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15 DE JUNHO DE 1988 485

A versão originária do projecto do Código de Processo Penal, no artigo 135.°, continha um n.° 4 de teor idêntico ao que figurou na versão final. O teor desse n.° 4 é:

O disposto no número anterior não se aplica ao segredo religioso.

O que sucede é que o artigo 182.° do mesmo Código, no seu n.° 1 reza:

As pessoas indicadas nos artigos 130.° a 136.° apresentam à autoridade judiciária competente, quando esta o ordenar, os documentos ou quaisquer objectos que estiverem na sua posse e devam ser apreendidos, salvo se invocarem por escrito segredo profissional ou segredo de Estado. Se a recusa se fundar em segredo profissional, é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 185.8, n.ºs 2 e 3. Se a recusa se fundar em segredo de Estado, é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 137.°, n.° 2.

No meio disto tudo, o regime do segredo religioso, nestas hipóteses, suscita algumas dúvidas. Por outro lado, suscitam-se dúvidas bastante incómodas e desagradáveis quanto a saber o grau de subsistência das normas da lei sobre liberdade religiosa anterior ao 25 de Abril aplicáveis ao segredo religioso, ou seja, se sim ou não estão afectadas pelas novas normas do Código de Processo Penal e se foram salvaguardadas em parte. Isto é, o segredo religioso não é uma questão fechada, nem uma questão que não esteja sujeita a dúvidas, que desejaríamos que não existissem sequer, e parece-nos que a forma de normação que foi utilizada no Código de Processo Penal é, neste ponto - e pese embora o disposto no n.° 4, que citei -, insuficiente e pode dar origem, na prática, a problemas de aplicação, sobretudo porque aquilo que se diz, primeiro, no n.º 1 e, depois, no n.° 4 do artigo 135.° suscita um problema. No n.º 4 diz-se:

O disposto no número anterior não se aplica ao segredo religioso.

Ora, o número anterior ao n.º 4 é o n.° 3, que reza:

O tribunal imediatamente superior àquele onde o incidente se tiver suscitado ou, no caso de o incidente ser suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o plenário deste tribunal pode decidir da prestação de testemunho com quebra de segredo profissional quando se verificarem os pressupostos referidos no artigo 185.° do Código Penal. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou em requerimento, e é precisa a audição do organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa.

Porém, no n.º 2, reza-se:

Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se. após estas, concluir pela legitimidade da escusa, ordena ou requer ao tribunal que ordene a prestação do depoimento.

A concatenação entre tudo isto, o artigo 182.° e lei da liberdade religiosa, suscita dúvidas, que creio não terem boa razão de ser. Em todo o caso, é absolutamente fundamental que se proclame, sem margem para nenhuma dúvida, esta coisa tão simples: "O segredo dos ministros das confissões

religiosas é inviolável", porque a expressão "é inviolável" é a que mais condensa, em termos proibitivos, tudo o que é relevante conceber nesta esfera e exclui, em absoluto, quaisquer interpretações nefastas em relação a possibilidades de apreensão, de expressão, etc. Foi por isso que a propusemos e nisso pesou seguramente a memória e o eco do debate que tivemos na 1.ª Comissão de Revisão Constitucional sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Costa Andrade, não vamos voltar a discutir?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não, Sr. Presidente, mas ainda bem que as coisas se encaixam no seu sítio.

O Sr. Deputado José Magalhães diz hoje -e é uma interpretação possível, embora não seja a minha, mas, em matéria de hermenêutica, todas as possibilidades estão em aberto - que isto suscita algumas dúvidas. Penso, porém, que não suscita dúvidas e que, no que toca ao segredo das confissões religiosas, o Código de Processo Penal estabelece um verdadeiro tabu. Mas para o Sr. Deputado José Magalhães suscita algumas dúvidas.

Ainda assim, isto é um pouco melhor do que aquilo que foi dito ontem e que me parece ser importante, ou seja, que a versão original implicava o sacrifício do segredo religioso da mesma forma que o fazia em relação a outro tipo de sigilo. Ora, o Código de Processo Penal quis sempre rodear esse segredo profissional de uma ideia de tabu e não abre minimamente essa possibilidade, nem nunca abriu, em nenhuma das formulações. O processo legislativo durou três anos e podia ser vencido em qualquer das votações, mas houve sempre a ideia de que isso nunca poderia acontecer, ideia essa que, aliás, se confirma, pois nunca, em nenhuma das fases do processo legislativo, esteve aberta ou sequer sugerida essa possibilidade.

Por conseguinte, relativamente à introdução na Constituição desta proposta, já ontem dissemos o suficiente e talvez não possam ser extraídas todas as conclusões que o Sr. Deputado tira. Veremos! Também a vida é mais do que o que possamos antever desde já, mas, embora o artigo relativo à vida consigne que ela é inviolável, a própria ordem jurídica, como o Sr. Deputado muito bem sabe, tolera formas legítimas de sacrifício da própria vida, formas que são extremamente numerosas nas várias situações de conflito que, em geral, a vida pode criar. Já suscitei este problema várias vezes, mas não posso deixar de o voltar a suscitar. Feliz ou infelizmente, ainda são estas as instituições que temos na Europa e ainda é possível sacrificar o direito à vida - e legitimamente - para salvar um bem patrimonial agredido.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostosamente, conduzi a questão aos termos que lhe são próprios. É evidente que o nível de preocupação que para nós decorre da formulação do artigo 135.° quanto ao segredo profissional dos advogados e dos jornalistas, em particular, não é comparável com o que se suscita quanto às confissões religiosas.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença de que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.