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480 II SÉRIE - NÚMERO 17-RC

O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados, vamos dar início aos nossos trabalhos com a análise do artigo 47.°, que tem como epígrafe "Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública", e em relação ao qual existe uma proposta de aditamento para o n.° 3 apresentada pelo PCP.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, já decorre do conteúdo do n.° 1 do artigo 47.a um conjunto de implicações que tem vindo a ser objecto de dilucidação através dos meios constitucionais próprios, originando aqui ou além algumas dificuldades interpretativas. Isso não é anómalo e até permite separar águas, excluir certas dificuldades que em torno do preceito se suscitaram no início da sua vigência.

O direito de livre escolha de profissão ou de género de trabalho não é um direito absoluto. O Estado não está impotente perante o "indivíduo-cheio-de-direitos". Constitucionalmente, garantir a livre escolha não é traçar uma auto-estrada, mas sim definir balizas dentro das quais tal liberdade se possa exercer em sociedades organizadas, como aquelas em que vivemos no nosso tempo. A existência de restrições legais impostas pelo interesse colectivo é um fenómeno normal. A questão é que isso não se traduza num fechar infundado de vias ou no estabelecimento de elementos de desigualdade ou de truncagem indevida de acessos, que deveriam, face ao princípio geral, estar salvaguardados.

A capacidade é, naturalmente, uma limitação. O interesse colectivo é uma limitação. Do que é que se trata na nossa proposta? Trata-se de procurar clarificar ou explicitar que e extremamente importante que se salvaguarde o valor da independência profissional e o valor do sigilo, aí onde eles possam ser postos em causa por indevida interpretação de exigências do próprio interesse colectivo. O preceito que propomos tem uma redacção sucinta:

A liberdade de escolha e exercício de profissão implica o direito de sigilo e independência profissionais específicos de cada profissão ou género de trabalho.

Procura-se qualificar e enquadrar esta norma com um segmento final que refere "de acordo com as respectivas regras deontológicas e as disposições legais aplicáveis". Isto e, de entre os elementos relevantes para enquadrar e definir os limites do sigilo e da independência profissionais procurou-se incorporar as regras deontológicas que as próprias classes, as categorias profissionais, aprovem. Isto não nos parece despiciendo e em relação a algumas delas tem particular relevância. Admito mesmo que venha a ter cada vez mais relevância: e de reconhecer e prever o papel crescente que as normas deontológicas podem ter para o enquadramento da actividade de determinadas profissões. A relevantização das regras deontológicas não é uma coisa virada para o passado. É, com grande probabilidade, um sinal positivo e futuro.

É evidente também que esta proposta tem actualidade. Não dá, por exemplo, resposta a certas questões melindrosas decorrentes da aprovação do Código de Processo Penal. Não é aqui que pretendemos ver a alavanca de Arquimedes para resolver todo o conjunto de questões que o Código de Processo Penal suscitou em relação, por exemplo, ao segredo profissional dos advogados ou ao dos

jornalistas. Para isso esta cláusula é demasiado genérica, já que se limita a proclamar que é implicação da liberdade de escolha e de exercício de profissão o direito ao sigilo e independência. Para isso o preceito é curto; mas entendemos que não é despiciendo. Não introduzirei aqui excessivamente o debate sobre o quadro bastante funesto que neste momento está gerado para o segredo profissional dos jornalistas, que, de resto, é objecto de tutelas específicas na Constituição, nem me referirei sequer ao sigilo profissional dos advogados e aos riscos que sobre ele faz pender o conjunto de normativos hoje constantes do Código de Processo Penal. No entanto, isto veio alertar-nos, particularmente, para a incompletude irrazoável da Constituição neste ponto. Estamos totalmente disponíveis para considerar se esta é a melhor forma de garantir essa completude, mas parece-nos necessário que a definição constitucional, que neste momento estamos a abordar, seja menos incompleta.

O Sr. Presidente: - Gostaria de formular algumas perguntas ao Sr. Deputado José Magalhães. A proposta de aditamento do PCP vai para além daquilo que neste momento é o âmbito e que está espelhado na epígrafe do artigo 43.° Isto é, no artigo 43.º já está neste momento garantida a liberdade de escolha de profissão e do acesso à função pública. O PCP, ao formular este aditamento para o n.8 3, procura fazer acrescer a essa liberdade de escolha a liberdade de exercício da profissão ou uma certa garantia do exercício da profissão, o que são coisas, naturalmente, diferentes.

Por outro lado, coloca-se a dúvida de saber se é aqui o sítio adequado para inserir uma norma desse tipo - isto se se admitir que é necessário consagrar essa norma na Constituição.

Estou de acordo que as profissões devem ser exercidas de acordo com determinadas regras deontológicas e que essas regras impõem limites, mais ou menos vastos, designadamente em relação à subordinação hierárquica, no caso de trabalho por conta de outrem ou no caso da função pública. Elas registam-se sobretudo a partir do momento em que o trabalho desenvolvido tem características técnicas e exige uma autonomia intelectual mais acentuada. É o caso, por exemplo, do trabalho dos juristas, dos engenheiros ou dos economistas. É que, muitas vezes, não é diferente o trabalho realizado por conta de outrem do trabalho realizado no exercício de uma profissão liberal. Só que depois pode haver zonas conflituais entre o poder de direcção e o dever de cumprir essas indicações que lhe são dadas pelo superior hierárquico e essa autonomia técnica ou essas soluções técnicas.

A questão que aqui se coloca é a seguinte: em relação às profissões liberais, temos neste momento as associações públicas, as ordens, que têm essa missão de garantir a autonomia, e existe uma regulamentação desenvolvida sobre o assunto. Os outros casos são muito diversos, muito variáveis. Não julgo que a circunstância de não haver uma norma na Constituição que o explicite exclua que não exista uma preocupação de salvaguardar as normas éticas. A ética existe independentemente de haver preceitos que aqui ou além expressamente a consignem. A questão que se coloca é a de saber da conveniência de, sem explicitar este problema do conflito entre dois princípios e sem espelhar, de uma maneira clara, a diversidade muito grande de situações que existem, colocar na Constituição uma norma deste tipo. Isto é, o facto de se vir a consignar um número neste artigo pode distorcer, em termos que não me parecem convenientes, um problema em relação ao qual, suponho, o nosso ordenamento jurídico já tem elementos suficientes