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14 DE OUTUBRO DE 1988 1327

num sentido do qual, naturalmente, discordamos de modo frontal. Parece-nos que o PS deveria aprofundar o debate sobre estes pontos cruciais.

Terceira interrogação: é sabido que o Sr. Deputado António Vitorino dedicou um especial cuidado e empenhou-se particularmente em procurar definir os critérios que nos possam permitir uma noção rigorosa do que sejam leis paraconstitucionais. Definiu-as, primeiro, pelos critérios de escolha do elenco, a seguir, pelos especiais requisitos processuais e, depois, pelas sequelas da sua criação no ordenamento jurídico, concretamente pelo seu particular vigor jurídico. Quanto aos critérios de identificação, já pude sublinhar as nossas apreensões; quanto à tramitação processual, incluindo aqui também a questão dos requisitos para a maioria de aprovação e outros aspectos de tramitação, designadamente a votação em Plenário, que era algo que constava da proposta originária do PS e a que ontem o Sr. Deputado António Vitorino, salvo grande distracção minha, não fez referência...

O Sr. António Vitorino (PS): - Ou minha!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ou de ambos, neste caso, então... Seria bom saber em que se fica quanto às características desse regime especial. Por outro lado, o regime de prevalência e a capacidade parametrativa das leis paraconstitucionais acarretam melindrosos problemas. Gostaria de procurar suscitar algumas pistas de reflexão sobre esse ponto.

Primeiro aspecto: quanto à maioria qualificada de aprovação,- a questão que aí se coloca é a de saber se a proposta é para valer ou se a proposta é para ceder. Digo isto com toda a frontalidade, porque o PS estabeleceu um diálogo privilegiado com um pólo negociai cuja posição é, sobre este aspecto, conhecida e terminante. Aquilo que o Sr. Ministro Fernando Nogueira tem vindo a dizer no exterior (e no interior, suponho eu) sobre as leis paraconstitucionais quanto a este seu aspecto característico é: "Nem pensar!" O seu argumento básico assenta numa determinada reflexão sobre o princípio da maioria. O PSD vê na proposta do PS um atentado ao sacrossanto princípio da maioria. É evidente que há neste raciocínio algo de profundamente invertido, desde logo porque distorce o terreno do debate: estamos a debater a Constituição, estamos a debater um texto cuja característica é precisamente o facto de ser especialmente estável, de não ser uma lei como as outras, e o PSD desejaria a eliminação de aspectos fulcrais dessa lei que não é como as outras para poder tratá-la como se fosse uma lei como qualquer outra, violando os limites materiais de revisão e ficando imune a quaisquer regras de conjugação de esforços para alterar a Constituição.

Ó PSD arroga-se, no fundo, uma espécie de "quase-poder" constituinte por maioria ordinária, a partir desta revisão constitucional. Quer que o PS aceite suprimir aspectos da Constituição que representam limitações ao livre arbítrio das maiorias, mas não aceita que as leis que passem a regular tais matérias tenham de ser aprovadas por dois terços. Não quer menos do que poder aprová-las com a sua maioria. A questão é, obviamente, a de saber se há da parte dos outros partidos com assento nesta Comissão e nesta Câmara disponibilidade para, doravante, aceitar fazer tábua rasa da Constituição em matérias fulcrais.

Havendo esta contraposição de atitudes, a questão consiste em saber o que é que prevalece, se a defesa da Constituição, se a aceitação da sua alteração ou da sua "descarga" - para utilizar a expressão igualmente usada pelo Sr. Deputado António Vitorino - sem dois terços. Tanto quanto eu percebi, o Sr. Deputado António Vitorino foi particularmente terminante em afirmar a incindibilidade destes dois aspectos: "descarga", por um lado, e maioria de aprovação por dois terços para alteração dos regimes jurídicos correspondentes - não todos os regimes jurídicos correspondentes, apenas as regras gerais, mas, de qualquer das formas, dois terços para as regras gerais.

Mas o PSD, repito, diz não. E então, pode colocar-se a questão de saber se, assim como "a mulher é o futuro do homem" (lá dizia o poeta), "as leis orgânicas são o futuro das leis paraconstitucionais", isto é, se, no fundo, o CDS é o futuro do PS, se Freitas do Amaral é o futuro de Vítor Constâncio ou se não haverá, verdadeiramente, nesta lógica do PS (que não é a nossa) o caminhar para uma solução de "descarga" sem garantias em vez de uma "descarga" com garantias. Aparentemente, a única hipótese que o PS não considera é a "não descarga" dos aspectos fundamentais da lei fundamental, que, como é óbvio, é susceptível de ser revista nesses pontos, mas sem descarga e, evidentemente, sem afectação do núcleo essencial da Constituição. Podemos, obviamente, discutir em que é que consiste esse núcleo essencial e, pela nossa parte, ao contrário daquilo que os Srs. Deputados do PS frequentemente gostam de fazer, não nos arrogamos o poder de, ao milímetro, ditar os respectivos contornos e fronteiras.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Era o que faltava também!

O Sr. José Magalhães (PCP): - "Era o que faltava também", como qualquer pessoa sensata bem pode perceber, embora, por vezes, tal imputação surja no quadro de uma argumentação que visa secundarizar a gravidade da postura em que o PS se coloca quanto a isto.

Recoloco a interrogação fundamental: esta segunda característica das leis paraconstitucionais tal qual o PS as imagina (ou seja, a maioria qualificada especial de aprovação) é uma característica inarredável ou uma característica arredável? Em segundo lugar: uma eventual arredabilidade relativa pode ocorrer por pura supressão ou por via de uma espécie de acto de contornar a exigência? Seja. O PS diz: "O que é fundamental é que haja dois terços aqui." Mas alguém poderá obtemperar que deva haver dois terços mas não no momento originário e sim num momento ulterior, por exemplo, num momento de eventual necessidade de reapreciação por força de veto presidencial ("façamos intervir aqui um outro órgão de soberania, não demos a nenhum partido ou a nenhum grupo de forças o poder de, originariamente, intervir nisto"; "peça-se a intervenção de mediação de um árbitro antes de assegurar a reapreciação por maioria qualificada"). Só que isto implicaria um determinado projecto ou uma determinada conjecturação do que possa ser, por um lado, o conspecto dos órgãos de soberania e, por outro, a sua atitude potencial nos diversos quadros que são imagináveis - e muitos são.