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1328 II SÉRIE - NÚMERO 43-RC

Seria bastante interessante que soubéssemos qual é a posição do PS face a essa situação, que é complexa. Não é, realmente, de linear congeminação, sobretudo sabendo-se que o PSD tem, também ele, uma lógica que reedita a famosa consigna "Governo, Maioria, Presidente" que já deu, na vida política portuguesa, episódios de extrema gravidade, que não devem ser esquecidos. Satisfaz-se o PS com um regime como o que descrevi?

Ontem à noite, num programa televiso, o Prof. Freitas do Amaral aludia ao papel cada vez mais importante do CDS na revisão constitucional (coisa que eu atribuo a uma falta de informação pessoal sobre os trabalhos da CERC!). Creio, em todo o caso, que pretendia sublinhar que o ponto de encontro entre o PS e o PSD poderia estabelecer-se em torno da proposta do CDS de instituição de uma figura diversa das leis paraconstitucionais.

O ponto de encontro entre o PSD e o PS seria, não aquilo que o Sr. Deputado António Vitorino, com desvelos de pai, aqui desenhou ontem, mas aquilo que o Prof. Freitas do Amaral, numa atitude de padrasto (uma vez que o projecto de revisão constitucional do CDS não foi da sua autoria), assumiu como sendo aceitável, isto é, as leis orgânicas. Mas, a ser assim, o facto seria da maior das gravidades! Seria da maior das gravidades porque o terceiro elemento característico das leis paraconstitucionais - o Sr. Deputado António Vitorino seguramente vai aprofundar esse ponto- é a definição da sua exacta natureza, dos seus contornos, no fundo, da sua densidade normativa (que creio ser a expressão mais rigorosa para caracterizar aquilo que o Sr. Deputado António Vitorino ontem aqui nos desenvolveu). Qual a densidade normativa das "pcs"?

O Sr. Deputado António Vitorino e o PS não usaram nenhum conceito doutrinariamente estabelecido. Quiseram inovar. A inovação não é, em si mesma, não meritória, mas sucede que podiam ter recorrido ao conceito estabelecido (mesmo ele sujeito a algumas incertezas) de lei-quadro; podiam ter usado o conceito de lei de bases, por exemplo - mas não! Quiseram criar alguma coisa, que o Dr. Vitorino reconheceu estar sujeita a uma dupla dificuldade interpretativa: primeiro, o parto doloroso da hermenêutica da concepção (na Assembleia da República, teriam os partidos que se entender sobre qual devesse ser o exacto limiar, a exacta espessura ou densidade normativa da lei paraconstitucional), e, num segundo momento, até, em caso de desconforto de algum dos parceiros, o próprio Tribunal Constitucional teria de se pronunciar sobre se dada lei "pc" pêra mesmo "pc", ou se era uma falsa "pc"; e se tinha ou não tinha suficiente densidade, se deixava de fora alguma matéria que devesse estar dentro; e se deixava, em termos de malha normativa, insuficientemente tratada alguma matéria que devesse ser mais intensamente tratada...

Tudo aquilo que nós discutimos ao longo já de muitos anos (na sequência, até, dos aperfeiçoamentos introduzidos pela primeira revisão constitucional) sobre as autorizações legislativas (para apurar exactamente a definição correcta e cabal do que seja o respectivo objecto, sentido e extensão) poderíamos ver transposto, de forma ainda mais melindrosa e difícil de precisar (veja-se a jurisprudência do Tribunal Constitucional neste ponto), para a problemática nova das paraconstitucionais. Pior ainda: ao contrário das autorizações legislativas, que só podem, situar-se no âmbito que a Constituição hoje traça, dentro dos limites e com todas as regras de conformação da Constituição, as paraconstitucionais "descarregariam" aspectos nucleares do próprio texto constitucional! Não estaríamos a discutir apenas questões de desenvolvimento legislativo, não estaríamos a mover-nos apenas no terreno e dentro das fronteiras da Constituição: estaríamos a discutir exactamente as fronteiras entre a Constituição e a lei ordinária, estaríamos, no fundo, a discutir a dimensão e os contornos do próprio texto constitucional! Em suma: estaríamos a discutir a questão, que tanto obceca o PSD e, em particular, o Primeiro-Ministro, de saber se a nossa "Constituição máxima", tal qual ele a imagina e detesta, não poderia converter-se, por dietas sucessivas, em "Constituição mínima". Tudo isto poderia ser feito à revelia das regras constitucionais prescritas, com preterição dos próprios limites materiais de revisão, em pontos fulcrais, uma vez que o PS, embora "só" altere a alínea f) do artigo 290.°, ao fazê-lo abre um precedente enorme. Esse precedente enorme é que, se substituirmos a alínea f) do artigo 290.°, podemos com isso viabilizar não só ulteriores propostas de supressão de outros limites materiais de revisão, como até de fraude aos limites materiais de revisão, nos pontos em que não sejam tangidos pela revisão propriamente dita.

Creio que este aspecto, o da densidade normativa das "paraconstitucionais", podendo afigurar-se prima fade como menos importante do que o aspecto da maioria qualificada especial de aprovação, é também fundamental para podermos medir as implicações da operação jurídico-normativa e política proposta pelo PS. Isto se o PS não se tiver disposto a recuar a tal ponto que todos estes limites se esfumem, numa senda de desconstitucionalizações sem limites...

Quanto às outras questões, relacionadas com o vigor jurídico, com a separação de águas, com as dimensões do pluralismo das fontes normativas (com o que isso significa, em termos de separação e interdependência de poderes no quadro do nosso sistema constitucional), devo dizer que o risco da operação (tal qual o PS a desenha e, sobretudo, tal qual pode aprestar-se a reconverter as suas posições, face ao veto do PSD) é o de governamentalização sucessiva e sistemática. Não se trataria "só" de transferência de matérias constitucionais para a lei ordinária, como de devolução ao próprio Governo de poderes nessa matéria, através, por exemplo, da continuação (basta isto) da prática perversa do abuso das autorizações legislativas ou (o que é equivalente) da aprovação pela Assembleia da República de leis vagas ditando ao Governo as soluções em sede de "regulamentação" ... E então teríamos, não apenas uma transferência da Constituição para a lei ordinária, dita paraconstitucional, como para uma lei paraconstitucional ínfima, ou mínima, com o desenvolvimento legislativo por maioria ordinária e, eventualmente, até, por autorização ao Governo - uma vez que o PS não tem a garantia de que o PSD aceite que fiquem na área de reserva.

O Sr. António Vitorino (PS): - Isso era um terrorismo total.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado António Vitorino não nos dá a mínima garantia de que