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990 II SÉRIE - NÚMERO 33-RC

constitucional corrente permitiu apurar o que fosse o conceito de posse útil. É matéria que tem sido apreciada pelos nossos tribunais, é matéria que, aliás, foi objecto de uma campanha intensíssima por parte de agrários inconformados, que em centenas e centenas de recursos e de acções procuraram junto de diversas instâncias judiciais qualificar como esbulho não titulado ou violência (susceptível de "ferir" trezentos mil princípios imagináveis) a ocupação de terras pelos trabalhadores e a sua entrega aos trabalhadores.

Digo: o Sr. Deputado Almeida Santos e os Srs. Deputados do PS que propõem a supressão do conceito é que têm o ónus da prova da "inutilidade" do actual conceito e da "maior-valia" do conceito que querem consagrar, em substituição.

Creio que devemos fazer uma démarche precisamente de sentido inverso daquele que o PS nos propõe. Devemos ter em atenção os conteúdos vigentes, dando-os como constituídos porque o são - de resto são vinculativos -, e passando pelo crivo da crítica os novos conceitos propostos.

Em primeiro lugar, hoje a Constituição assegura e impõe a devolução, em benefício dos destinatários naturais da reforma agrária, das terras apropriadas nos termos constitucionais. Obriga à expropriação, obriga a um impulso transformador e obriga a que o resultado desse movimento seja atribuído, em posse útil, a um elenco determinado de beneficiários.

O projecto do PS alarga os poderes do legislador ordinário em todas as dimensões (na eventualidade de expropriações, na dimensão daquilo que haja que entregar) e torna algo aleatório o elenco dos beneficiários. Em matéria de favor, o PS introduz uma fragilização daquilo que hoje tem um determinado conspecto na Constituição.

Por outro lado, em relação ao estatuto de que beneficiem aqueles a quem deva ser atribuída a terra, o PS também introduz um conjunto de fragilizações. Sabemos que hoje a posse útil tem, desde logo, como característica não só aquilo que é próprio de um verdadeiro direito real de gozo como algumas outras características que o PS propõe eliminar.

Assim, é ou não verdade - e é nesse sentido que interpelo o PS - que hoje a posse útil não só tem todas as características próprias dos direitos reais de gozo, designadamente no que respeita ao uso e fruição, como algumas características adicionais em relação ao próprio usufruto, uma vez que permite melhorar, transformar, acrescentar, não tendo apenas um carácter de conservação do bem adquirido, e que a proposta apresentada pelo PS permitiria a construção de figuras no terreno do direito ordinário mais frágeis do que esta?

É ou não verdade que entre os direitos ou apanágios próprios deste direito real novo estão alguns que permitem defendê-los, nomeadamente através dos diversos tipos de acções possessórias, mas com o cunho jus-publicístico decorrente do facto de se tratar de uma figura em que os trabalhadores têm um determinado estatuto, o qual é profundamente inovador e que seria banalizado ou assimilado a um estatuto geral no caso de se seguir a via que o PS propõe?

É ou não verdade que as obrigações dos trabalhadores face a esta fórmula, designadamente a obrigação de não arrendar, a obrigação de um contacto directo ou de uma imediação com o bem se perderiam

na figura nova que o PS pretende instituir? A figura do PS tem de nova, pura e simplesmente, o facto de ser o regresso da figura velha da posse civil.

Quais seriam os apanágios e meios de defesa que tal direito, com o estatuto que o PS imagina para ele, teria?

A questão suscitada pelo projecto do PS é, porém, bastante mais funda que tudo isto. Devo dizer que, seja qual for o conceito que o PS tenha da posse útil (e o PS sabe perfeitamente em que é que ela consiste!) a questão que o seu projecto suscita é, sobretudo, decorrente de saber o que é que, nos seus termos, se distribui, o que é que permite atribuir. A discussão da proposta do PS em torno do conceito de posse útil seria uma discussão sedutora mas enganosa se não tivéssemos em atenção que, antes de discutirmos como se atribui e com que estatuto se atribui temos que saber o que é que se atribui.

Ora, sucede que o PS não garante devidamente que se atribua a terra a quem a trabalha. Segundo aspecto, da maior importância, em relação ao qual o PS também não nos deu uma resposta cabal: quais seriam as consequências da aplicação deste novo quadro constitucional em relação ao statu quo? Esta é uma pergunta absolutamente fundamental.

Consideramos significativo que, colocado perante aquilo que chamámos o "teste dos pacotes", o Sr. Deputado Almeida Santos não tenha adiantado qualquer resposta, e tenha feito uma espécie de dualização perversa do debate ao dizer que "o pacote se discute em sede de pacote e que a revisão se discute em sede de revisão". Eis alguma coisa que não é possível, na medida exacta em que, se através destas propostas se fragilizar o quadro constitucional, então dar-se-á cobertura constitucional aos pacotes, nomeadamente à destruição da reforma agrária.

Creio que este segundo bloco de questões é absolutamente fundamental: quais seriam as consequências práticas da aplicação de uma proposta como aquela que o PS apresenta? O Partido Socialista não pode autodesresponsabilizar-se em relação a este efeito de enxurrada!

O raciocínio que o PS coloca nesta matéria é um raciocínio do tipo abstracto, jurídico-formal. Diz-nos que se deve alterar o quadro constitucional neste ponto, deve-se alterá-lo por forma que ele possa ser objecto de concretizações em função de programas de Governo e de políticas agrícolas; essas políticas devem ser as que decorrem do sufrágio; o quadro constitucional deve ser suficientemente flexível para comportar todas essas políticas. Pergunta-se: incluindo a de reconstituição do latifúndio? Esta é a pergunta que se impõe, e o PS não pode alhear-se desse efeito fundamental.

Se este quadro constitucional, proposto pelo PS, com as "virtudes" que lhe são atribuídas, permite que uma política como a que está em curso e que tende aberta e brutalmente à reconstituição do latifúndio seja efectivada impunemente, e mais ainda, lhe dá cobertura constitucional, então a discussão do pacote agrário neste momento tem de ser ligada à discussão que aqui está a ser travada em sede de revisão. Deve ser ligada por imperativo de transparência, de congruência, de coerência. Pela nossa parte, não teremos duas posições, uma em relação ao pacote e outra em relação à revisão constitucional!

Insisto: gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Almeida Santos, uma vez que assumiu a defesa da proposta do PS nos termos em que se encontra concebida,