15 DE JUNHO DE 1988 483
O Sr. José Magalhães (PCP): - V. Exa. já se tinha feito entender. O que aconteceu é que me exprimi mal.
Parece-me que o PS receia que isto implicasse um reforço das restrições já existentes quanto à possibilidade de limitar a liberdade de exercício das profissões. Receia que, além das disposições decorrentes do artigo 18.°, ou seja, a capacidade de conformação legislativa de que o legislador dispõe, viessem a somar-se algumas outras derivadas do facto de se proclamar que a liberdade de exercício implica o direito ao sigilo e à independência profissionais.
O Sr. Presidente: - Se bem percebi o que disse o Sr. Deputado António Vitorino, parece-me que ele se limitou a referir que, se aplicássemos lodo o mecanismo que está previsto para os direitos, liberdades e garantias, designadamente o artigo 18.°, poderemos com este preceito produzir resultados, no campo da legislação já existente, que não estão neste momento a antever em toda a sua extensão e podem, aliás, ser inconvenientes.
Assim, Sr. Deputado José Magalhães, a dúvida que tenho está em saber se a formulação do PCP não leva a grandes riscos nesse capítulo, uma vez que ela e similar a uma outra que o PSD formulou há pouco no sentido de remeter para a legislação ordinária certa matéria, a qual, aliás, foi objecto de críticas com alguma razão de ser, pois entregava de um modo discricionário esta matéria nas mãos do legislador ordinário, embora tal fosse balizado pelas directrizes fundamentais existentes nesta problemática, designadamente as que constam dos artigos 18.° e seguintes. Penso que foi isso que o Sr. Deputado António Vitorino quis dizer.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - De facto, Sr. Presidente, são duas questões distintas entre si.
A primeira questão é esta: a liberdade de exercício de profissão não tem neste momento uma sede constitucional própria em termos de direitos, liberdades e garantias. As interpretações ampliativas do significado da liberdade de escolha podem, como corolário, entender que quem tem liberdade de escolha também beneficia, obviamente, de liberdade de exercício. Contudo, sabemos que há legislação avulsa que restringe as condições de exercício de uma profissão e que pode, inclusivamente, limitar essa liberdade de exercício de profissão. Ela existe em circunstâncias limites, mas o certo é que tal se verifica.
Entretanto, quando "promovemos" a liberdade de exercício de profissão ao artigo 47.º, estamos a faze-la beneficiar do regime jurídico de especial protecção e eficácia do artigo 18.º Assim, perguntaria o seguinte: estão, de facto, devidamente ponderadas as consequências que essa "promoção jurídica" terá na subsistência das restrições actualmente vigentes à liberdade de exercício de profissão? Tal como o preceito está construído na proposta do PCP, admite-se que se poderia concluir que a Constituição passaria a não consentir restrições à liberdade do exercício de profissão por via da lei ordinária? Seria absurdo pensar o contrário - reconheço-o -, mas o certo e que na proposta do PCP não está prevista uma remissão para a lei ordinária que lhe confira a regulamentação tia liberdade do exercício de profissão e abra a porta à introdução das restrições que se mostrem necessárias. Alem disso, como com base no artigo 18.v só nos termos previstos na Constituição é que pode haver restrições aos direitos, liberdades e garantias, a proposta do PCP acabaria por ser uma porta totalmente fechada, onde julgo que ninguém pretende que as portas estejam totalmente fechadas. Não sei se me fiz agora entender melhor, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. António Vitorino (PS): - Exacto, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que o Sr. Deputado António Vitorino situou com rigor, e sem margem para equívocos, o campo da interrogação no qual nos devemos realmente mover.
Em primeiro lugar, o que decorre do n.° 1 do artigo 47.c decorre efectivamente dele, independentemente do que se diga no n.º 3 a aditar. Isto é, qualquer formulação contida neste último número não esvazia de conteúdo, não perime, não ultrapassa, nem esmaga, as decorrências do n.º 1. E digo isto por causa do inciso a que o Sr. Deputado Costa Andrade agora se referiu, ou seja, "salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade quanto ao direito de escolha de profissão". Porém, como se sabe, o conteúdo, as dimensões ou os momentos inseridos no n.° 1 do artigo 47.°, no respeitante à questão da profissão, não se esgotam (ou então só numa interpretação muito redutora é que se esgotam) no momento prodómico, ou seja, o primeiro momento de penetração da profissão.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, posso até estar de acordo com V. Exa., mas terá de convir que a destrinça no n.º 3 do artigo 47.º ajuda a reforçar uma leitura restritiva no seu n.º 1.
O Orador: - A destrinça introduzida no n.º 3, ao lançar plenamente a luz sobre o momento do exercício da profissão, vem, directa e nuamente, sublinhar a problemática do exercício. E aí é que se coloca a interrogação que os Srs. Deputados vêm formulando com toda a pertinência, que é a seguinte: quais são as consequências do acréscimo da margem de tutela? Creio que ela deve ser respondida.
É que o exercício de profissão já beneficia da protecção própria dos direitos, liberdades e garantias, isto é, podem, evidentemente, introduzir-se restrições ideologicamente definidas quanto à sua admissibilidade, quando se trate de defender o interesse público, como é óbvio. Podem também introduzir-se condicionamentos e restrições desde que sejam necessárias, adequadas e proporcionadas, ou seja, aquilo a que o Estado está vinculado é a não ser excessivo, e não a ser taxista, nem, a título nenhum, a ser anómico. Portanto, é óbvio que o direito de exercício de profissão não se traduz na possibilidade de, vulgar e incondicionadamente, espalhar as sementes do saber e da profissão de qualquer forma, em qualquer sítio e por qualquer maio. E ninguém sustenta, face ao clausulado constitucional, que isso seja possível. Por conseguinte, aplica-se aqui a chapa, o método e o esquema gerais.
O Sr. António Vitorino (PS): - Quanto a isso, estou de acordo, Sr. Deputado. E agora?
O Orador: - E agora? Digo que agora depende de nós, isto é, se em sede de revisão constitucional for aditada uma cláusula que enfatize, sublinhe, precise e adite um quantum