16 DE OUTUBRO DE 1992 137
O primeiro ponto tem a ver com o chamado reforço dos poderes da Assembleia nesta matéria, se bem que pareça ser mais correcta a expressão que V. Exa. também empregou, ao dizer que se trata, no fundo, de reequilibrar algo que ficará mais desequilibrado se a entrada em vigor do Tratado não for acompanhada de disposições que compensem a Assembleia da República dos efeitos desse fenómeno de desapossamento que o Sr. Professor aqui referiu.
Quanto a esta questão, que, por um lado, se baseia na evolução do sistema político português e, por outro, nas experiências de direito comparado que referiu, infelizmente não pôde alcançar-se ainda a necessária convergência, nomeadamente em relação à oportunidade da sua incorporação nesta altura no ordenamento constitucional português.
As perguntas que quero colocar-lhe têm a ver, nomeadamente, com os argumentos de oportunidade que podem ser mobilizados no sentido de contrariar tal incorporação, nesta revisão, no nosso ordenamento constitucional.
Em primeiro lugar, considera o Sr. Professor que o efeito compensador do processo de desapossamento da Assembleia, certamente muito estimulado e agravado pelo novo ordenamento decorrente do Tratado de Maastricht, poderá ser alcançado satisfatoriamente com uma simples melhor utilização da legislação ordinária existente nesta matéria, a Lei n.° 111/88?
O segundo argumento sobre o qual gostava de ouvir a opinião de V. Exa. tem a ver com o facto de poder dizer-se que há algo de exorbitante numa revisão europeia da Constituição, que visa ajustar o ordenamento constitucional português à actualidade da construção europeia, ao enxertar-se algo que tem a ver com as relações entre órgãos de soberania e, portanto, com a introdução de inovações num domínio, à primeira vista, não abrangido por esse ajustamento do ordenamento constitucional português ao Tratado de Maastricht.
Sr. Professor, consideraria equilibrado que, neste ajustamento que a actualidade da construção europeia ora nos pede, nos ficássemos por uma simples remoção de obstáculos e por uma autorização de transferência de competências, sem nada de novo a compensar este efeito?
Nomeadamente, pedir-lhe-ia que classificasse os efeitos previsíveis sobre o sistema constitucional português de uma operação que se saldasse apenas por essas remoções e pela autorização de transferências ou de exercício em comum de competências.
A outra pergunta que desejo colocar a V. Exa. tem a ver com uma matéria que não referiu, que é a da inclusão do princípio da subsidiariedade no texto constitucional, presente num certo número de projectos apresentados. Gostava de ouvir o comentário de V. Exa. acerca das implicações e do alcance que terá a incorporação no direito constitucional português, pela primeira vez ao que julgo, deste conceito e que aspectos é que V. Ex.a entende que deveriam ser especialmente tidos em conta na ponderação desta inovação no plano da decisão constitucional.
Por último, quero dizer ao Sr. Prof. Doutor Jorge Miranda que os argumentos que aqui apresentou no sentido de concluir que o artigo 33.° da Constituição não mereceria qualquer alteração são inteiramente coincidentes com aqueles - como aliás já tive a ocasião de expressar noutra altura - que levaram o Partido Socialista a não propor qualquer espécie de modificação em tal sede.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Prof. Doutor Jorge Miranda.
O Sr. Prof. Doutor Jorge Miranda: - Em relação às três primeiras perguntas que o Sr. Deputado formulou, julgo que da minha exposição já se depreenderá a posição que adopto, ou seja, a resposta que lhes posso dar.
A meu ver, não se trata de um aumento de poderes - volto a dizer - da Assembleia da República, mas de um reequilíbrio. Não se tratará de bulir com o sistema de órgãos de soberania tal como se encontra desenhado na Constituição, mas de - tendo em conta a nova realidade existente desde 1986 e os desenvolvimentos previsíveis dos próximos anos, sobretudo com Maastricht - proceder a um reequilíbrio, sem esquecer os desenvolvimentos que vão fluir do Tratado de Maastricht e daquilo que se prevê que venha a ser a União Europeia.
Insisto: não está em causa aumentar os poderes de um órgão em detrimento dos de outro, mas em reequilibrá-los ou em proceder, como na França e na Alemanha, à adaptação a uma nova realidade. O Governo não é minimamente posto em causa nas suas competências, mas, se se quisesse ultrapassar qualquer dúvida, poderia, no artigo 200.° da Constituição, estabelecer-se uma norma ou alínea relativa à competência exclusiva do Governo de definição da orientação política de Portugal nos órgãos da União Europeia ou de organizações internacionais.
Neste momento, a matéria consta da Lei n.° 111/88. Mas, além de insuficiente, é uma lei ordinária e a matéria tem dignidade constitucional. Ora, desde que se vai fazer uma revisão constitucional a consagrar expressamente a integração europeia, desde que temos já na Constituição a referência ao Parlamento Europeu, não vejo como é que a Constituição, a respeito das competências da Assembleia da República, pode continuar omissa e lacunosa, deve silenciar ou fazer de conta que tudo se passa como se fosse a Assembleia da República de 1976.
A segunda pergunta tem uma resposta imediatamente nessa linha. Com efeito, não vejo como, hoje, em Portugal, ou em qualquer país integrado nas Comunidades, as relações entre órgãos de soberania possam ser pensadas à margem das Comunidades Europeias, porque se sabe que as Comunidades - seja qual for o qualificativo que lhe dermos, seja qual for o progresso que venha a haver - têm uma importância determinante em toda a vida política, económica e social, quer queiramos quer não.
Quanto ao princípio da subsidiariedade, ele consta do Tratado de Maastricht, mas ninguém ainda sabe muito bem o que é que significa. Por mim, tenho muitas dúvidas e alguns temores.
O princípio da subsidiariedade foi formulado pela doutrina social da Igreja no sentido de uma limitação do poder do Estado, mas partindo da ideia de que o poder determinante é o poder do Estado. O Estado é que é a entidade central, a entidade dotada de poder e que, em princípio, pode fazer tudo menos aquilo que possa ser feito melhor ou mais proximamente pelas sociedades ditas menores: as famílias, as autarquias locais, as associações, etc.
Transpondo para a perspectiva europeia, poderá, então, dizer-se que já se está a assumir a ideia de que a Comunidade está a nível do Estado, que é equivalente ao Estado, e os Estados são postos no mesmo pé das autarquias locais, das famílias, de sindicatos ou de universidades, etc. Por isso, receio que o princípio da subsidiariedade possa ser entendido neste sentido. È receio tanto mais quanto é certo que, amanhã, ele será interpretado pelos órgãos