908 II SÉRIE - NÚMERO 30-RC
expressão "disciplinada", compreenderia tudo o que V. Exa. acabou de explicar sem o artigo 92.B, onde se contém o normativo respeitante à força jurídica do Plano. Ora, o PS, se bem entendo, mantém o n.° 1 - "o Plano tem carácter imperativo para o sector público estadual e é obrigatório", isto é, tem carácter imperativo para o sector-público estadual. Se se visse a alteração só em sede do artigo 91.° com a supressão da expressão "disciplinada", eu entenderia tudo o que Sr. Deputado Almeida Santos acabou de explicar, mas, dada a ligação que se tem de estabelecer com o que se estipula em sede de força jurídica no artigo 92.fi da proposta do PS, continuo a não entender. Afinal, na proposta do PS o Plano é omnipresente, tem, e continua a ter, a força jurídica que já tinha no passado em termos de estipulação na Constituição. Ou não será assim?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Mas, então, se o Estado acha bem um certo caminho para o futuro, como é que se pode admitir e compreender que ele não tenha um carácter indicativo mesmo para o sector privado? Como sabe, "indicativo" é bem pouco! Trata-se apenas de uma mera indicação, e do que daí decorre.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Mas o PS mantém a indicação em termos de sector público não estadual.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Estou apenas a referir-me ao sector privado. Com efeito, para o sector privado, para o público não estadual e para o social, como é que nós podemos conceber que o Plano não seja sequer, indicativo? Agora, que o Plano não possa ou não deva ser imperativo para o sector público estadual pressupõe que o que o Estado acha bom não o hão-de achar as suas próprias empresas! Quer dizer: o Estado traça como bom e positivo certo caminho, e uma empresa pública de querele próprio é dono tem o direito de entender o contrário? É claro que tal será assim, embora com a relatividade de todas as coisas.
Como sabe, o Plano não inclui sanções, ou seja, não vai ninguém para a cadeia por o não respeitar. Não é isso. É imperativo apenas no sentido de que, porventura, o gestor público que não respeitar o Plano terá uma boa expectativa de vir a ser substituído na primeira oportunidade.
Relativamente ao sector privado, é mera indicação, que este cumpre ou não. O mais que lhe pode acontecer é sujeitar-se às consequências de remar contra a maré.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, se V. Exa. me permite, e com toda a amizade, devo dizer que a sua intervenção suscita-me algumas perguntas/observações que eu gostaria de fazer.
Julgo que nem sempre o in médio virtus, como virtude burguesa, é a melhor solução para algumas matérias. E, nesta questão do Plano, gostaria de sublinhar que hoje nos países ocidentais, na Europa da CEE, se acredita muito pouco nas virtudes do planeamento tal como foram desenvolvidas pelo Comissariat du Plan nos anos cinquenta e sessenta. Até mesmo nos países de Leste os planos quinquenais caíram um pouco no favor dos responsáveis soviéticos e seguidores dos outros países. É que se reconhece que a previsibilidade dos fenómenos económicos não é tão grande como se julgava, bem como, sobretudo, a capacidade de os influenciar nos termos que a doutrina do planeamento defendia na altura em que a França se apresentava como modelo. Com efeito, o que na prática se verificou é que essa previsibilidade era extremamente ilusória, e há hoje um grande cepticismo nessa matéria.
Em segundo lugar, o problema do Plano e a sua articulação como Programa do Governo não pode pôr-se, a meu ver, nos termos que V. Exa. refere, porque, na realidade, o Plano é de algum modo uma forma de executar em termos sistemáticos o Programa do Governo, e contradições entre este e aquele são inaceitáveis. Ora, isso leva a aconselhar a existência de uma íntima articulação entre o Programa do Governo e o Plano e a parecer contraditório que possa um ser indiferente em relação ao outro.
Portanto, é de pensar ser útil que os dois tenham períodos de vigência similares e que, de algum modo, um seja veículo da execução do outro. Porque, na verdade -e nesse aspecto estou de acordo com V. Exa. -, o Plano não é exactamente uma questão de programa, tendo antes vinculação e efeitos jurídicos, que em todos os países onde a figura do Plano vigora, seja o plano de ordenamento territorial ou o plano de direcção municipal, sejam planos de ordem económica, se lhes reconhece. Daí que não seja tão despiciendo como isso essa articulação entre os programas do Governo e o Plano.
Depois, há ainda uma razão adjuvante para retirar importância a esse problema do planeamento. E que, hoje, uma parte das actividades económicas de longo prazo são orientadas, nos países membros da CEE, não em termos dos planos nacionais mas em termos das directrizes fundamentais resultantes dos órgãos comunitários.
E depois, ainda, V. Exa. referiu os problemas de opções nucleares em matéria de plano energético. Todavia, há planos e planos, e nós estamos a tratar de um plano com uma vocação ampla e quase globalizante da actividade económica. É completamente diferente dos planos sectoriais. Aí, em matéria de planos sectoriais, é possível, efectivamente, pelo carácter mais elevadamente técnico e por incidências políticas mais delimitadas, fazer planeamentos a um prazo mais longo, até pela natureza das coisas, como é o caso do plano energético. Mas, em planos globais, isso é extremamente difícil, e isso tem levado a que nuns países abertamente - como é o caso da Alemanha -, outros países de uma maneira mais à sorrelfa - como é o caso da França -, tenham na prática abandonado essa ideia dos planos em termos de um planeamento geral tal como era preconizado, repito, pelo Comissariat du Plan.
Eu percebo que o PS no fundo tenha alguma necessidade de se ater ao Plano, talvez não por razões ideológicas, e penso que não seria justo estar a pensar que eram esses os motivos determinantes, mas pelo famigerado artigo 290.º Quer dizer, no fundo, é para prestar um preito ao artigo 290.º
E, aí, diria que a nós não nos preocupa essa matéria nem temos esse culto oficial pela interpretação que já tive ocasião de explicitar acerca do artigo 29O.e Essa preocupação obsessiva com a letra da lei nós não a temos. Por exemplo, penso que o PS vai reconhecer a importância das organizações populares de base porque vêm no artigo 290.°, e daí vai naturalmente consignar um preceito a essa instituição tão dinâmica e tão relevante para o funcionamento da Administração Pública portuguesa... Mas a realidade é que, apesar de tudo, neste caso nós sempre mencionamos o Plano. Mencionamos o Plano em termos de um tipo ideal, eberiano, pequenino, mas quantum satis para que se lhe reconheça alguma coisa que é verdadeiramente útil, que é a disciplina da actividade de desenvolvimento que está prevista, ou deve estar prevista, nos programas do Governo. Daí que, embora, naturalmente, com todo o respeito pela sua opinião, e, repito, com toda a amizade que V. Exa. me merece, pense que neste caso não é no meio que está a virtude.