O problema, no entanto, está colocado na gestão orçamental portuguesa, mas está colocado também quanto aos critérios que deve seguir esta consolidação orçamental. Reconhecerá a Sr.ª Ministra que a razão pela qual criticámos o Pacto de Estabilidade foi exactamente a razão pela qual ele, hoje, está em crise. Dissemos que o Pacto de Estabilidade, ao procurar baixar o défice orçamental dos 3% até 0%, só era crível se se admitisse que havia, permanentemente, uma situação de expansão económica. Ora, o ciclo económico é uma realidade; é, aliás, a única forma de o sistema económico da economia capitalista, a economia industrial moderna, se reajustar, eliminando uma parte do seu próprio capital. O ciclo económico é absolutamente incontornável! E o erro do Pacto de Estabilidade e das medidas que presumia era o de que nunca haveria depressão económica, porque, na altura em que houvesse, ele entraria, necessariamente, em contradição. E foi isso o que aconteceu.
Presumo que reconhecerá que esta crítica era não só adequada, como foi completamente comprovada pelos factos. Quando entrámos em depressão, os governos deixaram de poder ter a política de consolidação orçamental que estava prevista no Pacto. Não podia deixar de ser assim!
Portanto, é bom que se reflicta que, para o futuro, quando corrigirmos o Pacto, vamos ter exactamente o mesmo problema. Então, quando se reiniciar a expansão, no final de 2003, ou, mais provavelmente, em 2004 (e veremos em que condições é que isso acontece), poderemos voltar a dizer que vamos voltar ao défice zero.
Mas o que não podemos presumir é que não volte a haver um ciclo económico depressivo, porque houve em 1974/75; porque houve em 1982; porque houve em 1991; porque há, agora, em 2002/2003; e porque haverá, naturalmente, por ser a forma de procedimento. Nunca deixou de ser assim em 200 anos da actividade das economias industriais modernas. Consequentemente, temos é de ter um Pacto que consolide orçamentalmente, mas que previna as situações de desagregação da política económica.
E é por isso que queria fazer-lhe, neste ponto, uma pergunta directa. A Sr.ª Ministra referiu-se a alguns artigos de opinião sobre esta matéria. Ora, em Portugal, temos não só propostas de grupos parlamentares (já o fiz, no quadro do Orçamento rectificativo, a Sr.ª Ministra opôs-se a isso, mas insistirei neste Orçamento, sob uma forma mais concreta), mas o Presidente da República, em artigos publicados no Público e no Le Monde, comentou esta situação e insistiu, em particular, numa estratégia que é a de rever um Pacto, prevendo um saldo orçamental que exclua as despesas de investimento, ou, pelo menos, as fundamentais das despesas de investimento. Esta é, aliás, a nossa opção desde há muito tempo. Gostaria, pois, que nos dissesse, e é esta a minha pergunta, se está em desacordo com essa estratégia ou se lhe parece inadequado que se proceda nesse caminho.
A última questão, Sr.ª Ministra, versa, ainda, sobre a questão do sigilo. Tomei nota da resposta que a Sr.ª Ministra e os Srs. Secretários de Estado deram e das informações. Devo dizer-lhe que também colaborei na preparação da lei anterior e que registo com muita satisfação a posição que tomou aqui, dizendo que estas regras são suficientes e que deve ser incentivada essa medida, até porque, na altura, a Sr.ª Ministra opôs-se a estas medidas. A Sr.ª Ministra não só se opôs à lei em geral que as contém, mas opôs-se especificamente às alterações sobre o sigilo bancário incluídas nesta legislação.
Mas creio que a vida é isto, é que vamos aprendendo e vamos corrigindo e, portanto, saúdo a sua aproximação a essas posições. Aliás, na altura, tínhamo-nos confrontado com as posições da actual Ministra da Justiça, que remetia, remeteu sempre, uma intransigência absoluta, dizendo que isto violava o artigo 26.º da Constituição, por causa da inviolabilidade da vida privada, e, portanto, haveria um problema fundamental quanto ao levantamento do sigilo bancário que era o de que as pessoas têm o direito a manter a sua vida privada, ou, para fazer uma tradução liberal, têm direito a mentir.
No entanto, quero constatar que, face aos dados que nos dá, com o grau de fraude fiscal de que a Sr.ª Ministra, aliás, deu conta, de que só em dívidas fiscais teríamos 1800 milhões de contos, já para não falar do que é fraude e evasão, porque está tudo fora dessa conta, como é natural, porque não está contabilizado e que será, porventura, muito mais do que isso, nessa situação, presumo que, apesar de a lei ser aberta para a sua utilização, a verdade é que a administração fiscal não tem, hoje, a autonomia, ou a capacidade, ou a decisão, para utilizar esta lei.
Enquanto esta lei se mantiver, não haverá um combate generalizado com a utilização do instrumento do levantamento do sigilo. E é por isso que lhe proponho um método diferente, que é o de que, no âmbito do seu Ministério, e não no âmbito da administração fiscal, se crie a operacionalização que permita toda a informação centralizada de todas as operações bancárias e que seja feito, no seu Ministério, directamente, sob a sua tutela, o cruzamento das informações de todas as operações bancárias com toda a informação tributária. Creio que é o que permite que não haja alguma suspeita sobre direccionamento de investigações, pois não se vão investigar directores de jornais, não se vão investigar porta-vozes da oposição, não se vai investigar este ou aquele empresário, ou este ou aquele sindicalista; mas todos os cidadãos, todos sem excepção, são verificados para saber se na sua declaração tributária está um salário de 100 e se entram 5000 por mês na sua conta bancária e se há razões legais para que isso aconteça, ou se, pelo contrário, é fraude narcotráfico ou o que quiser.
Creio que este é o único mecanismo que temos e que é, aliás, um mecanismo suficientemente testado, porque é aquele que ocorre nos Estados Unidos da América e em alguns outros países muito mais desenvolvidos do que Portugal. E queria sobre isso, Sr.ª Ministra, ter a sua reacção, na expectativa de que, assim como já veio a aceitar as boas regras da lei da reforma fiscal anterior, possa vir a aceitar as melhores regras que agora lhe estou a propor.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças.
A Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, a sua primeira pergunta prende-se com a questão do imobiliário, tendo dito que não tem corrido bem, porque o encaixe financeiro tem sido menor do que o que se estava à espera. Não se trata de qualquer falta de transparência, é assim, ou seja, estimávamos determinado montante e não se consegue obter esse montante, o que significa que também não se está a pensar vender ao desbarato, mas a tentar vender pelos valores correspondentes às avaliações. Por isso, não se está a vender de uma forma qualquer.
Em todo o caso, devo dizer-lhe que o montante da receita que está estimado no Orçamento rectificativo para