1 DE SETEMBRO DE 1988 987
e dizer que as terras expropriadas serão entregues a título de propriedade ou de posse, propõe um texto que, em nossa opinião, pode ser redutor deste vasto processo social e qualificável como ambíguo e vago.
O redimensionamento pode, na verdade, reduzir-se a um mero reordenamento fundiário com a transferência da propriedade para aqueles que tenham capacidade financeira ou influência política para a ela terem acesso. Poderíamos ter aqui, portanto, só por esta via, uma segunda versão da revolução liberal com a sua transferência da propriedade da terra das colegiadas e dos mosteiros, expropriados na altura, para a burguesia nascente, o que, nem por isso, alterou o sistema de distribuição da propriedade.
Por outro lado, o projecto do PS pode ser tido por ambíguo e vago porque pode perguntar-se o que é a dimensão excessiva. Parece um conceito bastanto vago. E por que é que só se transfere ou só se pressupõe a transferência a título de propriedade ou de posse e não se mantém também o instituto da posse útil? É evidente que entra aqui a questão do conceito de posse útil, em relação à qual o meu camarada José Magalhães irá pronunciar-se com certeza, mas sobre o qual há já vasta jurisprudência desenvolvida, incluindo o próprio desenvolvimento que é feito na Constituição ao dar-lhe dignidade jurídica e havendo também trabalhos de eminentes juristas que dizem, entre outras coisas, que a posse útil constitui um direito sobre os bens do Estado ou de entidades paraestaduais, através e para efeitos de uma exploração pessoal directa. Não é um direito absoluto de propriedade, pois a própria Constituição lhe estabelece limites. Não é também um direito de que os beneficiários possam dispor em benefício de outras pessoas e, assim, na posse útil há, simultaneamente, todas as características de um direito real de gozo e de um direito de uso e fruição para a exploração da terra, permitindo até, em muitos aspectos, poderes mais vastos do que o direito do usufruto. Em resumo, consubstancia um certo direito de exploração empresarial com determinada discricionariedade técnica e até económica.
Note-se que algumas destas formulações não são de minha autoria, sendo, por exemplo, do Prof. Orlando de Carvalho, que se tem debruçado sobre estas matérias. É nosso entendimento que o texto actual é o mais adequado, pois é o texto que nos permite ter todas as possibilidades, contendo, portanto, soluções diversificadas, de acordo com a própria experiência social que tem vindo a suceder ao longo destes anos.
Em nossa opinião, a alteração destes conceitos pode escancarar as portas para a constitucionalização do latifúndio e da concentração ou da reconcentração da grande propriedade. Aliás, a eliminação, mais à frente, no projecto do PS, do n.° 2 do artigo 99.°, que estabelecia os limites máximos das unidades de exploração agrícola privada, vem reforçar este nosso entendimento e esta nossa preocupação.
O latifúndio, de facto, existia e continua a existir, malgrado a interpretação do Sr. Deputado Pacheco Pereira que entende que estaria em processo de transformação quando ocorreu o 25 de Abril. É evidente que o Sr. Deputado Pacheco Pereira, ao referir-se a isto na última sessão, esqueceu a enormíssima concentração de propriedade existente, tendo referido que as explorações, na zona actualmente chamada de reforma agrária, com mais de 500 ha eram menos de 1 % e que tinham mais de 50% da área. Esquecia-se das grandes explorações latifundiárias com 15 000 e 20 000 ha, com um sistema de exploração extensivo das relações sociais que segregavam, esquecia-se do índice de absentismo que, poucos meses antes do 25 de Abril, era de 40% a 46% contra 29% do País e esquecia-se dos 350 000 ha de áreas coutadas - mais de 10% da zona de intervenção - e do nível de intensificação cultural, que era de 65% na ZIRA contra 194% no País. Isto é, quando lhe convém, o Sr. Deputado vai buscar a excepção e transforma-a em regra.
Aliás, quando disse que o meu partido sempre tinha defendido a divisão camponesa da terra, pois, também aqui, o Sr. Deputado se resumiu a alguns textos de 1921 e não prosseguiu a análise histórica dos diversos marcos históricos - por exemplo, o relatório do meu partido ao 6.° Congresso -, não tendo também tido a capacidade para, depois, aferir esse relatório, onde se falava já da entrega de terra às cooperativas, com a própria vida e com as próprias soluções que os trabalhadores encontraram no processo dinâmico e social. Como é dito numa revista de sociologia em relação ao Sr. Deputado, para o Sr. Deputado Pacheco Pereira "apenas os grandes factos sociais - e cito - têm direito à historicidade".
O mesmo se poderá dizer em relação ao problema da temporalidade das ocupações. Falou-se, na última reunião, que este processo de ocupação da terra não tinha sido um processo resultante de uma dinâmica social própria dos trabalhadores e que para isso foi obrigada a saída de legislação para pagamento de salários. Também aqui se falta à verdade. Na esteira, aliás, de outros autores, o Sr. Deputado confunde ocupações com expropriações e esquece-se que em 27 de Setembro de 1975, quando foi publicado o decreto sobre a concessão de crédito às UCPs, já cerca de 60% das terras estavam na posse dos trabalhadores. Não estavam as expropriações, mas isso é outra questão.
Estas eram algumas das questões que queríamos colocar, no sentido de deixarmos aqui a nossa preocupação e a nossa posição de que nos parece que o texto actual da Constituição, sem prejuízo do seu aprofundamento e da sua melhoria, é o que melhor responde à situação actual e às diversas soluções possíveis para o processo da reforma agrária no Sul do País, sem escancarar as portas à reconstituição do regime de propriedade latifundiária.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, vou tentar, numa pequena intervenção, dar resposta a algumas questões que me parecem terem sido colocadas e que valerá a pena serem readquiridas para este debate. E tomaria a liberdade de retomar alguns aspectos de um estudo realizado pela Dr.a Nancy Gina Bermel, professora-assistente do departamento de políticas de Dortmund College de Hannover -New Hampshire, USA-, diplomada em Ciências Políticas, que fez um trabalho e um levantamento-estudo na zona da reforma agrária em Portugal, designadamente acerca do fenómeno das ocupações de terras.
E gostaria - porque foi aqui posta em questão a leitura que o PCP fazia da realidade do Alentejo à data de 1970-1974- de trazer aqui à colação dois ou três aspectos que tomei a Uberdade de ir buscar a um estudo de uma pessoa estranha ao nosso mundo partidário para que se não diga que é uma leitura de dados próprios ou manipulados por nós. Pensamos que esta pro-