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19 DE MAIO DE 1988 351

não esquecer que a vítima, neste caso a entidade proprietária, tem um estatuto que a protege e fortemente; e, por outro lado, o jornalista não é um carrasco, não é um algoz, não é um obstrutor, não é um vetador, porque a arma suprema que lhe dão é que, quando esteja em discordância tão profunda, quando entenda que a alteração lhe repugna tanto, se vá embora - mas nesse caso vai-se embora com uma indemnização correspondente a um despedimento sem justa causa, isto é, a máxima possível. E cessa tudo aí.

O Sr. Presidente: - Já agora, gostaria de perguntar: e se for ao contrário, se for o proprietário quem não está de acordo com a orientação do jornal, também poderá despedir, dando uma indemnização sem justa causa?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, não pode, porque aí carece de justa causa, mas tem outros meios. Não vou falar dos meios ilegais, estou a falar dos meios legais, porque os ilegais são uma floresta de pressões e têm sido, na vida portuguesa, de tal forma terríveis que as pessoas não só saem, como algumas se matam, pura e simplesmente - há histórias verdadeiramente horrendas nesta área, e um dossier negro, mas não releva para este efeito.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Já que me estão a "martirizar" por termos levado tão longe a discussão deste tema, também vos vou "martirizar" um pouco. O problema é este, e não é tão simples assim. Imaginem que são jornalistas de O Diabo, são de extrema direita, gostam de estar n'O Diabo, que também é de extrema direita. Poderia configurar com paridade um jornal e um jornalista de extrema esquerda. O jornalista sente-se bem nesse jornal, está de acordo com o seu ideário, concorda com a orientação. De repente, o jornal é comprado por um indivíduo ideologicamente antípoda. Qual e a posição do jornalista no dia seguinte? Como é que um homem de extrema esquerda continua a escrever n'O Diabo, ou como é que um homem de extrema direita continua a escrever num jornal de extrema esquerda? Não é tão simples como parece!

Devo dizer que sempre me impressionou o pouco interesse que se dispensa aos estatutos editoriais. Vem alguns de há 20, 30 ou 40 anos. Um deles, quando eu era Ministro da Comunicação Social, salvo erro o do Diário de Notícias, foi modificado. Não imaginam a diferença entre o que era e o que passou a ser. Se isto se faz sem a intervenção dos jornalistas - o que não foi o caso, antes pelo contrário -, nunca mais haverá paz no respectivo jornal. Passa a ser uma família desavinda, uma família desalinhada, que trabalha a contragosto, com ordens de cima para baixo, tipo "meta-se dentro do estatuto editorial", e reacções de baixo para cima, tipo "a minha consciência não dá para isso, a minha alma não cabe nesse espaço". Isto é, efectivamente, muito sério.

Por que é que o Estado não tem esse ónus? Porque se pressupõe que o Estado não impõe orientação ideológica aos jornais de que é titular. Que, se a tem, não deve tê-la. Por que é que, inversamente, um jornal privado e os seus trabalhadores tem direito a um estatuto editorial? Porque se pressupõe que, tendo ele direito a tê-lo, e devendo tê-lo, convém que seja consonante com o ideário de quem trabalha no jornal. Se de repente se cria um vácuo, um corte com a realidade - que por sinal é anímica e coloca problemas de consciência -, não vamos tratar disso com ligeireza.

Sinceramente, parece-me muito difícil mexer no que está na Constituição. Estamos dispostos a melhorar o que for de melhorar, mas não vejo que valha muito a pena passarmos do "talim" para o "talão". Por exemplo: se suprimíssemos a palavra "ideológica" e referíssemos só a expressão "orientação do jornal", isso acabaria por ter o mesmo conteúdo caso fosse bem interpretado. Acontece, porém, que, tendo existido o termo "ideológico" e deixando de existir, a "orientação do jornal" pode ser avaliada pelo preço do papel, por quem o compra, pelo formato, etc. Temos de nos acautelar neste aspecto. Não é tão pouco importante como parece à primeira vista.

No respeitante às confissões religiosas, têm direito a imprimir a orientação dos seus órgãos de comunicação social, precisamente porque são religiosas. Os partidos políticos têm direito a defender, difundir e propagandear a sua particular ideologia, porque é essa a sua razão de ser.

Em suma: não há milagres a fazer neste domínio. Não tenhamos, pois, ilusões a esse respeito. Contudo, podemos tentar fazer um esforço no sentido de melhorar o que está estabelecido.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor cárdia (PS): - Sr. Presidente, afigura-se-me que está feita a prova da necessidade de uma lei paraconstitucional.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, é claro que talvez não seja neste momento a altura mais azada, mas poderia dizer-lhe que com grande legitimidade era possível .extrair-se a conclusão contrária. De facto, o Sr. Deputado Almeida Santos fez há pouco uma veemente defesa de que não deve alterar a Constituição, quanto mais elaborar-se uma lei paraconstiiucional nesta matéria.

Contudo, não devíamos fazer apressadamente nem uma coisa nem outra, porque isso tem custos que não estaremos dispostos a pagar.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS):-Repito, Sr. Presidente, afigura-se-me que está feita a prova. Pelo seguinte: para modificar em sentido que se aproxime de um consenso ou que seja a expressão da vontade largamente consensual do actual poder político é necessário recorrer a leis paraconstitucionais ou outras de igual natureza. De outro modo, teríamos de incluir um quase regulamento na Constituição. Não se querem leis paraconstitucionais? Fica, em meu entender, o texto constitucional exactamente como está.

O Sr. Presidente: - Fazemos um regulamento adjacente!...

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Em princípio, tal não é apenas aplicável a este artigo, mas a todos os outros. Se. porventura, não vier a haver leis paraconstitucionais ou se não se criar no País o clima adequado à revisão da Constituição, fica a totalidade do texto constitucional que temos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, penso que vamos ter oportunidade de discutir longamente as leis paraconstitucionais. Em lodo o caso, julgo que não é necessário, ou talvez nem seja útil, fazer a confusão entre a necessidade de um consenso e a indispensabilidade da tradução desse mesmo consenso sob a forma de leis paraconstitucionais. No entanto, seja como for, e deixando isso agora de remissa, o que me parecia importante, em relação àquilo que referiu o Sr. Deputado Almeida Santos, é que é evidente