484 II SÉRIE - NÚMERO 17-RC
a definir, não ficam então ilegitimadas senão as restrições que queiramos. Está inteiramente na nossa disponibilidade sermos tão precisos na formulação da cláusula que não ilegitimemos aquilo que é razoável, designadamente aquilo que decorra da necessidade de interesse público, que colide, obviamente, com qualquer concepção mais do que autonomista, autarcista e independentista no exercício de profissões. Há, pois, uma diferença entre a garantia da independência no exercício das profissões e um independentismo absurdo, qual fosse a capacidade de vogar profissionalmente imune às leis, ao Estado e à sociedade. Não é isso que se pretende seguramente da nossa parte.
Portanto, creio que a questão é extremamente pertinente. Aliás, não vejo (mas isso será uma questão pura e simplesmente de insuficiente estudo da questão) quais fossem as ilegitimações que decorreriam da nossa fórmula, sobretudo por causa do argumento formulado pelo Sr. Deputado Costa Andrade. De facto, quando o Sr. Deputado chama a atenção para a cláusula aberta constante do segmento final do preceito que propomos e o Sr. Deputado Rui Machete adverte para o facto de que a técnica de legalização ou de remissão para lei ordinária tem efectivas consequências, estamos a abrir aquilo que o Sr. Deputado António Vitorino receava que estivéssemos a fechar. Não estamos a impedir o legislador ordinário de estabelecer limites, mas, pelo contrário, a permitir que os formalize, teleologicamente dirigidos e limitados quanto à produção, necessidade e adequação.
No entanto, é evidente que o Sr. Deputado António Vitorino ficaria muito mais descansado, se acaso o estou a perceber bem, se o preceito, em vez de estar redigido desta forma, referisse qualquer coisa deste tipo: "A liberdade de escolha e exercício de profissão implica, nos termos da lei, o direito de sigilo e independência profissionais específicos de cada profissão ou género de trabalho, de acordo também com as respectivas regras deontológicas." Isto teria a possibilidade ou a virtualidade de remeter para a lei ordinária esta matéria, a qual seria elaborada de acordo com as regras próprias da arte, mas poderia conter cláusulas respeitantes ao exercício da profissão, sujeitando-a a regulamentações, limitações e outros aspectos considerados necessários.
Finalmente, em relação à afirmação produzida pelo Sr. Deputado Rui Machete, segundo o qual a técnica usada pelo PCP teria alguma coisa a ver com aquela que foi utilizada pelo PSD a alguns artigos atrás e verberada por nós, devo dizer que só na mais ilusória das aparências e que se pode julgar tal coisa.
O Sr. Presidente: - É a mesma!
O Orador: - Sr. Deputado, não é a mesma, e isso demonstra-se afoitamente. Aliás, dar-me-á seguramente razão se fizer a comparação rigorosa do que vem proposto: num caso, o PSD procura diminuir o conteúdo constitucional e remeter para a lei a definição normativa; no caso do PCP, trata-se de aditar conteúdos constitucionais e remeter para a lei a regulamentação dos conteúdos aditados. Num caso, o vosso, há uma dolorosa amputação, com remissão para o medico ordinário; no nosso caso, há uma benéfica prótese, com possibilidade de cirurgia adicional, pelo médico ordinário. É muito diferente.
O Sr. Presidente: - V. Exa. tem uma propensão marginal para a cirurgia em que não o acompanho. Mas, em qualquer circunstância, a técnica é exactamente a mesma depois de se ganhar qual o conteúdo constitucional. No entanto, não vale a pena estarmos a discutir isso.
O Orador: - É verdade, Sr. Presidente, que é uma remissão. Quanto a tudo o mais, é diferente.
O Sr. Presidente: - Mas, como era apenas na remissão que a questão se punha...! O Sr. Deputado António Vitorino referiu, de passagem - e penso que não valerá a pena tardarmo-nos muito nesta discussão -, que o problema se poderia pôr, em circunstâncias diferentes, em termos de relações especiais de poder e suponho que não usou, de resto, a expressão "em termos técnicos". Mas não é esse o ponto que interessa. O que interessa é que, efectivamente, esta especificidade da profissão existe - como há pouco referi - em relação a profissões que têm um elevado nível técnico e que, inclusivamente, têm uma entrega ou dependência das pessoas que, de algum modo, são objecto das acções profissionais dos clientes, digamos assim. Estou, por exemplo, a pensar no caso dos médicos, no dos advogados, ou até no caso dos engenheiros, e é por isso mesmo que desde há muito tempo resultou daí uma regulamentação deontológica particular para proteger as pessoas que estão em elevado grau de dependência desses profissionais.
No que respeita, por exemplo, aos funcionários administrativos, evidentemente que existe sempre uma limitação, que é, aliás, patente quando se põe a possibilidade de, legitimamente, se desrespeitarem as ordens dos superiores hierárquicos. No entanto, não existe esta riqueza de problemática e, na verdade, a mesma é transponível. Por isso eu dizia que esse problema das relações especiais de poder foi apenas, usado como imagem de retórica. Na organização interna das empresas põe-se, por exemplo, o mesmo tipo de problema que se põe em relação a um tipo de trabalho burocrático.
Não estamos suficientemente amadurecidos quanto a saber quais são as implicações da adopção de semelhante articulado - e V. Exa. salientou muito bem os aspectos da técnica jurídica e dos direitos fundamentais, mas a simples afirmação constitucional pode ter importância nesse capítulo -, que teria, nesses aspectos organizatórios, uma declaração deste género. E devo dizer que não estou - como disse há pouco e repito - contra a ideia. Obviamente, existem limites deontológicos ao exercício da profissão, havendo uma certa autonomia, que pode ser, ou muito grande, ou mais pequena, mas isso tem menos a ver, apesar de tudo, com o problema de estar integrado numa organização do que com o problema da profissão em si, porque, por exemplo, as regras deontológicas dos médicos, pela circunstância de estes actuarem como funcionários públicos, não são diferentes das que os regem no consultório, e, provavelmente, não há exercício - ou é muitíssimo reduzido -, em termos de profissão liberal, do burocrata puro e simples. Não existe por definição.
Em suma, diria que registamos estas boas intenções do PCP, mas que, a benefício de uma reflexão posterior, temos dúvidas de que se justifique a introdução de um preceito deste tipo na Constituição. Em todo o caso, não se trata de uma exclusão sem apelo e, se uma reflexão posterior vier a encontrar uma forma plausível de formular este preceito sem efeitos nocivos, não queridos, mas eventualmente existentes, reponderaremos a questão.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, há pouco, por um outro afazer, não pude registar na acta o que quer que fosse em relação a uma rectificação ou a uma nota que o Sr. Deputado Costa Andrade teve ocasião de formular quanto a um aspecto suscitado ontem durante o debate das questões relacionadas com o segredo dos ministros das confissões religiosas.