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21 DE JULHO DE 1988 815

O Sr. Almeida Santos (PS): - Tenho estado a ouvir encantado, os debates sobre este artigo que julguei não justificasse tanto verbo e tanta paixão na medida em que me parece ser o artigo que, na Constituição, menos merece defesa, quanto mais não seja em nome da língua, pois é talvez um dos mais mal escritos. De facto, dizer-se que "a lei determinará os meios e formas de intervenção dos meios de produção" não é português, é árabe, é qualquer coisa que não entendo. Isto já transparece da difícil interpretação deste texto pelos comentadores. Na verdade, sei o que é nacionalizar meios de produção, sei o que é socializar meios de produção, mas, sinceramente, não sei o que é intervir meios de produção. E é claro que o próprio legislador, que estava numa hora má quando redigiu esta norma, quando chegou ao artigo sobre as empresas privadas, pensou: "Como é a intervenção nas empresas privadas?" Resolveu então pôr um travão e estabeleceu: "na gestão das empresas privadas." Aqui começa a fazer-se luz sobre o significado da palavra "intervir", porque não pode deixar de ser o "intervir na gestão". Sempre assim foi interpretada esta norma. Em seguida, estabeleceu o legislador: "só o pode fazer para assegurar o interesse geral e os direitos dos trabalhadores", e a título transitório. Desta forma, melhorou-se a gravidade e a confusão do artigo 82.° no que respeita às empresas. Porém, verdade é que este preceito merecia um pouco de benzina.

Devo dizer que sempre concebemos a "intervenção em meios de produção" referida à gestão e às empresas, visto percebermos mal que o Estado possa intervir num bem que não seja a título de nacionalização ou de socialização. Pode é intervir não no bem mas na sua gestão e dizer: "Deixas de gerir tu, agora administro eu." Não vejo outra solução. De facto, como é que se intervém num bem não gerível? Tivemos sempre a preocupação de restringir a intervenção do Estado, o que explica o nosso papel nas sucessivas desintervenções, ao nível do Governo, em empresas que tinham sido injustificadamente intervencionadas ou que não deviam continuar sob intervenção estatal.

Estamos, portanto, a ser coerentes com o nosso passado. Quem fizer uma interpretação lógica e sistemática das nossas propostas verá que nem por isso somos indiferentes ao interesse geral que sempre se liga à iniciativa privada. Na verdade, dizemos no artigo 61.° - e creio que mais ninguém o diz: "a iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral." Não somos pois indiferentes ao modo como se administram as empresas. Porém, entendemos que não deve o Estado substituir-se aos privados na gestão de empresas sem uma forte justificação de interesse público e sem garantia de pagamento de qualquer indemnização, ou sequer de prestação de contas.

Por outro lado, no artigo 90.°, n.° 2, somos muito claros em tornar mais efectiva a participação dos trabalhadores na gestão das empresas do sector público. Não nos repugna a intervenção dos trabalhadores, mas sim a intervenção do Estado fora das condições que propomos. Isto é, quando não seja "na gestão" e "nos casos expressamente previstos na lei". As empresas privadas têm direito a saber em que casos pode o Estado intervir na sua gestão. Quando alguém cria uma empresa, tem de saber os riscos que corre ou as vantagens que tem. Estabelecemos também a necessidade de

prévia decisão judicial para estabelecermos a garantia do contraditório. O titular da empresa privada tem o direito de contestar e alegar as razões que, no seu entender, justificam que o Estado não o substitua. Este é o sentido da nossa proposta.

No artigo 82.°, contemplamos apenas a apropriação colectiva, maneira de dizer que engloba os conceitos de nacionalização e de socialização. Também aqui estabelecemos, mais uma vez, a atinência ao interesse público e vinculamos o Estado ao dever de indemnizar.

É este o nosso ponto de vista. Assumimo-lo com toda a frontalidade. É isto, e apenas isto, que pretendemos que fique muito claro para todos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, suponho que, estando estas matérias clarificadas, poderemos, se não houver objecções, iniciar a análise do artigo 83.°

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, não se trata propriamente de uma objecção, mas sim de uma ressalva. Tendo em vista a ausência do CDS e a circunstância de a proposta apresentada pelo CDS relativamente ao artigo 82.° ter óbvia conexão com o artigo 89.° que adiante discutiremos, a minha ressalva é apenas no sentido de, se vier a propósito e se o CDS nessa altura estiver presente, podermos discutir o artigo 82.° da proposta do CDS em conexão com outros preceitos a propósito do artigo 89.°

O Sr. Presidente: - Se o CDS ratificar a gestão de negócios do Sr. Jorge Lacão, certamente.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, é que talvez da parte do PS haja algum interesse em discutir esta temática com o CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, relativamente ao artigo 83.°, o CDS e o PSD propõem a sua eliminação; o PS dá nova redacção aos n.ºs 1 e 2; os projectos dos Srs. Deputados Sottomayor Cárdia e Helena Roseta propõem apenas um único número com uma nova redacção; finalmente, o PRD substitui o artigo 83.° por um novo artigo e acrescenta um outro artigo, com o número 87.°, com afinidades com a matéria aqui tratada.

Visto o CDS não se encontrar presente, pediria ao PS para justificar sucintamente o seu articulado.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, a nossa proposta é fácil de justificar, inclusivamente porque este tem sido porventura um dos artigos referidos nos comentários que vêm sendo feitos a nível da opinião pública, nomeadamente na comunicação social, em matéria de revisão constitucional.

Como se sabe, a Constituição só pode ser alterada por dois terços e, nesta matéria, entendemos que a impossibilidade de se efectuarem desnacionalizações deve acabar em certos termos. Pensamos que, sendo necessários dois terços para que isto aconteça, de algum