0274 | II Série C - Número 015 | 24 de Janeiro de 2004

 

Tive também alguns contactos com Deputados de diversas nacionalidades.

Intervenção do Deputado Vitalino Canas

Em nome do Parlamento português agradeço a oportunidade que é proporcionada por esta audição.
Em Portugal a situação dos direitos humanos não será muito diferente da que se observa nos restantes Estados-membros. Temos uma Constituição bastante exaustiva no que toca à consagração dos direitos e liberdades e também quanto aos direitos sociais. A Constituição Portuguesa articula-se bem com os instrumentos internacionais dos direitos humanos e com a Carta Europeia, sendo, de modo geral, mais completa do que esses instrumentos.
No entanto, há aspectos de aplicação prática que requerem maior reflexão e empenho. Aí pode dizer-se que, em Portugal, e porventura também ao nível da União, há ainda um défice que urge superar. Mencionarei de seguida alguns (7) dos sectores que considero prioritários, pensando em Portugal, mas com relação também com a União.

Primeiro, os direitos dos imigrantes. Em toda a Europa parece assistir-se a um movimento global de restrição da entrada de cidadãos estrangeiros que pretendem fazer a sua vida no território da União Europeia. Será porventura justificada esta restrição, mas ela deve ter uma contrapartida: os imigrantes devem ver reconhecidos todos os direitos de plena integração nas sociedades que escolheram para viver, num quadro de respeito pelas regras fundamentais dessas sociedades.
Segundo, a necessidade de assegurar uma justiça célere. Tem sido esse um problema entre nós, que provocou, aliás, várias condenações do Estado português no âmbito do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. A lentidão da justiça lesa os direitos. Constitui uma prioridade política fundamental reformar os trâmites judiciais de modo a acelerar a justiça, sem lesar, naturalmente, os direitos dos intervenientes processuais.
Terceiro, diminuir drasticamente as zonas de convivência comunitária onde o direito e os direitos, embora vigorem formalmente, têm dificuldade em impor-se e em ser implementados. Um caso que vai sendo conhecido melhor é o do espaço familiar, onde persistem situações de violência familiar, de que são vítimas, em primeira linha (embora não exclusivamente), as mulheres, as crianças e os idosos. A sensibilização comunitária, das forças policiais, do sistema judicial e dos vizinhos, para estas situações deve merecer uma atenção particular.
Espaço onde a situação dos direitos deve ser particularmente estudada e melhorada é o das instituições de internamento de certo tipo de pessoas sujeitas a um processo de exclusão ou de menos atenção pelas suas famílias ou pela comunidade em geral. Os lares de idosos, as instituições de internamento de crianças e de jovens em risco, por exemplo, são muitas vezes o calvário de cidadãos cujos direitos são reduzidos a uma expressão mínima. No caso das crianças e jovens, são instituições que, além do mais, frequentemente formam cidadãos desabituados da linguagem dos direitos e insuficientemente preparados para se regerem por eles na sua vida adulta.
O Parlamento português está muito atento a esta problemática e encararia com todo o gosto a possibilidade de se envolver numa iniciativa europeia nesta área.
Quarto, a situação das prisões. Este aspecto é particularmente preocupante em Portugal, onde temos ainda um problema de sobrelotação dos estabelecimentos prisionais, em boa medida (mas não só) provocado pela extensão, porventura excessiva, do recurso à prisão preventiva. As prisões portuguesas, além de sobrelotadas, albergam um alto número de reclusos consumidores de drogas. Isto provoca vários problemas sérios, entre os quais merecem saliência os de saúde. As prisões correm sérios riscos de serem instituições de morte e de doença. Cumpre evitá-lo a todo o custo.
Quinto, a garantia dos direitos de certas minorias. No caso português destaco o caso dos ciganos, não raro envolvidos num círculo vicioso de exclusão pelos restantes cidadãos, auto-exclusão e mais exclusão pelos seus vizinhos.
Sexto, o aprofundamento das condições de igualdade de acesso de ambos os géneros a certas funções, particularmente o exercício de cargos políticos. A percentagem de mulheres no Parlamento português continua a ser baixa, apesar de alguns progressos recentes. Essa percentagem é ainda mais baixa no exercício de cargos no Governo e nos órgãos do poder local, bem como nos partidos políticos. Esta é uma situação que parece poder ser superada apenas através de medidas de discriminação positiva, que espero que o Parlamento português possa aprovar em breve.
Sétimo, os consumidores de drogas. Esta referência tem muito que ver com a sensibilidade pessoal que adquiri quando desempenhei funções no âmbito do Governo português no que concerne à política de combate às drogas. Estou firmemente persuadido que os consumidores de drogas são vítimas de um crime e não agentes criminais. Como vítimas do crime, são doentes ou correm o risco de se tornarem doentes. Os consumidores de drogas devem passar a ser objecto de uma ajuda especial e não de perseguição policial, a qual deve ser reservada para os traficantes.
No contexto da União Europeia, creio que deveria ser conferida especial atenção ao esforço, que vem sendo feito por ONG, no sentido de se promoverem alterações aos tratados internacionais que regulam o tema do combate às drogas, de modo a flexibilizar o tipo de políticas que podem ser adoptadas pelos Estados para ajudar e enquadrar os consumidores de drogas.

Finalmente, uma nota de optimismo e de esperança. Creio que num momento em que há repetidas análises que sublinham diferenças entre a Europa e os EUA em vários campos que no passado pareciam unir-nos, é possível e importante que a Europa não transija no seu modelo de direitos e que, antes pelo contrário, o aprofunde.

Assembleia da República, 15 de Janeiro de 2004. - O Deputado, Vitalino Canas.