3 DE AGOSTO DE 1988 915
que não fazem sentido, em relação a um instrumento cuja necessidade é, a todas as luzes, reconhecível, embora encarável sob muitos ópticas.
Se alguém tiver, por acaso (o que será, de resto, raro e infrequente), ocasião de abrir um voluminho do chamado MPAT (Ministério do Planeamento e da Administração do Território) onde, se traslada as chamadas "grandes opções do plano" para o ano em curso, encontrará nas páginas 6, 7 e 8, um conjunto de reflexões sobre o papel do planeamento na modernização do País, na alteração de atitudes, de comportamentos, de métodos de trabalho, no lançamento de estratégias mobilizadoras de mudança, no enquadramento adequado do papel do Estado e das diversas entidades que se movem no campo económico, não circunscrito à problemática directa dos investimentos. É evidente que a concepção subjacente a estas considerações está dominada pela perspectiva geral que move o Governo, de minimização da intervenção pública, de supressão de elementos de participação e de controle democrático da tomada de decisões. No próprio âmbito da CEE está de há muito em curso uma reflexão sobre o papel que deveria ser desempenhado pela planificação comunitária com vista a superar as dificuldades existentes (veja-se o interessante estudo publicado pela comissão das comunidades sob o título "Perante os desafios, um plano para a Europa".
Uma coisa é certa: é impossível fazer uma gestão de uma economia moderna, em qualquer circunstância, sem elementos e instrumentos de racionalização e de participação democrática - a qual deve ser alargada e deve ser atenta à vontade não só dos diversos sectores, dos diversos agentes, mas das próprias regiões, designadamente daqueles cuja voz tem mais dificuldade em fazer-se sentir neste, naquele e naqueloutro domínio que são, no entanto, vitais para o seu próprio futuro e desenvolvimento.
No entanto, em Portugal, sobretudo depois de 1987, o planeamento é quase cenário de um expressionismo jurídico, com o seu grau de distorção quase inimaginável. O que caracteriza o presente momento é a multiplicação, à margem do Plano, de toda a espécie de instrumentos de programação, instrumentos de racionalização de decisões, de planeamento - com minúscula, porque a maiúscula assusta o PSD. É hoje o PCEDED, é o PEDIP, é o PRO.DES.RE.DI. (Programa de Desenvolvimento Económico e Social Regionalmente Diferenciado). É um plano de desenvolvimento regional, o PDR, que o Governo entende como um documento fundamental de negociações com a Comissão Europeia, sobre as intervenções estruturais comunitárias de médio prazo, com base no qual será definido o quadro comunitário de apoio. Para já não falar no PEDAP e no próximo PEDCP (Programa Específico de Desenvolvimento do Comércio Português)...
Percebe-se bem, por tudo isto, uma clausulazinha que o PS inseriu no seu projecto de revisão constitucional (artigo 94.°, n.° 5): "não são permitidos planos parciais ou específicos, nem programas que visem qualquer dos objectivos definidos no artigo 91.°, salvo quando elaborados e aprovados nos termos dos n.°" 1 a 4 desse artigo". Poderemos discutir se toda a orgânica, imaginada em 1976 para o planeamento é exequível, e é viável, adequada, apta neste momento; poderemos discutir, mesmo, se certas das instituições que foram pensadas para assegurar as funções constitucionalmente previstas são as mais adequadas. Há, como se sabe, uma proposta de substituição do Conselho Nacional do Plano por uma outra estrutura - coisa a que iremos atempadamente.
O que é difícil de sustentar é a floresta de enganos que, neste momento, existe em matéria de planeamento. Para já, porque tudo o que se está a fazer, ou quase tudo, se faz não de costas, apenas, em relação à Constituição, mas abertamente contra ela. Isso revela, desde logo, "o mal português" no planeamento - é uma situação mal-sã, claramente. Em segundo lugar, depois de um período de verdadeiro "desplaneamento" controlado - a expressão não é minha, é do Sr. Deputado João Cravinho, num excelente exame de problemática do planeamento em Portugal, resultante de um seminário organizado pelo Centro de Investigação sobre Economia Portuguesa, já há alguns anos - depois dessa experiência de "desplaneamento", que foi uma das formas através das quais se operou a cruzada de reconquista e reconversão capitalista de estruturas e dinâmicas de desenvolvimento, que rejeitamos, em Portugal, seguiu-se um período de florescimento dos planeadores.
Dir-se-ía que, no PSD, irrompeu "a era dos planeadores": os planeadores fizeram as chamadas GOP's a médio prazo, os planeadores cantaram o fado do destino português, os planeadores trataram a língua portuguesa no mesmo plano em que se fala do PIB, da FBCF, do VAB e de todas as demais variáveis e indicadores macro ou microeconómicos. Dessa salsalhada, como se sabe, nada resultou a não ser o agravar de indefinições que, neste momento, se projectam na nossa realidade de maneira quase caótica: primeiro: há grandes opções do Plano, mas não há Plano - facto que, de resto, tem sido frequente na nossa experiência "des-planificadora"; por outro lado, há multiplicação de instrumentos avulsos, em relação aos quais uma característica comum se pode divisar - essa característica é que são elaborados inteiramente, mas inteiramente à margem, desde logo, da Assembleia da República e, por outro lado, das instituições às quais a Constituição comete a intervenção no planeamento. Isto significa também a marginalização das entidades - e muitas são - que constitucionalmente têm direito a uma intervenção participativa nos processos de elaboração dos ditos instrumentos do planeamento.
Acresce que alguns dos instrumentos em causa envolvem compromissos do Estado português junto das próprias Comunidades e pressupõem, até, um juízo representativo de interesses regionais - é o caso, acima de tudo, do PDR - resultando, no entanto, líquido que não há a mínima das mínimas intervenções institucionais, transparentes, asseguradas, das entidades regionais (uma vez que regiões não há) na sua elaboração.
A situação atingida é de gravíssimo desvio entre a realidade e o modelo constitucional. Creio que esse é o problema fulcral que está colocado neste debate. Em relação a este problema fulcral, são menores as questões nominalistas - se a designação é a planificação democrática ou planeamento democrático; se há uma estrutura central (centralista ou centralizadora, de resto, nunca esteve nos moldes e na matriz constitucional como tal); se há uma dinâmica de alargamento dos instrumentos e de multiplicação dos instrumentos ou, pelo contrário, há uma dinâmica de concentração de instrumentos - tudo isso me parece inteiramente secundário. A questão fulcral é, quanto aos contornos