812 II SÉRIE - NÚMERO 28-RC
taxativa, ninguém defende isso, e portanto não seriam constitucionalmente ilegítimas formas de intervenção do Estado criadas pela lei ordinária, desde que correspondendo à prossecução de objectivos constitucionalmente consagrados para a intervenção do Estado na economia. Não é preciso que a Constituição seja uma manta de retalhos infindável de todas as formas hipotéticas de intervenção do Estado na economia, nem resulta desautorizada a multiplicidade de formas de intervenção do Estado na economia pelo simples facto de no artigo 82.° da Constituição se não incluir a referência à intervenção nas empresas, à intervenção nos meios de produção em concreto. No projecto do PS a intervenção do Estado na gestão das empresas, se deixa de figurar nos termos em que figurava no artigo 82.°, passa a ter uma referência expressa e cabal, da qual se pode discordar, mas uma referência inequívoca no artigo 85.° do nosso projecto. Creio apesar de tudo que o projecto do PS não tem o pecado que o Sr. Deputado José Magalhães lhe quis, algo precipitadamente, imputar.
O Sr. Presidente: - Gostaria de me pronunicar antes, e suponho que isso pode ter alguma utilidade.
Esta discussão tem sido extremamente interessante porque, por um lado, tem revelado algo que nós já sabíamos, mas que aqui ficou claramente explicitado, isto é, que estes preceitos da Constituição têm dificuldades interpretativas muito nítidas e que a Constituição não tem, nem tinha de ter, nesta matéria o propósito de reproduzir um manual de direito económico. Tem alguns preceitos importantes, mas não esgota a matéria nem tem a preocupação de se referir a todos os aspectos.
Em segundo lugar, revelou-se - e a discussão foi realmente útil a esse respeito - que as diversas propostas dos partidos políticos partem de uma certa pré-compreensão e de uma certa orientação sistemática acerca do que é o papel do Estado no que diz respeito à economia que não podem ser interpretadas isoladamente. Isto é: quando o Sr. Deputado Jorge Lacão - e eu tive, de resto, a oportunidade de reconhecer que na perspectiva em que ele se colocou a sua interpretação era interessante e correcta - veio assacar ao PSD alguma incongruência, fê-lo porque ele está a fazer uma leitura e uma interpretação possível e legítima, mas que não é aquela que resulta da nossa óptica sistemática quando apresentamos a proposta do nosso partido, e em que não pode ignorar-se o que dizemos a propósito do direito de propriedade, dos objectivos prioritários que incumbem ao Estado fazer, e o que se diz a seguir noutras matérias ainda pertinentes aos problemas da chamada "constituição económica".
Para nós, o tal celebérrimo n.° 2 do artigo 85.° representava algo, e o Sr. Deputado José Magalhães viu bem que era um "mais", que era algo de limitativo em relação àquilo que nós pretendíamos, mas é óbvio que, se a interpretação for outra, se a sistemática global for diversa, ou se partirmos daquilo que foi proposto pelo PS e cuja redacção tem os seus méritos próprios e que foi por uma óptica diversa, naturalmente seremos conduzidos a uma interpretação do tipo daquela que muito sagazmente o Sr. Deputado Jorge Lacão propôs.
Vem a propósito dizer que também tem interesse ver a perspectiva do PCP. Ontem, o Sr. Deputado José Magalhães disse que o PCP se tem mantido sempre fiel às suas posições. Certamente fiel teologicamente aos propósitos finais, mas tem tido modificações tácticas e estratégicas importantes, por exemplo no que respeita à ideia de coexistência dos sectores; não é verdade que o PCP tenha sido sempre defensor dessa ideia em termos de se manter ad aeter num. Lembro que o Sr. Deputado Vital Moreira, quando da Constituição, de uma maneira inequívoca disse numa célebre sessão do dia 23 de Outubro de 1975: "a matéria da organização económica é de uma importância fundamental para a Constituição que estamos a elaborar"; "é a partir dela que a Constituição será desde logo julgada pela classe operária e pelas massas trabalhadoras em geral"; "aqui mais do que em qualquer outra matéria não poderá haver lugar para formulações ambíguas, para compromissos entre interesses de classe antagónicos"; "ao contrário de outros domínios da Constituição, a constituição económica não pode servir ao mesmo tempo o avanço do socialismo e a preservação do capitalismo, os interesses das massas populares e os interesses da burguesta: aqui existe uma clara demarcação de campos, uma decidida opção, a ambiguidade ou hipocrisia nesta matéria pagar-se-ão duramente em termos políticos". Palavras proféticas, eventualmente. Nesse sentido acrescenta (e volto a citar): "o problema fundamental da transformação do capitalismo em socialismo, para além, naturalmente, da questão do poder político, é o problema da propriedade dos meios de produção, não em si mesmo, evidentemente, mas sim porque a propriedade dos meios de produção é a base da apropriação do subproduto social e da atribuição da direcção do processo económico"; "é a propriedade privada dos meios de produção que atribui ao capitalismo o direito de se apropriar da mais valia, bem como o direito de dirigir a empresa e a economia em geral"; "a eliminação do capitalismo impõe necessariamente a eliminação da propriedade capitalista dos meios de produção e a passagem destes para a propriedade colectiva, de modo a possibilitar a apropriação colectiva do subproduto social e a gestão colectiva da economia". E termina o Dr. Vital Moreira afirmando: "Por tudo isto não se poderá dar por satisfatória a proposta à 1.ª Comissão." Cito não porque não sejam compreensíveis do ponto de vista comunista as alterações de posição tácticas que tiveram, mas para que nós estejamos nesta matéria em termos perfeitamente clarificados.
Por tudo isto, permito-me insistir na necessidade de termos uma visão global das propostas. Naturalmente não tenho uma compreensão do trabalho desta Comissão e do trabalho do Parlamento em geral como uma espécie de tribunal em que se fazem articulados e ou se impugnam ou são confessados os factos.
O trabalho numa comissão resulta do esforço comum de todas as forças políticas, se houver contribuições positivas volente ou nolente, penso que eventualmente nolente. O Sr. Deputado José Magalhães deu contribuição útil para nós termos as cautelas suficientes na nossa redacção, como se ela tivesse de ser sujeita ao crivo, não de uma comissão de revisão constitucional de um parlamento, mas de um tribunal que achasse que tudo o não contestado deveria considerar-se como confessado. É uma medida cautelar que lhe agradecemos e que teremos em consideração, mas não me parece que seja essa a forma como se devem desenvolver os trabalhos em termos do Parlamento, que não é, e não deve ser, apenas câmara de ressonância de estados-