Portanto, estes são problemas delicados e sérios que têm de ser considerados conjuntamente numa direcção central desta natureza.
A par disto, existiam as secções de investigação criminal da corrupção, da fraude internacional, do contrabando organizado, da contrafacção de moeda e de meios de pagamento electrónicos que não em dinheiro e da criminalidade informática.
O esforço que existia era para conseguir uma investigação integrada em relação a todas estas secções de investigação criminal no sentido de se dominarem as tipologias do crime económico.
Ao fim de um ano e meio, ficámos com um diagnóstico dessas tipologias que, como já disse, nos permitiram concluir que o contrabando organizado passava pelas rotas do tráfego de droga, que a fraude nos cartões e nos meios de pagamento que não em dinheiro passava pelas rotas das máfias de Leste e, inclusive, das máfias do Oriente, que todas estas modalidades tinham representação na fraude ao IVA e aos IEC, que, no domínio da fraude aos IEC, havia empresas-ecrã que eram tituladas por vadios, por testas-de-ferro que simulavam transacções intracomunitárias com facturas fictícias em cascata e, depois, quando as finanças iam ao local, não encontravam nada nem ninguém; nada existia e o Estado e a sociedade são lesados em milhões e milhões de euros.
No que diz respeito à fraude ao IVA, o mesmo sistema, em carrossel, de empresas-ecrã que simulam transacções intracomunitárias para produzir reembolsos indevidos na ordem de milhões de contos. Uma das últimas fraudes cujo inquérito deu entrada respeitava a 7 ou 8 milhões de IVA em dívida ao longo de dois anos. Havia uma fraude ao IVA em que estavam implicados dois presidentes de conselhos de administração.
Portanto, tudo isto nos levava a pensar que tínhamos de ter meios em acção que envolvessem a cooperação institucional interna com as restantes polícias nas restantes direcções centrais, com os serviços regionais.
Precisávamos, também, de cooperação com a banca por causa dos circuitos financeiros e do tracing e do sizing do dinheiro. Fizemos esforços nesse sentido e sensibilizámos a banca e as instituições financeiras. Quanto à cooperação com a CMVM, fizemos esforços nesse sentido e tínhamos cooperação com esta entidade. Havia cooperação com os peritos da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, da Inspecção-Geral de Finanças e das Alfândegas.
Para além disso, como não podia deixar de ser, havia articulação estreita com os magistrados do Ministério Público. Havia reuniões periódicas, reuniões semanais com os responsáveis do Ministério Público pelas secções que tinham incidência na nossa competência material.
Na UCLEFA propusemos grupos de trabalho que pudessem combater com impacto a evasão e a fraude fiscais, nomeadamente grupos sobre a criminalidade económica, financeira e fiscal e as novas formas de criminalidade, sobre o dever de sigilo e o acesso às bases de dados, sobre protocolos entre a Polícia Judiciária, as alfândegas e a DGCI. Devo dizer que já existia um protocolo com as alfândegas desde 1997 e não dava frutos.
Nesses grupos de trabalho, todos dirigidos pela Polícia Judiciária, à excepção do grupo de trabalho do acesso às bases de dados, procurámos estabelecer uma cultura de cooperação com salvaguarda do perfil institucional de cada um dos intervenientes e com cooperação e especialização, porque só assim é possível atacar, prevenir e combater o crime organizado.
Ao nível das empreitadas e dos grandes empreendimentos de obras públicas, fizemos análises de risco. Tínhamos propostas a fazer, nomeadamente criar uma base de dados de empreiteiros de risco, de empresas de risco, o que penso que há-de corresponder a orientações da própria União Europeia nessa matéria.
Fizemos estudos acerca da corrupção nas autarquias e definimos modus operandi nessa matéria.
Isto era um trabalho que estava em marcha, que vivia da motivação dos investigadores, do treino dos investigadores, mas vivia da colaboração de todas as instituições que se encontravam no outro lado, ou seja, fora da Polícia Judiciária, instituições que, no terreno, estavam implicadas no combate à fraude.
A minha visão do combate à fraude é, de facto, a de congregar essas instituições e não a de fazer projectos hegemónicos, esmagadores, para os outros órgãos de polícia criminal. É que, neste momento, se o projecto de lei de organização criminal for para a frente com aquela formulação em relação aos crimes tributários - elaborei uma formulação, que entreguei ao Dr. Adelino Salvado, que não é exactamente a que foi aceite por ele -, acontece que há uma sobreposição de competências entre a Polícia Judiciária e os demais órgãos específicos.
É que a Polícia Judiciária não tem vocação para o combate aos crimes tributários propriamente ditos. A Polícia Judiciária tem vocação é para desmantelar grupos organizados no terreno e atacar as cabeças desses grupos. É nesse momento que a Polícia Judiciária deve intervir, aliada, consoante os casos, à DGCI, ou à Direcção-Geral das Alfândegas, ou à Inspecção-Geral da Saúde, em cooperação institucional, desempenhando a Policia Judiciária o papel, no terreno, de desmantelamento de grupos - detenção, apreensões, recolha de prova, ataque à cabeça de grupo, àquilo a que os ingleses chamam os bosses, o que é um problema no crime internacional organizado -, confisco, detecção e confisco das vantagens do crime e a utilização dos conhecimentos técnicos e periciais dos outros órgãos específicos de polícia criminal, nomeadamente no âmbito da DGCI e das alfândegas.
A experiência irlandesa é no sentido da existência de uma secção altamente especializada que inclui dos mais qualificados magistrados do Ministério Público e pessoas com diversas qualificações técnicas e operacionais - polícias, técnicos, peritos - que actuam com uma finalidade, o confisco de bens, o confisco de vantagens indevidas do crime. Por exemplo, no protocolo, nunca ninguém fala em confisco de bens, ignora-se completamente as directivas da União Europeia nessa matéria.
O que digo é que este não é um tipo de orgânica que dê à Polícia Judiciária modernidade e capacidade de resposta, mas, sim, pela análise que é feita por quem tem treino, está no terreno e tem experiência. Essas pessoas não foram ouvidas. Foram ouvidas outras pessoas que são da Polícia Judiciária mas que não têm o treino no combate a este tipo de criminalidade e não perceberam os obstáculos na produção de prova existentes no crime organizado internacional.
Nada é fácil, tudo é difícil, tudo são dificuldades. Estamos a falar de um crime-indústria, de um crime altamente sofisticado que transpõe todas as fronteiras. É um crime que envolve a necessidade de cooperação internacional.