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16 DE OUTUBRO DE 1992 133

garantístico, já que esta só poderá ser avaliada de um ponto de vista central e de modo uniforme, cabendo às instâncias comunitárias, designadamente ao Tribunal de Justiça, as decisões concretas sobre o efectivo conteúdo do princípio.

Decisiva é, no meu entender, a consideração de que o Tratado de Maastricht regula matéria constitucional, visto que, ao atribuir competências legislativas, políticas e administrativas a órgãos comunitários, está a intervir directamente na divisão de poderes públicos, que é mesmo uma das matérias constitucionais por excelência, associada à estrutura do Estado.

Por outras palavras, a ratificação do Tratado contém, em si, uma alteração jurídica da Constituição portuguesa.

Sob pena de se subverter o sistema de estabilidade (ou rigidez) constitucional, tal alteração só deveria ser possível se fosse aprovada, pelo menos, por uma maioria semelhante à exigida para a revisão constitucional (para além de se deverem salvaguardar, no plano processual, poderes efectivos do Parlamento na negociação e na conformação do conteúdo do Tratado).

Julgo, pois, que:

a) Tendo em vista alterações posteriores, se deveria consagrar uma nova categoria de tratados com valor reforçado ("tratados orgânicos"?), abrangendo os tratados que impliquem a atribuição de poderes de soberania a entidades ou autoridades supranacionais com regime próprio: por exemplo, um processo especial de negociação (com participação parlamentar) e uma aprovação por maioria de dois terços ou por referendo (pelo menos quando tal maioria de dois terços não fosse conseguida);

b) Quanto ao presente Tratado, no caso de não haver renegociação, se deveria exigir a aprovação por maioria de dois terços e o referendo, pelo menos se não se alcançasse esta maioria.

Tenho algumas dúvidas sobre a bondade, em abstracto, da consagração constitucional da diferença entre "revisões ordinárias" e "revisões extraordinárias": tendo em conta a estabilidade constitucional, todas as revisões são ordinárias e todas são extraordinárias. Penso que será preferível utilizar o meio das disposições transitórias se se quiser que esta revisão não conte para a determinação do prazo de cinco anos, embora não dê valor à necessidade da alteração em face da possibilidade de assunção de poderes constitucionais a qualquer momento por maioria de quatro quintos.

Srs. Deputados, vamos interromper agora os nossos trabalhos, enquanto aguardamos a chegada do Prof. Jorge Miranda.

Eram 17 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a reunião.

Eram 18 horas e 5 minutos.

Sr. Prof. Jorge Miranda, em nome da Comissão, quero começar por agradecer-lhe o facto de ter acedido ao nosso convite para estar aqui hoje, a fim de trocar algumas impressões sobre a revisão constitucional em curso!

Sugeria-lhe que nos fizesse uma exposição sumária daquilo que, em seu entender, são os aspectos mais relevantes a ter em consideração nos diferentes projectos de revisão constitucional que já foram apresentados, sem prejuízo de qualquer outra consideração que queira fazer. Depois disso, poderíamos fazer algumas observações ou ouvir a sua opinião sobre alguns pontos.

Tem, então, a palavra o Sr. Prof. Doutor Jorge Miranda.

O Sr. Prof. Doutor Jorge Miranda: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, quero agradecer o convite para estar aqui presente, o que é para mim uma grande honra e prazer, sendo certo que já fui Deputado da Assembleia da República. É sempre com muita alegria que aqui regresso.

Também gostaria de dizer que considero extremamente útil esta iniciativa de abertura a personalidades extraparlamentares, universitários, técnicos, peritos em assuntos atinentes a matérias que a Assembleia está a discutir. Aliás, já por mais de uma vez dei a sugestão de que a Assembleia complemente os seus trabalhos e os seus estudos através de protocolos com instituições universitárias e, assim, venha a melhorar e a aperfeiçoar a sua legislação.

Já me tenho pronunciado sobre a presente revisão constitucional, quer através da imprensa e da televisão, quer através de conferências e de intervenções que tenho produzido. Por conseguinte, aquilo que vou dizer não é novidade nenhuma para os Srs. Deputados. Creio, de qualquer forma, que é muito honroso ter as minhas palavras registadas no Diário.

Porque é assim, irei muito resumidamente expor aquilo que penso.

Não vou referir-me ao Tratado de Maastricht e àquilo que ele representa. Não vou fazer essa análise, porque isso está para além da intervenção que vou fazer. No entanto, não posso deixar de tomar como ponto de referência, numa primeira parte da minha intervenção, as normas principais do Tratado na medida em que elas implicam com a nossa Constituição.

Desde logo, há um problema genérico extremamente delicado, porventura metajurídico - mas talvez não - e que é o de saber até que ponto o Tratado de Maastricht, interpretado de certa maneira (e digo isto porque para mim uma das suas grandes fraquezas é a de admitir várias interpretações), é compatível com a Constituição. Até que ponto é que a consagração das implicações decorrentes do Tratado de Maastricht vai ou não ser compatível com a subsistência da nossa Constituição? E o que digo a respeito de Portugal já tem sido dito, em outros países, a respeito das respectivas Constituições.

Ou seja: até que ponto existe compatibilidade entre uma Constituição material, assente numa ideia de soberania (ainda que a soberania do século XX não possa ser entendida como a dos séculos XVII, XVIII e XIX ou antes de 1950) e um Tratado que parece apontar para um federalismo europeu? E não poderá perguntar-se se, em vez da revisão da Constituição, não se estará antes a fazer um verdadeiro e próprio exercício de poder constituinte originário, ainda que sob a forma de revisão constitucional? Não estará, na realidade, em Portugal e em outros países, a fazer-se o exercício do poder constituinte originário? Será