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1 DE SETEMBRO DE 1988 995

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, quer V. Exa. reeditar todo o debate sobre, não apenas o artigo 290.°, mas a construção da vertente ou do vector antilatifundista da Constituição nas suas múltiplas expressões, múltiplas na sua parte geral, múltiplas na organização económica especificamente, múltiplas inclusivamente nesse elemento sumarizador da Constituição que é o próprio artigo 290.°?

O Sr. Presidente: - O que eu quis significar foi isto: o PCP pode com alguma lógica argumentar que a apropriação colectiva dos principais meios de produção é não só um princípio mas uma obrigação constitucional, a partir de um certo entendimento histórico da Constituição. Se esquecermos todos estes doze anos em que ninguém apropriou coisa nenhuma, tem esse direito.

O Sr. José Magalhães (PCP): - E não só, decorre do artigo 80.°

O Sr. Presidente: - Não é a mesma coisa relativamente aos latifúndios. Leia, distinga e veja que não é. Relativamente aos latifúndios, é uma faculdade já hoje, e como faculdade continua na nossa proposta. Um governo que queira expropriar os latifúndios expropria, um governo que não queira expropriá-los não os expropria.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É evidente que, se introduzirmos aqui, por apenso, a discussão sobre o que é uma Constituição dirigente, é necessário aí oferecer o mérito da tese do meu camarada Gomes Canotilho. Quer V. Exa. isso? É evidente que entraremos numa discussão, aliás extremamente interessante sob o ponto de vista jurídico-constitucional, sobre qual seja a diferença entre uma mera faculdade constitucional e uma verdadeira e própria obrigação constitucional em que o legislador e os órgãos de soberania têm sempre uma determinada margem de determinação que lhes pode permitir marcar os ritmos, marcar até o se, em determinado momento, mas sem que fiquem isentos da vinculação, nem se torne o impulso transformador numa realidade fenecida ou irrelevante. E estabelecer a diferença entre isto e uma faculdade é coisa que se faz em direito constitucional. Pode não querer fazer-se politicamente, pode querer ignorar-se politicamente para atenuar a gravidade de uma determinada alteração de posição.

O Sr. Presidente: - Eu não quero passar por inocente.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas, por demais, faz-se tal!

O Sr. Presidente: - Não quero desresponsabilizar-me. Quero que saiba que a nossa convicção é que a eliminação dos latifúndios não é, na Constituição actual, uma obrigação igual à apropriação colectiva dos principais meios de produção. Mas, se for, assumimos que deixe de ser. Assumimos conscientemente que, se é uma obrigação, deve passar a ser uma faculdade.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, não Sr. Deputado Almeida Santos. Isso é fundamental porque queremos clarificar. É isso que nos parece acima de tudo inquietante, porque, quanto à demonstração das dimensões e da existência da obrigação constitucional, a questão fica secundarizada quando V. Exa. acaba por dizer que, "qualquer que seja o saldo desse debate", é entendimento do PS alterar a Constituição nesse ponto...

O Sr. Presidente: - É.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Com o que dá um impulso perverso ao debate, por vontade política.

O Sr. Presidente: - Perverso, na sua opinião. Mas perverso é o imobilismo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Perverso, sim, na opinião do PCP, não na do PS ou pelo menos de muitos de VV. Exas. Esse é um primeiro aspecto em que acabou de clarificar, mais ainda, aquilo que nos parece ser um dos aspectos mais preocupantes da posição do PS nesta matéria.

Devo dizer que nem o Sr. Deputado Rui Machete foi tão longe quando num artigo doutrinal que nós aqui há dias zurzimos (e o PS também, justamente, zurziu) a teoria da "caducidade" dos limites materiais da revisão, incluindo o respeitante à reforma agrária. O Sr. Deputado Almeida Santos consegue ir mais longe: sustenta agora a teoria da "inexistência originária" do limite da eliminação do latifúndio. É mais difícil ainda de provar!

O Sr. Presidente: - Se for defensável, por que não? O problema é saber se os meus argumentos valem ou não. O problema é só esse.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O problema não é esse. É que tudo isso me parece da maior gravidade. A démarche do Dr. Rui Machete é sedutora, percebe-se. Tem apenas um problema que o Sr. Deputado António Vitorino aqui sublinhou fortemente - sustentar a possibilidade de costumes contra constitutionem: é criar verdadeiramente a arma atómica, é preparar a derruição do edifício constitucional. A partir do momento em que se abra essa porta, essa entrada, o edifício constitucional não tem estatura, não tem espessura, não tem estabilidade. Já não é revisão constitucional permanente: é a derruição constitucional permanente, geral, à margem de qualquer mecanismo de controle. O Sr. Deputado Almeida Santos fez uma démarche que é, em termos jurídico-constitucionais, em termos de hermenêutica, e em termos políticos, também de gravidade igual ou quiçá superior, porque é uma espécie de ilegitimação originária de um pilar da protecção constitucional da reforma agrária por inexistência do respectivo princípio protector no artigo 290.°!

O Sr. Presidente: - Mas eu argumentei; os argumentos podem não prestar, discuta os argumentos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, não gostaria de penalizar-lhe a paciência além dos argumentos. Neste caso concreto a questão é, acima de tudo, política e são políticos os vossos argumentos. O PS diz, por exemplo: "Estas normas sobre reforma agrária têm de sair. Pensemos no País!" Parece-me um mau argumento. Considero-o extrema-