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15 DE JUNHO DE 1988 487

ofende o princípio da pessoalidade do voto, ao contrário do voto por procuração.

A tradição de referências a esta questão é longa, desde pareceres da Comissão Constitucional até à opinião de vários constitucionalistas portugueses. Assim sendo, cremos que a questão se dirimiria essencialmente com a consagração na Constituição desta forma de voto, com a qual se ultrapassaria a querela relativa à possibilidade de existência do voto por correspondência.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Que eu saiba, até hoje o voto por correspondência nunca foi considerado inconstitucional. Sempre se entendeu que o que é contrário ao voto por correspondência é o voto presencial. Como se sabe, está consagrada uma hipótese de voto presencial na nossa legislação, salvo erro até na Constituição. Dá-me, portanto, a sensação de que se trata de um falso problema. E a consagração do voto por correspondência nestes termos, sobretudo justificada pela fácil ilação do exercício do direito de voto, pode vir a ser entendida no sentido de que o voto por correspondência é desejável como voto normal. Nós entendemos que não é. O voto por correspondência não dá, apesar de tudo, as mesmas garantias de fidedignidade e genuinidade que dá o voto presencial e o voto pessoal. Gostaríamos, portanto, de continuar a encarar o voto por correspondência como um voto tolerado nos casos em que seja eminentemente insubstituível por outro tipo de voto, hipóteses em que, em nosso entender, ele continua a ser possível.

Sinceramente, não vemos necessidade da sua consagração constitucional, embora também não tenhamos uma posição de repúdio em princípio. Porém, consideramos que esta introdução pode vir a ter uma interpretação inconveniente, no sentido de que o voto por correspondência é tão normal e seguro como o voto pessoal. Nunca o tivemos por inconstitucional e em leis feitas por nós, ou com o nosso concurso, estabelecem-se casos de voto por correspondência.

O Sr. Presidente: - No fundo, o Sr. Deputado Almeida Santos pensa, como eu, que o exercício pessoal de voto é, para usar uma expressão latina, o quod plerumque fit...

O Sr. Almeida Santos (PS): - Exacto: o quod plerumque accidit, o que acontece com mais frequência.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, esta é a primeira das várias alterações que o PSD pretende introduzir no quadro constitucional quanto a toda a problemática do direito eleitoral. É, obviamente, possível começar a discuti-las por aqui, é a ordem numérica. Seria, no entanio, muito pouco e seria muito ingénuo discutir a questão desarreigadamente e por forma desinserida do projecto de que faz parte. Isto é, o PSD - como, aliás, tivemos ocasião de assinalar no Plenário - tem, em relação ao nosso direito eleitoral, ideias que implicariam uma profundíssima mutação. Aquilo que o PSD pretende não é um mero conjunto de aperfeiçoamentos ao edifício eleitoral português, tal qual o construímos ao longo destes anos, com a matriz que inequivocamente tem no domínio constitucional. Pretende, sim, a demolição de compartimentos inteiros do edifício eleitoral e a sua substituição por outros, totalmente novos, em nosso entender, muitíssimo piores e enformadores de uma visão de evolução do regime da qual discordamos e a qual, naturalmente, combatemos. Isto é, o PSD propõe a liberalização do voto por correspondência, tal como propõe o "prémio de maioria" nas autarquias; propõe a liberalização do voto por correspondência exactamente como propõe a viciação da criação de círculos eleitorais; propõe o alargamento do voto por correspondência nos mesmos termos exactos em que quer fazer participar em todos os actos eleitorais cidadãos residentes fora do território nacional, em relação aos quais não há liberdade de campanha nem possibilidade de igualdade de oportunidade de candidaturas; e por aí adiante... É tudo isto que o PSD propõe.

Não estamos a fazer uma discussão jurídico-consiitucional num seminário simpático em que um dos oradores resolve discretear sobre as virtudes e deméritos do voto por correspondência, fazendo um rápido rastreio da história desta instituição, da sua evolução, inconvenientes, vantagens e perspectivas no futuro, sobretudo nas sociedades evoluídas, em que a votação se pode fazer por muitos meios. De facto, podemos pensar no veio por telefax, no voto por telex, no voto por meios electrónicos os mais diversificados, no voto por contacto, no voto por computador, no voto no meu computador, na minha casa, directamente para o Ministério da Justiça, directamente do meu leito de doente, etc.... Não é disso que estamos a tratar aqui, não é desse tipo de voto, é de outra coisa!

O Sr. Presidente: - É do voto por correspondência ...

O Orador: - A coisa de que estamos a falar é do voto por correspondência, do tradicional, do clássico voto por correspondência. Em relação a isso, gostaria de observar que a questão tem sido abordada entre nós com muito cuidado, e não por acaso o tem sido. Se conseguirmos evocar, ainda que rapidamente, o debate travado quando se reflectiu sobre esta matéria no quadro da elaboração da Lei Eleitoral para a Assembleia da República, a Lei n.º 14/79, de 16 de Maio, lembrar-nos-emos, seguramente, de que houve a preocupação de não inovar para além dos limites que tinham sido considerados desde a origem do regime democrático. Só o voto presencial garante na plenitude iodos os requisitos de segurança exigíveis, só o voto presencial salvaguarda a autonomia e o sigilo, só o voto directo e presencial impede um conjunto de contrafacções, de viciações e de outros fenómenos patológicos que conduzem à distorção da vontade do eleitorado. É evidente que poderá haver situações em que a necessidade de não privar determinados cidadãos do seu direito de sufrágio legitime o recurso ao voto por correspondência, e, como o Sr. Deputado Almeida Santos teve ocasião de sublinhar, nunca ninguém considerou inconstitucional que, nessas hipóteses limite, fosse salvaguardada a possibilidade de exercício do direito de voto por correspondência. É também evidente que existem casos que podem suscitar dúvidas quanto à interpretação em termos absolutos do voto directo e presencial. Refiro-me, naturalmente, a certos casos em que as pessoas estão impossibilitadas de praticar as operações de voto. No terreno da lei ordinária foram encontradas para estes casos soluções, com cautelas, reforçadas, aliás, pela lei ordinária, nomeadamente pela Lei n.° 14-A/85, de 10 de Julho, que permitem o exercício do direito de voto em casos, designadamente, de cegueira, doença, deficiência física, etc.... Ou seja, é possível encontrar no terreno da lei ordinária soluções que, com todas as cautelas, façam uma articulação entre a garantia dos valores de segurança e de certeza e a garantia do exercício do direito de sufrágio que os cidadãos têm.