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1 DE SETEMBRO DE 1988 997

tas. Se nós entendermos que as vossas propostas melhoram, vamos a isso. Sabe bem que nós não somos sectários, nem para um lado, nem para o outro.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Nos mais diversos processos a questão tem sido abordada. Vou-lhe citar um processo desgarrado, citado ou obtido por simples comodidade. É uma sentença de um tribunal de círculo em que, a dada altura, doutamente se diz qualquer coisa como isto: a Constituição de 1976 introduziu um novo direito real como, aliás, o reconhece o n.° 3 do relatório preambular do Decreto-Lei n.° 496/77, de 25 de Novembro, reforma do Código Civil, a posse útil.

O Sr. Presidente: - No relatório sim, no Código não.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto. A posse útil não é a propriedade privada, continua a sentença, tem antes a ver com a propriedade social (o PS também quer alterar o conceito de propriedade social!).

O Sr. Presidente: - Queremos e dissemos porquê.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Diz a doutrina - designadamente o Dr. Meneses Cordeiro, que, seguramente, não morre de amores pelo PS, nem por nós - que não são inteligíveis as duas noções (isto é, a noção de posse útil e a noção de propriedade social) separadamente. Sucede que o PS quer operar essa cesura suprimindo uma noção e outra, isto é, suprimindo tudo o que seja novo - anote-se. Continuo a citação: "A posse útil, por outro lado, não se confunde com a posse civil" - aspecto fulcral - "nem com o usufruto, nem com o domínio útil enfitêutico".

O Sr. Presidente: - Senão, como disse, não existiam duas, mas uma só, pois aí é que está o mal.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Será antes "o direito que os trabalhadores de unidades em autogestão têm de exercer sobre os meios e bens nelas integrados os poderes necessários à sua exploração, ou, por outras palavras, a afectação jurídica de bens e meios de produção aos fins das pessoas que com eles trabalham". O citado é o Prof. Dr. Meneses Cordeiro. Será o direito de exploração dos trabalhadores rurais - ou melhor, daqueles que trabalham a terra - em relação à terra expropriada.

O Sr. Presidente: - Eu sei isso; mas essas diferenças só existem em função dos sujeitos, sendo a posse útil a que tenha por titulares os trabalhadores de UCPs, de cooperativas, etc.. Se assim é, não sei para que trabalhamos com dois conceitos e não apenas com um só.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, era precisamente aí que eu queria chegar. Com efeito, a distinção não se opera em função dos titulares. Como é óbvio, a distinção é desde logo conceptual.

O Sr. Presidente: - Seria um conceito bem pobre: se é dos "Antónios", é posse; se é dos "Josés", é posse útil! Isso não tem o menor interesse.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Deputado Almeida Santos. Permita-me que resuma e conclua.

Por um lado, constitucionalmente procura-se que seja um conceito distinto do conceito civilístico da posse e que assente numa certa ideia de esvaziamento ou de alteração da própria noção de propriedade formal, procurando-se construir o direito com um mais em relação ao uso precário da terra. Não é um direito de mero uso; é mais do que isso; é bastante mais do que isso. É um jus in re, oponível erga omnes, um novo direito real de gozo (a acrescer ao elenco tradicional em que figuram a propriedade, o usufruto, o uso e habitação, a superfície, as servidões, a habitação periódica). A sua instituição visou assegurar a certas categorias de beneficiários enumeradas no artigo 97.°, n.° 2, uma situação jurídica protegida, sólida, estável, livre de arbítrios e ingerências, para prosseguirem o trabalho da terra. Devolvendo "a terra a quem a trabalha", quis-se que este trabalho, essa exploração produtiva criadora de riqueza e bem-estar pudesse ocorrer num quadro que propiciasse aos beneficiários um estatuto distinto do decorrente da mera posse. Desde logo, porque esta posse é limitada pelo fim que a legitima: a terra é entregue para que seja trabalhada, valorizada, reconvertida no modo de exploração. Isso acarreta proibição de alienação e um dever de utilização produtiva inexistentes na posse clássica. Depois, e ao contrário desta, não se trata de uma mera situação de facto com relevância jurídica, mas de um verdadeiro e próprio direito real de gozo, protegido por todos os meios de defesa típicos dos direitos reais. Dele há-de resultar um poder sobre a terra e demais meios de produção caracterizado pelo que vinha directo e imediato, oponível ao próprio Estado (de cujo domínio privado indisponível esses meios fazem parte), um verdadeiro poder-dever de explorar com autonomia perante a Administração e com estabilidade (o que implica protecção idónea contra regimes de exploração marcados por factores de precariedade exclui, designadamente, que a Administração Pública se arrogue poderes de resolução unilateral e gravosamente célere e obriga à tipificação rigorosa e equânime dos casos em que o beneficiário possa incorrer em sanções por incumprimento de obrigações).

Por outro lado, procura-se construir esse conceito como um menos em relação à propriedade plena, desde logo, porque se salvaguarda que a propriedade como tal seja pública e que os beneficiários, os destinatários, os exploradores da terra tenham um determinado estatuto. O que caracteriza esse estatuto e o distingue da mera posse civil é que esta é uma posse de cunho social (do que decorre proibição de transmissão, oneração, desafectação, etc..) e com meios específicos de defesa, que são tantos e tais que têm permitido, designadamente em tribunal, pugnas jurídicas favoráveis aos trabalhadores. A reconstituição ou a redução à mera noção de posse civil - com as suas características, acompanhada de distinção e da cisão da própria noção de propriedade social - é, por tudo isto, negativa.

O Sr. Presidente: - Isso pode ter significado político, mas não tem significado jurídico, desculpe que lhe diga. Politicamente até talvez saiba o que é a posse útil. Mas falo como jurista. Não vejo a necessidade do conceito de posse útil para dar protecção aos titulares da posse tout court. Não vejo nenhuma necessidade disso.